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Uma análise do conto "Felicidade clandestina" sob a ótica da estética da recepção

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

FERNANDA MARTINS BUENO EGGERS

UMA ANÁLISE DO CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”

SOB A ÓTICA DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO.

IJUÍ,

2012

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FERNANDA MARTINS BUENO EGGERS

UMA ANÁLISE DO CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”

SOB A ÓTICA DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO.

Trabalho de conclusão de curso de Letras – Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de licenciatura em Letras.

Orientadora: Fernanda Trein

IJUÍ, 2012

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de

Conclusão de Curso

UMA ANÁLISE DO CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA” SOB A

ÓTICA DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO.

Por

Fernanda Martins Bueno Eggers

Como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Letras

BANCA EXAMINADORA

__________________________

FERNANDA TREIN – ORIENTADORA

Mestre em Estudos Literários

__________________________

TAÍSE NEVES POSSANI

Mestre em História da Literatura

Ijuí,

2012

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, ao meu filho Gabriel e a todos que sempre acreditaram em mim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por mais uma etapa concluída em minha vida, pois sem Ele todo esforço seria em vão, por isso expresso aqui minha gratidão pelo milagre da vida e pelas bênçãos derramadas durante a minha trajetória.

À minha família, pelo carinho nos momentos de solidão, pelas palavras de incentivo e a compreensão pela falta de tempo e atenção, agradeço, principalmente, pelas orações.

À professora, Fernanda Trein, pela aceitação em orientar meu trabalho, pela perseverança, paciência e dedicação.

Ao meu esposo, pela paciência, compreensão e amor constante.

A todos os meus amigos, principalmente a Fernanda Royer e Vinicíus Dill Soares; por me ajudarem nos momentos mais difíceis do processo monográfico e pela paciência, por me ouvirem.

Por fim, não menos importante, meu amado filho, Gabriel Bueno Eggers, pelo respeito e educação que sempre apresentou nos meus momentos de fraqueza, em meio a esta monografia.

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EPÍGRAFE

... O espectador no teatro ou o leitor de romances pode gozar-se como uma figura importante e se entregar de peito aberto a emoções normalmente recalcadas, pois o seu prazer tem “por pressuposto a ilusão estética, ou seja, o alívio da dor pela segurança de que, em primeiro lugar trata-se de um que age e sofre, na cena,e, em segundo lugar, de que se trata apenas de um jogo que não pode causar dano algum à nossa segurança pessoal” . (JAUSS, Hans Robert. Apud: LIMA, 1979, p.99) .

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RESUMO

A Literatura contribui muito para o desenvolvimento das capacidades leitoras do aluno, ao mesmo tempo em que amplia seus horizontes linguísticos, culturais e pessoais. O ensino, há mais de um século, vem sendo feito sempre do mesmo modo: privilegiando o aspecto cronológico da história literária. Tentando modificar algo nessa metodologia é que se propõe esta pesquisa bibliográfica, buscando na “Teoria da recepção” de Hans Robert Jauss (1979) alternativas para a apresentação do conto Felicidade clandestina de Clarice Lispector de forma satisfatória ao seu público leitor.

PALAVRAS-CHAVE: Estética da recepção, conto, felicidade clandestina

ABSTRACT

Literature contributes greatly to the development of the capacities of the student readers, while it broadens their horizons linguistic, cultural and personal. Teaching, for over a century, has been always done the same way: focusing on the chronological aspect of literary history. Trying to change something in this methodology is that it proposes this literature, seeking the "Theory of receipt" of Hans Robert Jauss (1979) Alternative presentation of the story of Clarice Lispector Happiness illegal satisfactorily to its readership.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

1 O QUE É ESTÉTICA DA RECEPÇÃO ... 12

1.1 A ESTÉTICA NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ... 13

1.2 A COMUNICAÇÃO NA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO ... 14

1.3 PLANEJANDO A NOVA HISTÓRIA DA LITERATURA (UMA LEITURA DE ZILBERMAN) ... 16

1.3.1 O LEITOR ... 18

1.4 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A PERSPECTIVA DE ANTOINE COMPAGNON ... 22

2 QUEM FOI CLARICE LISPECTOR ... 25

2.1 A crítica à Clarice Lispector ... 28

2.2 Clarice Lispector nas décadas de 60 e 70 ... 30

2.3 A linguagem utilizada nas obras lispectorianas ... 32

2.3 Clarice Lispector e suas obras ... 33

3 CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”, DE CLARICE LISPECTOR ... 34

3.1 Análise da narrativa ... 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

ANEXOS ... 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 54

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INTRODUÇÃO

A Estética da Recepção é a teoria da literatura que veio para trazer algumas mudanças na sociedade da sua época e que perduram até hoje. Ela veio também para trazer transformações de sentido, o foco que antes era somente no texto, agora passa também a ser no leitor.

A teoria da recepção é resultado dos diálogos sobre poética e hermenêutica (teoria da interpretação), o que influenciou a forma como se estudava literatura e disciplinas semelhantes nas universidades da época. A partir daí, as mudanças só vieram a acrescentar no que se refere à nova concepção de leitura, texto e leitor. Tal teoria chega como uma proposta de mudança de paradigma, podendo ser analisada como uma visão de mundo que engloba a Teoria da Recepção, de Jauss e a Teoria do Efeito, de Iser.

A Estética da Recepção tem como ponto de partida para a mudança de paradigma requerer a integração entre a Crítica Literária e a Sociologia da Comunicação. Assim, muda-se o olhar sobre a questão do leitor, rompendo com a noção de texto enquanto objeto estagnado e colocando a leitura como processo de reconstrução do texto. Dissolvem-se as antigas motivações, as quais passam a ser mais pessoais, livres do objetivo de alcançar a leitura correta.

Interessa à teoria estética o confronto entre a construção do autor e as reconstruções do leitor. Atenta para os significados e seus locais de construção, suas interpretações, observando as diferenças heurísticas à luz de mediações históricas e sociais.

Definir a teoria literária como sendo a base das questões de interpretação histórica e não na consciência metafísica, é dizer que por meio de estudos a respeito desta temática, se ampliou o espaço do leitor ao afirmar que, na interpretação de uma obra do passado, existe a possibilidade de emergir um novo significado para o

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texto, dependendo da posição histórica do leitor e da sua capacidade de dialogar com o texto: “Quando a obra passa de um contexto histórico para outro, novos significados podem ser dela extraídos”. (EAGLETON, 1997). Isso se torna possível por meio do cruzamento dos horizontes de expectativa da obra com o do leitor, no momento da leitura.

Além disso, o leitor usa-se da interpretação, que é um processo que exige prática e conhecimento e para isso, examinar o como e o porquê de vários estudiosos motivarem-se a observar o funcionamento e a função dos textos que são interpretados pelo leitor. Com isso, buscou-se um novo conceito de leitor, através da forma e do jeito, afinal, não se pode conceber o seu destinatário sem que seja analisado o seu sentido, portanto o seu foco deve ser dado ao leitor e à recepção, e não somente ao autor e à produção.

Portanto, o leitor vai conquistando, aos poucos, seu papel como produtor de sentidos. Vários são os autores que abordam a literatura sob o enfoque da recepção: Hans Robert Jauss, Wolfgang Iser, Regina Zilberman, integrantes da vertente teórica da Estética da Recepção.

Neste trabalho, busca-se expor o objetivo da teoria da Estética da Recepção, a qual visa recuperar e estudar a historicidade que nasce de seus intercâmbios com o público, já que tanto o caráter estético quanto o papel social da arte se concretizam na relação obra e leitor. Segundo Jauss, através da subjetividade é possível determinar que cada leitor é único, assim como as obras de arte, que não são imutáveis e sacralizadoras.

Este trabalho procurará enfatizar pontos dessa problemática, concedendo especial foco à Estética da Recepção. A leitura nunca se dá no vazio, antes, ela se relaciona com outras leituras, conceitos e ligações que se fazem no caminho de entendimento de certo texto ou conceito.

O objetivo neste trabalho é mostrar algumas possibilidades abertas através da Teoria da Recepção para o estudo, na narrativa curta, e também nos demais tipos de textos, dos mais variados gêneros. Diferente de outras metodologias, o foco da Estética da Recepção é o leitor e sua relação com o texto. Ou seja, ao invés de se buscar uma unificação nos diversos sentidos que um texto tem, a multiplicidade de

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sentidos é o assunto principal. Busca-se, em outras palavras encontrar condições de formar os sentidos diferentes aos respectivos textos (ficcionais) por parte dos diferentes leitores e os seus grupos de leitores.

Neste sentido, busca-se no primeiro capítulo desse trabalho apresentar o que é a Estética da Recepção, suas implicações em diferentes contextos, e os autores que atuam nessa teoria. No segundo capítulo dar-se-á ênfase a fortuna crítica de Clarice Lispector, uma vez que o terceiro e último capítulo será voltado à análise do conto “Felicidade clandestina” de Clarice Lispector, sob a ótica da Estética da recepção.

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1 O QUE É ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

O objetivo principal deste capítulo é apresentar os aspectos principais da estética da recepção, buscando entender o modo como essa teoria concebe a literatura, a leitura e a função do leitor.A teoria da estética da recepção teve início nos últimos anos da década de sessenta do século XX, sob as influências da estética da teoria da comunicação, da semiótica e da teoria do texto.

Hans Robert Jauss, um dos precursores dessa teoria, propôs uma reestruturação da história da literatura a partir da história recepcional das obras no decorrer dos tempos. Wolfgang Iser, por sua vez, ocupou-se da teoria do efeito, ou seja, o que o texto causa àquele que o lê.

Jauss aborda a seguinte questão: "que significa a experiência estética, como ela tem se manifestado na história da arte, que interesse pode ganhar para a teoria contemporânea da artística?" (JAUSS, 2002 p.65). Hans Robert Jauss está interessado em história da arte. Não numa história tradicional, aquela que investiga estilos, datas e artistas diacronicamente, mas numa história que investigue a “experiência estética”. Assim, ele também revela interesse pela teoria contemporânea da arte e de como essa “experiência estética” está implicada. Ele aponta a atividade artística como uma vivacidade produtora, receptiva e comunicativa. Essas características são de fundamental importância na argumentação dele, na qual apresenta os caminhos já trilhados pela história da arte, mais especificamente, a teoria estética e a hermenêutica literária. Durante muito tempo os debates foram problemas relacionados à metafísica do belo; à polaridade entre arte e natureza; o belo, a verdade e o bem; forma e conteúdo; forma e significação etc.

A metodologia utilizada por Jauss pode ser constatada pela frase: "Permanecerá neste contexto o problema central de como se realizar, de forma metodicamente controlável, o realce e a fusão dos horizontes da experiência estética contemporânea e passada." (JAUSS, 1979, p. 69). A problemática de Jauss é

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entender como se apreciou e se aprecia uma obra de arte em momentos diversos de realidades históricas diferentes. Ao contrário da tradição, ele não concorda com uma história da arte que seja única, que pressuponha a mesma experiência do Renascimento nos dias de hoje. Jauss quer compreender como funcionam as re-significações na experiência de fruição da obra de arte e para isso se declara convicto de que a experiência relacionada à arte não pode ser privilégio dos especialistas e que a reflexão sobre as condições desta experiência tampouco há de ser um tema exclusivo da hermenêutica filosófica ou teológica. Conforme Jauss:

A experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação do significado de uma obra, menos ainda, pela reconstrução da intenção de seu autor. A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com seu efeito estético, isto é, na compreensão fluidora e na fluição compreensiva. (JAUSS Robert Hans, 1979, p. 69).

Outro aspecto importante ressaltado pelo referido autor é a tarefa da hermenêutica literária nesse sentido: diferenciar metodicamente os dois modos de recepção, aclarar o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico pelo qual o texto é sempre recebido e interpretado diferentemente por leitores em tempos diversos. A formação da descrição estética se baseia no efeito e na recepção comparando-se os dois efeitos de uma obra: o atual e o desenvolvido historicamente ao longo do tempo.

1.1 A ESTÉTICA NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

No contexto universitário, no qual as questões da teoria da recepção nasceram e foram trabalhadas, acabaram não permanecendo. Jauss menciona a reforma universitária alemã na década de 1960 e a criação da Escola de Konstanz

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sob o interesse da revisão da autoimagem da teoria da ciência. Pesquisadores como Jauss e Wolfgang Iser (que se ocupou da teoria do efeito, ou seja, o que o texto causa àquele que o lê) estavam preocupados com o abandono dos paradigmas da compreensão histórica em prol do estruturalismo, sucesso na linguística e na antropologia. Nos estudos literários permaneciam impasses vindos da história positivista, do método interpretativo, da literatura comparada. A Escola via a necessidade de se restaurar o processo dinâmico de produção e recepção do texto e da relação dinâmica entre autor e leitor, utilizando-se para isso a hermenêutica da pergunta e resposta.

A teoria da recepção foi aceita, mas logo entrou em debate entre crítica ideológica e hermenêutica. Despertou, porém, um novo interesse de pesquisas em histórias da recepção e sociologia da literatura, as disciplina que promoveram essa mudança de paradigmas. Narrando mesmo uma “história da história da recepção”, Jauss conta que essa mudança não se restringiu à Alemanha. A manifestação do mundo acadêmico no assunto fez com que ele encontrasse eco desde Praga até Paris, culminando na discussão entre Habermas e Gadamer que revalorizaram a experiência humana no mundo (e a comunicação como condição da compreensão do sentido) em detrimento do objetivismo e empirismo da busca pela ciência unitária.

1.2 A COMUNICAÇÃO NA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

Para Hans Robert Jauss a comunicação é fator imprescindível, pois afirma:

"para a análise da experiência do leitor ou da 'sociedade de leitores' de um tempo

histórico determinado, necessita-se diferenciar, colocar e estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto-leitor." (JAUSS. 2003 p. 73). Efeito é o momento condicionado pelo texto, e recepção é o momento condicionado pelo destinatário, o leitor. O sentido se realiza na junção desses dois momentos: o implicado pela obra e o trazido pelo leitor de uma determinada sociedade. Ele procura com isso discernir como expectativa e experiências se encadeiam, pois são esses os motores do processo de significação. Talvez a maior problemática para a consolidação dessa

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análise é o fato de que o horizonte de expectativas de uma determinada sociedade num determinado tempo nem sempre é clara pelas análises históricas.

Sobre rudimentar tradição de pesquisa em experiência estética, Jauss explana a necessidade de se buscar em disciplinas vizinhas fontes e fundamentos teóricos para o desenvolvimento desses estudos. Ele revela abertamente sua posição ao se apoiar nas pesquisas e resultados de outros acadêmicos e enfatiza que o estudo sobre a experiência estética deve ser feito pelo prisma da interdisciplinaridade. Cita contribuições de Ernst Bloch, Freud, Starobinki, Sarte, Iser, Lotman ente outros, como fundamentais para o empreendimento dessa compreensão. H. R. Jauss faz questão de lembrar a crítica de Sartre contra as teorias da chamada semiótica parisiense que, segundo Sartre, absolutizam a obra como écriture, afastam o leitor e esquecem que a literatura é comunicação.

Esse absolutismo da obra de arte sobre a experiência e a comunicação aconteceu em todas as atividades artísticas. O cinema também parecia conter em si todas as explicações possíveis e todos os caminhos que levariam até ele e dele sairiam. O que é ignorado em abordagens como essas é que todo conhecimento e, obviamente, experiência, são históricos. O filme que se propõe a contar uma história hoje com determinada finalidade, pode ser lido de forma totalmente diversa num outro momento social. E não há como controlar os meios pelos quais isso acontecerá porque não se pode, como se diz, ‘inventar o futuro’.

... a produção e reprodução da arte, mesmo sob as condições da sociedade industrial, não consegue determinar a recepção: a recepção da arte não é apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade estética, pendente da aprovação e da recusa, e por isso, em grande parte não sujeita ao planejamento mercadológico... Assim sair do suposto ‘contexto de enfeitiçamento’ total da práxis estética contemporânea, restaura-se, sem se dizer, a obra de arte revestida de aura e sua contemplação solitária, como medida estética de uma essencialidade perdida. ( JAUSS. 1979. p.80).

Dado o exposto, é importante reiterar que o receptor é quem vai permitir que a experiência estética passe pela sensação de domínio da situação. Tudo o que é desconhecido incomoda o receptor. O grau desse incômodo, para que haja ou não a experiência estética, é uma dessas normas que são possíveis na prática consensual. O gosto passa por uma escala de valores, e são esses valores, definidos na práxis

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da experimentação (na comunicação, no embate obra-receptores), que permitirão adesão ou rejeição estética.

1.3 PLANEJANDO A NOVA HISTÓRIA DA LITERATURA (UMA LEITURA DE ZILBERMAN)

Para Regina Zilberman, estudiosa da estética da recepção, a mesma é um acontecimento histórico, que se fortifica à medida que novas questões surgem, tendo como base metodológica a pergunta e a resposta.

A estética é uma teoria da literatura que trouxe grandes mudanças literárias visíveis na vida universitária da época e também na sociedade ocidental. É ainda uma teoria em que se modificam os sentidos, o texto que seria uma estrutura imutável passa o seu foco para o leitor

Jauss e sua teoria acerca da literatura, de acordo com Zilberman, fizeram com que surgisse uma reforma curricular do ensino superior, uma vez que a estética da recepção é resultado dos diálogos sobre poética e hermenêutica, o que influenciou a forma como se estudava literatura e disciplinas semelhantes na universidade.

A referida autora salienta ainda que, para se estabelecer um novo conceito de leitor, é necessário ter um pouco de marxismo, sendo parte do mundo apresentado, bem como uma parte formalista, que necessita descobrir a forma ou descobrir o procedimento. A Estética da Recepção pode resolver esta dificuldade, pois o seu pressuposto é o de que “a vida histórica da obra literária não pode ser concebida sem a participação ativa de seu destinatário” (ZILBERMAN p.30). A partir daí, restabeleceu-se a historicidade da literatura, nascida das relações com o público, decorrência da relação rompida pelo historicismo, entre o passado e o presente, condição esta que compõe aspectos estéticos e históricos de um texto.

Zilberman salienta ainda que Hans Robert Jauss apresenta em sete teses seu projeto de reformulação da história da literatura. A primeira tese apresenta a historicidade da literatura, que não se relaciona à sucessão de fatos literários, mas ao diálogo estabelecido entre a obra e o leitor. A partir daí, Regina Zilberman se posiciona, afirmando que “a relação dialógica entre o leitor e o texto é o fato primordial da literatura, e não o rol elaborado e depois de concluídos os eventos

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artísticos de um período” ( ZILBERMAN p. 33). A historicidade coincide, portanto, com a atualização da obra literária.

Já na segunda tese, Jauss afirma que o saber prévio de um público determina a recepção, e a disposição desse público está acima da compreensão subjetiva do leitor. O novo, apresentado pela literatura, dialoga com as experiências que o leitor possui. A nova obra gera expectativas, desperta lembranças e “conduz o leitor a determinada postura emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte geral da compreensão” (ZILBERMAN p. 34). Assim, a recepção se torna um fato social e histórico, pois as reações individuais são parte de uma leitura ampla do grupo ao qual o homem, em sua historicidade, está inserido e que torna sua leitura semelhante à de outros homens que vivem a mesma época.

Na terceira tese, o texto pode satisfazer o horizonte de expectativas do leitor ou provocar o estranhamento e o rompimento desse horizonte, em maior ou menor grau, levando-o a uma nova percepção da realidade. O autor entende que as grandes obras serão aquelas que conseguirem provocar o leitor de todas as épocas, permitindo novas leituras em cada momento histórico.

Na quarta tese, Hans Robert Jauss propõe examinar as relações atuais do texto com a época de sua publicação, investigando qual era o horizonte de expectativa do leitor da época e quais necessidades desse público a obra deve atender. A partir da releitura e do diálogo com a época primeira, a história da literatura recupera a historicidade do texto literário. Nas três últimas teses apresenta-se uma metodologia, em que Jauss prevê o estudo da obra literária, os aspectos diacrônico, sincrônico relacionados com a literatura e a vida. O aspecto diacrônico, diz respeito à recepção da obra literária ao longo do tempo, e deve ser analisado, não apenas no momento da leitura, mas no diálogo com as leituras anteriores. Esse pressuposto demonstra que o valor de uma obra literária transcende à época de sua aparição e o novo não é apenas uma categoria estética, mas histórica, pois conduz à análise. A visibilidade diacrônica alcança a dimensão histórica quando não deixa de considerar a relação da obra com o contexto literário no qual ela, ao lado de outras obras de outros gêneros, teve de se impor. A visibilidade sincrônica é relativa à obra e ao sistema literário de certa época e à literatura e à vida prática, relacionando essa com a sociedade.

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A literatura, portanto, pré forma a compreensão do leitor, repercutindo em seu comportamento social. Não que a literatura seja apenas a reprodução da sociedade, segundo alguns tipos de interpretações materialistas, contudo, da mesma forma que esta interfere nas estruturas de funcionamento da sociedade, ela também faz parte dela, confirmando ou rompendo com normas e valores. Segundo Jauss, a experiência estética, em seu aspecto social, pode nos fazer transmitir normas, estimular a criação de novas ou ainda reformá-las. As expectativas que levamos ao ler determinado texto e as interpretações advindas das leituras, podem nos fazer mudar certo comportamento social.

Conforme Zilberman, Jauss propõe que haja uma inversão metodológica nos fatos artísticos, o foco deve ser dado ao leitor e à recepção, e não somente ao autor e à produção. Convém dizer que a estética da recepção teve o seu auge nos anos 70, quando o leitor teve o seu lugar estagnado, mas continuou sendo uma função do texto. No entanto, dar um lugar mais ativo ao leitor e à literatura uma importância social que supere o simples papel de reproduzir, será através da emancipação do seu destinatário; para isso, a arte não pode ser reprodução ou reflexo dos eventos sociais, tem de desempenhar um papel ativo: ela faz história porque está interligada a processos de formação e motivação social. A recepção é a representação do intelecto, do sensorial, e até do emotivo com uma obra, é a partir daí que o leitor vai identificar-se e transformar-se.

Somente através da valorização da experiência estética é possível justificar a presença social e continuidade histórica da arte. Para Jauss, não há como uma determinada criação artística ser alcançada sem que tenha sido esteticamente vivenciada. Para ele, a estética é emancipadora, liberta o ser humano dos constrangimentos e da rotina do dia a dia, estabelece uma relação entre ele e a realidade, implica a incorporação de novas normas, fundamentais para atuação na compreensão da vida prática.

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Segundo Zilberman, para Jauss, até então, a história da literatura era estudada em cima de padrões antigos, ultrapassados, presos aos aspectos herdados do idealismo ou positivismo do séc. XIX. Jauss queria promover uma nova teoria que possuísse como metas iniciais a reabilitação da história, da historicidade e da literatura; todas essas relacionadas aos panoramas político e intelectual dos anos 60. Vale ressaltar que o contexto em que essa proposta da Estética da Recepção se situava era o contemporâneo às revoltas estudantis, salientando a importância para a transferência da ênfase e do enfoque para o leitor.

Jauss acredita, portanto, no texto como produto do leitor, em que o sentido passa a equivaler a um evento que ocorre durante a leitura, pois o texto não é uma estrutura fechada e se encontra aberto para infinitas e distintas interpretações e intenções das recepções. Assim, o texto perde sua objetividade, pois se submete à experiência proporcionada pela leitura do receptor. Apesar de a questão da “experiência do leitor”, que deveria ser a matéria central dessa corrente voltada para a análise da recepção, tenha permanecido insuficientemente discutida por Jauss, o autor defendia sumariamente o leitor como uma entidade real, cujas experiências são objeto de consideração e dados fundamentais para o conhecimento da natureza do texto. Os estudos referentes à Estética da Recepção, portanto, preocupados com a história da literatura que havia sido deixada de lado há algum tempo, visam recuperar e estudar essa historicidade que nasce de seus intercâmbios com o público, já que tanto o caráter estético quanto o papel social da arte se concretizam na relação obra e leitor.

Baseando-nos no conceito de leitor de Jauss, aquele que possui papel ativo e determinante no processo na recepção da obra, o horizonte de expectativa corresponde à soma das experiências sociais acumuladas dos leitores, as quais devem ser compreendidas como de caráter sumário para a efetivação plena da compreensão da obra. Consequentemente, o horizonte de expectativas de cada leitor é único e totalmente relacionado ao modo pessoal e subjetivo com que esses receptores absorvem a obra.

Essa subjetividade única de cada leitor confirma a ideia de que, segundo Jauss, a obra de arte não tem um valor imutável e sacralizado; sua temporalidade só é expressa através das respostas dadas por cada novo público que se depara com

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ela. O autor, em sua famosa Conferência de 1967, promove justamente a inversão do que era feito até então: evidencia a relevância de se focar o leitor e a recepção, ao passo que a própria produção da obra é relegada a outro plano. Portanto, leva ao rompimento gradual da atitude sacralizadora da arte que impõe a essa apenas um significado, o qual deveria ser internalizado, igualmente, por todos que teriam acesso a ela. Jauss, diferentemente do que é defendido por Adorno, um dos principais defensores da Escola de Frankfurt, afirma que a obra deve se libertar do sistema de respostas pré-estabelecido para ser compreendida efetiva e plenamente por seu destinatário.

Conforme Wolfgang Iser (2002) cada leitor pode realizar o texto de uma forma diferente, de acordo com seus critérios subjetivos. Por isso, ao emitir-se uma descrição sobre uma obra, baseia-se em conhecimentos pessoais e justifica-se a opinião buscando critérios objetivos. E mesmo com critérios objetivos, a descrição emitida é subjetiva. Iser explica que ainda que o texto literário traga em si instruções, pistas a qualquer leitor que entre em contato com ele, cada sujeito produzirá sua avaliação, conforme sua vivência pessoal. Em vista disso, temos que um texto literário não apresenta conceitos fechados, objetivos definidos, mas, necessariamente abertos. Assim, os conceitos estéticos podem ser modificados ou corrigidos conforme o caso a ser aplicado; ou ainda um novo conceito pode surgir para dar conta de um novo caso, uma nova necessidade.

Cada texto literário, de acordo com W. Iser, busca um determinado tipo de leitor, ou ainda, os leitores são diferenciados conforme os objetivos a que se prestam. A estética da recepção visa apresentar as normas de avaliação dos leitores e, a partir disso, construir uma história social do gosto do leitor.

A cada leitura, em diferentes épocas e locais, um texto se atualiza de uma nova forma. O leitor ideal, porém, tem sua utilidade para a argumentação, visto que preenche algo no momento da análise do efeito e da recepção da literatura, permitindo que se alcance algo que faz parte da subjetividade do leitor. Além disso, o leitor ideal é útil justamente por seu caráter ficcional, incorporando diversas competências, conforme o problema a ser resolvido.

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Cada texto é escrito visando um determinado tipo de leitor; este leitor é o leitor implícito ao texto, que se encontra consolidado nas estruturas textuais, nas orientações, pistas deixadas no texto para os possíveis leitores. Iser explica que são atribuídos papéis a esses possíveis receptores: o papel de leitor se define como estrutura do texto e como estrutura do ato. Quanto à estrutura do texto, é de supor que cada texto literário represente uma perspectiva do mundo, criada por seu autor.

Wolfgang Iser esclarece que não se deve confundir ficção do leitor e papel do leitor. A ficção do leitor é o meio pelo qual o autor expõe o mundo ao leitor imaginado, enquanto o papel do leitor se refere à construção do texto pelo receptor, quando segue as estruturas textuais. Portanto, o papel do leitor também é uma estrutura somente realizada no ato da leitura. Assim, o sentido de um texto é apenas imaginável, pois não aparece explicitado, mas se atualizará na consciência imaginativa do leitor.

O papel do leitor se cumpre à medida que na leitura possa introduzir suas vivências e concepções, o que indica que cada atualização é única e determinada. Essa atualização está acessível ao olhar do crítico, desde que este procure as estruturas de efeito presentes no texto, que constituem a base para a atualização. Eis aí uma das características do texto literário: concentrar muitas informações em um texto curto, com palavras precisas. A comunicação entre texto e leitor, portanto, é constante, é opinião, que faz com que as informações inferidas ou captadas do texto pelo leitor sejam confirmadas ou rejeitadas. Por isso, os significados são constantemente corrigidos para que sejam construídos e o texto realizado. É nesse constante movimento de confirmação e de rejeição que o texto se atualiza e se realiza, uma vez que, durante o processo de leitura, o leitor insere as informações obtidas através dos efeitos nele provocados, resultando em constantes realizações durante o processo.

O relacionamento entre texto e recepção propõe que se passe a entender que as interpretações são instáveis e mudam ao longo do tempo, podendo, então, parar de provocar as reações que causara anteriormente. As mudanças de valor atribuídas aos textos são, na maioria das vezes, consequências das ideologias de certa época e se tornam ultrapassadas a partir das mudanças também efetuadas na

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classe dos leitores, pois as recepções se condicionam à estrutura formal, à temática do texto e às disposições variadas do público.

Finalmente, a partir do que foi brevemente exposto aqui, pode-se confirmar que, para a Estética da Recepção, o leitor não é um mero reprodutor. Em poucas e simples palavras, os estudiosos da corrente crítica literária discorrida aqui defendem o destinatário da obra como alguém que não recebe de forma passível e pronta o que é apreendido e, sim, um indivíduo que, a partir de seus possíveis questionamentos, transforma, completamente, o objeto recebido.

Leitor e texto correspondem a uma troca de experiências, a um intercâmbio produtivo em que um depende do outro para se realizar. Embora a teoria dessa corrente crítica seja muito ampla e envolva diversos fatores que não foram explicitados nesse trabalho, pode-se compreender a relevância de tal projeto e a dificuldade em pô-lo em prática, uma vez que a quantidade de receptores de uma determinada obra, por ser vasta e distinta, não facilita a compreensão total das características da recepção.Portanto, a leitura como prática interpretativa não deve ser vista como uma recepção imposta de conteúdos objetivos ou como um ato passivo de sujeição texto. Conforme Michel de Certeau (1994) “todo o leitor caça em terras alheias, demarca com os olhos, com o dedo, com o franzir das sobrancelhas, com o sorriso, seus caminhos em busca de sentido”. Assim, toda a leitura torna-se um processo voluntário da inteligência por meio da qual se produz sentidos e significados.

Assim sendo, o leitor é aquele que é autônomo, que tem a capacidade de construir e produzir sentidos, deixando a sua marca interpretativa no texto.

1.4 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A PERSPECTIVA DE ANTOINE COMPAGNON

A partir do texto de Compagnon (2003) discute-se sobre a relação da literatura com a realidade: se a arte imita a literatura ou vice e versa, algo que

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conduz a uma reflexão sobre a originalidade dos fatos também relatando as ligações entre a literatura e o real. Os estudos recentes da recepção se interessam pela maneira como uma obra afeta o leitor, e cita as duas grandes categorias dos trabalhos desse gênero: os que dizem respeito à fenomenologia do ato individual de leitura e os que se interessam pela hermenêutica da resposta pública ao texto.

O que o crítico tenta nos fazer entender, é que a literatura não é uma cópia da realidade, e que o papel do autor, quando falamos de suas intenções, não é fundamental na hora que vamos interpretar um texto. O texto não possui toda a significância, grande parte dela depende do leitor. Se o texto fosse só o que está escrito, a interpretação e a crítica literária seriam inúteis. A literatura não apenas representa o mundo, mas cria. É a esse tipo de pensamento que o leitor deve estar atento. Ele não deve ficar tentando depreender a intenção do autor, ou ficar esperando uma representação fiel da realidade.

O leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos compreender o livro do que compreender a si mesmo através do livro; aliás, ele não pode compreender um livro se não se compreender ele próprio graças a esse livro. (COMPAGNON, 2003, p. 144)

No momento da leitura, a expectativa do leitor é retomar o que já foi lido, não somente ao texto lido, mas em outros textos, e os acontecimentos imprevistos que são encontrados no decorrer da leitura obrigam o leitor a reformular suas expectativas e a reinterpretar o que já leu, tudo o que já leu até aqui neste texto e em outros.

A leitura procede, pois, em duas direções ao mesmo tempo, para frente e para trás, sendo que um critério de coerência existe no princípio da pesquisa do sentido e das revisões contínuas pelas quais a leitura garante uma significação totalizante à nossa experiência. (COMPAGNON, 2003, p. 149).

Toda prática de leitura é, então, um grande percurso em busca de se atribuir sentido ao texto. Por isso, nenhum signo textual pode ser apreendido todo de uma só vez. O leitor é um viajante que desvenda, ao longo do processo de leitura, os sentidos, os significados, as múltiplas possibilidades interpretativas que a obra lhe

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oferece. Neste caso, nenhuma obra se apresenta por completo, mas se evidencia durante a travessia, durante as intervenções de seus leitores.

Antoine Compagnon (2003) coloca o leitor num dos ápices do triângulo da literatura, igualando-o, portanto, ao autor e ao mundo. Deve necessariamente haver uma interrelação entre esses três ápices, enquanto que, no centro desse triângulo, estaria a obra literária.

O referido autor analisa uma abordagem fenomenológica para a literatura, problematizando a questão de como essa abordagem pôs por terra o estruturalismo e o formalismo, visto que o estruturalismo considera a obra como objeto de estudo. É uma tomada de posição que valoriza as estruturas, mas não considera a correlação leitor-autor como uma extensão da correlação sujeito-objeto. Quanto ao formalismo, este também vai desconsiderar o leitor e analisar a obra em sua própria forma.

Inserir o leitor como agente capaz de interpretar de forma livre um texto, é, também, uma concepção formulada pelos adeptos da New Critics. Eles defendem a obra como uma unidade autossuficiente, na qual o leitor deve fazer uma leitura fechada, idealmente objetiva. Assim, o leitor era visto como uma função do texto, era um leitor onisciente, que precisava aprender a ler cautelosamente, e então, superar suas limitações individuais e culturais.

Compagnon diz que cada indivíduo lê um texto com suas normas e valores, que podem ser modificados pela experiência da leitura. Através de várias citações de outros autores da teoria da recepção, a mimesis é uma "imitação criadora". O que fica concluído então é que a literatura tem vários caminhos a serem considerados e que a teoria literária está aí para tentar encaminhar para esse mundo da leitura e da recepção, um desafio para cada leitor, no ato de pensar.

É através da interação dialética entre dois elementos (autor e leitor) que o texto pode emergir em sua configuração mais plena. Segundo Wolfgang Iser, a obra literária tem dois pólos, o artístico (o texto do autor) e o estético (a realização efetuada pelo leitor).

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A partir da construção desse referencial teórico, parte-se agora para um capítulo que visa conhecer um pouco de Clarice Lispector, autora do texto a ser analisado a partir das teorias da estética da recepção.

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Nascida em 1920 e falecida prematuramente pouco antes de completar seus 57 anos, em 1977, Clarice Lispector e sua obra continuam a ser objeto de estudos críticos e tema de dissertações de mestrado e teses de doutorado.

No ano de 1939, Clarice Lispector ingressa na Faculdade de Direito, e publica no ano seguinte seu primeiro conto, Triunfo, em uma revista. Forma-se em 1943 e casa-se no mesmo ano com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos. Durante seus anos de casada, mora em diversos países pela Europa e nos Estados Unidos.

Desde 1943, quando Antonio Candido escreveu a primeira apreciação crítica, sobre o romance Perto do coração selvagem, publicado ao final daquele ano, os instrumentos de análise utilizados na abordagem dos romances, contos, crônicas, livros infantis e fragmentos narrativos de Lispector têm sido os mais variados, tomados de filosofia, religião, estruturalismo, psicanálise, teorias feministas, autobiografia, e muitas outras linhas teóricas, o que, aliás, corresponde à polissemia característica dos textos analisados.

Efetivamente em 1944 publica seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, vindo a ganhar o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, no ano seguinte. Separa-se de seu marido em 1959 e volta para o Rio de Janeiro com seus dois filhos. No ano seguinte, publica seu primeiro livro de contos, Laços de família.

Em 1967 um cigarro provoca um grande incêndio em sua casa e Clarice fica gravemente ferida, correndo risco inclusive de ter sua mão direita amputada. Porém, após se recuperar, continua com sua carreira literária, publicando diversos livros.

Clarice Lispector é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira de todos os tempos. Desde sua estreia, sua obra representou uma ruptura com os paradigmas narrativos vigentes em meados do século XX, pois transgrediu convenções linguísticas e literárias. Lispector tem tido grande repercussão não só no panorama das letras brasileiras, mas também no da literatura ocidental, desde a América Latina até a Europa e os Estados Unidos.

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Alguns de seus textos de ficção, como por exemplo, A paixão segundo G. H., têm servido de base para obras teatrais e cinematográficas. Dentre estas, o filme lançado em 1986 e baseado no livro homônimo de Clarice Lispector, A hora da estrela, serviu para levar a obra da escritora a uma audiência mais ampla, expandindo assim também seu público leitor.

À medida que crescia a fama de Lispector como escritora, foi-se criando em torno dela uma aura de mistério, quase mito, em parte devido à própria personalidade e gosto pela privacidade da autora.

A representação da vivência feminina na obra de Lispector não foi o que atraiu a atenção dos primeiros críticos. Ao contrário, o surgimento de estudos que enfocam a questão do feminino e a dimensão feminista da ficção de Clarice Lispector só veio a acontecer com a emergência da crítica feminista nos Estados Unidos e França, durante a década de 1970, e com as discussões na sociedade brasileira, desde a década anterior, sobre a questão da mulher e seu papel social. Assim, alguns dos primeiros ensaios sobre a mulher na obra de Lispector apareceram no exterior. Os primeiros críticos, entretanto, dedicaram-se principalmente a comentar o estilo narrativo da autora, tão diferente daquilo com que a literatura brasileira estava acostumada até então.

Quando Clarice Lispector estreou nas letras brasileiras, sobressaía no panorama da literatura nacional a ficção regionalista na linha do “romance nordestino” de José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e Jorge Amado, ficção essa que assumia um caráter de denúncia por sua temática social, enquanto que se caracterizava como uma narrativa ainda moldada segundo uma sintaxe clássica, em contraposição às inovações sintáticas da ficção modernista dos anos vinte.

Entretanto, graças às inovações formais que introduz no romance e à originalidade de seu estilo, a autora é capaz de intensificar a sondagem interior e psicológica de suas personagens, e distingue-se dos outros nomes da ficção intimista no Brasil. Assim, Perto do coração selvagem aparece em finais de 1943 como uma obra completamente inovadora dentro do quadro da produção literária brasileira de então.

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2.1 A crítica à Clarice Lispector

Em sua primeira obra publicada Clarice já provoca reações e desperta em alguns críticos uma mistura de estranhamento, de satisfação e de surpresa, pois, apresenta novo ritmo de ficção, transmitindo sua interpretação do mundo, pensamentos cheios de mistério.

Clarice Lispector se anuncia como escritora que não se resigna a rotina literária e faz da descoberta do cotidiano uma aventura possível. Ela é uma ficcionista, que dá vida às próprias palavras, seu estilo é feito de curiosidade sensual e de sensibilidade angustiada. (MILLIET,Apud: SÁ 1979. p,24)

A pureza presente na escrita reflexiva de Clarice Lispector vai de encontro aos romances da época, pois ela surgiu na literatura brasileira com uma proposta completamente diferente da que predominava até então. Ao se falar de inovação na linguagem romanesca, o nome de Clarice Lispector esteve sempre associado ao do escritor Oswald de Andrade. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda (1950), Clarice, com sua obra inicial “Perto do coração selvagem”, juntamente com Oswald e suas obras “Memórias sentimentais de João Miramar” e “Serafim Ponte Grande”, são os nomes mais promissores da renovação da forma ou da técnica romanesca.

Com Perto do coração selvagem, revelando uma força artística renovadora que ultrapassava uma época marcada por romances com aspectos regionalistas e que seguiam um modelo de narrativa consagrado. Clarice Lispector dá início a sua longa trajetória no mundo literário.

Olga de Sá (2000), que reconstrói a história e a crítica sobre Clarice Lispector, informa que o primeiro crítico a escrever sobre a obra de estreia, Perto do coração selvagem, foi Sérgio Milliet, em janeiro de 1944. O livro havia sido lançado em 1943, mas só surpreende a crítica e recebe prêmios no ano seguinte. Milliet fala de seu estranhamento com o nome da autora, que pensa tratar-se de pseudônimo, e diz

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que esperava mais uma das “mocinhas cheias de qualidade”, “que morreriam de ataque diante de uma crítica séria” (MILLIET, apud: SÁ, p.27).

Sérgio Milliet reluta, mas se rende à leitura e percebe na autora uma linguagem pessoal, adjetivação segura e aguda, originalidade e fortaleza do pensamento. Ele percebe características positivas também em O lustre, em sua análise de fevereiro de 1946, em que reitera o raro poder inventivo, o profundo valor poético e uma sutileza psicológica rica de promessas. “Seu expressionismo, desconcertou os críticos, antes acostumados com os contadores de histórias, assim simboliza um novo estágio da cultura brasileira” (MILLIET, apud: SÁ.p,36)

Outro crítico que faz questão de colocar Clarice à parte é Álvaro Lins, crítico influente da época, que critica a falta de estrutura ficcional de Perto do Coração Selvagem e categoriza o livro como “literatura feminina”. Por outro lado, Antonio Candido (1970) elogia a ousadia expressional da escritora iniciante.

Ao verificar semelhanças com as metodologias desenvolvidas por Virginia Woolf e James Joyce, Lins defende uma crítica de influência. A exigência de Álvaro não é pouca, pois ele diz que Perto do coração selvagem, “é um romance original nas nossas letras, embora não o seja na literatura universal” (LINS, apud SÁ, p.33). Para ele, a experiência de Lispector estaria incompleta porque não soube criar um ambiente mais definido para os personagens. Depois, analisando O lustre, ele aponta outras características de Clarice, como a sinestesia, mas critica o recurso à poesia em uma obra de prosa, dizendo tratar-se de excesso de verbalismo.

Em 1946, a escritora Gilda de Mello e Souza também critica o que viria a marcar qualitativamente Clarice: o uso concomitante de diferentes gêneros literários, especialmente da poesia na prosa. Gilda fala ainda de um processo de personalização das coisas, que violenta o sentido lógico da frase e impregna a obra de Lispector, e mais especialmente O lustre, objeto da análise.

Para Gilda o reconhecimento de que Clarice Lispector leva em conta o cenário histórico da sua obra, afinal, comparando o texto clariceano com o de Franz Kafka, ela aponta que tais obras de certa forma humanizam, por assim dizer, os problemas mais essenciais do indivíduo, de uma situação, ou de uma época.

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Benedito Nunes foi o crítico que mais se aprofundou na dimensão filosófico existencialista da ficção de Lispector incluído mais tarde em O drama da linguagem (1989), Nunes identifica na ficção lispectoriana uma “temática marcadamente existencial” ligada a certos tópicos da filosofia da existência. Entretanto, o crítico observa uma certa “perspectiva mística”. Essa experiência mística abarca a náusea resultante do encontro entre o sujeito e uma realidade transcendente, “não humana”, no dizer de Benedito Nunes. Este momento de náusea-experiência mística encontra-se bem repreencontra-sentado no romance A paixão encontra-segundo G. H., no momento de comunhão de G. H. com a barata, momento esse, aliás, que G. H. não pode vivenciar conscientemente. Ou seja, G. H. perde os sentidos no instante mesmo de sua comunhão com o não-humano.

2.2 Clarice Lispector nas décadas de 60 e 70

José Américo Motta Pessanha, em 1965, escreve Itinerário da Paixão, no qual aponta perspectivas interessantes sobre a trajetória de Clarice. Conforme Pessanha, toda a obra de Clarice se encaminhava para A paixão segundo G.H., cuja personagem representaria o condenado, o humano rebelado, em confronto com a linguagem e a razão discursiva. A aparição de animais remontaria à necessidade de aproximação com o primitivo e à raiz das coisas, enquanto A maçã no escuro seria o banquete que antecede o sofrimento de G.H. Para ele, a personagem busca emudecer as racionalizações tradicionais, cristalizadas, e os hábitos de vida. Para o crítico, na ficção de Lispector, a personagem procura sua própria “essência”, que não se confunde com o seu eu. Aqui parece que se encontra o cerne do conflito que domina as personagens analisadas nesse trabalho.

Cabe salientar ainda que, no final dos anos 60, Alfredo Bosi faz considerações acerca dos rumos que a ficção brasileira tomou a partir de 1930, dividindo as narrativas conforme quatro tendências que identificam o grau de tensão que as obras possuíram em seu relacionamento com o mundo exterior e o estético.

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Bosi aproveita muito das idéias de Lucien Goldmann em A sociologia do romance, abordando a tensão entre o herói e o mundo. Assim, Alfredo Bosi situa a obra de Clarice Lispector entre a tensão interiorizada e a transfigurada. Para Bosi, o herói (ou anti-herói, como adota com mais propriedade) das obras de Lispector procura ultrapassar o conflito com o mundo, indo alcançar uma mudança mítica ou metafísica da realidade. O crítico destaca que autores como Clarice Lispector tentariam a “construção” de uma outra realidade, ao invés da “transposição da realidade social e psíquica” ao investirem em uma linguagem experimental, que rompe até com os limite do gênero literário.

Cabe, agora, uma discórdia com Bosi, pois neste trabalho não se vê uma ficção desvinculada da realidade coletiva. Contudo, é compreensível que Alfredo Bosi tenha adotado tal perspectiva já que estava mais interessado na passagem que Clarice Lispector realiza do “puro psicológico ao experimental”. Considera-se pertinente o apontamento que o crítico faz do uso intensivo da metáfora insólita na escrita clariciana, bem como da entrega ao fluxo da consciência e da ruptura com o enredo factual.

Muitos críticos atuantes na época de estreia de Clarice Lispector, embora tenham apontado como defeitos o que eram características e como falha, ou falta, o que, na verdade, eram proposições estéticas (posteriormente validadas como qualidades), já conseguiam dar indicativos dos caminhos pelos quais sua obra seguiria. Tais críticos poderiam até não possuir instrumentos para avaliar as transformações inauguradas por ela na literatura brasileira, mas, apesar disso, já reconheciam núcleos temáticos e características estilísticas da escrita clariciana.

Raros são os autores que tinham adentrado como ela nos limites da nova experimentação do romance moderno. Só restava aos críticos da época considerar suas qualidade, o seu pioneirismo, em adaptar, ou arriscar outras formas de narrar, utilizando a descontinuidade de tempo e espaço e focalizando mais os monólogos da consciência vivenciados pelas personagens.

Já na década de 80, vários estudos discutiram as relações entre existencialismo e misticismo no conto e no romance de Lispector, enquanto que, na década seguinte, apresentou-se uma reavaliação do existencialismo lispectoriano a

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partir de um enfoque no sujeito feminino, sobre os contos de Laços de família e A via crucis do corpo.

2.3 A linguagem utilizada nas obras lispectorianas

No trabalho realizado por Clarice Lispector é frequente o uso de metáforas e imagens inusitadas, a quebra da relação de causa e efeito, o uso da ambiguidade, o fluxo da consciência e o monólogo interior, os quais servem em sua obra para revelar a relação entre sujeito e realidade exterior mediante a percepção que esse sujeito tem da realidade.

O estilo narrativo da escritora, seu uso muito particular da linguagem, a estrutura sintática, a ambiguidade e as escolhas semânticas põem em destaque a própria palavra enquanto instrumento mediador entre o sujeito e a realidade circundante, em detrimento do enredo narrativo. Sendo uma nova perspectiva pela qual a linguagem é concebida. A palavra torna-se, portanto, tanto o eixo formal como temático da ficção lispectoriana, destacando-se aí uma preocupação com a linguagem como instrumento falho de comunicação, e com o ato mesmo da escrita.

Desde seu primeiro livro, Lispector questiona a capacidade de expressão da linguagem e, ao reconhecer os limites que a palavra impõe ao desejo de conhecimento, autoconhecimento e comunicação com o outro, procura transgredir tais limites. Esse processo de transgressão é contínuo e sempre incompleto: a palavra invariavelmente cai aquém das possibilidades e do desejo do sujeito.

Outros críticos têm observado que a transgressão da linguagem em Lispector representa não só a transgressão das convenções de gênero do romance, mas também uma transgressão dos limites sociais efetuada pelos seus personagens.

Vê-se assim que a importância da linguagem na obra de Lispector vai constituir um dos principais veios da fortuna crítica da autora. Entretanto, a questão da linguagem está indissoluvelmente ligada à dimensão filosófico existencialista da

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obra, principalmente no que diz respeito à relação entre linguagem e a condição humana. Olga de Sá, em A escritura de Clarice Lispector (1979 p.18), caracteriza a obra lispectoriana “como uma escritura metafórico metafísica, dilacerada pelo dilema entre existir e escrever”.

2.3 Clarice Lispector e suas obras

Assim como o conto “Felicidade Clandestina”, muitos dos textos reunidos neste livro foram publicados como crônicas no Jornal do Brasil, para onde Clarice escrevia semanalmente de 1967 a 1972.

Ao todo, “Felicidade Clandestina” reúne 25 textos que possuem as mais variadas temáticas, tais como a infância, a adolescência, a família, o amor e questões da alma. Assim como a crônica que dá título ao livro, muitos dos textos apresentam algo de autobiográfico, trazendo recordações da infância da autora em Recife, alguma personagem que marcou seu passado. Através da recordação de fatos do seu passado, Clarice Lispector busca nos contos fazer uma investigação psicológica de autoanálise.

A literatura de Clarice Lispector é abundante e abrange oito romances, uma novela, vários contos e crônicas, livros infantis e fragmentos narrativos. Quanto a sua fortuna crítica, pode-se dizer que é ampla, suas obras são dignas de destaque há muitos anos no universo dos estudos literários e, por isso, já existe um grande número de estudos dedicados a essa escritora. Os aspectos mais analisados em sua obra são: a dimensão filosófico existencial da obra, a construção formal e o estilo narrativo, que são considerados singulares, e a questão do feminino.

No ano de 1977, publica seu último livro, A hora da estrela, vindo a ser internada pouco tempo depois com câncer. A escritora vem a falecer no dia 9 de dezembro do mesmo ano, véspera de seu aniversário de 57 anos. Suas principais obras são: Perto do coração selvagem (1944), Laços de família (1960), A maçã no escuro (1961), A legião estrangeira (1964), A paixão

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segundo G.H. (1964), Felicidade clandestina (1971), Água viva (1973) e A hora da estrela (1977).

3 CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”, DE CLARICE LISPECTOR

O presente capítulo visa a análise do conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, com base na teoria da Estética da Recepção, a qual chega como

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uma proposta de mudança de paradigma, podendo ser lida como uma visão de mundo, que engloba o leitor, o texto e o processo de comunicação.

Para que haja essa transformação, é necessário que o olhar sobre a questão do leitor, rompa-se com a noção de texto enquanto objeto e estanque, e coloque a leitura como processo de reconstrução do texto. Dissolvem-se as antigas motivações, as quais passam a ser mais pessoais, livres do objetivo de alcançar a leitura correta. Assim, interessa à estética da recepção o confronto entre a construção do autor e as reconstruções do leitor. A teoria da recepção, atenta para os significados e seus locais de construção e suas interpretações, observando as diferenças nas descobertas de fatos à luz de mediações históricas e sociais.

“Felicidade clandestina” é um conto narrado pela personagem principal, a qual recorda sua infância. Ela era uma menina que gostava muito de ler. Sua situação financeira não era suficiente para comprar livros. Por isso, ela vivia pedindo-os emprestados a uma colega filha de dono de livraria. Essa colega não valorizava a leitura e inconscientemente se sentia inferior às outras, sobretudo à narradora. Certo dia, a filha do livreiro informou à narradora que podia emprestar-lhe As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, mas que fosse buscá-lo na sua casa. A menina passou a sonhar com o livro, mas mal sabia ela que a colega queria vingar-se: todos os dias, invariavelmente, ela passava na casa e o livro não aparecia, sob a alegação de que já fora emprestado. Esse suplício durou muito tempo. Até que, certo dia, a mãe da menina dona do livro, interveio na conversa das duas e percebeu a atitude da filha; então, fez com que a menina má emprestasse o livro à sonhadora por tanto tempo quanto desejasse.

Pode-se identificar esse desejo de ler da narradora/protagonista como definidor do título do conto: “Felicidade clandestina”. Assim, concluí-se que a leitura é, para essa personagem, a felicidade clandestina. A felicidade e magia da literatura, do prazer era tamanha, que a menina sonhadora fazia questão de "esquecer" que estava com o livro para depois ter a "surpresa" de achá-lo: "Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante." (LISPECTOR, 1998, p. 10).

Cabe ainda destacar a importância e a relação do título com o texto. FELICIDADE, Conforme o minidicionário Houaiss (2009) “bem-estar, contentamento, bom resultado, bom êxito, sucesso”. CLANDESTINA: feito às escondidas, feito em

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segredo”. As definições em questão, estabelecem relação entre título e conto, uma vez que, o significado isolado de cada palavra define por assim dizer algo presente no conto, a felicidade, esclarece parte do sentimento expresso pela protagonista, o seu contentamento, a sua satisfação em ter alcançado o seu objetivo, e ao mesmo tempo, a clandestinidade,o prazer em fingir não ter o livro, só para sentir a alegria em saber que o têm, fingir encontrar algo que estava perdido.

Assim sendo, a seguir será exposto os elementos narrativos que darão mais sentido e familiaridade ao conto “Felicidade clandestina”, o qual é analisado neste trabalho.

3.1 Análise da narrativa

Para analisar as partes do enredo de “Felicidade Clandestina” se faz necessária essa retomada teórica para que se tome conhecimento de todas as partes de uma narrativa e suas peculiaridades: o conflito, elemento criador de tensão, que organiza os fatos da história, prende a atenção do leitor e apresenta o “problema” da história. Além dos conflitos entre personagens, existem os conflitos entre personagem e ambiente, conflitos morais, religiosos, econômicos e psicológicos.

Segundo Cândida Vilares Gancho (2003) o conto é uma narrativa curta, que possui características centrais, em que é possível tornar conciso o tempo, o espaço e restringir o número de personagens. É um tipo de narrativa tradicional, que vem sendo adotado por inúmeros autores desde os séculos XVI e XVII.

Atualmente, o seu público é imenso, tanto para autores quanto para escritores, mesmo que tenha adquirido características um tanto quanto diferentes das primeiras, como exemplo, deixa à parte a intenção moralizante e adota o fantástico ou o psicológico para a elaboração do enredo. Assim, o conto pode ser definido enquanto uma unidade narrativa de ação, curta e universal, sendo mais literário que a crônica.

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A partir de agora será feito o estudo de cada elemento que compõe a estruturação de uma narrativa, neste caso o conto. Em cada elemento da narrativa será feita uma pequena conceituação teórica e posterior aplicação no conto em questão.

3.1.2 Enredo

O enredo é baseado na ação dos personagens, e vale dizer que duas questões são essenciais no enredo: sua estrutura e a sua natureza ficcional.

O conflito é fundamental na narrativa, porque vai determinar as partes do enredo:

• Exposição: é o início da história, é a parte que situa o leitor diante da historia que irá ler.

• Complicação: onde se desenvolve o conflito, sendo que pode existir mais de um conflito na mesma história.

• Clímax: é o ápice da história, de maior tensão, ponto de referência para as outras partes do enredo.

• Desfecho: é a solução para os conflitos. Há vários tipos de desfecho, podendo eles ser felizes ou não, cômicos ou trágicos.

No enredo psicológico, os fatos não são evidentes, porque não equivalem a ações concretas dos personagens, mas sim, a movimentos interiores, ou seja, fatos emocionais, que designariam o enredo psicológico.

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Narrado em primeira pessoa, o conto “Felicidade clandestina” conta a história de uma menina apaixonada por livros. No conto são abordados os modos de posse e desapropriação tanto da leitura quanto do livro, caracterizados pelo desejo de ler, quando a narradora traz em seu íntimo uma felicidade ilusória, clandestina.

A menina que humilha a outra é feia, mas, por outro lado, seu pai é proprietário de uma livraria, o que a torna elemento chave para sua arrogância e reinado. Um fato importante é que ela não gostava de ler, o que a diferenciava das demais garotas da sua idade, que adoravam. Por isso, não presenteava ninguém com livros, somente com cartões postais, e também não emprestava livros a ninguém, por orgulho.

Sua maldade é imensa, que encontra alguém e passa a narrativa toda correndo atrás dela para conseguir um livro que tanto queria emprestado. Clarice Lispector conduz o conto de tal forma que o leitor espera o melhor da protagonista, e isso acontece. A narrativa toma outro rumo quando a mãe da garota perversa descobre o que sua filha está fazendo com a outra menina, e a partir daí a mãe determina-se a fazer o mesmo com sua filha. A mãe, em sua sabedoria, apenas pede à filha que entregue o livro à incansável menina.

Nesse episódio observa-se a presença misteriosa e suspensa do livro como instrumento transgressor e transformador de uma realidade linear. A posse do volume nas mãos traduz um indecifrável sentimento na menina. Tal qual as outras personagens leitoras, a menina busca a leitura como a um amante e, a sua posse causa-lhe uma indecifrável felicidade. A menina sonhadora passa a saborear, lentamente, aquela “Felicidade clandestina”.

A postura da mãe é decisiva para o desfecho do conto, pois a menina, então possuidora do livro, demonstra o que está sentindo, o momento valioso, já que em sua concepção, valia muito mais ter o livro por tempo indeterminado do que tê-lo para sempre. Tal afirmação remete ao título do conto: “Felicidade clandestina”, já que ter algo que não seja de fato próprio, torna-se clandestino, no caso da menina o livro de Monteiro Lobato.

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Na condição dos elementos narrativos expostos por Cândida Vilares Gancho, o enredo do conto “Felicidade clandestina” conta com uma exposição que é delimitada até o parágrafo 3º. A complicação ocorre do 4º parágrafo até o 6º parágrafo, o clímax acontece a partir do 7º parágrafo em que a mãe da menina má intervém em benefício da menina sonhadora, o desfecho da história acontece no último parágrafo, quando a menina toma posse do tão desejado livro e torna-se realizada e com a “felicidade clandestina” conquistada.

Assim, fica claro que o conto não possuí um enredo psicológico, uma vez que os fatos e as ações dos personagens ficam evidentes nas suas movimentações dentro da narrativa.

3.1.3 Narrador

Para Cândida Vilares Gancho “não existe narrativa sem narrador, uma vez que ele é o elemento estruturador da história” (p. 26). São utilizados dois termos para designar a função do narrador na história: foco narrativo e ponto de vista. Os tipos de narrador podem ser: terceira pessoa (narrador observador, está fora dos fatos narrados, seu ponto de vista é imparcial); pode ainda ser onisciente, sabedor de tudo que acontece na narrativa, onipresente, está em todos os lugares da história; narrador intruso, fala com o leitor ou ainda julga o comportamento dos personagens. O narrador parcial é aquele que se identifica com algum personagem e o defende implicitamente. Já o narrador de primeira pessoa ou narrador personagem, é aquele que participa diretamente do enredo, não é onisciente e nem onipresente. Esse tipo de narrador pode ainda ter variantes, como narrador testemunha, aquele que não é o personagem principal, mas narra acontecimentos em que participou, e o narrador protagonista, que é também o personagem principal. Para que fique claro, narrador não é autor, conforme GANCHO (2003, p. 29) sublinha: “as variantes de narrador em primeira pessoa, ou em terceira pessoa podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada

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