• Nenhum resultado encontrado

Jornalismo literário: uma análise do livro-reportagem presos que menstruam

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jornalismo literário: uma análise do livro-reportagem presos que menstruam"

Copied!
56
0
0

Texto

(1)1. UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO DE JORNALISMO. Liliane Ferenci. JORNALISMO LITERÁRIO: UMA ANÁLISE DO LIVROREPORTAGEM PRESOS QUE MENSTRUAM. Passo Fundo 2016.

(2) 2. Liliane Ferenci. JORNALISMO LITERÁRIO: UMA ANÁLISE DO LIVROREPORTAGEM PRESOS QUE MENSTRUAM. Monografia apresentada ao curso de Jornalismo, da Faculdade de Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo (UPF), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, sob a orientação da Profª. Ms. Maria Joana Chaise.. Passo Fundo 2016.

(3) 3. Liliane Ferenci. Jornalismo literário: uma análise do livro-reportagem Presos que Menstruam. Monografia apresentada ao curso de Jornalismo, da Faculdade de Artes e Comunicação, da Universidade de Passo Fundo (UPF), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, sob a orientação da Profª. Ms. Maria Joana Chaise.. Aprovada em ____ de __________ de ______.. BANCA EXAMINADORA. ___________________________________ Profª. Ms. Maria Joana Chaise. ___________________________________ Prof. Dr. ______________________-_____. ___________________________________ Prof. Dr. ______________________-_____.

(4) 4. Agradeço a Deus pelo caminho percorrido até aqui e pela vida partilhada com muitas pessoas. À orientadora, professora Maria Joana Chaise, que, com muita paciência e dedicação, auxiliou na realização desta monografia. Aos meus pais, Vicente e Terezinha, por compreenderam minha ausência durante esse período e por me incentivaram nos momentos de tensão. Aos amigos da Pastoral da Juventude, por mostrarem que nossos sonhos, por mais difíceis que pareçam ser, se sonhados e construídos juntos, tornam-se realidade. Ao Programa Universidade Para Todos por possibilitar, a mim e a milhares de jovens brasileiros, o ingresso no ensino superior. E, por fim, agradeço as pessoas que fizeram parte dessa etapa da minha vida, especialmente aos meus colegas de aula e aos ex-colegas de estágio do Núcleo Experimental de Jornalismo e do Jornal Folha Regional..

(5) 5. RESUMO. O presente trabalho estudou a presença do jornalismo literário no livro-reportagem “Presos que Menstruam”, escrito pela jornalista Nana Queiroz. Para isso, foi necessário estudar o papel do jornalista como construtor da realidade a partir da teoria construcionista, bem como compreender os aspectos do texto literário e a conceituação de livro-reportagem. Por meio de uma análise de conteúdo, foi avaliada a primeira história que abre cada um dos sete capítulos que compõem o livro. Buscou-se identificar em cada uma delas a presença das características do conceito da Estrela de Sete Pontas, apontadas por Felipe Pena (2006) para referir-se ao jornalismo literário. A partir da análise foi possível identificar a presença de todas as características trazidas pelo autor em todos os textos, sem exceções. As mais presentes foram a potencialização dos recursos do jornalismo, a intenção de exercer a cidadania e o rompimento com as correntes do lead.. Palavras-chave: Jornalismo Literário. Estrela de Sete Pontas. Livro-reportagem. Presos que Menstruam. Nana Queiroz..

(6) 6. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7 1. O JORNALISTA COMO CONSTRUTOR DA REALIDADE ...................................... 9 1.1 A teoria construcionista ................................................................................................. 9 2. A UNIÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA................................................. 14 2.1 Jornalismo literário ...................................................................................................... 14 2.2 Livro-reportagem ........................................................................................................ 19 3. METODOLOGIA .......................................................................................................... 25 3.1 Apresentação do objeto ................................................................................................ 25 3.1 Metodologia de pesquisa .............................................................................................. 26 4. ANÁLISE ....................................................................................................................... 29 4.1 Análise do capítulo 1 – Safira: Leite, fraldas e pote de açúcar ................................... 29 4.2 Análise do capítulo 2 – Gardênia ................................................................................. 33 4.3 Análise do capítulo 3 – Júlia: Júlia gosta do tipo errado ............................................ 36 4.4 Análise do capítulo 4 – Vera: Maria-João ................................................................... 39 4.5 Análise do capítulo 5 – Camila: Joe............................................................................. 42 4.6 Análise do capítulo 6 – Glicéria: Encantados .............................................................. 46 4.7 Análise do capítulo 7 – Marcela: Ser lésbica x estar lésbica na cadeia ...................... 48 4.8 Síntese da análise .......................................................................................................... 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 55.

(7) 7. INTRODUÇÃO. O jornalismo literário possibilita aprofundar-se em reportagens mais humanizadas. Esse modelo foge dos padrões engessados das redações e propõe, ao leitor, outra visão de mundo. Por este motivo, o presente trabalho objetiva estudar a presença do jornalismo literário no livroreportagem Presos que Menstruam, escrito pela jornalista Nana Queiroz. Lançado em julho de 2015 pela Editora Record, a obra traz relatos do dia a dia de mulheres dentro das principais penitenciárias femininas brasileiras. A escolha deste objeto de estudo deu-se a partir de seu lançamento e pelo gosto pessoal pelo tema abordado, ao perceber que a autora deu voz àquelas que geralmente não são ouvidas. Além de informar, o jornalismo literário revela aquilo que não é mostrado nas matérias do dia a dia e possibilita ao jornalista outras maneiras de contar uma história, através de um texto mais sensível. Esse tipo de escrita mantém a essência do jornalismo e reforça características importantes. As prisões do país possuem, hoje, quase 580 mil presos, de acordo com Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de junho de 2014. Desse total, aproximadamente 37 mil são mulheres. A história de mulheres presas é relatada ao longo de 294 páginas do livro-reportagem em estudo, divididas em sete capítulos. Para a análise, foram selecionadas a primeira história contada de cada capítulo, totalizando sete personagens. Nessas publicações serão identificadas a presença dos aspectos do Jornalismo Literário a partir do conceito definido por Felipe Pena (2006), denominado Estrela de Sete Pontas. Pena (2006) defende que, ao escrever um texto literário, o jornalista precisa, em primeiro lugar, usar os bons e velhos costumes do jornalismo, apurando todos os fatos e construindo uma narrativa para informá-los de forma clara ao leitor. Após isso, o autor destaca que o profissional deve ir além, e isso torna-se possível ao ultrapassar os limites das matérias do dia a dia, abordando temas não-factuais ou assuntos menos discutidos. Como terceira característica, Pena (2006) sugere que o texto literário proporcione uma visão ampla da realidade, com atenção para os mínimos detalhes. Ainda, assim como todo bom profissional, colocar-se no lugar de seus entrevistados é essencial para conseguir descrever os fatos da melhor maneira possível e, por isso, a quarta característica orienta exercer a cidadania. Para que o texto construído seja algo inovador e agregue aos leitores, o autor orienta que o jornalista rompa com as correntes do lead, sem preocupar-se com a objetividade, e evite as fontes primárias, que são aquelas que sempre.

(8) 8. aparecem nas notícias. Por fim e não menos importante, Pena (2006) defende que todas as reportagens literárias sejam perenes e em profundidade. Este estudo está organizado em quatro capítulos. No primeiro é apresentado o jornalista como delineador da realidade, a partir da teoria construcionista, com conceitos defendidos por Nelson Traquina (2005), Berger e Luckmann (1985), entre outros. O segundo resgata a história e as principais características da união entre jornalismo e literatura, relembrando, também, sua presença nos textos em livros-reportagem. Para tanto, são referências os estudos de Felipe Pena (2006), Edvaldo Pereira Lima (2004), Eduardo Borges (2013), Nilson Lage (2004) e demais autores. No terceiro capítulo são apresentados o objeto de estudo, a metodologia e conceituação que cerca o tipo de análise que será utilizada para obtenção dos resultados desta pesquisa. E, no último, são analisadas a primeira história de cada um dos sete capítulos do livro..

(9) 9. 1. O JORNALISTA COMO CONSTRUTOR DA REALIDADE. A partir da visão de três principais autores, neste capítulo será possível compreender como cada indivíduo interpreta a sua realidade, a partir da teoria construcionista e de alguns critérios de noticiabilidade aplicados ao jornalismo.. 1.1 Teoria construcionista. Por que as notícias são como são? Na busca por uma resposta a essa pergunta alguns estudiosos passaram a discutir, por volta de 1970, o paradigma da notícia como construção da realidade. O jornalista, neste caso, não é definidor do que é ou não considerado notícia, mas é caracterizado como um profissional inspirado pela sociedade e, como resultado disso, passa a influenciá-la também ao participar da produção de notícias (PENA, 2009):. Na verdade, o método construtivista apenas enfatiza o caráter convencional das notícias, admitindo que elas informam e têm referência na realidade. Entretanto, também ajudam a construir essa mesma realidade e possuem uma lógica interna de constituição que influencia todo processo de construção (PENA, 2009, p. 129).. Para compreender o papel do jornalista diante desse contexto, faz-se necessário, primeiramente, contextualizar a discussão acerca da pergunta: o que é considerado real? Para Berger e Luckmann (1985), a realidade pode ser entendida como uma junção de fenômenos carregados ao longo da vida de um indivíduo. Ou seja, o cotidiano de cada um será interpretado através de sua concepção de mundo. "Embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza, é mais significativo dizer que o homem constrói sua própria natureza, ou, mais simplesmente, que o homem produz a si mesmo” (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 72). Essa construção é resultado do local onde o indivíduo está inserido geograficamente:. A linguagem usada na vida cotidiana fornece-me continuamente as necessárias objetivações e determina a ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganha significado para mim. Vivo num lugar que é geograficamente determinado; uso instrumentos, desde abridores de lata até os automóveis de esporte, que têm sua designação no vocabulário técnico da minha sociedade; [...] desta maneira a linguagem marca as coordenadas de minha vida na sociedade e enche esses objetos de significação (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 38-39)..

(10) 10. Os autores ainda ressaltam que cada indivíduo terá uma forma de observar a realidade que o cerca e exemplificam que a vida cotidiana é aquilo que está ao alcance de cada um, em diferentes graus de aproximação e distância, espacial e temporalmente. “A realidade cotidiana está organizada em torno do “aqui” de meu corpo e do “agora” do meu presente (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 39). Nesse mesmo sentido entende-se que, como o indivíduo já nasce inserido em um determinado contexto, ele terá dificuldade ou até mesmo desinteresse em compreender aquilo que não está ao seu alcance. Por esse motivo, Berger e Luckmann ainda (1985) refletem:. Sei, evidentemente, que a realidade da vida cotidiana contém zonas que não me são acessíveis desta maneira. Mas, ou não tenho interesse pragmático nessas zonas ou meu interesse nelas é indireto, na medida em que podem ser potencialmente zonas manipuláveis por mim. Tipicamente meu interesse nas zonas distantes é menos intenso e certamente menos urgente (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 39).. A partir desse breve conceito acerca de como a realidade pode ser compreendida, a teoria construcionista vem, então, para se opor à perspectiva de notícias como distorção ou espelho da realidade, que vê o jornalista como responsável por refletir o que é a realidade e o que a determina. “Nos estudos da parcialidade das notícias, a teoria das notícias como espelho não é posta em causa; nos estudos que utilizam a perspectiva das notícias como construção, a teoria do espelho é claramente rejeitada” (TRAQUINA, 2005, p. 168). De acordo com Traquina (2005), essa rejeição é resultado de um processo que corresponde a três características:. Em primeiro lugar, argumenta que é impossível estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os media noticiosos que devem “refletir” essa realidade, porque notícias ajudam a construir a própria realidade. Em segundo lugar, defende a posição de que a própria linguagem não pode funcionar como transmissora direta do significado inerente aos acontecimentos, porque a linguagem neutral é impossível. Em terceiro lugar, é da opinião que os media noticiosos estruturam inevitavelmente a sua representação dos acontecimentos, devido a diversos aspectos organizativos do trabalho jornalístico (TRAQUINA, 2005, p. 169).. Nesse contexto, Traquina (2005) enfatiza que as notícias como construção não são ficção, mas, pelo contrário, são construídas a partir da bagagem cultural de cada jornalista. “As notícias como uma forma de cultura incorporam suposições acerca do que importa, do que faz sentido, em que tempo e em que lugar vivemos, qual a extensão das decisões que devemos tomar seriamente em consideração” (SCHUDSON apud TRAQUINA, 1982/1993, p. 14)..

(11) 11. Vale ressaltar a forma como essa realidade é apresentada ao leitor. Para Moretzsohn (apud Borges, 2013), a maneira como uma notícia é escrita pode aparentar ser como uma telenovela, contada em pedaços e em acontecimentos aleatórios. Para ele, é impossível domesticar a realidade. Ao apresentar um fato, sem intenção de distorcê-lo, o jornalista irá escrevê-lo a partir de uma construção simbólica e de suas escolhas.. Dizer que o trabalho de informar ‘não envolve, ou não deveria envolver nenhuma ação ou decisão’ é, antes de mais nada, ignorar a ação ou decisão prévias que orientaram o percurso de escolha das próprias informações a serem relatadas fidedignamente, além disso, é desconsiderar todo processo discursivo que resultará nesses relatos através dos quais o jornalismo se materializa, o que implica desconsiderar o próprio jornalismo como discurso (MORETZSOHN apud BORGES, 2013, p. 26).. Apesar de a grande maioria de profissionais afirmar buscar ser neutro ao escrever suas matérias, Traquina (2005) exemplifica que, ao selecionar fontes para falar sobre determinado assunto, o profissional construirá o texto a partir da sua interpretação daquela realidade, já apresentada por outra pessoa. Ou seja, todo acontecimento será relatado através de um ponto de vista:. E quando se afirma que as pessoas têm interesse em versões diferentes desse acontecimento, que qualquer acontecimento pode ser construído das mais diversas maneiras e que se pode fazê-lo significar as coisas de um modo diferente, esta afirmação de algum modo ataca ou mina o sentido de legitimidade profissional dos jornalistas, e estes resistem bastante à noção de que a notícia não é um relato, mas uma construção (HALL apud TRAQUINA, 2005, p. 170).. Naturalmente, cada pessoa lerá e interpretará a notícia de uma forma diferente. E isso só acontece porque, segundo Borges (2013), há algumas etapas que compõem o processo do fazer informativo e permitem essa interpretação. São elas: seleção e preparação dos canais que serão usados para divulgação do relato; controle de relevância dos acontecimentos; controle dos valores de verdade dos acontecimentos selecionados; hierarquização da notícia quanto ao espaço e a visibilidade a ocupar, e preparação final da maneira pela qual esse acontecimento ganhará publicidade.. Esses momentos perfazem níveis diferentes de seleção, apuração e decisão sobre a notícia e estão intimamente relacionados com outros parâmetros também levados em conta na feitura do texto jornalístico, entre os quais se destacam as rotinas produtivas,.

(12) 12. a cultura profissional, as políticas editoriais e o acesso das fontes (BORGES, 2013, p. 58).. O processo de construção da notícia também é explicado por Tuchman (apud Pena, 2010). A autora defende o jornalista como profissional responsável por organizar as informações referentes aos fatos cotidianos para explicá-los da melhor forma possível. Para realizar essa atividade, traz três sugestões:. Tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido como acontecimento notável; elaborar formas de relatar os acontecimentos que não tenham a pretensão de dar a cada fato ocorrido um tratamento idiossincrático; organizar, temporal e espacialmente, o trabalho de modo que os acontecimentos noticiáveis possam afluir e ser trabalhados de uma forma planificada (TUCHMAN apud PENA, 2010, p. 129).. Nesta construção sugerida por Tuchman enquadra-se, também, a teoria do Newsmaking, defendida por Wolf (1990) e por Traquina (2005). Ambos acreditam que o processo de construção da notícia tornou-se engessado. Ou seja, os critérios de noticiabilidade proporcionam aos jornalistas a terem um “padrão” de operação nas rotinas de produção.. A noticiabilidade está estreitamente relacionada com os processos de rotinização e de estandardização das práticas produtivas: equivale a introduzir práticas produtivas estáveis, numa matéria prima (os factos que ocorrem no mundo) que é, por natureza, extremamente variável e impossível de predizer. Sem uma certa rotina de que podem servir-se para fazer frente aos factos imprevistos, as organizações jornalísticas, como empresas racionais, falhariam (WOLF, 2002, p. 190).. Os valores-notícia, um dos elementos dos critérios de noticiabilidade, são uma forma de acompanhar todo o processo de produção e de seleção das notícias. Isso quer dizer que, ao escrever uma notícia, por exemplo, o profissional usará alguns critérios para defini-la como tal (WOLF, 2002):. Os valores notícia utilizam-se de duas maneiras: São critérios de seleção dos elementos dignos de serem incluídos no produto final, desde o material disponível à redação. Em segundo lugar, funcionam como linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na preparação das notícias a apresentar ao público (WOLF, 2002, p. 196)..

(13) 13. A visão dos autores trabalhados até aqui possibilitou compreender como o jornalista interpreta a realidade. Bem mais do que apenas representá-la, esse é um processo de interação entre jornalistas, cases, fontes e sociedade. O profissional, desde a apuração dos fatos até a finalização da matéria, será o responsável por fazer com que o leitor possa entender, de uma forma clara, determinados acontecimentos, a partir de uma seleção daquilo que é – ou não – considerado importante. Assim como disse Wolf (2002), as redações traçam um perfil um pouco engessado na seleção do que será tratado como notícia. Para livrar-se disso, muitos jornalistas encontraram nos livros-reportagem uma forma de elaborar um trabalho mais detalhado e humanizado, utilizando a linguagem literária em seus textos. Diante disso, no capítulo a seguir será apresentado o conceito de Jornalismo Literário e como esse tipo de texto está figurando atualmente em livros-reportagem..

(14) 14. 2. A UNIÃO ENTRE JORNALISMO E LITERATURA. Após compreender o papel do jornalista como construtor da realidade, este capítulo abordará a união entre jornalismo e literatura, as características de um texto literário e a sua presença em livros-reportagem, a partir de conceitos de dois principais autores, Pena (2006) e Lima (2004).. 2.1 Jornalismo literário. Jornalismo e literatura caminham juntos; ambos se complementam e se mantêm sincronizados. De acordo com Lima (2004), essa união iniciou a partir da última metade do século XIX, mais especificamente em 1830, quando jornalistas, após perceberem que a imprensa havia se tornado moderna e padronizada, se sentiram motivados a mostrar a realidade de uma forma diferente e passaram, então, a usar literatura em suas reportagens. O que havia em comum entre ambos, no entanto, era o ato da escrita. O ponto mais relevante nesse processo inicial foi a produção de folhetins, gênero literário criado para unir as duas atividades. De acordo com Pena (2006), esse foi o período “em que os escritores assumiram as funções de editores, articulistas, cronistas e autores de folhetins” (PENA, 2006, p. 21).. Na verdade, a literatura e a imprensa confundem-se até os primeiros anos do século XX. Muitos dos jornais abrem espaço para a arte literária, produzem seus folhetins, publicam suplementos literários. É como se o veículo jornalístico se transformasse numa indústria periodizadora da literatura da época (LIMA, 2004, p. 174).. Os folhetins não contemplavam apenas os leitores, mas também escritores e donos de jornais; o primeiro buscava tornar-se conhecido; o segundo, lucrar com a venda de jornais (PENA, 2006). Mas isso não durou muito tempo. Ao perceberem a carência de profissionais da impressa devido a essa ideia de ‘mercado’, muitos jornalistas revoltaram-se e como consequência criaram, em 1960, nos Estados Unidos, o Novo Jornalismo, também conhecido como New Journalism:.

(15) 15. O new journalism americano foi a manifestação de um momento do Jornalismo Literário. Isso quer dizer que o JL, enquanto forma de narrativa, de captação do real, de expressão do real já existia antes e continua existindo após o new journalism, que foi só uma versão específica do JL, mas uma versão radical quando comparada à anterior, principalmente, no que se refere à capacidade do narrador se envolver com o universo sobre o qual vai escrever (LIMA, 2002).. Essa forma literária do new jornalism fez com que aumentasse o número de pessoas interessadas por esse tipo de escrita, pois era uma linguagem que despertava o desejo do leitor em consumir os fatos, ao contrário das formas mais objetivas, que não os atraiam muito (PENA, 2008). Para Sodré (apud Lima, 2004), os homens buscavam encontrar no jornal o que não encontravam nos livros (SODRÉ apud LIMA, 2004, p. 175). Essa foi também uma época de transformações, já que “havia literatura do fato real, a literatura fática, que era justamente o resultado de um certo desencanto com a ficção e uma vontade de aprender aquela realidade muito rica, muito nova que estava surgindo” (SCHNAIDERMAN apud LIMA, 2004, p. 178). O jornalismo começa, então, a absorver elementos característicos do fazer literário, inspirando escritores a elaborarem textos mais detalhados, ricos em conteúdo e com aspectos da realidade, conforme aponta Lima (2004):. Num primeiro movimento, o jornalismo bebe na fonte da literatura. Num segundo, é esta que descobre, no jornalismo, fonte para reciclar sua prática, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas possibilidades de representação do real efetivo – uma espécie de reportagem – com sabor literário – dos episódios sociais, e a incorporação do estilo de expressão escrita que vai aos poucos diferenciando o jornalismo, com suas marcas distintas de precisão, clareza e simplicidade (LIMA, 2004, p. 178).. Em contrapartida, Borges (2013) acredita que a junção entre jornalismo e literatura pode aparentar, para o público leitor, ser um texto sem credibilidade ou compromisso com a veracidade de todos os fatos:. Ele vem sendo encarado como um produto misto, situado em uma perigosa zona fronteiriça em que a principal função do jornalismo poderia estar sob risco por conta de possíveis influências exacerbadas da literatura e de seu espírito criativo sobre o discurso da informação. Para os defensores da objetividade jornalística como um patrimônio, essa relação pode se tornar promíscua e deturpadora (BORGES, 2013, p. 178)..

(16) 16. Percebe-se, então, que a linguagem literária usada no jornalismo pode, de certa forma, incomodar quem procura por textos mais objetivos. Isso porque, segundo Lima (2004), a literatura está basicamente interessada na escrita, preocupada em detalhar todas as características dos personagens e ambientes nos quais os personagens estão inseridos. Para Pena (2006), os profissionais encontram no jornalismo literário uma maneira de aprofundarem-se em matérias bem elaboradas, pois, para ele, o jornalismo “vem se transformando, salvo raras boas exceções, em um palco de futilidades e exploração do grotesco e da espetacularização” (PENA, 2006, p. 13). O leitor poderia encontrar, em textos dessa natureza, uma história contada de forma mais humanizada e atrativas, ao contrário dos textos objetivos e padronizados das matérias cotidianas. No entanto, Borges (2013) defende que a construção textual não se trata de uma luta pela conquista de corações e que há uma diferença visível entre profissionais que escrevem literatura dos que escrevem jornalismo.. Os profissionais das redações e os teóricos que apostaram no valor de determinadas experimentações discursivas envolvendo o jornalismo e a literatura são, geralmente, encarados como escritores que estão no meio jornalístico, estilistas de linguagem, saudosistas ou pessoas de talento reconhecido, mas que talvez não se adéquem ao dia a dia, em que a agilidade vale mais que a habilidade na elaboração de bons textos (BORGES, 2013, p. 179-180).. Dessa forma, pode-se entender que os textos de jornalismo literário fogem da obrigação do dead line, ou seja, possibilitam um tempo de dedicação maior que as matérias factuais, por exemplo, pois não são engessadas e não precisam seguir os padrões do lead, necessariamente. Para Olinto (apud Borges, 2013), o jornalismo é um campo que permite trabalhar de uma forma mágica com todas as palavras, independentemente do tipo de notícia que for escrita. “O jornalismo tem todas as condições de ser um gênero literário quando executado com arte. Ele acrescenta ao discurso informativo uma faceta que não se contenta com o pragmatismo de transmitir novidades ao público, mas que guarda um aspecto essencialmente estético” (OLINTO apud BORGES, 2013, p. 221). Castro (2002) afirma que a característica principal da escrita jornalística é provocar efeitos de realidade:. O texto jornalístico permite que várias pessoas (além do repórter ou do redator) possam nele intervir, alterando-o tantas vezes queiram, sendo por fim, o resultado de.

(17) 17. uma produção coletiva. O texto literário permite, por sua vez, diversos níveis de relação no interior do próprio texto, produzindo meta-narrações, explorando diversas camadas de significação, criando efeitos da realidade (CASTRO, 2002, p. 80).. Esses aspectos sobre a construção do texto também foram trabalhados por Pena (2006). O autor acredita que, apesar da correria das redações, o jornalista deve, sim, buscar outras maneiras para incrementar suas produções. E isso vai muito além de apenas fugir das amarras das redações: O conceito de jornalismo literário é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocrática do lead, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos (PENA, 2006, p. 13).. De uma forma simples, para explicar cada passo que leva à construção de um texto jornalístico literário, Pena (2006) criou o conceito Estrela de Sete Pontas, que são “sete diferentes itens, todos imprescindíveis, formando um conjunto harmônico e retoricamente místico” (PENA, 2006, p. 13). Na primeira ponta o autor defende que é necessário potencializar os recursos do jornalismo, aproveitando todo conhecimento adquirido com o jornalismo diário e usá-lo para aperfeiçoar e constituir novas táticas profissionais. “Os velhos e bons princípios da redação continuam extremamente importantes, como, por exemplo, a apuração rigorosa, a observação atenta a abordagem ética e a capacidade de se expressar claramente, entre outras coisas” (PENA, 2006, p. 14). Em segundo, Pena sugere ultrapassar os limites do acontecimento cotidiano. Ou seja, apesar de as redações estabelecerem um certo padrão a ser seguido na construção textual da notícia e darem um prazo para finalizá-la – o famoso deadline, o jornalista rompe com características básicas do jornalismo contemporâneo: a periodicidade e a atualidade, sem se preocupar com a novidade, mas com o “desejo do leitor em consumir os fatos” (PENA, 2006, p. 14). A terceira ponta ressalta que o dever do profissional é proporcionar uma visão ampla da realidade. Todo relato é uma interpretação daquilo que é visto, seja qual for a abordagem. No entanto, o jornalismo literário preocupa-se, constantemente, em aprofundar-se em todos os detalhes possíveis. “Para isso, é preciso mastigar as informações, relacioná-las com outros fatos, compará-las com diferentes abordagens e, novamente, localizá-las em um espaço temporal de.

(18) 18. longa duração” (PENA, 2006, p. 14). Para Castro, essa realidade é apresentada conforme a visão do repórter sobre determinado fato, pois é ele quem “seleciona e associa dados e imagens ao ponto de poder transformar a realidade ou condicionar o próprio leitor” (CASTRO, 2002, p. 81). Ao referir-se à quarta ponta da estrela, Pena (2206) aconselha exercitar a cidadania. O jornalista deve ser empático ao escrever uma matéria, ajudando o cidadão a refletir acerca do assunto. “Quando escolher um tema, deve pensar em como sua abordagem pode contribuir para a formação do cidadão, para o bem comum, para a solidariedade” (PENA, 2006, p. 14). Para objetivar as reportagens, jornalistas americanos inventaram, no início do século passado, uma estratégia narrativa que, logo no primeiro parágrafo, busca a resposta às seis perguntas: Quem? O que? Como? Onde? Quando? e Por quê?. O resultado é o denominado lead. Com isso a imprensa tornou-se ágil, mas não menos subjetiva. Devido a isso, a quinta característica proposta por Pena (2006) é o rompimento com as correntes do lead, motivando o profissional a escrever narrativas criativas e desprender-se desse padrão. A sexta ponta da estrela aconselha a evitar os definidores primários, que são sujeitos que ocupam cargos públicos ou funções específicas e sempre aparecem na imprensa, já que estão, na maioria das vezes, à disposição do jornalista. Como o jornalismo diário exige agilidade, os repórteres acomodam-se a esses profissionais que poderão os ajudar rapidamente. Mas, segundo Pena (2006), esse ciclo vicioso deve ser deixado de lado. “É preciso criar alternativas, ouvir o cidadão comum, a fonte anônima, as lacunas, os pontos de vida que nunca foram abordados” (PENA, 2006, p. 15). Por último, a sétima ponta trazida por Pena (2006) é a perenidade. Com isso, o autor defende que o jornalista deve entregar-se às histórias que escreve, envolvendo-se com todos os personagens:. Diferentemente das reportagens do cotidiano, que, em sua maioria, caem no esquecimento no dia seguinte, o objetivo aqui é a permanência. Um bom livro permanece por gerações, influenciando o imaginário coletivo e individual em diferentes contextos históricos. Para isso, é preciso fazer uma construção sistêmica do enredo, levando em conta que a realidade é multifacetada, fruto de infinitas relações, articulada em teias de complexidade e indeterminação (PENA, 2006, p. 15).. Diante dos conceitos de autores mencionados até aqui, nota-se que o jornalismo e a literatura estão, sim, em sintonia, demonstrando ser esse tipo de texto algo de potencial consumo pela população se conseguir agregar elementos que ofereçam qualidade à narrativa..

(19) 19. Segundo Castro (2002), a narrativa ainda é uma das formas que desperta o interesse do leitor, “já que implica no conhecimento adequado da palavra, do sussurro de cada período, da andadura do texto” (CASTRO, 2002, p. 78). Assim como afirma Silva (apud Castro, 2002), “falar nem sempre quer dizer alguma coisa. Dizer nem sempre exige uma fala. O jornalismo encontra-se com a literatura quando toma consciência da carne e do silêncio das palavras” (SILVA apud CASTRO, 2002, p. 47). Essa é, sem dúvida, a essência do jornalismo literário, que as faz caminharem sempre juntos. Após esse breve resgate histórico e conceituação do jornalismo literário percebe-se o quanto ambos se mantêm sintonizados. É como o tempero que faltava para dar gosto às matérias cotidianas. Outra maneira de trabalhar assuntos de uma forma mais literária é através de livrosreportagem, conceito que será apresentado a seguir.. 2.2 Livro-reportagem. Conversar, interpretar, filtrar e escrever. Muito além de elaborar notícias, o jornalista exerce papel fundamental na sociedade – e de muita responsabilidade. Quando há um grande assunto a ser discutido as equipes de redação mobilizam-se para buscar as principais informações. Kotscho (1995) diz que o que diferencia um jornal do outro é a abordagem do fato, já que as notícias, quando factuais, costumam se repetir. Mas o problema das redações brasileiras, principalmente o de jornais menores, é que pouca atenção é dispensada à pesquisa mais detalhada de pauta devido à correria do dia a dia. Uma saída para isso, apontada por Lima (2004), é a construção de livros-reportagem.. O livro-reportagem transcende as concepções norteadoras do jornalismo atual. Tem potencial para assumir posturas experimentais. Tem pique suficiente, se trabalhado de forma adequada, para fazer nascer a vanguarda de um jornalismo realmente afinado com as tendências mais avançadas do conhecimento humano contemporâneo (LIMA, 1998, p. 16).. Além de estender o papel do jornalismo contemporâneo, Lima (1998) defende o livroreportagem como uma forma de avançar para além daquilo que a imprensa convencional publica, possibilitando ampliar o conhecimento acerca de assuntos mais específicos. Ele conceitua livro-reportagem como:.

(20) 20. Veículo de comunicação jornalística não-periódica, o livro-reportagem é um produto cultural contemporâneo, bastante peculiar. De um lado, amplia o trabalho da imprensa cotidiana, como que concedendo uma espécie de sobrevida aos temas tratados pelos jornais, pelas revistas, emissoras de rádio e televisão. De outro, penetra em campos desprezados ou superficialmente tratados pelos veículos jornalísticos periódicos, recuperando para o leitor a gratificante viagem pelo conhecimento da contemporaneidade (LIMA, 1998, p. 7).. Em contrapartida, Lage (2004) afirma que a construção de livros-reportagem só é possível com dedicação do repórter e apoio financeiro da empresa jornalística. E esse é um dos motivos que limitam os profissionais a trabalharem assuntos que escapam do jornalismo factual.. O jornalista é um sujeito que trabalha obedecendo às pautas e prazos; onde a pesquisa exige tempo e tem resultados incertos. Empresas jornalísticas frequentemente resistem à ideia de deslocar um profissional do trabalho rotineiro para um processo de investigação. Preocupação inicial de quem se lança a uma pesquisa mais extensa é, sem dúvida, como financiá-la (LAGE, 2004, p. 135-136).. Outro autor que compara a prática de dentro das redações é Sodré (1986), afirmando que reportagens traduzem, de forma detalhada, aquilo que não é mostrado nas notícias veiculadas diariamente.. É a reportagem – onde se contam, se narram as peripécias da atualidade – um gênero jornalístico privilegiado. Seja no jornal nosso de cada dia, na imprensa não cotidiana ou na televisão, ela se afirma como o lugar por excelência da narração jornalística. E é mesmo, a justo título, uma narrativa – com personagens, ação dramática e descrições de ambiente – separada entretanto da literatura por seu compromisso com a objetividade informativa (SODRÉ, 1986, p. 9).. De acordo com Lima (2004), o livro-reportagem cumpre um papel relevante, preenchendo vazios deixados pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários de televisão. Para ele, há três distinções que tornam o livro-reportagem diferente das demais publicações. A primeira delas está relacionada ao conteúdo, já que o objeto de abordagem de que trata corresponde ao real, ao factual; em seguida, o autor refere-se ao tratamento da linguagem, atrelada à precisão, exatidão, clareza e concisão; e, por fim, o livroreportagem pode servir a diferentes finalidades, com foco na narrativa extensiva (LIMA, 2004, p. 50). Essas finalidades a que se refere o autor possibilitam que o profissional desenvolva um.

(21) 21. trabalho mais amplo e aprofundado, trazendo diversos cases, fontes, acontecimentos e informações. Sodré (1986) diz que o livro-reportagem pode ser a simples compilação de textos já publicados em jornal ou o trabalho feito para livro, mas que seja concebido em termos jornalísticos. A partir disso, o autor também menciona que, no Brasil, o primeiro livroreportagem escrito foi Os Sertões, de Euclides da Cunha.. Os Sertões, de Euclides da Cunha, certamente a principal obra jornalística da literatura em língua portuguesa. E como faz falta, na história brasileira, alguém que tenha, na época e com recursos adequados, mergulhado em episódios como a revolta dos Muckers, no Sul do Brasil, tão semelhante à de Canudos, ou, mais remotas, as batalhas que conduziram à liquidação de quilombos como o de Palmares (LAGE, 2004, p. 135).. Segundo Lima (2004), existem muitas variedades quanto a classificação e aos modelos de tratamento de livros-reportagem. O autor propõe, no total, treze estilos que envolvem alguns fatores importantes para a definição da linha temática e a narrativa de que trata a obra. O primeiro deles é o livro-reportagem-perfil, quando evidência o lado humano de alguma figura pública ou de uma personagem que, por algum motivo, torna-se de interesse. “No primeiro caso, trata-se, em geral, de uma figura olimpiana. No segundo, a pessoa geralmente representa, por suas características e circunstâncias de vida, um determinado grupo social, passando como que a personificar a realidade do grupo em questão” (LIMA, 2004, p. 52). Este modelo também é conhecido como livro-reportagem-biografia, que é quando o jornalista enfatiza a vida, o passado e a carreira da pessoa em foco. Neste sentido, Kotscho (1995) define livro-reportagem perfil como:. Filão mais rico das matérias humanas, o perfil dá ao repórter a chance de fazer um texto mais trabalhado – seja sobre um personagem, um prédio ou uma cidade. Para isso, é necessário que ele se municie previamente sobre o tema de que vai tratar: para ir fundo na vida de uma pessoa ou de um lugar, é preciso, antes de mais nada, conhecelo bem. Estas informações prévias podem ser conseguidas tanto no arquivo do jornal como com pessoas ligadas ao assunto (KOTSCHO, 1995, p. 42).. Em segundo, o autor traz o livro-reportagem-depoimento, que não precisa ser escrito pelo jornalista, necessariamente, mas por alguma pessoa ligada ao personagem, ou até ele.

(22) 22. próprio, com assistência de alguém que possa elaborá-lo. “O tom é passar ao leitor uma narrativa quente, com bastante clima de bastidores, movimentada” (LIMA, 2004, p. 52). A terceira conceituação é do livro-reportagem-retrato, parecido com o livro-perfil, mas não possui como foco principal a figura humana e, sim, “uma região geográfica, um setor da sociedade, um segmento da atividade econômica, procurando traçar o retrato em questão” (LIMA, 2004, p. 53). Esse, no entanto, é marcado pelo interesse em prestar serviço educativo ou explicativo ao leitor. A quarta temática refere-se ao livro-reportagem-ciência, com o objetivo de divulgar um estudo científico, focando em um tema específico - crítico ou reflexivo. Após isso, Lima (2004) traz livro-reportagem-ambiente, normalmente vinculado às causas ecológicas e interesses ambientalistas. A sexta definição conceitua o livro-reportagem-história, um modelo que focaliza em um assunto passado ou antigo. São temas que têm, de alguma forma, um elemento que o conecta com o presente e possibilita um elo com o leitor atual, apesar de terem acontecido há alguns anos. O próximo e sétimo conceito refere-se ao livro-reportagem-nova consciência, voltado às novas correntes, ao comportamento, ao social, à cultura, a religião e à economia, que “surgem em várias partes do mundo, resultantes de duas ebulições significativas do mundo ocidental dos anos 60. Um foi a contracultura, a outra foi o conjunto de movimentos de aproximação à cultura e civilização do Oriente Média e do continente asiático” (LIMA, 2004, p. 55). Ainda, outra definição defendida por Lima (2004) vincula-se ao livro-reportageminstantâneo, quando a abordagem se debruça sobre um fato recém concluído, possibilitando a identificação dos contornos finais. “Atém-se basicamente ao fato nuclear, mas pode inserir algo de sua amplitude, de seus desdobramentos no futuro” (LIMA, 2004, p. 56). O livro-reportagematualidade também aborda um tema corriqueiro, mas, ao contrário do instantâneo, os desdobramentos finais ainda não são conhecidos. Assim, o leitor poderá resgatar as origens do que ocorre, compreendê-las e buscar os possíveis desfechos futuros. O décimo modelo citado pelo autor é o livro-reportagem-antologia, que reúne várias reportagens com diferentes temas, de um profissional conhecido do público. “Podem ser os trabalhos, de diferentes jornalistas, sobre os mais diversos temas, mas que têm em comum um gênero jornalístico ou uma categoria de prática do jornalismo” (LIMA, 2004, p. 57). Depois desse, Lima (2004) traz o conceito de livro-reportagem-denúncia, referindo-se ao propósito investigativo e cita, como exemplo, desmandos do governo, abusos de entidades privadas ou incorreções de segmentos da sociedade. Sobre esse tema, Kotscho (1995) traz a seguinte explicação:.

(23) 23. A reportagem investigativa pode ser fria, quer dizer, sobre um assunto não urgente, sem prazo para ser concluída e que exige um levantamento nacional, envolvendo toda a rede de sucursais e correspondentes. Ou, ao contrário, tem que ser feita no mesmo dia em que o jornal recebe a informação grave para ser checada (KOTSCHO, 1995, p. 35).. A penúltima definição do autor enfatiza o livro-reportagem-ensaio, com o uso do foco narrativo na primeira pessoa no decorrer do livro. “O que vale dizer, a presença muito evidenciada do autor e de suas opiniões sobre o tema, conduzida de forma a convencer o leitor a compartilhar do ponto de vista do autor” (LIMA, 2004, p. 58). O décimo terceiro estilo de livro-reportagem apresentado por Lima (2004) traz como fio condutor uma viagem a uma região específica, servindo de pretexto para retratar um quadro sociológico, histórico, humano e aspectos da realidade possível do local. Nesse sentido, autor destaca que “o conhecimento constrói-se, ao longo do livro, por via da ótima jornalística, alicerçada por recursos advindos de diversos campos do saber moderno” (LIMA, 2004, p. 59). Outra técnica que corresponde aos livros-reportagem são os tipos de entrevistas. Esse tipo de texto possibilita esmiuçar um assunto com mais fôlego e necessita de uma apuração mais ampla, pois é mais intenso e mais extenso. Isso exige muito trabalho do profissional, entendimento do assunto e, claro, empatia com os entrevistados para retirar aquilo que agregará à reportagem. Lage (2004) ressalta que este é um procedimento clássico de apuração de informações. Para tanto, define como:. a) Qualquer procedimento de apuração junto a uma fonte capaz do diálogo; b) uma conversa de duração variável com personagem notável ou portador de conhecimentos ou informações de interesse para o público; c) a matéria publicada com as informações colhidas em (b) (LAGE, 2004, p. 73).. Com isso, Lage (2004) aponta que as formas de entrevistas podem ser classificadas em quatro tipos. A primeira delas chama-se ritual, também conhecida como breve. Neste caso, o foco principal centra-se na voz e na figura do entrevistado e não no que ele tem a dizer:. As declarações ou são irrelevantes, ou esperadas, ou ainda mera formalidade a que, por algum motivo, se atribui dimensão simbólica. O mundo oficial é rico em situações rituais: interessam, aí, o ambiente, o clima, a encenação, cuidadosamente programados para compor o documento histórico (LAGE, 2004, p. 74)..

(24) 24. O segundo tipo classificado pelo autor denomina-se temático, que é quando um tema é abordado visando que o entrevistado tenha condições e autoridade para falar sobre. Pode-se dizer que o mesmo ajudará a compreender um problema a partir de seu ponto de vista com argumento de alguém que entenda do assunto (LAGE, 2004). Ainda, o próximo tipo de entrevista é definido como testemunhal. Lage (2004) descreve como um relato do entrevistado sobre um fato que ele participou ou acompanhou. Assim como a entrevista temática, essa também aborda um ponto de vista, mas particular de cada entrevistado. "Em geral, esse tipo de depoimento não se limita a episódios em que o entrevistado se envolveu diretamente, mas inclui informações a que teve acesso e impressões subjetivas” (LAGE, 2004, p. 75). Por último, Lage (2004) conceitua a entrevista em profundidade. Esta, no entanto, objetiva construir uma história a partir do depoimento do entrevistado. Ou seja, algo que esteja relacionado “a representação de mundo que ele constrói, uma atividade que desenvolve ou um viés de sua maneira de ser, geralmente relacionada com outros aspectos de sua vida” (LAGE, 2004, p. 75). Para Lima (2004), este tipo de entrevista relaciona-se com entrevistas voltadas a histórias de vida, a mais presente em livros-reportagem. Essa forma pode ser observada em trechos específicos de diferentes obras, com aspetos mais humanizados. “Normalmente, o livroreportagem vale-se do recurso entre tantos outros distribuídos ao longo de suas páginas, o que torna difícil encontrar títulos que sejam, integralmente, entendidos como histórias de vida” (LIMA, 2004, p. 115). Após a apresentação dos conceitos voltados à classificação dos livros-reportagem e técnicas de entrevista, Kotscho (1995) afirma que os fatos ocorridos diariamente são a inspiração para a construção de livros-reportagem. O olhar atento do repórter aos pequenos detalhes faz render boas histórias. “Pode-se fazer uma reportagem de mil maneiras diferentes, dependendo da cabeça e do coração de quem escreve” (KOTSCHO, 1995, p. 8). Apesar de os livros-reportagem possibilitarem um trabalho mais amplo e detalhado ao profissional, é importante ressaltar que não é todo assunto que rende uma reportagem e, por consequência, um livro-reportagem. Entretanto, com boa vontade e talento, além de entrevistas bem elaboradas, é possível construir narrativas envolventes e potencialmente mais elaboradas que os textos de jornalismo Hard News, que são tão comuns na imprensa atualmente, nas mais diversas mídias. Apesar de mais trabalhoso, jornalismo literário e livros-reportagem são, hoje, as formas que motivam o jornalista a fugir das redações e desenvolver um trabalho criativo..

(25) 25. 3. METODOLOGIA. Após o resgate da história do jornalismo literário e de sua presença em livrosreportagem, este capítulo apresentará o objeto de estudo deste trabalho, o livro-reportagem “Presos que Menstruam”, escrito pela jornalista Nana Queiroz. Além disso, trará, também, o conceito do tipo de análise aplicada neste estudo, a análise de conteúdo.. 3.1 Apresentação do objeto Lançado em julho de 2015 pela editora Record, o livro-reportagem “Presos que Menstruam” traz relatos do dia a dia de mulheres dentro das principais penitenciárias femininas do país, bem como de episódios que as levarem até lá. Escrito pela jornalista Nana Queiroz, a obra é dividida em sete capítulos, denominados “Safira”, “Gardênia”, “Júlia”, “Vera”, “Camila”, “Glicéria” e “Marcela”, e possui, no total, 294 páginas. A autora, aos 30 anos de idade, carrega consigo uma trajetória ligada à defesa dos diretos das mulheres. Bacharel em jornalismo pela Universidade de São Paulo e especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Nana trabalhou nas revistas Época, Galileu, Criativa e Veja, além dos jornais Correio Braziliense e Metro. No ativismo, atuou como media campaigner da rede Avaaz. Em 2014, tornou-se ainda mais conhecida pela criação do protesto online #EuNãoMereçoSerEstuprada, contra a culpabilização das vítimas de estupro, repercutido internacionalmente. Nesse mesmo ano, entrou nas listas de mulheres mais destacadas do UOL, Brasil Post e do Think Tank Feminista Think Olga. E não para por aí. A jornalista é, atualmente, roteirista do filme em produção baseado no livro-reportagem em estudo e diretora executiva da Revista digital Azmina . Em 2010, Nana iniciou a apuração dos fatos para a produção do livro. Para isso, visitou mais de dez cadeias femininas em todas as regiões do país e entrevistou mais de cem pessoas, entre presas, familiares e especialistas. Manusear as páginas de “Presos que Menstruam” é entrar em uma leitura sensível, mas não indulgente. De forma humanizada, nele, a autora ouviu e deu voz àquelas que nós, enquanto sociedade, evitamos falar. A sensibilidade no olhar foi essencial para a elaboração deste livro-reportagem. A falta de materiais que apresentassem essa realidade às pessoas foi uma de suas motivações:. Disponível em: http://azmina.com.br/author/nana.queiroz.

(26) 26. As prateleiras das bibliotecas se calavam sobre as prisões femininas brasileiras. O cinema e a TV fingiam que elas nem existiam, a não ser para dar fim a uma ou outra vilã de novela ou uma trama de superação a uma mocinha injustiçada. Os jornais pouco falavam sobre o assunto e as reportagens que encontrei apenas tocavam a superfície de determinados problemas (QUEIROZ, 2015, p. 17).. A presença de bebês nas prisões, a falta de auxílio para cuidá-los, as torturas físicas e psicológicas e as celas despreparadas para atender as necessidades fisiológicas são alguns dos dramas vividos pelas mulheres dentro das cadeias do país. Em entrevista ao Blog da Editora Record – responsável pela publicação - Nana comenta desde o primeiro passo à finalização do livro:. A apuração começou em 2010 e segui com ela durante os 4 anos seguintes. O assunto me fascinava e a realidade dos presídios merecia uma denúncia urgente. De São Paulo, passei a migrar para presídios de outros estados, pagando as viagens por conta própria, usando feriados e férias, conhecendo pessoas, me infiltrando entre parentes de presas, me oferecendo a trabalhos. O acesso ao sistema carcerário no Brasil é muito difícil e o governo faz o que pode para manter suas violações de direitos humanos longe dos olhos do público. Mas eu estava decidida e insistia em cada visita por meses se fosse necessário. Para denunciar os abusos que via, criei um blog. [...] Quando a editora topou publicá-lo, a apuração estava praticamente completa, faltava apenas escrever e atualizar dados (LAMEGO, 2015).. Na obra, a autora optou por manter a gramática das cadeias e o idioma das periferias. Para ela, a informalidade e as gírias usadas pelas presas são informações que resgatam as origens e a personalidade de cada mulher, principalmente por serem de regiões diferentes (QUEIROZ, 2015). No entanto, a característica principal de “Presos que Menstruam” é o texto literário. Apesar de ser um assunto “pesado”, Nana coloca-se no lugar de cada personagem e mantém uma relação próxima, de empatia. “É pelas gestantes, os bebês nascidos no chão das cadeias e as lésbicas que não podem receber visitas de suas esposas e filhos que temos que lembrar que alguns desses presos, sim, menstruam” (QUEIROZ, 2015, p. 19). Para entender como a autora conseguiu fazer esta abordagem, esta análise pretende estudar as características do jornalismo literário em sete histórias relatadas na obra, que serão apresentadas a seguir..

(27) 27. 3.2 Metodologia de pesquisa. Neste trabalho, a metodologia utilizada é uma análise de conteúdo. Como recorte, estudaremos sete histórias do livro-reportagem “Presos que Menstruam”, escritas com muita sensibilidade e empatia pela jornalista Nana Queiroz. “Leite, fraldas e potes de açúcar”, “Gardênia”, “Júlia gosta do tipo errado”, “Maria-joão”, “Joe”, “Encantados” e “Ser lésbica x estar lésbica na cadeia” são as histórias eleitas e representam o primeiro relato de cada um dos sete capítulos do livro, nomeados como “Safira”, “Gardênia”, “Júlia”, “Vera”, “Camila”, “Glicéria” e “Marcela”. Essa escolha deu-se pelo fato de que a autora conta, primeiramente, em cada começo de capítulo, o relato da vida de sete mulheres eleitas por ela para constarem no livro. Os textos serão analisados a partir do conceito Estrela de Sete Pontas, criado por Felipe Pena (2006). Nessa definição, o autor traz sete características essenciais presentes nos textos de jornalismo literário, que formam um conjunto harmônico e sincronizado. Esta análise, então, pretende identificar essas características presentes em cada texto da amostragem, como e quais foram utilizadas. Mas o que é análise de conteúdo? Primeiramente faz-se necessário entender a técnica utilizada neste trabalho. De acordo com Bardin (2012), é um conjunto de instrumentos metodológicos aplicados em discursos. Ou seja, esta forma possibilita investigar conteúdos e aprofundar-se nos mínimos detalhes para que, assim, a análise dê resultados. “A análise de conteúdo oscila entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não aparente, o potencial de inédito (do não dito)” (BARDIN, 2012, p. 15). Neste sentido, Herscovitz (2007) explica que a combinação das formas de análise, a quantitativa e a qualitativa, são um método eficiente e buscam avaliar um grande número de informações, como palavras, frases, parágrafos, imagens ou sons, e ajudam a entender quem produz determinado conteúdo e o público para qual ele é dirigido. Segundo a autora, se ambos forem usados em uma mesma análise, melhor será o estudo. “Ao tentar determinar e interpretar o possível significado de um texto para o público, a análise de conteúdo não pode perder-se em incompatibilidades metodológicas e sim reunir as duas visões para confirmar seus resultados” (HERSCOVITZ, 2007, p. 126). Bardin (2012) também defende que a análise de conteúdo é uma mistura de diversos fatores que resultam em uma interpretação profunda. “Uma técnica de investigação que através de uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações.

(28) 28. tem por finalidade a interpretação dessas mesmas comunicações” (BARDIN apud BERELSON, 2012, p. 42). Para Herscovitz (2007), análise de conteúdo é, no jornalismo, a forma mais atrativa para render bons resultados. Com isso, a autora afirma:. A identificação sistemática de tendências e representações obtém melhores resultados quando emprega ao mesmo tempo a análise quantitativa (contagem de frequências do conteúdo manifesto) e a análise qualitativa (avaliação do conteúdo latente a partir do sentido geral dos textos, do contexto onde aparece, dos meios que o veiculam e/ou dos públicos os quais se destina (HERSCOVITZ, 2007, p. 126-127).. Entende-se, então, que análise de conteúdo é um método que busca analisar quantitativamente e, depois, qualitativamente. Se bem elaborado, o resultado disso será claro, objetivo e compreensível. Este trabalho vai utilizar ambos os métodos para, assim, possibilitar um entendimento melhor da obra Presos que Menstruam..

(29) 29. 4. ANÁLISE. Para cumprir com o objetivo proposto nesta pesquisa, de estudar a presença do jornalismo literário em livros-reportagem, serão analisadas sete histórias do livro-reportagem Presos que Menstruam, da jornalista Nana Queiroz. Em cada uma delas serão identificadas as sete características presentes no texto literário a partir do conceito Estrela de Sete Pontas, de Felipe Pena (2006). Após isso, serão identificados quais dos elementos característicos do jornalismo literário estão mais presentes em cada texto, podendo, assim, identificar se a obra se enquadra ou não em jornalismo literário.. 4.1 Análise do capítulo 1 – Safira: Leite, fraldas e potes de açúcar “Leite, fraldas e potes de açúcar” é a primeira história do capítulo denominado Safira, do livro-reportagem Presos que Menstruam. Com nove páginas, o texto não segue uma ordem cronológica dos fatos. Nele, a jornalista relata a vida de Safira, uma mulher que, após ser abandonada pela família, ser traída pelo marido e por falta de ter o que dar de comer aos seus filhos, cometeu um assalto e foi presa. Pode-se afirmar, então, a primeira característica de Pena (2006), que é a potencialização dos recursos do jornalismo. Assim como o jornalista faz para escrever uma matéria factual, com a apuração rigorosa dos fatos e a capacidade de expressá-los claramente, nota-se que a autora, a partir da terceira página do livro, começa a contar a história de Safira, seguindo uma ordem que vai desde a infância à fase adulta da personagem. A forma como ela narra os fatos possibilita o entendimento. Os parágrafos abaixo descrevem isso:. Durante toda sua vida, Safira sempre teve uma personalidade dura, incansável, até mesmo um espírito de liderança meio destrutivo. Nasceu em uma favela de Guarulhos, na Grande São Paulo e, quando era ainda muito pequena, ela, a mãe e a irmã foram abandonadas pelo pai. A mãe se casou de novo com um homem de origem simples e teve mais quatro filhos. Safira conheceu o pai biológico aos 13 anos. A relação foi fria e um novo encontro ocorreu quase um ano mais tarde, aos 14, mesma idade com quem conheceu Josiel, o pai de seus filhos (QUEIROZ, 2015, p. 23).. A pobreza fez com que a cabeça amadurecesse tão logo as curvas tomaram forma. Começou a trabalhar desde quando pôde, ajudando nas tarefas de casa, inicialmente, depois em pequenos trabalhos informais, até atingir a idade correta para tirar carteira de trabalho. Safira sempre sentiu certa responsabilidade pelos irmãos mais novos e.

(30) 30. não conseguia imaginar-se chegando em casa para comer sem ter pagado, ao menos em parte, a refeição (QUEIROZ, 2015, p. 23). Apanhava e sofria humilhação da mãe e do padrasto, que eram pessoas massacradas pelo peso de suas vidas. Guardava essas desavenças em uma caixinha à qual dava pouca importância e pegava pó no canto de sua memória. No tempo que sobrava entre as surras, o trabalho e os serviços domésticos, sonhava com amores e carinhos. Era o tipo de garota que passava as tardes de domingo lavando a louça ao som de fitas gravadas em casa com músicas românticas que tocavam nas rádios (QUEIROZ, 2015, p. 24).. Verificou-se, também, que a autora ultrapassa os limites do cotidiano, a segunda característica da Estrela de Sete Pontas. Além de não ser um fato cotidiano, que aparece nos jornais como uma notícia qualquer, a autora conseguiu abordar o relato e apresentá-lo claramente ao leitor, permanecendo atenta a todos os detalhes e, assim como sugere Pena (2006), fazer com que o as pessoas desejem consumi-los. Nos primeiros parágrafos, a autora consegue fazer com que o leitor imagine o local descrito e se comova sem ao menos conhecer, a fundo, a vida da personagem. Abaixo, os dois relatos que representam isso:. Despejou o leite devagarinho no copo de café, curtindo cada gota que caía com aquela satisfação que as pessoas sentem quando veem o mar pela primeira vez, conhecem o amor de suas vidas ou descobrem que se curaram de uma doença grave. Depois de quase seis anos, era a primeira vez que Safira podia fazer o café da manhã dos dois filhos – um de seus desejos imediatos na sua primeira saída do presídio no regime semiaberto (QUEIROZ, 2015, p. 21).. A frase caiu sobre ela com o peso dos anos perdidos. Em sete anos de prisão, chegara a ficar três sem vê-los. Perdeu o primeiro dia de aula, a primeira vez que andaram de bicicleta e o mais velho, de 13 anos, já tinha até uma namorada (QUEIROZ, 2015, p. 21).. Exercer a cidadania é a terceira característica proposta por Pena (2006). A história de Safira é um exemplo que se enquadra nesta característica, pois, ao escolher a personagem, a autora colocou-se em seu lugar e contou cada detalhe de sua história, sensibilizando-se. Nos trechos a seguir isso pode ser observado:. Entre tantas imagens fortes de tortura, privações e dias na solitária, é essa a cena com a qual Safira resolve começar a sua história. Enquanto fala, os olhos grandes e espertos me fitam com firmeza e sem vergonha alguma, apesar de ser o nosso primeiro encontro. Ela não estava constrangida, não precisava se acostumar comigo como as outras – era simplesmente confortável em ser e se deixar ver (QUEIROZ, 2015, p. 22)..

(31) 31. A voz baixa vai ficando mais empolgada conforme o relato segue, mas continua se referindo a mim sempre como “senhora”. Seu corpo internalizou a obediência, os olhos não. E eles me olham fundo, insolentes, me encarando, me despindo, como se ela tivesse a certeza de que se submetia por vontade própria e não porque era de alguma maneira inferior. [...] Quando se apresentou a mim, disse logo que devia chamá-la de Safira, seu nome de presa (QUEIROZ, 2015, p. 22).. Proporcionar uma visão ampla da realidade é a quarta característica proposta por Pena (2006), e ela é visível a partir do momento que a autora contextualiza a realidade na qual Safira estava inserida, com problemas sociais arraigados e de difícil solução, mostrando que a saída da personagem foi roubar para sobreviver.. Quinze dias depois dessa rotina, ela chegou em casa cansada e, com fome, foi abrir os armários para cozinha algo. Estavam vazios. As fraldas haviam acabado, o leite também. Ela ia buscar seu bebê em minutos na casa da irmã. Imaginou o choro de fome dele. Ficou nervosa, começou a tremer (QUEIROZ, 2015, p. 28).. Outro exemplo claro disso aparece quando Safira se entrega a Josiel, motivo pelo qual mais tarde seria despejada de casa. “Se lhe dava atenção e carinho, concluiu, é porque não era violento como o padrasto. Se estava ao seu lado, é por que nunca a abandonaria, como nas letras dos pagodes dos anos 1990. Entregou-se a ele” (QUEIROZ, 2015, p. 24). Nessa realidade, apesar de dura, a jornalista conseguiu romantizá-la, mesmo sabendo de tudo que Safira viveu e viveria a partir dali. Além dessas características definidas por Pena (2006) até aqui, o autor ainda propõe o rompimento com as correntes do lead. As perguntas “Quem? O que? Como? Onde? Quando? e Por quê?”, normalmente respondidas no primeiro parágrafo de uma matéria, objetivam os textos e os deixam padronizados. Na história de Safira, a autora abandona quase que completamente esta fórmula, pois, aos poucos, conta a história da personagem, sem seguir essa “ordem de apresentação”. Sem objetividade, ela consegue fazer com que o leitor entenda todos os fatos. Isso pode ser compreendido no parágrafo a seguir, ao fim da história:. Nascera e crescerá na favela e nunca tinha feito nada de errado. Conhecia, sabia, mas nunca tinha feito. E aonde a honestidade a havia levado? Sentiu raiva, um embrulho no estômago e um frio na espinha. Saiu de casa decidida. Passou no barraco do Valdemar antes de buscar o filho. Quando manifestou suas intenções, outro rapaz que estava no lugar protestou: - Não, ela não – e se voltou para Safira, em um apelo. Você não precisa disso, você sempre batalhou desde novinha, desde criança (QUEIROZ, 2015, p. 28)..

Referências

Documentos relacionados

Municiado do inicial aporte histórico-antropológico, os capítulos seguintes operarão certo desmembramento do blues em eixos que consideramos igualmente imprescindíveis pois,

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Seja o operador linear tal que. Considere o operador identidade tal que. Pela definição de multiplicação por escalar em transformações lineares,. Pela definição de adição

A Psicologia, por sua vez, seguiu sua trajetória também modificando sua visão de homem e fugindo do paradigma da ciência clássica. Ampliou sua atuação para além da

É importantíssimo que seja contratada empresa especializada em Medicina do Trabalho para atualização do laudo, já que a RFB receberá os arquivos do eSocial e