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A questão salarial revisitada : exército industrial de reserva e heterogeneidade estrutural

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Academic year: 2021

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GUSTAVO JOSÉ DANIELI ZULLO

A questão salarial revisitada: exército industrial de reserva e

heterogeneidade estrutural

Campinas

2014

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Agradecimentos

Diversas pessoas me acompanharam no decorrer deste longo e turbulento processo que foi o mestrado. As amizades vieram e ficaram de várias formas, cada uma a sua maneira. Na conversa fiada jogada durante horas, as melhores horas, só para passar o tempo, sem pretensões. Nos debates propriamente científicos, nem sempre possíveis de distinguir dos momentos mais descontraídos, o convívio de grandes parceiros e parceiras que muito me ajudaram no amadurecimento pessoal e intelectual. Nas rodas de capoeira, nas mesas de bar, na biblioteca, nas salas de aula, nos corredores, etc. Onde quer que fosse e qualquer que tenha sido o contato, todos contribuíram para fazer da dura arte de escrever uma dissertação algo mais agradável. Fica a certeza de ter aprendido muito nesse período. A pessoa que entrou em 2011 já não é, sem sombra de dúvida, a mesma que sai agora. Obrigado a todos vocês!

Não poderia deixar de agradecer ao Fábio Antonio de Campos, meu orientador. Seu rigor acadêmico, sua paciência e dedicação como professor me serviram de exemplo e estímulo intelectual desde que nos conhecemos. Sua contribuição para a conclusão deste trabalho é simplesmente fundamental. Sempre disposto ao diálogo honesto, tolerante com minhas limitações, superou as já grandes e eletrizantes impressões que tinha antes de tê-lo como meu orientador. Suas leituras atentas e pormenorizadas, assim como seus comentários perspicazes, seguramente colaboraram para que minha percepção do objeto de pesquisa se tornasse um pouco menos restrita.

Também agradeço ao professor Plínio Soares de Arruda Sampaio Jr., que foi quem me mostrou a trilha a seguir. Sua acolhida muito me ajudou na formulação de uma pergunta adequada aos meus anseios e inquietações.

Nesta caminhada também devo ao professor Marcio Pochmann, com quem me reencontro após tê-lo como meu primeiro guia no trabalho acadêmico, nos idos de 2006-2007. Agora, nesta nova ocasião, deixo aqui também meu agradecimento às observações e aos comentários na banca de defesa, sempre buscando uma abordagem mais ampla para um problema que não se esgota em problematizações limitadas no tempo e na coragem.

Ao professor Alexandre Macchione Saes, não poderia deixar de agradecê-lo por participar da defesa desta dissertação. Seus comentários, fruto da leitura atenta, contribuíram para uma melhor compreensão das especificidades da questão nacional e da necessidade de expô-las dentro

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de um quadro maior, que é o modo de produção capitalista. Suas críticas, seguramente, colaboraram para uma melhor compreensão acerca da natureza de um trabalho científico.

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“A procura por homens regula necessariamente a produção de

homens assim como de qualquer outra mercadoria. Se a oferta é

muito maior que a procura, então uma parte dos trabalhadores cai na situação de miséria ou na morte pela fome. A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interessa por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende, depende do capricho do rico e do capitalista.”

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Resumo

O objetivo desta dissertação consiste em evidenciar que a economia brasileira está estruturalmente baseada em um baixo padrão de remuneração. Inicialmente amparados pela discussão sobre a marginalidade social, quando no primeiro capítulo fazemos um breve balanço do debate travado nos anos 1970 sobre suas origens econômicas, buscamos sintetizar as diferentes posições sobre os efeitos que a dominação do capital monopolista exerceu sobre o mercado de trabalho. Desse debate surgem duas concepções distintas e que, consequentemente, redundam em metodologias diferentes para quantificar a heterogeneidade que é própria de economias dependentes e de origem colonial, como a brasileira. A primeira dessas, que examinamos analiticamente no segundo capítulo, distingue as formas de trabalho em duas categorias: formal e informal. Sobre essa abordagem, antes de salientarmos de forma direta as deficiências inerentes a tal classificação, destacamos que alguns de seus pressupostos não estavam balizados pela formação econômico-social do país. Pensada dentro de um arcabouço teórico que julgava que o desenvolvimento capitalista brasileiro seria suficiente para homogeneizar as estruturas econômicas e sociais, essa concepção subestima a dependência como uma força que delimita as potencialidades nacionais. Por outro lado, no terceiro capítulo, nos valemos de uma metodologia que, desagregando os ocupados entre empregados e subempregados, enfatiza mais fortemente as interações entre as estruturas agrária e urbana. Mais especificamente, analisamos a repercussão do processo de urbanização ocorrido em meados do século XX sobre o mercado de trabalho nos últimos trinta anos, período em que a heterogeneidade estrutural, ainda que sob novas formas, é reafirmada como singularidade nacional.

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Abstract

The aim of this work is to emphasize that the Brazilian economy is structurally based on a low standard of remuneration. Initially supported by the discussion about social marginality, when in the first chapter we give a brief assessment of the debate of the 70’s on their economic backgrounds, we seek to synthesize the different positions on the effects that the domination of monopoly capital had on the labor market. This debate arises two distinct conceptions and therefore, originates different methodologies to quantify the heterogeneity that is typical of dependent economies and with colonial origins such as the Brazilian. The first of these, we examine analytically in the second chapter, we distinguish the forms of work into two categories: formal and informal. On this approach before we emphasize directly the inherent shortcomings of this classification, we point out that some of their assumptions were not justified by the socioeconomic structure of the country. Conceived within a theoretical framework that thought the capitalist development was enough to homogenize the economic and social structures, this conception underestimates the dependence as a force that delimits the national potential. On the other hand, in the third chapter, where we make use of a methodology that disaggregates the occupied labor force between employees and underemployed, we more strongly emphasize the interactions between agrarian and urban structures. More specifically, we analyze the impact of the urbanization process occurred in the mid-twentieth century on the labor market over the past thirty years, a period in which the structural heterogeneity, albeit in new forms, is reaffirmed as national singularity.

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LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS

Tabelas

Tabela 1 – Distribuição e participação do subemprego, emprego e ocupação, Brasil ... 97 Tabela 2 – Distribuição e participação do subemprego, emprego e da ocupação, Brasil ... 99 Tabela 3 – Variações anuais do subemprego, emprego e ocupação (%) ... 102 Tabela 4 – Coeficiente de variação da remuneração

média do trabalho principal do setor secundário, em R$ de 2010 ...107 Tabela 5 – Coeficiente de variação da remuneração

média do trabalho principal do setor terciário, em R$ de 2010 ... 107 Tabela A.1 – Estrutura e taxas anuais de crescimento do emprego no setor secundário... 124 Tabela A.2 – Participação dos ocupados do setor secundário sobre a ocupação total, em % ... 125 Tabela A.3 – Emprego e subemprego no setor terciário ...126 Tabela A.4 – Participação dos ocupados do setor secundário sobre a ocupação total ... 127 Tabela A.5 – Remuneração média do trabalho

principal no setor secundário, em R$ de 2010 ... 128 Tabela A.6 – Remuneração média do trabalho principal no setor terciário, em R$ de 2010 ...129 Tabela A.7 – Remuneração média do trabalho

Principal, segundo setores de atividade, em R$ de 2010 ... 130 Tabela A.8 – Coeficiente de variação do salário nominal, segundo setores de atividade ... 130 Tabela A.9 – População Ocupada, Brasil, 1980-2010 ... 131

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Gráficos

Gráfico 1 – Participação do emprego do setor secundário sobre a ocupação total, em % ... 94 Gráfico 2 – Participação do subemprego do setor secundário sobre a ocupação total, em % .... 95 Gráfico 3 – Participação do subemprego na indústria dinâmica, Brasil em % ... 96 Gráfico 4 – Participação do subemprego sobre a ocupação total, Brasil, em % ... 98 Gráfico 5 – Subemprego, Brasil, em milhões ...99 Gráfico 6 – Participação do subemprego do setor primário e do

subsetor de serviços pessoais, similares e outros na ocupação total, Brasil, em % ... 100 Gráfico 7 – Crescimento do subemprego no subsetor

de Serviços Pessoais, Similares e Outros, Brasil, em milhões ... 101 Gráfico 8 – Subemprego no subsetor de

Serviços Pessoais, Similares e Outros, Brasil, em % ... 102

Gráfico 9 – Evolução do Salário Mínimo Real, 1960-2013, em R$ de 2010 ... 104 Gráfico 10 – Remuneração média do trabalho principal dos

Demais empregados dos setores secundário e terciário, em R$ de 2010 ... 105

Gráfico 11 – Remuneração média do trabalho principal

dos Empregados das Indústrias Manufatureiras, em R$ de 2010 ... 105 Gráfico 12 – Remuneração média do trabalho

principal dos Subempregados do setor secundário, em R$ de 2010 ... 106 Gráfico 13 – Remuneração média do trabalho

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SUMÁRIO

Introdução ... 01

Capítulo I: Exército industrial de reserva e marginalidade urbana ... 09

1.1 A construção teórica de um mercado de trabalho segmentado ... 12

1.1.1 Anibal Quijano ... 12

1.1.2 José Nun ... 18

1.2 A opção teórica por um único mercado de trabalho ... 24

1.2.1 Fernando Henrique Cardoso ... 24

1.2.2 Francisco de Oliveira ... 27

1.2.3 Lúcio Kowarick ... 34

Conclusão ... 40

Capítulo II: Industrialização tardia e absorção da superpopulação relativa ... 47

2.1 Segmentação do mercado de trabalho e dinâmica industrial ... 49

2.2 Salário e mão de obra “excedente” numa economia de industrialização avançada de capitalismo tardio e periférico ... 55

Conclusão ... 61

Capítulo 3: Heterogeneidade estrutural e subemprego ... 65

3.1 Perspectivas teóricas da heterogeneidade estrutural e subemprego ... 66

3.1.1 Aníbal Pinto ... 67

3.1.2 Octavio Rodríguez ... 72

3.2 Dinâmica do mercado de trabalho ... 77

3.2.1 Nota metodológica ... 77

3.2.2 Dinâmica do mercado de trabalho, 1960-1980 ... 83

3.2.3 Dinâmica da ocupação, 1980-2010 ... 88 3.2.4 Remuneração do trabalho, 1980-2010 ... 103 Conclusão ... 108 Considerações Finais ... 111 Referências Bibliográficas ... 117 Anexo Estatístico ... 123

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Introdução

Evidentemente, a questão é como o indivíduo veio a ocupar esse ‘papel social’ e como a organização social específica (com seus direitos de propriedade específica e estrutura de autoridade) aí chegou.

E. P. Thompson. A formação da classe operária inglesa

O debate atual sobre as mudanças ocorridas no mercado de trabalho tende a valorizar, acima de tudo, o aumento da participação dos trabalhadores formais na última década, o que necessariamente restringe a discussão ao curto prazo. Todavia, dentro de um horizonte um pouco mais dilatado, constata-se que as mudanças ocorridas no período recente não representam qualquer mudança significativa no padrão de ocupação e remuneração do trabalho assalariado no capitalismo brasileiro, o que evidencia que o debate atual deixa para um segundo plano o fato de que a estrutura ocupacional ainda conta com ampla participação de trabalhadores informais. De forma análoga, os determinantes da renda do trabalho, assim como suas relações com as estruturas econômicas do país, não são sequer problematizados. Como consequência, escasseiam também discussões sobre as razões sobre sua permanência. Ancorado em análises de conjuntura econômica, o debate atual, portanto, escapa de temas fundamentais para explicar as razões de o crescimento econômico dos últimos anos não ter impulsionado uma mudança mais contundente nas estruturas de renda e ocupação.

Todavia, no nosso entendimento, não apenas é insuficiente pautar esta discussão somente pelas relações mais diretas entre crescimento da atividade econômica e absorção de mão de obra como também é fundamental questionar o próprio caráter das relações entre empregados e empregadores no modo de produção capitalista; relações que não se esgotam apenas no ambiente de trabalho. De modo geral, entendemos que uma investigação que se propõe a entender as razões mais profundas da permanência de um contingente tão elevado de trabalhadores mal remunerados deve, necessariamente, evidenciar a contradição básica do capitalismo, que é a contradição entre

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capital e trabalho. Mas não apenas isso. Cabe entender os motivos que fazem do mercado de trabalho da economia brasileira um espaço continuamente marcado pela heterogeneidade estrutural. Em outros termos, propomo-nos a compreender qual a forma particular que o exército industrial de reserva, expressão dessa contradição, assume em um país de formação colonial e que preservou sua condição de dependente no decorrer do processo capitalista de desenvolvimento. Em suma, trata-se tanto de apontar os mecanismos econômicos, urbanos e rurais que operam dinamicamente a concentração de renda, como também de demonstrar empiricamente o volume dessa desigualdade através das estruturas de renda e de ocupação.

Para cumprir essas tarefas, será necessário uma volta ao passado, mais precisamente a meados do século XX. Só dessa maneira podemos ter clareza do caráter estrutural com que a dinâmica econômica é operacionalizada para conservar privilégios sociais e poderes econômicos e políticos nas mãos da burguesia compósita1 no momento em que o país passava por processos de industrialização e urbanização bastante característicos de países periféricos. Combinados e marcados pela manutenção da segregação social na cidade e no campo, esses dois movimentos alteraram a forma como essa segregação emergia à superfície, mas não sua essência. Sem compreendermos quais eram os determinantes, as dimensões e as características fundamentais do mercado de trabalho nessa época, não podemos visualizar quais foram as permanências e quais foram as mudanças entre o período de intensificação desses processos – compreendido entre os anos 1950-1970 – e o período posterior, 1980-2010, quando a indústria e o emprego industrial sofrem forte retração e alteram radicalmente as ilusões que se desenhavam no momento anterior. Mas este trabalho não deve se constituir apenas de uma demonstração das novas e das velhas formas de ocupação que são reinventadas pela modernidade. Procuraremos encontrar na política econômica, que também deve ser entendida como expressão de uma burguesia dependente que recorre constantemente à violência econômica e à violência policial, os indícios que nos permitem identificar se houve alguma mudança nos princípios que norteiam a evolução da segregação social ou se houve apenas uma mudança na forma e nas técnicas empregadas para atingir-se o objetivo maior – que aqui entendemos como sendo a manutenção de privilégios aos privilegiados através da manutenção da segregação social, ainda que esta assuma novas formas.

1 É Florestan Fernandes quem assim denomina a burguesia brasileira: compósita, o que alude precisamente a um

grupo bastante heterogêneo, ainda que bastante unido em torno da manutenção de seus privilégios e poderes enquanto classe social de um país subdesenvolvido e dependente. Dentre outras referências, ver Fernandes (2005, p. 35).

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Ou seja, ao invés de analisarmos a política econômica em si, procuraremos apontar as mútuas conexões entre esta e a estrutura agrária, a estrutura industrial, a estrutura ocupacional e a estrutura de renda influenciam.

Nosso ponto de partida é, então, a discussão sobre a formação de uma marginalidade urbano-industrial. Todavia, as análises sobre a formação dessa população à margem das relações de produção que garantem uma participação mais efetiva na sociedade, na economia e na política, divergem muito uma da outra. Não há resposta única sobre esse processo, não havendo consenso sobre a origem e natureza do problema, tampouco sobre quais trabalhadores poderiam ser considerados marginais, por exemplo. Em síntese, esta discussão, saída fundamentalmente da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), discutia o escopo e as causas da marginalidade por meio de duas perspectivas bastante diferentes e que serão destacadas no primeiro capítulo desta dissertação. De um lado, Anibal Quijano e José Nun apontam a marginalidade como expressão de uma dualidade tanto na esfera produtiva como no mercado de trabalho, sendo decisiva a forma com que se inserem as empresas transnacionais nos espaços econômicos dos países latino-americanos. De outro, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira e Lúcio Kowarick restituem a unidade tanto do mercado de trabalho quanto da economia como um todo, colocando a discussão em patamares um tanto quanto diferentes, nos quais se reconhece a heterogeneidade que singulariza a periferia do capitalismo sem recorrer necessariamente a uma categoria nova para explicá-la, como o fizeram Quijano e Nun.

Os dois primeiros autores identificaram que essa particularidade latino-americana requeria uma distinção analítica para sua compreensão. Para eles, não seria adequado entender que o processo que ocorrera nos países centrais poderia ser mecanicamente transposto aos países latino-americanos. Na periferia do capitalismo, as mudanças que levaram séculos para tomar lugar no centro teriam sido impostas de forma repentina, ocasionando permanentemente uma série de transtornos que não teriam sido contornados como em outras formações socioeconômicas. Consequentemente, nem todos os trabalhadores teriam condições de serem incorporados aos setores introduzidos pelo capital externo. Nem todos os trabalhadores teriam condições de produzir e valorizar capital, e essa parcela seria justamente aquela porção que viveria à margem, o que representaria, em última análise, uma negação parcial da contradição do modo de produção capitalista. Nesse sentido, haveria a necessidade de se compatibilizar e complementar a teoria

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marxiana, o que resultaria na criação das categorias polo marginal, para Quijano, e massa

marginal, para Nun.

Por outro lado, os demais autores entendiam que não havia qualquer necessidade de fazer essa complementação. Para Cardoso, Oliveira e Kowarick, o exército industrial de reserva era uma categoria tão válida para o estudo dos fenômenos relacionados ao mercado de trabalho dos países periféricos quanto o era para os países do centro, pois entendiam que a totalidade da classe trabalhadora estava a serviço do capital, ainda que nem todos produzissem valor em estabelecimentos voltados à acumulação de capital. De tal modo, trazia-se a contradição imanente do capital a toda a população trabalhadora, e não apenas a uma parcela da mesma. Mas Oliveira e Kowarick, que orientam a discussão para a realidade concreta latino-americana, não poderiam fazê-lo sem evidenciar as singularidades de um país periférico como o Brasil. Ambos os autores, sobretudo Francisco de Oliveira, salientam como as estruturas de dominação de classe contribuem para fazer da industrialização um instrumento de conservação de privilégios e, consequentemente, de segregação socioeconômica em todo o país, ressaltando os nexos entre campo e cidade, e entre os próprios trabalhadores urbanos, na geração e valorização do capital. De todo modo, esses autores entendem que não haveria razões para crer que no capitalismo periférico a contradição entre capital e trabalho estaria restrita a apenas uma fração do operariado. A necessidade geral de vender a força de trabalho, renovada pela burguesia a cada etapa, seria a expressão de que todos os trabalhadores estariam em posição antagônica perante o capital.

Ou seja, esse debate rendeu duas posições com diferenças marcantes entre si, e ambas as interpretações sobre o tamanho do proletariado derivam, por sua vez, de dois diapasões distintos. De um lado, entende-se que a luta de classes seria o catalisador dos processos capitalistas, como o são as relações que envolvem expansão econômica e formação do exército industrial de reserva como expressão plena da contradição. De outro, as análises que restringem o tamanho do proletariado, baseadas na lei do valor, entendem que as organizações imperialistas teriam retirado do conflito entre capital e trabalho a capacidade de interferir na evolução capitalista – ao menos nessas formas de produzir, hegemônicas, a luta de classes teria sido basicamente trazida à nulidade ou, em outros termos, a contradição teria sido negada.

Já nos capítulos seguintes, evidenciaremos análises tributárias àquelas expostas no primeiro capítulo, destacando, no segundo, uma interpretação que deriva diretamente das contribuições de José Nun. Aqui, as análises sobre a marginalidade são convertidas em uma

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divisão da economia também em dois setores, ainda que tenha sido superada a dualidade, evidenciando um grau maior de sofisticação com relação ao sociólogo argentino. De um lado, estariam os setores formais, em que os empregados contribuiriam para a valorização do capital. De outro, os informais, que poderiam ser absorvidos em decorrência das flutuações econômicas ou devido à destruição de formas arcaicas de organizar a produção que os caracterizaria, conferindo ao mercado de trabalho uma fluidez que nele antes não havia.

Contudo, o caráter contraditório do exército industrial de reserva não é, de modo algum, salientado pelos autores trabalhados nesse capítulo, como o são Paulo Renato Costa Souza, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Maria da Conceição Tavares. Para estes, o exército industrial de reserva seria, acima de tudo, um mecanismo que regularia as porções com que capital e trabalho seriam combinados no processo produtivo, cuja dinâmica tenderia a ser autonomizada pelo capital, na medida em que a concorrência intercapitalista avançava para sua fase oligopolista.

Conforme as empresas transnacionais ganhavam espaço na economia brasileira, liderando os investimentos e a absorção de mão de obra nos setores dinâmicos, o país adquiria, segundo os autores, uma dinâmica tipicamente capitalista que se afastava das formas arcaicas de organizar a produção e dos resquícios desse passado, como o eram o êxodo rural e a marginalidade urbana, que seriam absorvidos pelas formas tipicamente capitalistas de organizar a produção. De tal modo, a nova dinâmica introduzida pelas grandes empresas seria autônoma, não havendo maiores relações com o passado colonial e com as formas de pobreza que lhe eram subjacentes. O único contato entre essas duas realidades, do ponto de vista do trabalho, seriam os trabalhadores que ora estariam ocupados no setor formal, ora no informal, e vice-versa. As relações de dominação e de produção que predominaram antes da chegada das empresas transnacionais, e que continuaram a existir após a chegada dessas organizações, não guardariam nexos fundamentais com a expansão de uma economia urbana e tipicamente capitalista baseada em baixos salários.

É nesse aspecto específico, portanto, que podemos observar a interpretação do exército industrial de reserva representar a expressão no capitalismo para esse conjunto de autores. Para eles, não haveria qualquer instrumento de regulação entre capital e trabalho que não a própria concorrência intercapitalista. Assim, apesar de reconhecido o antagonismo entre capital e trabalho, este já não delimitaria nem representaria qualquer estímulo à forma que toma o avanço do capitalismo no país. Este, na verdade, refletiria os termos em que a competição entre os grandes capitais ocorre.

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No terceiro e derradeiro capítulo, busca-se resgatar interpretações mais próximas às de Francisco de Oliveira e Lúcio Kowarick, para quem o exército industrial de reserva teria sua capacidade de expressar a contradição entre capital e trabalho no capitalismo brasileiro. Ao contrário das posições destacadas no segundo capítulo, não apenas entendemos não haver razões para centralizarmos nossa análise sobre a indústria de transformação da economia urbana, como também entendemos ser de fundamental importância exibir uma análise que integre os setores primário, secundário e terciário. Para esse trabalho, valemo-nos das análises de Aníbal Pinto e, sobretudo, de Octávio Rodríguez. Enquanto o primeiro articula o conceito de heterogeneidade estrutural, expondo a variedade de condições que predomina nas estruturas ocupacional e produtiva, o segundo propõe uma tipologia para analisar o mercado de trabalho. Partindo também da ideia de marginalidade, esse autor estabelece que os ocupados seriam classificados em

empregados e subempregados.

A integração das porções rural e urbana do mercado de trabalho permite uma dimensão mais precisa das influências que a aceleração das atividades urbano-industriais tiveram sobre a população e a economia rurais, assim como a identificação do impacto do êxodo rural sobre a economia urbana. Em suma, podemos identificar quais as alterações na composição da estrutura ocupacional que verificamos a partir da intensificação da industrialização no Brasil. Na sequência, podemos acompanhar como o mercado de trabalho vem se comportando nos últimos trinta anos – 1980-2010 –, quando percebemos não apenas que é substancial a heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho, como também que, nesse período, a participação de subempregados vem sendo preservada dentro de um patamar elevado e estável; esse comportamento pode ser creditado diretamente à obsoletização do parque industrial nacional, à desindustrialização e à radicalização das políticas neoliberais no país. Na somatória desses elementos, observamos que, acima da conjuntura, a estrutura do mercado capitalista mundial – na qual a economia brasileira está inserida de forma subordinada – impõe condições que não coincidem com um desenvolvimento capitalista autônomo nem muito menos com a obtenção do desenvolvimento nacional. Mas não podemos nos limitar a entender esse conjunto de processos como sendo apenas de responsabilidade externa. A questão agrária, em particular, oferece-nos um exemplo cristalino do funcionamento das estruturas de poder que caminham no sentido de preservar privilégios sociais, funcionando de forma orgânica aos interesses do desenvolvimento capitalista liderado pelas empresas transnacionais em meados do século passado, por exemplo.

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Por fim, cabe destacar que entendemos não ser possível compreender a persistência de uma heterogeneidade tão elevada no mercado de trabalho brasileiro se as respostas não forem buscadas no caráter específico que tem a associação entre as estruturas do capitalismo brasileiro e o mercado capitalista mundial. A violência com que operam os mecanismos de mercado, aliada de uma burguesia violenta e autoritária, é essencial para entendermos como a contradição entre capital e trabalho se manifesta no país – é o que procuraremos salientar ao longo de todo este trabalho, mais precisamente, e sob um ponto de vista circunscrito à economia, procuraremos delinear como as estruturas internas de dominação absorveram as mudanças orientadas desde o centro capitalista. Como afirma a epígrafe desta introdução, não podemos negligenciar as estruturas de poder, as formas como foram organizadas nem como se manifestam na economia a cada nova etapa do capitalismo.

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Capítulo 1 – Exército industrial de reserva e marginalidade urbana

A América Latina propôs os dilemas da urbanização com dramática intensidade a partir de 1940. O êxodo rural orientou para as cidades maiores [...] os imigrantes afluem para as cidades, e continuarão a afluir, em número que supera a capacidade das economias urbanas criarem emprego estável. [...] Trata-se, antes, de uma tendência a longo prazo, sem precedentes na experiência ocidental recente, embora encontre muitos paralelos no resto do tiers monde.

R. M. Morse. Formação histórica de São Paulo

Em linhas gerais, este capítulo constitui-se em um balanço do debate, ocorrido nos anos 1970, sobre a marginalidade social observada nas décadas anteriores, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960. Versando sobre as transformações sofridas pelo trabalho ao longo dos processos de industrialização e urbanização dos países latino-americanos, a discussão busca argumentos para enquadrar apropriadamente a categoria exército industrial de reserva na realidade latino-americana.3 Ainda que Karl Marx tenha direcionado seu exame sobre a realidade europeia de meados do século XIX, na qual os processos de industrialização e urbanização convertiam milhares de camponeses e artesão urbanos em proletários, existe algo em sua interpretação que permite identificar o que há de fundamental em todo e qualquer processo capitalista. Tendo evidenciado as contradições entre capital e trabalho, Marx destacou a peculiaridade que este assume no capitalismo. Ao contrário dos demais modos de produção, quando o trabalho estava incorporado à comunidade e nela estava integrado de acordo com os costumes e as tradições, sob o capitalismo o trabalho é transformado em uma mercadoria e está sujeito às leis da oferta e da procura como qualquer outra mercadoria. Por essa razão, pode-se identificar que tanto na Europa do século XIX como na América Latina do século XX havia processos nacionais de formação do

3 Nesta introdução, nos deteremos na análise d’O capital, optando por deixar de lado as reflexões inscritas nos

Grundrisse, uma vez que as possibilidades interpretativas relativas ao exército industrial de reserva que emergem

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mercado de trabalho, o que necessariamente requeria um grande número de trabalhadores que não possuía os meios de produção com os quais executava diretamente suas atividades produtivas. Necessitavam vender sua força de trabalho no mercado para terem acesso a um salário que – ao menos em tese – lhes garantiria a subsistência. Em suma, a difusão da condição assalariada é absolutamente fundamental para o estabelecimento do capitalismo, o que seguramente ganha intensidade quando o processo de centralização de capital estabelece a acumulação capitalista em um patamar muito superior ao da “mera” concentração. Nessas condições, nota-se que não apenas a reprodução do capital ganha em intensidade e volume como também a reprodução das relações capitalistas assume um caráter ampliado, o que significa dizer que a reprodução ampliada de capital leva a um número maior de capitalistas e de assalariados.4 Segundo o próprio Marx,

A reprodução da força de trabalho, que tem incessantemente de se incorporar ao capital como meio de valorização, que não pode desligar-se dele e cuja submissão ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais aos quais se vendem constitui, na realidade, um momento da reprodução do próprio capital. Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado.5

A centralização de capital, ao mesmo tempo em que conduz a esse resultado, necessita de sua reposição e, portanto, de grandes massas humanas disponíveis – pelo desemprego e “semiemprego”6

– aos requisitos súbitos e derivados de sua expansão, sem que, contudo, isso leve a uma quebra na escala de produção alcançada em outras esferas. As populações das cidades e do campo que produziam nas sweat houses, oficinas e outras unidades produtivas somavam um só corpo, expropriados de seus meios de produção, obrigados a estarem todos concentrados no meio urbano, onde passam a servir sua força de trabalho nas manufaturas e nas grandes fábricas, onde há amplo uso da grande maquinaria. Em outras palavras, o processo de acumulação do capital determina uma superpopulação disponível à valorização do capital, ainda que nem todos

4 Marx (2013, p. 690-703). 5 Idem, ibidem, p. 690.

6 De acordo com Marx (2013, p. 716-723), o exército industrial de reserva, ou superpopulação relativa, é composto

por todo trabalhador que por algum tempo estaria parcial ou totalmente desocupado, sendo quatro as suas formas: flutuante, latente, estagnada e pauperismo.

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os trabalhadores estejam, em um determinado momento, empenhados diretamente na geração de valor ou disponíveis a terem sua força de trabalho incorporada à produção capitalista.7

Todavia, essas afirmações, ainda que fundamentais para entender todo e qualquer processo capitalista, não são suficientes para desvendarmos como a formação do exército industrial de reserva ocorre em cada país. Ainda que existam traços comuns, cada lugar guarda suas peculiaridades, como é o caso do Brasil e da América Latina, com seu passado colonial. Servir de base ao crescimento metropolitano fez com que nas ex-colônias estivessem desvinculados a valorização de capital e o mercado interno, o que é agravado no momento de inserção do capital monopolista que, ao mesmo tempo, foi um momento de grande crescimento das cidades industriais na periferia do capitalismo. Como resultado, a população de desempregados e de “semiempregados” que surge nas maiores cidades da região é muito maior do que a que existia nos países desenvolvidos no momento de sua industrialização.

Em virtude dessas diferenças, em que pesem as semelhanças partilhadas entre todos os processos de caráter capitalista, o referido debate latino-americano sobre a marginalidade tentava compreender as suas idiossincrasias. Sinteticamente, procurava-se tanto averiguar se a categoria exército industrial de reserva era suficiente para abarcar uma realidade tão distinta daquela em que Marx projetara sua análise, quanto apreender como a industrialização periférica gerava um volume tão grande de trabalhadores urbanos que aparentemente não estava diretamente relacionado à valorização de capital.

Pautada na análise das relações entre as estruturas produtiva e ocupacional, a discussão clássica sobre a marginalidade latino-americana pretendeu elucidar se seus respectivos processos de industrialização teriam criado uma dualidade socioeconômica. Mais especificamente, questionava-se a possibilidade de haver efetivamente dois mercados de trabalho: um pertencente ao setor monopolista recém-instalado e outro que serviria às demais atividades.

Ao longo deste capítulo, destacaremos cinco abordagens de alguma maneira enredadas pelo arcabouço teórico cepalino e marxista, destacando Anibal Quijano, José Nun, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira e Lúcio Kowarick. Esses autores buscaram as respostas sobre a formação da singularidade latino-americana fundamentalmente nos impactos da inserção de setores econômicos monopolistas no mercado de trabalho. O impacto que as novas plantas

7 Idem, ibidem, p. 707-708. Além das observações de Marx, outros autores colaboram para uma compreensão da

formação do capitalismo, da indústria moderna e da classe operária. Dentre estes, destacamos Fernand Braudel (2009), Karl Polanyi (2012) e E. P. Thompson (1997, 2001).

(33)

12

produtivas causaram nesses ambientes será mensurado pelo diapasão de cada um desses autores para compreender a evolução e a dinâmica econômica em perspectiva.

1.1 A construção teórica de um mercado de trabalho segmentado

Anibal Quijano e José Nun, sociólogos ligados à CEPAL, levaram ao paroxismo as consequências da industrialização dependente da América Latina sobre o mercado de trabalho, que foi por eles rígida e teoricamente segmentado em dois. Além dos diferentes ritmos e capacidades de acumulação, os autores apontam para algumas consequências que as diferenciações sociais trariam à inserção no mercado de trabalho, o que inibiria a sua fluidez.

1.1.1 Anibal Quijano

Um dos primeiros trabalhos a tratar a problemática da marginalidade na América Latina sob a perspectiva do estruturalismo histórico8 foi o de Anibal Quijano. Dentro desse registro analítico, a marginalidade seria compreendida dentro da problemática do subdesenvolvimento, dando atenção especial à América Latina. Seu foco seria “a situação social como tal e se refere, antes, aos grupos sociais”.9

Quijano afirma que tanto a vertente histórica quanto a funcionalista têm como problema comum a qualificação do que seria marginalidade, que convergiria numa identificação do problema como uma “falta de integração em”.10 Eis então que caberia ao estruturalismo histórico identificar os mecanismos que integram parcela expressiva da sociedade apenas de modo marginal,11 o que não se conseguiria entender senão pela oposição a um polo dominante. O conflito e a dominação de grupos/classes sociais assumiriam papel importante nas análises sobre a sociedade tal como está estruturada. Os elementos do polo dominante podem definir o caráter fundamental – ou básico – da sociedade, requisitando a existência e a reprodução

8

Essa definição se distancia daquela que o autor situa como uma teoria estrutural-funcionalista, da qual derivam análises sobre a personalidade marginal, oriunda da sociologia estadunidense. Para um breve panorama geral dessa vertente sociológica, ver o próprio Quijano (1978, p. 14-17). O autor adverte que essa vertente está associada à ideia schumpeteriana de empresário inovador, já que a saída da condição de marginal seria encontrada pelo próprio indivíduo, que tenta eliminar e/ou romper barreiras.

9 Quijano (1978, p. 18). 10 Idem, ibidem, p. 27.

11 Cardoso (1977, p. 172) identifica que nas análises de Quijano há um avanço importante em se considerar os

marginais não como um tipo não integrado, mas como uma forma peculiar e deficiente de integrar, pertencer e participar.

(34)

13

de populações marginais.12 Ao mesmo tempo, e de forma contraditória, os elementos marginais teriam uma “existência não derivada das tendências que movem a estrutura básica da sociedade, porém trazem à luz as limitações dessa estrutura básica em cada momento histórico e, por isso, as incongruências na integração da sociedade”.13

Com isso, Quijano salienta de forma contundente a existência de uma marginalidade radical, a qual, como já afirmamos, é necessária e eminentemente conflituosa no seio das sociedades, especialmente das sociedades dependentes, como as latino-americanas. Nesse sentido, indica que haveria um sistema social, político e econômico altamente hierarquizado nas sociedades latino-americanas, que, conforme destaca, são marcadas pela dependência estrutural fortemente relacionada ao imperialismo.14

A opulência de uns não poderia existir sem a marginalidade de outros. Nesse contexto, identifica que as causas primeiras da marginalidade residem nas relações de poder estabelecidas na sociedade, destacando que as técnicas produtivas dominantes muitas vezes são oriundas de países desenvolvidos. Tais técnicas, como as da construção civil, seriam incompatíveis com as reais possibilidades de grupos marginalizados, sobretudo pelas suas condições financeiras, absolutamente distantes de algo que permita a reprodução do padrão dominante.15 Ou seja, ainda que essas proposições apresentassem caráter ainda bastante incipiente, o autor já enunciava aquilo que estaria desenvolvido em The marginal pole of the economy and the marginalised

labour force: a ausência de relação entre marginalidade e exército industrial de reserva. Nesse

segundo texto, o autor aponta, em primeiro lugar, que todo um grupo social era necessariamente submetido a viver sob condições materiais precárias justamente por estar submetido a formas monopolistas de organizar a produção – estas, por sua vez, eram inseridas de forma plena,

12 Quijano (1978, p. 36) indica que seriam três os tipos de elementos estruturais: os dominantes/básicos, os

secundários e os marginais.

13 Idem, ibidem. Aqui, salientamos que o autor não é claro ao definir seus conceitos, o que dificulta a compreensão

de seu texto. Porém, é preciso tomar cuidado com essas afirmações, pois podem induzir a um pensamento que negligencia fortemente a possibilidade de que elementos marginais possam ser absorvidos ou transitem temporária ou permanentemente nas estruturas ditas básicas. Em outras palavras, não há uma análise da dinâmica capitalista a partir de elementos internos à própria sociedade, recorrendo-se a fatores externos para a explicação da heterogeneidade social e econômica.

14 Quijano (1974, p. 399-406; 1978, p. 50). 15

Segundo Quijano (1978, p. 20), no início das pesquisas sobre marginalidade, muitos dos esforços se direcionavam àquilo que o autor denomina ‘marginalidade como situação ecológica’, que se relaciona tanto ao local das residências, afastadas das zonas mais tradicionais de urbanização, como à precariedade ou inexistência de serviços comunitários básicos oferecido aos trabalhadores que compõem o exército industrial de reserva, fossem estes já moradores da cidade ou (i)migrantes. Todavia, chama-nos a atenção a ausência da motivação dos (i)migrantes na análise do autor, uma vez que suas preocupações concentram-se no avanço de setores industriais no meio urbano.

(35)

14

enquanto alguns elos da cadeia produtiva eram instalados, o que representava uma inserção abrupta e parcial/fragmentada.16 Em segundo lugar, e em consequência do primeiro conjunto de mudanças, sobretudo por causa da sofisticação da tecnologia empregada, uma parcela significativa da força de trabalho não teria a possibilidade de encontrar ocupação nesse nível da economia.17

Fica explícito que, para Quijano, a marginalidade está intimamente relacionada tanto a um sistema interno de dominação, que impõe a pobreza a uma massa enorme de pessoas, como a uma inserção dependente das formações latino-americanas no sistema econômico mundial.18 Mais fracas sob os pontos de vista político, militar e tecnológico, os grupos à margem dos níveis superiores não podem ser modificados pela simples ampliação da base dominante. Eliminar a marginalidade social seria o mesmo que subtrair o caráter básico das estruturas de dominação social. Nesses termos, Quijano afirma que a resolução da marginalidade não é questão de ajuste. É questão de modificação radical da estrutura de poder.19

A consideração de que é necessário dar acesso às populações marginais para a participação nos bens da sociedade e em seus processos de elaboração de decisões sociais gerais, sem modificar substantivamente mesmo o caráter da atual estrutura econômico-social dominante, implica apenas tratar de conseguir uma ampliação e alguma flexibilização da atual estrutura econômico-social dominante, a fim de acolher cada vez maior número de membros. Frente aos dados disponíveis, esta é uma perspectiva bastante otimista.20

A inserção dos setores monopolísticos, que representariam o nível dominante e hegemônico, cria bloqueios que impedem parte considerável da força de trabalho de ter acesso às ocupações e meios de produção tipicamente relacionados ao nível dominante. Essas novas formas de organizar a produção requisitariam outra quantidade e, principalmente, outra qualidade de força de trabalho. Esse processo, todavia, provoca uma expansão e uma precarização dos níveis

16

Quijano (1974, p. 397).

17 Idem, ibidem, p. 393.

18 A formulação de Quijano aproxima-se bastante da dupla articulação de Florestan Fernandes. Segundo o autor, “A

convergência de interesses internos e externos fazia da dominação burguesa uma fonte de estabilidade econômica e política, sendo esta vista como um componente essencial para o tipo de crescimento econômico, que ambos pretendiam, e para o estilo de vida político posto em prática pelas elites (e que servia de suporte ao padrão vigente de estabilidade econômica e política)” (2005, p. 243).

19 Nessa perspectiva, a entrada do capital monopolista gera os problemas de absorção de trabalho sem ser relacionada

adequadamente ao passado colonial.

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15

competitivo e marginal.21 Esses acontecimentos seriam característicos do processo latino-americano de transição ao capitalismo, que teria ocorrido de forma abrupta e parcial, uma vez que não só foi imposta de fora e de maneira fundamentalmente não-orgânica22 às formações latino-americanas, como também incorporou apenas fragmentos23 de elementos e processos das formações dominantes. Essa inserção, apesar de ser grandemente responsável pela expansão da produção na América Latina, foi incapaz de generalizar os efeitos da modernização para toda a matriz produtiva que ali existia previamente. Não só isso. Nota-se que elementos da matriz prévia não podem ser eliminados, o que provoca o seu ajustamento a uma nova estrutura produtiva articulada sob a hegemonia de uma nova forma de organizar a atividade econômica, o qual acirra ainda mais as desigualdades. Todavia, e ainda que o autor não coloque diretamente nesses termos, está claro que as esferas que dominam a política e a economia não são solidárias com a população, pois aqueles que dirigem a economia das formações nativas articulam-se subordinadamente aos interesses predominantes das formações dominantes do sistema. Os países dominados não têm autonomia sobre a lógica histórica que articula as estruturas hegemônicas dentro de seu próprio território. Nesse sentido, o autor argumenta que:

[a articulação dos interesses sociais hegemônicos a partir de dentro das formações latino-americanas depende] dos mecanismos de articulação ao nível mais elevado de desenvolvimento do sistema. [...] as leis específicas do sistema que governam seus modos específicos de estruturação dependem dos modos em que sua subordinação está articulada aos interesses de dominação social, que a cada momento, dentro destas formações, associa-se aos interesses sociais dominantes nas formações de desenvolvimento mais elevado do sistema.24 Os modos de organização introduzidos pelas formações mais avançadas do sistema interagem e subordinam as antigas articulações e produções, o que está longe de ser algo trivial

21 Quijano (1974, p. 406). Dada a importância que o autor confere ao caráter dependente e subordinado dos demais

níveis econômicos para com o polo hegemônico, cabe reforçar que “these are the result of determination which emerge from the monopolistic control of basic means of production in society.” [“esses são o resultado da determinação que emerge do controle monopolístico dos meios básicos de produção na sociedade.”].

22 De acordo com Quijano (1974, p. 395-396), uma incorporação não-orgânica seria aquela que não seria fruto do

desenvolvimento de formas de organização competitiva e internas à própria formação socioeconômica.

23 Quijano (1974, p. 396) é claro quando diz que “It is only the products of technology that reach us” [“São apenas os

produtos da tecnologia que chegam até nós”].

24 No original, Quijano (1976, p. 397) afirma: “those mechanisms of articulation of dominant interests, which

subordinate these socio-economic formations of those at the highest level of development within the system. […] the specific historical laws which govern their specific modes of structuring are dependent in changing modes of subordinated articulation between dominant social interests, at each moment, within these formations, and the dominant social interests in the formations at the highest level of development of the system.”

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16

na dominação econômica operada pelo nível monopolista. Seus setores concentram e controlam não apenas os meios de produção, tanto dos setores antigos como dos novos, como também as fatias mais lucrativas do mercado, que correspondem aos grupos de renda média e elevada. Tal empreitada exige uma intensificação da concentração de renda, a qual será manipulada por recursos propagandísticos e outros artifícios financeiros para serem permanentemente cativadas pelos setores hegemônicos.25 Além disso, para assegurar a realização de mais-valor26 e a acumulação de capital, eleva-se continuamente a produtividade do trabalho por meio da introdução de maquinaria mais eficiente e importada, ‘racionalizando’ permanentemente as relações de trabalho. Como consequência, não apenas o volume requerido de força de trabalho empenhada diretamente na produção é diminuído como também tende a eliminar ou, pelo menos, reduzir a participação de setores competitivos. Proporciona-se, então, um aumento da taxa de exploração e do mais-valor extraído, o que, por meio de organizações financeiras forâneas implantadas na América Latina, permite uma transferência de capital para os centros econômicos, ou centros metropolitanos27, assim como possibilita a transferência de lucros dos outros dois níveis ao hegemônico, assegurando a realização do mais-valor e da acumulação de capital às empresas que controlam seus mercados.28

A inserção de um novo nível econômico que subordina economicamente os demais e dispensa uma grande quantidade de trabalhadores faz com que estes procurem outras formas de acesso a alguma renda, o que leva a uma expansão significativa dos setores que existiam previamente a sua chegada. Contudo, essa expansão não significa que passaram a ocupar um lugar mais privilegiado na estrutura socioeconômica. Muito pelo contrário. Os trabalhadores ocupam um nível ainda mais deprimido graças à perda de controle dos recursos necessários à produção, assim como também perdem gradativamente espaço para as mercadorias produzidas pelo nível hegemônico, o que resulta também de sua característica baixa produtividade. Todos os níveis de atividade e mecanismos de organização econômica deprimidos pela expansão dos setores agora dominantes podem ser designados como um novo nível econômico, que é o polo marginal. Esse novo nível é estruturado de modo precário e instável, de modo a gerar

25

Idem, ibidem, p. 401-402.

26 Para a justificação do uso do termo “mais-valor”, valemo-nos das últimas páginas do prefácio dos Grundrisse

(2011).

27 Ao longo do texto nota-se que Quijano (1974) trata como sinônimos ‘centros do sistema’ e ‘centros

metropolitanos’.

(38)

17

rendimentos muito menores que os obtidos nos níveis dominantes e hegemônicos. Analogamente a sua estruturação, as relações e o tempo de trabalho serão precárias e instáveis, gerando salários muito menores que os obtidos nos níveis dominantes e hegemônicos.

O tipo de força de trabalho que será empregada no polo marginal é, em boa medida, determinado pelos tipos de recurso e pelos interesses sociais que controlam tais recursos. E estes, como já dito anteriormente, dependem das relações estabelecidas entre essas formas de organização e as formas dominantes monopolistas. Para ocupar algum posto de trabalho no nível hegemônico há que se possuir uma qualificação crescentemente exigente, que não se encontra entre todos os trabalhadores existentes no mercado de trabalho urbano, que é onde se concentra a produção industrial.29 Encontrar trabalhadores com a especialização requerida pelo nível hegemônico torna-se, portanto, uma tarefa difícil, mesmo porque muitas vezes não há conexão social e cultural com as zonas em que se inserem abruptamente as empresas monopolistas. Isso leva essas mesmas empresas e o governo a treinarem eles mesmos sua própria mão de obra,30 criando um mercado de trabalho exclusivo a si próprios e, ao mesmo tempo, impedindo que outros trabalhadores lhesrepresentem algum tipo de pressão.31

A emergência de um mercado de trabalho do setor dominante e as novas relações entre os setores e níveis produtivos altera o processo de formação da força de trabalho como um todo, inclusive no tocante à mão de obra rural, que passa a migrar em maior número para algumas cidades, agravando o problema do desemprego urbano. Considerando-se que os setores monopolistas empregam uma quantidade relativamente pequena de trabalhadores, mais adequados ao perfil da tecnologia empregada nestes ramos, a maioria dos postos de trabalho na indústria de transformação situavam-se nos setores competitivos, que absorvem mão de obra somente de modo irregular e flutuante. Consequentemente, a maioria da população passa a encontrar ocupação principalmente nos serviços, onde a remuneração é baixa e estaria se deteriorando dia após dia.32 Em suma, o mercado de trabalho marginal passa a constituir uma parcela cada vez mais numerosa e que tenderia a se comportar como um exército industrial de reserva apenas para os setores competitivos, uma vez que nenhuma das unidades produtivas provenientes deste nível de produção consistiria em uma reserva de trabalho aos setores 29 Quijano (1974, p. 408). 30 Idem, ibidem, p. 419. 31 Id., ibid. p. 418. 32 Id., ibid., p. 414.

(39)

18

dominantes, não se constituindo nem como uma alavanca nem como uma condição de existência do nível hegemônico.

Portanto, a análise implica numa segmentação do mercado de trabalho em duas instâncias bastante rígidas. Nesse sentido a força de trabalho dos níveis competitivo e marginal seria necessariamente supérflua33 para o nível hegemônico de produção, uma vez que o aumento da produtividade do trabalho não dependeria da competição entre trabalhadores, mas, sim, seria produto da capacidade dos meios de produção.34 Consequentemente, a expansão da produção industrial não mais dependeria da quantidade de trabalho disponível no mercado, mas, sim, das inovações. Nas palavras do autor:

Deste ponto de vista, a mão de obra disponível no mercado não mais constitui uma ‘reserva’ aos níveis hegemônicos da produção industrial, mas uma força de trabalho excluída, que, ao modificar o progresso da composição técnica do capital, perde de modo permanente, e não transitório, a possibilidade de ser absorvida nos níveis hegemônicos de produção, e, especialmente, na produção urbana-industrial que tem hegemonia sobre a economia como um todo.35

1.1.2 José Nun

Com base nas diferenças entre os processos de industrialização e urbanização ocorridos na América Latina de meados do século XX, e na Europa dos séculos anteriores, Nun constrói uma dada interpretação sobre as particularidades da superpopulação relativa latino-americana. Em grande medida, a explicação do autor reside no fato de que esse processo de industrialização ocorreu através da importação de boa parte das forças produtivas, as quais já se encontravam sob o controle monopolístico. Assim, tendo a industrialização na América Latina ocorrido num tempo histórico em que o capital já se encontrava concentrado e centralizado, engendrava-se todo um novo tipo de relações de produção capitalistas. A peculiaridade desses processos de industrialização teria exacerbado a irracionalidade do sistema capitalista, ainda que isso fosse

33 Quijano (1974, p. 424-425).

34 Aqui, o autor explicita claramente seu entendimento de que a lei do valor sobressairia à luta de classes. Uma

contraposição a essa afirmação encontra-se em Silva (2012, p. 63-64).

35 No original, Quijano (1974, p. 418, grifos do autor): From this point of view, the manpower available in the

market no longer constitutes a ‘reserve’ for those hegemonic levels of industrial production, but an excluded labour force, which as changes in the technical composition of capital progress, loses in a permanent and not a transitory

way the possibility of being absorbed into those hegemonic levels of production, and specially, in urban-industrial

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19

provocado por uma racionalidade bastante forte da lógica da concorrência intercapitalista promovida pelas empresas que fixam preços e salários em função do lucro e não dos custos de produção.36 Em um mesmo tempo histórico estariam abrangidas realidades econômicas distintas, com suas próprias lógicas, dentro de uma mesma economia, o que tornaria plausível uma teoria que segmentasse o mercado de trabalho.

A emergência do capital monopolista na América Latina tornara o exército industrial de reserva uma categoria insuficiente para dar conta dessa nova realidade econômica, uma vez que não seria toda a população trabalhadora que exerceria algum tipo de pressão sobre os proletários empregados nos novos setores, monopolistas – e aqui a consideração é fundamental para a análise de Nun: superpopulação relativa e exército industrial de reserva seriam categorias diferentes, havendo ainda outra parcela da superpopulação relativa que não guardaria relações diretas com a valorização do capital monopolista, sendo, por isso, considerada sua porção marginal. Ou seja, exército industrial de reserva e massa marginal seriam duas frações distintas da superpopulação relativa. Enquanto a primeira representava os trabalhadores não empregados no núcleo monopolista, mas que estavam aptos a fazê-lo, os marginais não participariam efetivamente – fosse como reserva ou como trabalhadores ativos – nem potencialmente desse núcleo, o que quer dizer que não tinham nem representavam possibilidade de integrar a dinâmica desse setor, ou dela participar.

Essa interpretação estaria fundamentada na leitura que Nun faz dos Grundrisse e d’O

Capital. Enquanto na primeira obra estaria inscrita uma teoria geral do materialismo histórico, O Capital trataria de uma teoria particular da fase competitiva do modo de produção capitalista,

particularmente do “caso inglês”.37

Em todos os modos de produção haveria alguma superpopulação que seria formada pelas parcelas da população que não conseguiriam vincular-se nem aos meios de sua reprodução nem aos meios de produção de mercadorias em geral. Toda superpopulação seria a população que excederia os limites representados pela população adequada, e esse excedente seria virtual em relação ao modo de produção dominante.38 A população adequada e a superpopulação seriam fixadas de uma só vez, uma vez que o avanço da

36

Nun (1969, p. 210).

37 Para Nun, uma passagem d’O Capital que confirmaria a validade de sua interpretação seria a seguinte: “Para

qualquer produção, é preciso que se combinem trabalhadores e meios de produção. A maneira especial em que se opera esta combinação é a que distingue as diferentes épocas econômicas pelas quais a estrutura social passou” (MARX, O Capital, 1956, II, p. 36. apud. NUN, 1969, p. 181).

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20

industrialização teria limitado gravemente o número de trabalhadores que seriam úteis à valorização do capital dos setores monopolistas, tornando os demais sobressalentes para tal fim. A busca de mais-valor seria o elemento explicativo fundamental, pois “a teoria do mais-valor se converte na chave para entender o processo de acumulação capitalista e para descobrir ‘a estrutura interna do capital’, requisitos fundamentais de qualquer análise científica do fenômeno da concorrência”.39

Toda a explicação sobre a formação do exército industrial de reserva, portanto, estaria baseada na existência de uma “lei absoluta” do modo de produção capitalista, que seria a produção de mais-valor. Nesse sentido, o autor cita um trecho de O Capital (1956, vol. I, p. 498):

A produção de mais-valor, a fabricação de lucros, é a lei absoluta deste sistema. A força de trabalho só encontra saída no mercado quando serve para fazer com que os meios de produção funcionem como capitais. Em outras palavras, quando reproduz seu próprio valor como novo capital e provê, como trabalho não retribuído, uma fonte de capital adicional.40

A lei ‘absoluta’ do capitalismo seria fundamentalmente o resultado da concorrência intercapitalista, o que faria com que o movimento da acumulação de capital determinasse a variação da ocupação como sua consequência. A lógica da acumulação trataria de reduzir o número de trabalhadores e/ou o valor dos salários, a ponto de restituir a taxa de lucro e a taxa de mais-valor pretendidos. O nível de acumulação seria a variável independente e os salários a variável dependente de um sistema econômico em que são relativamente constantes as expansões súbitas, as crises e as estagnações.41 O sistema seria marcado por ciclos econômicos que requerem uma superpopulação relativa que, por um lado, pressiona para baixo os salários nos momentos de queda e/ou estagnação da produção como, de outro, constitui uma reserva de trabalhadores pronta para ocupar as vagas que serão abertas nos momentos de expansão, constituindo-se na alavanca da acumulação de capital..42 Nesse sentido, o exército industrial de reserva tornar-se-ia uma das condições de existência, senão a principal, do regime capitalista de produção.

39 Nun (1969, p. 189).

40 Nun (1969, 192, grifos do autor). 41 Id. Ibid. p. 203-209).

42

Nun (1969, p. 195) adverte que essas duas funções do exército industrial de reserva seriam denominadas, respectivamente, indireta e direta.

(42)

21

Na fase monopolista, as ‘empresas gigantescas’, imperialistas, dominam o desenvolvimento científico e tecnológico43 que deixa cada vez mais de pertencer ao acaso, configurando-se como cálculo empresarial. A obsolescência do capital constante, então, passaria a ser acelerada de forma consciente, de modo a controlar e restringir a difusão da tecnologia, inclusive na América Latina. A presença dessas empresas dificultou seriamente a fixação do trabalhador como mão de obra assalariada, antecipando aquilo que Nun denominou ‘contradição fundamental’.44

A inserção dependente dos países da região ao mercado mundial, assim como a própria ação “parasitária ‘lumpemburguês’” das elites locais, que desviavam para benefício próprio uma parte considerável das riquezas e do excedente monetário produzidos em solo latino-americano, corroborou todo o processo de acumulação primitiva para que fosse grandemente canalizado para outras coisas que não a formação de uma infraestrutura adequada para o desenvolvimento de uma indústria autônoma, até mesmo do ponto de vista tecnológico.45

A tecnologia importada pelos setores monopolistas, concebida para um cenário de escassez de mão de obra, não apenas ergueu barreiras para que a absorção de trabalho fosse adequada às necessidades sociais daquelas formações, como também criou obstáculos à formação de um mercado interno que absorvesse parte expressiva da produção de mercadorias oriundas do setor secundário.46 Nos pontos em que as empresas monopolísticas possuem melhores condições financeiras, criar-se-ia uma nítida disparidade salarial entre o setor monopolista e o competitivo, de forma a conseguir adentrar apenas nos setores muito fragmentados e de baixa produtividade, nos quais as economias de escala não são importantes.47

As grandes diferenças que marcam os núcleos, notadamente as características relacionadas aos aspectos financeiro e tecnológico, os quais claramente não podem ser dissociados, acabam por levar a um processo truncado, até mesmo do ponto de vista da substitutibilidade da mão de obra entre os setores e ramos monopolísticos e os demais. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que se expandia a produtividade do trabalho, não só se reduziam

43

Nun (1969, p. 199) afirma que a emergência da grande corporação faz com que essas empresas gigantescas fixem preços para as outras formas de organizar a produção, o que modifica substancialmente a dinâmica do mercado, que antes era povoada por vários pequenos empresários. Dessa maneira, as reduções de custo significariam menos um barateamento do produto que uma elevação considerável dos lucros.

44

A contradição, fundamental, resultaria da aceleração das forças produtivas e do estágio precedente das relações de produção, o que só ocorreria a um certo ponto de maturidade do modo de produção capitalista, constituir-se-ia no mecanismo lógico básico para se pensar a massa marginal.

45 Nun (1969, p. 212). 46

Idem, ibidem, p. 215-218.

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