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Aspectos jurídicos sobre a repressão do tráfico ilícito de drogas pela via marítima em Cabo Verde

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Academic year: 2021

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Universidade do Mindelo Universidad de Valladolid República de Cabo Verde España

MESTRADO EM DIREITO MARITIMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A REPRESSÃO DO TRAFICO ILÍCITO DE DROGAS PELA VIA MARÍTIMA - CABO VERDE

Mestrando Coordenador Emerson M. Lubrano Rodrigues Antonio Javato Martín

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1 ÍNDICE SIGLAS ... 3 ABREVIATURAS ... 4 APRESENTAÇÃO ... 5 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS ... 7 1.1. Introdução ... 7

2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA” ... 9

2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas ... 11

2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio; ... 13

2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima ... 17

3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES ... 21

3.1. Fontes de Direito Internacional ... 24

3.2. O Direito Internacional Privado ... 25

3.3. Direito Penal Internacional ... 26

3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal ... 29

3.4. Direito Internacional Marítimo ... 31

3.4.1. O Direito Penal Marítimo ... 33

4. DIREITO INTERNACIONAL MARÍTIMO E O TRÁFICO ILICITO DE DROGAS ... 36

4.1. Fontes do Direito Marítimo ... 37

4.2. Competência dos Juízes e Tribunais Penais ... 38

a) O Princípio da Personalidade ... 39

b) O princípio de proteção de interesses ... 41

c) O princípio de Justiça Universal. ... 42

d) O principio da Territorialidade ... 43

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2

a) As águas Interiores ... 48

b) Mar Territorial ... 49

c) Zona contígua ... 51

d) Zona Económica Exclusiva – ZEE... 53

e) Plataforma Continental ... 56

4.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 ... 58

a) Princípio da Soberania ... 59

b) Princípio da liberdade dos mares ... 61

c) Princípio do património comum da humanidade ... 61

d) Princípio da cooperação ... 64

4.4.2. Cooperação Internacional no âmbito de repressão do tráfico de drogas. 65 a) Tráfico Ilícito de drogas no mar ... 68

b) Tráfico de Drogas nas Zonas Francas ... 69

4.4.3. Cabo Verde como Estado cooperante na repressão do tráfico de drogas ... 70

a) Acordo de Cooperação entre os Governos integrantes da CPLP para a redução da demanda, prevenção do uso indevido e combate à produção e ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas ... 72

b) A Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental, CEDEAO. ... 73

c) Cabo Verde e Europa... 74

d) Acordo Bilateral - Tratado entre a República portuguesa e a República de Cabo Verde no domínio da fiscalização conjunta de espaços marítimos sob soberania ou jurisdição. ... 75

4.4.4. Aplicabilidade da Convenção de Viena de 1988 - «Caso Tortuga» ... 78

Conclusão ... 84

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3 SIGLAS

CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental

CMCV – Código Marítimo de Cabo Verde

CNUDM – Convenção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar de 1982

CPCV – Código Penal de Cabo Verde

CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

DPKO – Departamento de Operações de Manutenção da Paz

ECIJ – Estatuto do Corte Internacional de Justiça

ERTPI – Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional

EUA – Estados Unidos da América

EUROPOL – Serviço Europeu de Policia

FMI – Fundo Monetário Internacional IMO – Organização Marítima Internacional

INTERPOL – Organização Internacional de Policia Criminal

MAOC – Centro de Analise e Operações Marítimas

MAOCN - Centro de Analise e Operações Marítimas – NARCOTICOS

OMC - Organização Mundial do Comércio ONU – Organizações das Nações Unidas

ONUDC - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas TPI – Tribunal Penal Internacional

UNOWA/DPA – Departamento de Assuntos Políticos das Nações Unidas para

Africa Ocidental

WACI - Iniciativa Para a Costa Ocidental Africana; ZEE – Zona Económica Exclusiva

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4 ABREVIATURAS al. – Alíneas Cfr. - Conforme Nº(s)- número (s) Pto. - Ponto Séc. - Séculos Art. – Artigo

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5

APRESENTAÇÃO

O presente estudo realiza-se no âmbito do Mestrado em Direito Marítimo e Comércio Internacional e tem como título: Aspectos Jurídicos sobre a Repressão do Tráfico Ilícito de Drogas pela Via Marítima, Cabo Verde.

Portanto pretende-se iniciar o mesmo esclarecendo possíveis dúvidas que possam surgir referente ao termo “droga” e o contexto histórico da ilegalidade das drogas. Recorde-se que há pouco mais de um século, precisamente no ano 1909, na China realizou-se a primeira conferência sobre o ópio que viria a entrar em vigor a nível mundial no ano de 1919, após ter sido incorporada no tratado de Versalhes. A cannabis entrou na lista de substâncias proibidas após a revisão da Convenção Internacional do Ópio realizada em Genebra no ano 1925.

Perante esse cenário, conhecendo os avultados lucros do comércio da droga, os antigos comerciantes não pretendiam desistir dessa prática e encontraram no mar as vulnerabilidades necessárias para continuarem a realizar esse comércio, agora tipificado internacionalmente como crime.

Logo, uma vez mais1, a visão antiga do Direito Internacional, principalmente, tratando-se de dois extremos, o Direito à Guerra (ius bellum) e o Direito à Paz (o

ius pacis) tornou-se impotente para responder aos novos desafios do Direito

Internacional. Assim sendo, o segundo capítulo, visa esclarecer factos relevantes do Direito Internacional que afectam directamente o tráfico ilícito de drogas pela via marítima, partindo da análise das Fontes e princípios do Direito Internacional, distinguindo o Direito Internacional Público do Direito Internacional Privado e evocando questões importantes no âmbito do Direito Penal Internacional que afetam o tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Embora o Direito do Mar e o Direito Marítimo sejam dois conceitos que aparentam ser semelhantes, o terceiro capítulo esclarece algumas diferenças

1

Tendo em conta que a pirataria no alto mar foi um dos primeiros crimes a explorar as fragilidades jurídicas existentes no âmbito do Direito Internacional publico, mais concretamente, sua subdivisão, Direito do Mar.

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entre eles, destacando os princípios que iluminam a relação entre os Estados, as delimitações e os regimes jurídicos aplicados nas áreas marítimas consagrados na Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, doravante designada de CNUDM. Dará ainda enfase aos principais aspectos sobre as fontes e os princípios do Direito do Mar e os principais fundamentos das competências dos juízes nas diversas áreas marítimas.

O quarto e último capítulo visa abordar os instrumentos jurídicos mais importantes no âmbito da repressão ao tráfico ilícito de drogas pela via marítima, enaltecendo, desde já, o princípio da cooperação internacional estabelecido internacionalmente, expressando que, “Todos os Estados devem cooperar para

a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar, com violação das convenções internacionais.”2

Esse pressuposto remete-nos, subitamente, para a análise das Convenções de maior importância criados pela ONU com essa finalidade, nomeadamente, a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972, a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988.

O tema se desenvolve, sempre evocando os instrumentos jurídicos cabo-verdianos, tais como a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o Código Marítimo de Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV, o Código Penal de Cabo Verde, doravante referido por CPCV e a lei mãe da nação cabo-verdiana, a Constituição da República de Cabo Verde, adiante designado por CRCV. Para facilitar a compreensão da matéria exposta, será tratado de forma sintetizada, o caso da abordagem a um veleiro de pavilhão norte-americano, realizado por autoridades de Cabo Verde, em conjunto com autoridades do Reino Unido e ocorrida em águas internacionais próximas de Cabo Verde.

2

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7 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

1.1. Introdução

“O planeta terra é hoje um lugar «uno», onde é preciso saber ser e estar, num contexto amplo de globalização”. O homem vem conseguindo através de fortes investimentos feitos a nível da investigação, científico-tecnológico explorar, cada vez mais as potencialidades do meio marítimo, tanto a nível de recursos naturais, bem como, utilizando-o como a via mais viável para o transporte do grosso das mercadorias a nível mundial.

Por outro lado, com o incremento do fluxo do tráfico marítimo, os Estados vêm confrontados com vários crimes praticados no mar que ameaçam a estabilidade, a paz, a saúde das populações, a soberania e a própria segurança mundial, tais como, atos de pirataria, referindo-se à pirataria tradicional e atualmente à pirataria que acontece no mar da Somália, o tráfico de seres humanos ou migrações ilegais, o tráfico de armas e o tráfico de produtos estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

O tráfico ilícito de drogas pela via marítima trata-se de um crime transnacional, pelo que, convém analisar os aspetos do Direito Internacional relacionados a essa atividade, evocando as fontes do direito internacional e os princípios basilares que suportam as relações internacionais, no sentido de compreender a aplicação das leis e as competências dos tribunais para decidir sobre os atos tipificados como crime praticados pelos cidadãos do planeta, por exemplo, nas águas que fogem à soberania dos Estados, destacando o “mar de ninguém”, como alguns autores têm referido ao alto mar.

Nesse sentido, a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito do mar aparece como o melhor meio para garantir a paz, a segurança, a cooperação e as relações de amizade entre todas as nações, em concordância com os princípios da justiça, quais sejam a igualdade de direitos e promoção do progresso económico e do bem-estar social de todos os povos do mundo. Com

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8

esse objetivo foi aprovado por meio do Decreto-lei nº 5, de 9 de Novembro de 1987, que trouxe para a esfera jurídica cabo-verdiana a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de Dezembro de 1982, doravante referida pelas siglas CNUDM.

É de referir que esta convenção representa atualmente o suporte jurídico do Direito do Mar e por isso merece destaque, principalmente nas questões relacionadas com as competências, as delimitações das áreas marítimas e a forma como aborda o tráfico ilícito de drogas pela via marítima.

Os principais instrumentos jurídicos relacionados com o tráfico ilícito de drogas pela via marítima são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988. No entanto a forma mais rápida e eficaz de se realizar a cooperação entre os Estados é através dos acordos bilaterais, pelo que merecerão destaque, por um lado os acordos multilaterais no âmbito da CEDEAO, CPLP, MAOC e, por outro, os acordos bilaterais assinados com Portugal, Espanha, EUA, Reino Unido entre outros. Tudo isso, sem perder de vista a postura jurídica de Cabo Verde na repressão do tráfico ilícito de drogas pela via marítima, abordando os principais aspetos das normas nacionais, nomeadamente, a lei da droga, 78/IV/93 de 12 Julho, o Código Marítimo de Cabo Verde, adiante referido pelas siglas CMCV e o Código Penal de Cabo Verde, doravante referido por CPCV.

Antes de serem tiradas as conclusões finais do presente estudo será exposto o caso de uma abordagem efetuada por autoridades cabo-verdianas, em águas próximas de Cabo Verde, ocorrido graças à Cooperação entre Cabo Verde e os vários parceiros da Plataforma de Coordenação de Informação, doravante referido por, MAOCN, a troca de informação policial entre Cabo Verde e Brasil, enfocando, uma vez mais, os principais aspetos da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 1988, mais concretamente, o artigo 17º desta Convenção e a lei nacional de drogas.

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2. COMPREENSÃO DO TERMO “DROGA”

A expressão droga é estudada em várias perspetivas tanto a nível social, como científico, jurídico e em várias outras disciplinas. Devido a essa característica multidisciplinar do fenómeno das drogas a nível mundial, torna-se difícil encontrar uma definição sobre a expressão “droga” adequada a todas as ciências ou ramos de estudos.

Ao longo do trabalho poderão ser referidos no mesmo contexto os termos “entorpecentes” ou “estupefacientes”, “substâncias psicotrópicas” e “tóxicos” ou “narcóticos” com o mesmo significado do termo “Droga”. Convém ainda dizer que nesse âmbito esses termos centralizam-se no “tráfico ilícito” de drogas e não no comércio legal dos produtos estupefacientes ou similares.

Se por um lado, o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) que significa folha seca, isto porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais3, por outro e de uma forma mais específica, a palavra “estupefaciente”4 é proveniente da expressão latina “stupefaciente” ou “stupefacere”, que significa entorpecer ou estupeficar e é utilizada para identificar substâncias que provocam alienação mental ou que influem no espírito.

As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no estado mental são chamadas drogas psicotrópicas. O termo psicotrópico é formado por duas palavras: psico e trópico. Psico está relacionado ao psiquismo, que envolve as funções do sistema nervoso central e trópico significa em direção a. Logo drogas psicotrópicas são aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo. Por essa razão, são também conhecidas como substâncias psicoativas 5.

A Organização Mundial de Saúde, OMS, considera que o termo droga abrange qualquer substância não produzida pelo organismo, que tem a propriedade de

3

(Agencia Nacional de Cultura Cientifica e tecnologica, 1996) 4

(Ciberdúvidas, 1987) 5

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10

atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento6.

Todavia, o presente trabalho centra-se em questões jurídicas relacionadas com tráfico ilícito de drogas a nível marítimo portanto, se orienta pelas definições aceites a nível internacional e definidas sobre as drogas proibidas por lei, conforme as tabelas, I, II, III e IV da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971.

Sendo assim, o termo "estupefaciente" designa toda a substância, natural ou sintética, das Tabelas I ou II da Convenção Única de 1961 sobre os estupefacientes e dessa Convenção modificada pelo Protocolo de 1972 emendando a Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes;

O termo "substância psicotrópica" designa qualquer substância, natural ou sintética, ou qualquer produto natural constante das Tabelas I, II, III e IV da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971;

A expressão "tráfico ilícito" designa as infrações previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 3.º da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 19717.

As expressões "abuso de drogas" e "uso ilícito" significam, respetivamente, o uso de drogas proibidas e o uso sem receita médica de outras drogas colocadas sob controlo no território nacional8.

Por "toxicodependente" entende-se toda a pessoa em estado de dependência física e ou psíquica em face de uma droga colocada sob controlo no território nacional.

6

(Drogas, 2007) 7

Os termos estupefacientes, substâncias psicotrópicas, trafico ilícito são aqui compreendidos com base no artigo 1º, definições, da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas.

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11

2.1. As Primeiras normas Internacionais sobre tráfico ilícito de drogas

O tráfico ilícito de drogas vem sendo alvo de discussões há mais de um século e é marcada por distintos interesses, nomeadamente, a nível económico, político, histórico/cultural e social e estes tem dificultado a criação de uma legislação harmoniosa entre os Estados. Em consequência disso, até à presente data não existe um consenso doutrinal9 no que concerne ao combate a esse flagelo com repercussões devastadoras sobre a saúde pública, colocando em risco a soberania de alguns Estados menos desenvolvidos, dando origem assim, aos denominados “narco-Estados”.

Todavia, este consenso é ainda dificultado pelo facto do consumo de produtos estupefacientes nomeadamente cocaína, cannabis e o ópio, terem sido e continuarem a ser muito tolerados, isso por causa de questões culturais enraizados no seio de famílias e sociedades habituadas ou até dependentes dos mesmos.

Nesta encruzilhada de interesses era e continua sendo difícil encontrar uma lei internacional que satisfaz os interesses dos Estados de cultivo, produtores, consumidores e ainda das grandes indústrias farmacêuticas, na medida em que todos apresentavam “bons argumentos” e ninguém pretendia abrir mãos dos seus interesses. Enquanto isso, alguns Estados vinham sentindo na prática as consequências do tráfico e consumo de drogas, destacando o caso da China. Até ao final do século XIX, os estupefacientes eram comercializados sem nenhuma restrição governamental e os países ocidentais impingiam grandes quantidades de ópio no mercado chinês, sem perceber que as suas populações iam também ganhando o gosto pelo consumo desses e de outras drogas. Nessa

9

Diz-se isso pelo facto de existirem Estados como a Holanda, Uruguai e nos EUA, mais concretamente o Estado de Washington e Colorado onde se tolera legalmente o uso da cannabis, mediante algumas restrições definidas na lei. Por outro lado uma boa parte dos Estados proíbem o consumo de drogas, realçando aqui, Cabo Verde cfr. artigo 20º, da lei 78/IV/93, porém, no meu entender, demonstra alguma tolerância no mesmo artigo, nº 2, e als, quando estabelece que o infractor pode ser dispensado de pena se for menor de dezoito anos, se não for reincidente e se comprometer, mediante declaração solene perante o Magistrado, a não praticar de novo o acto previsto e punido nos termos deste artigo.

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época, nos Estados Unidos da América, o comércio das drogas era tolerado complacentemente10.

A ideia de que o consumo destes produtos gerava um grave problema de saúde pública começou a se revelar de forma preocupante, tanto na China como nos EUA e em algumas das potências ocidentais, inclusive no Reino Unido.

Diante desse cenário, no final do século XIX, nos EUA surgiam movimentos anti uso das drogas motivados primeiramente pela degradação da saúde pública dos jovens, secundariamente pelo interesse da classe médica em monopolizar o mercado das drogas e por fim, pela preocupação de ordem social com as consequências do consumo recreativo pelas classes menos favorecidas da sociedade.

No ano de1868, na Grã-Bretanha, começou a surgir as primeiras normas farmacêuticas de controlo de “substâncias perigosas”, obrigando os comerciantes do ópio e opiáceos a colocarem o rótulo de “veneno” nessas embalagens, tendo essa lei sido denominada de “Poison and Pharmacy Act”, restringindo a venda a determinados profissionais, porém não se previam penas graves a serem aplicadas aos contraventores.

Nessa ordem de ideias, a partir de 1895, nos EUA, a maior parte desses Estados aprovaram leis controlando a venda de opiáceos e remédios de patente, elixires e preparados, inclusive para uso infantil, contendo ópio11.

Dando continuidade a essa política, nos EUA, no ano 1906, foi adotada a lei federal denominada Pure Food and Drug Act12, pondo fim à indústria dos

remédios de patente e exigindo que todos os medicamentos passassem a conter rótulos listando com precisão o seu conteúdo.

10 (Silva, 2013) 11 (Silva, 2013) 12

Tendo, posteriormente, motivado a criação do Food and Drug Administration com o principal objetivo de proibir o tráfico externo e entre Estados de alimentos adulterados ou medicamentos que tivessem como componentes substâncias psicoactivas, sem ser rotulados com a expressão “veneno” e dirigiu o Bureau de Química dos EUA para inspecionar produtos e denunciasse os infratores ao Ministério Público.

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13

Três anos depois, por volta de 1909, o governo norte-americano aprovou a primeira lei de abrangência nacional, denominada “Smoking Opium Exclusion

Act”, focada no mercado consumidor13. Chegava ao fim a tolerância social com relação ao consumo de ópio e posteriormente de outras drogas, também suportada na realização de várias campanhas de informação realizada nos EUA. Nessa época, o consumo do ópio começou a declinar na medida em que os preços iam crescendo. Em consequência disso, os consumidores passaram a consumir drogas mais pesadas, nomeadamente, a heroína injetável ou fumada e com piores consequências para a saúde pública.

2.2. Primeiras conferências Internacionais, O velho bloco do ópio;

No final do século XIX, início do século XX, o comércio de drogas, principalmente o ópio, tinha um impacto significativo na economia de algumas potências mundiais, destacando o Reino Unido, donde partia a maior parte do ópio e derivados a serem consumidos no mercado Chinês, chegando a representar metade das exportações britânicas para a China14.

Nos meados do século XIX, a China era um dos países que mais sofria com as consequências do uso e abuso de drogas, principalmente o ópio, que ameaçava gravemente não só, a estabilidade social e financeira do país, como também a saúde dos soldados e em consequência disso, a corrupção alastrava-se na sociedade chinesa.

Recorde-se uma frase escrita por um ministro chinês, no ano de 1839, para chamar a atenção do imperador:

“Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga. Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos tolerar este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e

13

, (Silva, 2013) 14

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14

munições. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma porque estarão todos viciados.”15

Nesse ano, iniciaria a primeira guerra do ópio, entre a China e a Grã-Bretanha, tendo terminado 3 anos depois, no ano 184216.

Portanto, a realidade estava à vista de todos, o cenário chinês era triste, sua sociedade estava sendo devastada pelo uso e abuso das drogas, contudo a China não tinha poder para contrariar a força Britânica, aceitando as suas imposições. Mas o facto era inegável, por isso no ano de1856, voltou-se a uma segunda guerra do Ópio, onde os franceses aliaram-se à Grã-Bretanha e voltaram a derrotar a China, mantendo o comércio da droga para este país.

Reconhecendo a dificuldade da China em combater esse flagelo e considerando a necessidade dos EUA em se aproximar da República da China, por necessidades de diversa ordem, “o Congresso norte-americano estabeleceu em 1903, um Comité de Investigação para considerar a questão do abuso do ópio no Extremo Oriente, encomendando o primeiro levantamento internacional sobre o consumo daquela substância. A conclusão do levantamento foi de que constituía, possivelmente, num dos problemas mais graves da Ásia e que sua solução seria o controlo da produção, na Índia, China, Birmânia, Pérsia, Turquia e limitar o comércio internacional. As recomendações para as Filipinas resultaram no fim do sistema do monopólio do comércio do ópio, no banimento das casas de ópio, a proibição do uso recreativo e, em 1908, das importações para fins não medicinais”.17

15

(wikipédia, 2014) 16

Pelo Tratado de Nanquim (1842), que concluiu o primeiro conflito, foram abertos ao comércio exterior cinco portos chineses aos comerciantes ingleses e estabelecido o controle britânico sobre a Alfândega chinesa. O ópio foi aceite como um artigo lícito de comércio e sua importação foi permitida sem restrições. A Rainha Vitória considerou pífios os termos obtidos em Nanquim, definindo o Capitão Charles Elliot, condutor das operações de guerra, como “um homem que desobedeceu completamente as ordens recebidas e tentou obter os menores ganhos possíveis”. Ao final do segundo conflito, o Tratado de Tientsin (1858) forçou os chineses a legalizar as importações de ópio. Com isso, a balança comercial passou a desfavorecer a China. Esse comércio chegou a corresponder a quase um sétimo das rendas da Índia Britânica. Mais tarde, o comércio do ópio tornou-se um item permanente do comércio triangular entre Reino Unido, Índia e China. Pela Convenção de Pequim (1860), o governo chinês foi forçado a abrir novos portos e o rio Yangtze para o comércio estrangeiro, franqueando acesso ao interior do país. (Silva 2013, pp. 67)

17

(16)

15

Neste cenário, motivada pelas críticas internacionais contra o comércio do ópio, no ano de 1909, o governo dos EUA decidiu convocar uma conferência onde participaram treze países considerados potências da época, nomeadamente, China, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão, Países Baixos, Pérsia (actual Irão), Portugal, Rússia e Sião (atual Tailândia). A convenção Internacional do Ópio viria a ser assinada em Haia no dia 23 de Janeiro de 1912, dando origem assim, ao primeiro Tratado Internacional de Controlo de Drogas.18 A convenção definia ópio bruto como sendo “o suco coagulado obtido espontaneamente a partir das cápsulas do “Papaver somniferum”, que foi submetido às manipulações necessárias para serem embalados e transportados. E por derivados do ópio, o produto de ópio cru obtido por uma série de operações especiais, principalmente por dissolução, ebulição, queimado ou fermentado, concebidos para transformar o ópio e adequá-lo ao consumo. O referido Tratado diferenciava o ópio utilizado pela medicina e já apontava a cocaína como sendo uma droga. Segundo a convenção, os Estados contratantes comprometiam-se a envidar todos os esforços para controlar ou fazer controlar todos os tipos de fabricação, importação, venda, distribuição e exportação de morfina, cocaína e de seus respetivos sais..."19,

No ano de 1915, a convenção entrou em vigor nos Estados Unidos, Países Baixos, China, Honduras, Noruega e a nível mundial em 1919, quando foi incorporada ao Tratado de Versalhes.

Dez anos depois, no dia 19 de Fevereiro de 1925, em Genebra foi assinada a revisão da Convenção Internacional do Ópio, entrando em vigor em 25 de Setembro de 1928, tendo sido registada na “Liga das Nações”20

no mesmo dia. Entretanto sob proposta do Egipto, apoiada pela China e pelos EUA, o novo

18

(Hamid Ghodse, 2011) 19

V. as definições da referida Convenção 20

Liga das acções ou Sociedade das Nações era o nome de uma organização internacional criada em 1919 e autodissolvida em 1946, e que tinha como objetivo reunir todas as nações da Terra e, através da mediação e arbitragem entre as mesmas numa organização, manter a paz e a ordem no mundo inteiro, evitando assim conflitos desastrosos como o da guerra que recentemente devastara a Europa.

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16

tratado introduziu a droga cannabis na lista das drogas proibidas e proibiu a sua exportação.

A Primeira Conferência de Genebra sobre Drogas realizou-se em 1924, com o objetivo de considerar medidas para a supressão do uso do ópio no Extremo Oriente. A decisão foi de abolir as concessões para o comércio de ópio, passando os governos a assumir o controlo por meio de um sistema de licenças e proibição de reexportação. Entre os 41 participantes na Conferência de 1925, incluíram-se pela primeira vez alguns países latino-americanos e caribenhos, nomeadamente Brasil, Bolívia, Chile, Cuba, Nicarágua, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Perante o novo tratado, o uso de cânhamo indiano e a preparação de produtos derivados só poderiam ser autorizados para fins médicos e científicos. No entanto, a resina crua que é extraída dos exemplares femininos da cannabis sativa juntamente com as diversas preparações obtidas a partir dela (haxixe, chira, esrar, diamba, etc), que não são utilizadas para fins médicos, mas sim para fins prejudiciais, da mesma forma, não podem ser produzidas, vendidas, comercializadas em qualquer hipótese, como acontece com outros narcóticos. A ideia da proibição da Cannabis não foi aceite por muitos países, provocando uma reação negativa por parte da India, Holanda e outros, alegando costumes religiosos, sociais e culturais, pelo que, esta disposição não entrou no tratado final.

No entanto, os países comprometeram-se em proibir a exportação do cânhamo indiano para países que tenham proibido a sua utilização e exigiram que países importadores emitissem certificados para aprovar a importação. Afirmaram igualmente, que a transferência era necessária exclusivamente para fins médicos ou científicos. Ainda nesta perspetiva, foi também imposta que as partes passassem a exercer um controlo mais efetivo de modo a impedir o tráfico internacional ilícito do cânhamo indiano e principalmente da sua resina. Acrescentou-se ainda, um sistema de controlo estatístico supervisionado pelo

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17

Conselho Central Permanente do Ópio, um órgão da Liga das Nações, conforme o capítulo VI, artigo 19 do presente regulamento. 21

Esses marcos importantes serviram de bases para que no ano de 1961, visando uniformizar as leis de repressão contra as drogas ilícitas fosse criada pela ONU, a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961. Posteriormente, com o incremento do tráfico de drogas a nível internacional, a Convenção foi emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, e na década de 80, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198322.

Contudo, perante essa realidade e a progressiva consciencialização dos povos de que as drogas constituíam um grave problema de saúde pública quando indevidamente manuseadas, o seu comércio e consumo passam a ser tipificados como crime numa grande parte das legislações nacionais, seguindo as diretrizes da Organização das Nações Unidas, de acordo com as Convenções contra o tráfico de estupefacientes aprovados até aquela data.

Contrariando as autoridades e os anseios das organizações internacionais, o tráfico de drogas passa a ser feito ilicitamente por fações criminosas de âmbito internacional/transnacional, gerando lucros avultados que posteriormente são empregues na prática de crimes conexos, tais como, lavagem de capital, corrupção e terrorismo, ameaçando dessa forma a soberania de alguns Estados menos preparados para combater as poderosas redes criminosas transnacionais.

2.3. A importância do combate ao tráfico de drogas pela via marítima

Já nos meados do século XIX, o mundo se encontrava numa situação crítica marcada pelas duas guerras do ópio. Nessa época, a civilização chinesa vivia na prática os graves problemas de saúde pública, porém ignorada por algumas potências mundiais. A droga era vista de forma positiva pelos colonizadores e

21

Aspectos da referida Convenção de 1925 sobre drogas; 22

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18

posicionava-se como uma atividade altamente rentável, pelo que não havia interesse em combatê-la.

Nos finais desse século, perante tantas dificuldades encontradas em lidar com os consumidores de drogas, principalmente nos EUA e na China, várias foram as organizações não-governamentais que traçaram como meta promover o bem-estar social e a prosperidade das populações. Começaram a fazer pressões aos líderes mundiais no sentido de melhor controlar a circulação de drogas. Todavia o esforço foi recompensado, primeiro em Xangai (em 1909), depois em Haia (em 1912), na definição da proteção de indivíduos e comunidades contra a dependência e o abuso de drogas como prioridade, 23.

Nessa fase o comércio e o abuso de drogas, nomeadamente, cannabis, cocaína, heroína e seus derivados, eram feitos de forma legal e generalizada. Nos EUA, por exemplo, o consumo de drogas destinadas a fins não médicos girava à volta dos 90%. Por seu lado, no início do século XX, na China a quantidade de opiáceos consumidos por ano rondava à volta de 3.000 toneladas de morfina e seus derivados, número significativamente maior do que o consumo global cem anos depois24.

Por outro lado, complicando ainda mais essa luta, a globalização facilitou o tráfico ilegal dessas substâncias e com o agravar da crise internacional na década de 80, vários países viram as exportações de bens e serviços diminuir, tornando ainda mais difícil combater o narcotráfico.

Perante tal situação, o tráfico internacional de drogas aumentou atingindo uma cifra anual superior a US$ 500 bilhões25, valor superior ao que gira em torno do comércio do petróleo. No mundo o montante de dinheiro envolvido com o narcotráfico é superado apenas pelo tráfico de armamento. Esses valores são muitas vezes aplicados na prática de outros crimes, nomeadamente, corrupção, lavagem de capital e terrorismo.

23 (FKB, 2014) 24 (Hamid Ghodse, 2011) 25 (ADUSP, 1996)

(20)

19

Outro aspeto que desperta atenção, é o facto de em torno de 80% da população mundial ter pouco ou nenhum acesso a substâncias controladas.26 Isso demonstra que existem muitas pessoas doentes à espera de medicamentos e muitas outras com a saúde em degradação, abusando dessas substâncias.

Na década de 80, com o agravar da situação surge o termo “Narco Estado” para caracterizar os países onde as estruturas socias se encontram fortemente influenciadas pelo poder dos traficantes de drogas.

Com o intuito de contrariar a estratégia dos traficantes, a maneira mais eficaz, apontada pelos membros da ONU trata-se da cooperação internacional e do multilateralismo confirmado pela ideia de que “o sistema internacional de

controlo de drogas é um valioso exemplo de como o multilateralismo pode ter sucesso na conquista de benefícios à humanidade, na prevenção do abuso de drogas, bem como dos danos causados pelo abuso, enquanto asseguram a disponibilidade adequada de drogas para propósitos médicos e científicos, incluindo o tratamento de dores e doenças mentais”27.

Perante tantas divergências económicas, politicas e culturais, as Nações Unidas sentiram que o caminho da repressão do tráfico de ilícito de drogas a nível internacional só poderia ser possível através da cooperação Internacional, pelo que, consagrou no art. 108º da CNUDM, o dever de cooperação entre os Estados para a repressão do tráfico ilícito de drogas. Nesse sentido, os instrumentos mais importantes na repressão do tráfico internacional de drogas ilícitas a nível marítimo são os seguintes: a Convenção Única sobre Narcóticos de 1961, emendada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971; e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas de 198828.

Com o controlo mais exaustivo e eficaz dos aeroportos e fronteiras terrestres, o mar aparece como a via mais viável para fazer o transporte internacional dessas

26 (Hamid Ghodse, 2011) 27 (Hamid Ghodse, 2011) 28

Essas convenções desfrutam de uma adesão quase universal, demonstrando a confiança dos Governos entre si e no sistema internacional de controlo de drogas.

(21)

20

substâncias ilícitas, pelo facto de existirem extensas costas desprotegidas, áreas marítimas de difícil controlo, tais como o Mar territorial, a Zona Económica Exclusiva, o Alto Mar e as próprias costas isoladas e distantes dos centros urbanos. Por outro lado, permite o transporte de maiores quantidades de drogas ilícitas, resultando num negócio mais rentável.

Em relação a Cabo Verde, a comunidade Internacional classifica-o como sendo um país de trânsito de produtos estupefacientes, principalmente, a cocaína proveniente de alguns países da América do Sul, mais concretamente Brasil, com destino à Europa29. Como prova, citamos o célebre caso “Lancha Voadora” ocorrido em Outubro de 2011 e desmantelado pela Polícia Judiciária de Cabo Verde em cooperação com as homólogas espanholas e holandesas.

No entanto é de extrema importância referir que segundo o relatório sobre drogas da ONUDC, lançado no dia 26 de Junho do ano 2012, cerca de 50 % da droga traficada na África Ocidental, incluindo Cabo Verde permanece na região.

Segundo o Ministro da Justiça de Cabo Verde, José Carlos Correia, “Já começa

a ser quase que banal os jovens consumirem canábis na rua e passarem o taco um ao outro”30 ou seja, internamente, o país não é visto apenas como se tratando de um local de trânsito, mesmo porque segundo o referido relatório, o consumo de cannabis na África Ocidental é superior à média mundial. Ainda segundo o mesmo relatório, as drogas mais usadas são a cannabis seguida das anfetaminas e depois da heroína e Cabo Verde está incluído na lista dos países africanos onde se consomem drogas sintéticas.

Ciente dos malefícios que o consumo dessas substâncias causam às sociedades e das fragilidades que os seus dividendos possam causar aos Estados, como referido anteriormente, foi publicada a 12 de Julho de 1993, a lei da Droga nº 78/IV/93, parametrizada nas Convenções internacionais de repressão ao tráfico ilegal de produtos estupefacientes e substâncias psicotrópicas das Nações Unidas.

29

Relatório da ONUDC, sobre tráfico de drogas, 2012. 30

(22)

21 3. DIREITO INTERNACIONAL - NORMATIVA E FONTES

O direito Internacional31 é uma área do direito, constituída por várias subdivisões, correspondendo a um incessante desejo de especialização, pelo que, ao longo dos anos à medida que o homem evolui no sentido de aproximar os cidadãos dos diferentes Estados, são variadas as ramificações que se vão brotando dentro do próprio Direito Internacional.

Anteriormente, utilizou-se a expressão “ius gentium”, ou seja, “Direito das Gentes”.32

Contudo, atualmente, a maioria dos Estados utiliza o termo “Direito Internacional” e por conseguinte as sociedades mais evoluídas no estudo do tema e cujas línguas são faladas mundialmente, constata-se a adoção das seguintes expressões: “Droit International” na língua francesa, na língua italiana, “Diritto Internacionale” e “Derecho Internacional” em Espanha. Dessas línguas, apenas a Alemanha utiliza um termo diferente, “Volkerrecht”. 33

Todavia, durante muito tempo, no século XIX e meados do século XX, referiu-se ao Direito Internacional, principalmente, tratando-se de dois extremos, de um lado o direito à Guerra (ius bellum) e do outro o Direito à Paz (o ius pacis)34. Essas subdivisões, do direito Internacional, perderam sentido, a partir do momento em que se proibiu o uso da força no contexto internacional.

Infelizmente, foi preciso muito sofrimento da população mundial, para que os líderes mundiais tomassem a consciência da necessidade de ter um Direito Internacional bem definido, protegendo os interesses dos Estados e também os direitos humanos a nível mundial.

31

O fundador da expressão Direito Internacional trata-se do Hugo Grócio, tendo usado essa expressão pela primeira vez no ano 1625 aquando da publicação do livro titulado como “De lure Belli ac Pacis” cfr. Armando M. Marques Guedes, Direito…, p.13; a terminologia consagrou-se com a sua utilização, pelo filosofo britânico Jeremy Bentham, que publicou em 1780 um livro, sob título “An Introduction to the principles of Moral and Legislation”, contendo a expressão Internacional law, cfr. Lembrança de Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, Droit…, p.35. ref. (Gouveia, 2008)

32

(Oliveira, 1996), pag. 44, em Roma: direito que regulava as relações entre estrangeiros e as relações mistas; actualmente: sinónimo de direito internacional

33

(Gouveia, 2008) 34

(23)

22

O Direito internacional adquiriu maior relevância com o surgimento das organizações Supranacionais, que são estruturas dos Estados com poderes mais amplos e dotados de mecanismos de subordinação da vontade dos Estados, como a decisão por maioria e não por unanimidade, ou incorporação automática das normas estaduais35. Citamos o caso do Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC) e, mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional (TPI), que assumiram um papel de destaque na chamada política internacional.

É de frisar, que o desenvolvimento tecnológico permitiu ao homem explorar zonas distantes dos limites de soberania estatais, trazendo novos desafios aos juristas, motivando-os para a realização de estudos e a criação de novas leis com vista a regulamentar a circulação de pessoas e bens, e a exploração dos espaços marítimos, de forma a proteger os bens comuns da humanidade, como por exemplo, os fundos marinhos e o alto mar, baseando-se nos princípios da Soberania, cooperação e solidariedade internacional, ou seja, “O Direito

Internacional público além de regular relações entre Estados soberanos, passou igualmente a preocupar-se com muito mais: com a solidariedade e a justiça social entre Homens e Povos36.”

Nesse sentido o Direito Internacional Público pode ser entendido como “o

conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas Organizações, e dos indivíduos”37ou ainda, “o ramo do direito constituído pelo

sistema de normas jurídicas que se aplicam a todos os membros da Comunidade Internacional, para regular os assuntos específicos desta, a fim de garantir os fins próprios da Comunidade nas matérias da sua competência.”38

A conceção dualista aponta o direito internacional como sendo um sistema de normas jurídicas vinculantes que se encontram em vigor ao lado das normas do Direito Estadual, com a responsabilidade de dar a conhecer o motivo que as normas do Direito Internacional vinculam o Estado particular, que constitui o

35

(Gouveia, 2008) 36

Cfr. Fausto de Quadro citado em (Gouveia, 2008); pag. 113. 37

(Hildebrando, 2000) 38

(24)

23

fundamento da sua validade, partindo assim, daquilo que eles pressupõem ser a ordem jurídica estadual.39

De entre as matérias regidas pelo Direito Internacional, cita-se os seguintes exemplos: à proteção dos direitos humanos, com destaque para o direito internacional criminal, a cooperação científica, tecnológica e a cooperação jurídica entre todos os países do mundo, o regime jurídico do Alto-mar, e noutro plano particular, destaca-se a cooperação bilateral ou regional para a solução de problemas comuns e transfronteiriços relacionados com o tráfico de drogas.

Uma coisa é certa, o Direito Internacional só tem validade num Estado quando ancorado na ordem jurídica desse Estado. Nesse entendimento, o Direito internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido por este como vinculante, e seja reconhecido tal como é configurado pelo costume no momento desse reconhecimento. Esse reconhecimento deve estar consagrado no ato de legislação ou do governo, ou tacitamente pela efetiva aplicação das normas do Direito internacional, pela conclusão de convenções internacionais, pelo respeito das imunidades estatuídas pelo Direito internacional, etc. Como, de facto, todos os Estados assim procedem, o Direito internacional encontra-se efetivamente em vigor em relação a todos os Estados.

Nesse sentido, a maioria dos Estados procedem dessa forma e no caso de Cabo Verde, é o preceituado no artigo 12º, nº2 da Constituição da República, quem dá a essa disposição força legal e a capacidade de fazerem parte integrante da nossa ordem jurídica, citando mesmo: “Os tratados e acordos internacionais,

validamente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica cabo-verdiana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Cabo Verde”.

Nessa mesma linha de ideia, no ponto 4 do mesmo artigo, entende-se que a Constituição da República de Cabo Verde “submete-se” às convenções internacionais, quando diz que “As normas e os princípios do Direito

Internacional geral ou comum e do Direito Internacional convencional

39

(25)

24

validamente aprovados ou ratificados têm prevalência, após a sua entrada em vigor na ordem jurídica nacional e interna, sobre todos os atos legislativos e normativos internos de valor infraconstitucional”.

Outro aspeto relevante, que mais à frente será dado a devida atenção, se trata da importância do Direito Internacional Privado na esfera do Direito Internacional Público, pelo que, evocamos desde agora a antiga premissa, ensinada pelo

jurisconsulto Ulpinano: “publicum jus est quod ad statum rei romanae spectact; privatium, quod ad singulorum utilitatem pertinet”40

Por outras palavras, o primeiro trata das relações jurídicas (direitos e deveres) entre Estados, ao passo que o segundo trata da aplicação de leis civis, comerciais ou penais de um Estado sobre particulares (pessoas físicas ou jurídicas) de outro Estado.

3.1. Fontes de Direito Internacional

Primeiramente, pretende-se entender o significado da palavra “fonte” que pode significar: princípio, a sua verdadeira origem, facto ou lugar de onde brota algo, o texto original de uma obra, raiz ou influência, procedência41.

Ciente de que o Direito é um sistema de normas e aliadas a essas ideias, entende-se por fonte de direito, os factos que dão origem às normas jurídicas, neste caso normas jurídicas marítimas, bem como as causas que as produzem ou as influências que moldam o seu conteúdo. 42

Segundo a conceção objetivista, existem dois tipos de fontes, as fontes criadoras e fontes materiais. Sendo as primeiras, integradas por elementos extrajurídicos que podem ser, conforme o ângulo enfatizado, a opinião pública, a consciência

40

O direito público é aquele que respeita à República Romana; O direito privado é o que importa à utilidade dos particulares”. Definição constante do digesto (D., 1,1,1,2), conforme (Amaral, 2004)

41

Ver Dicionarios impressos publicados por Porto editora e publicações on line em

http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/fonte

42

Caso se queira esclarecer mais factos acerca das fontes, recomenda-se a leitura de (Amaral, 2004), cfr. Bibliografia apontada.

(26)

25

coletiva, a noção de justiça, a solidariedade e o sentido de interdependência social, entre outros, desfrutam de maior importância, ao passo que as segundas apenas se limitam a expressá-las do ponto de vista formal.43

O facto de as fontes poderem ter vários sentidos (formal, material, documental, orgânico, sociológico) e várias divergências no seu entendimento por parte dos internacionalistas, leva-nos a concentrar nas fontes conforme o Estatuto da Corte Internacional de Justiça de 16 de Setembro de 1920.

a) As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como Direito;

c) Os princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações “civilizadas”;

d) As decisões judiciais e a doutrina dos publicistas de maior competência

das distintas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de Direito, sem prejuízo do disposto no art. 59º.

O ECIJ não determina a hierarquia das fontes de Direito Internacional e a mera ordem em que essas fontes aparecem no texto do artigo 38º, não define a primazia entre elas.

3.2. O Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado é constituído por normas que definem qual o direito a ser aplicado a uma relação jurídica com conexão internacional, servindo de elementos de conexão para solucionar os conflitos de leis no espaço. Tendo como objeto o Direito Internacional, refere às relações jurídicas que transcendem as fronteiras nacionais e tem como um dos principais objetivos a harmonização das decisões dos Tribunais de cada país, com o direito de outros países que se encontrem conectados por intermédio das relações internacionais.

43

(27)

26

A melhor forma de solucionar a lei e o tribunal competente para julgar esses factos é recorrendo aos elementos de conexão, que podem ser reais, pessoais ou institucionais, sendo certo que, os elementos reais se referem a situação da coisa, lex rei sitae44; o lugar da ocorrência do facto, lex loci delicti; a lei da celebração do contrato, lex loxi contratus. Os elementos pessoais, estão relacionados com a nacionalidade da pessoa física, lex patriae; lei do domicílio,

lex domicilii; lei de escolha dos contratantes, lex voluntatis, enquanto que os

elementos Institucionais, referem-se ao pavilhão ou matrícula da aeronave ou navio; o foro (lex fori) neste caso, se trata do lugar que conhece o caso.

A doutrina francesa indica os elementos de conexão de maneira diferente, classificando-os em estatuto pessoal e estatuto real. Sendo o primeiro regido pela lei nacional e o segundo pela lei da situação dos bens, e os factos e atos jurídicos são regidos pela lei do local da sua ocorrência.

De acordo com os presentes interesses, quanto ao ordenamento terrestre, o Direito Internacional subdivide-se em três áreas; Direito Internacional Marítimo, Direito Internacional do Espaço aéreo45 e Direito Internacional do Espaço Exterior46, todavia, serão aqui abordados apenas os aspetos respeitantes ao Direito Marítimo relevantes para o tráfico de drogas internacional.

3.3. Direito Penal Internacional

Antigamente não era possível punir, legalmente, indivíduos que cometiam crimes de âmbito internacional, porém com o evoluir dos tempos, no sec. XIX puniam-se apenas os crimes de guerra, embora outros autores apontam a sua origem como sendo derivado de atos de pirataria.

Contudo ressalva-se, uma vez mais, o impacto do sector marítimo na esfera do Direito Internacional, sendo que, outros autores apontam a sua origem na necessidade de punir os actos de pirataria praticados em alto mar, sabendo que,

44

(Oliveira, 1996) e todas as outras expressões latinas referidas no mesmo parágrafo.

45 Sobre essa matéria consultar Adriano Moreira, Direito…, pp. 119 e 120, citado por (Gouveia, 2008)

46

(28)

27

a prática da pirataria precede à construção do Direito Internacional Penal, mas seus elementos constitutivos são outros47.

O direito Penal “é o ramo do direito público constituído pelo sistema de normas jurídicas que qualificam os factos ilícitos de maior gravidade social como crimes e estabelece as penas tidas por adequadas.”48 Contudo por muito tempo, não existia a responsabilização individual internacional, pelo que, os Estados afiguravam-se como responsáveis pelos crimes internacionais cometidos por seus nacionais e pese embora tenha surgido alguns tratados reconhecendo a existência desses crimes, onde se destaca a Convenção de Genebra em 1864, a Declaração de São Petersburgo em 1868, a Declaração de Bruxelas em 1874 e as duas Convenções de Paz em Haia de 1899 e 1907 respetivamente, essas visavam essencialmente à prevenção da guerra, à disciplina da condução de hostilidades, entre outros.

Na ótica da responsabilidade, a melhor forma de garantir o respeito pelo Direito Internacional é a da responsabilidade penal internacional, tratando de punir os indivíduos que tenham infringido os mais altos valores protegidos pelo direito internacional49.

Até antes da segunda guerra mundial, uma das maiores dificuldades encontradas na aplicação do Direito Penal Internacional era o facto de não existir um texto codificando os crimes internacionais.

Sendo assim, logo após essa segunda guerra, deu-se início a uma corrida no sentido de codificar o Direito internacional com a criação de uma serie de convenções, tais como:

Convenção para a Repressão do Genocídio, de 9 de Dezembro de 1948; 4ª Convenção de Genebra, de 12 de Agosto de 1949; a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de 26 de Novembro de 196850 e a Convenção sobre Crime e apartheid de 30 de Setembro de 1973. 47 (Lima, et al., 2006) 48 (Amaral, 2004), pag 273 49 (Gouveia, 2008)pag. 801 50

Embora já a carta de londres estabelecesse a cláusula, cfr. O texto em Jorge Miranda, Direitos do Homem – textos…, pag. 83 e ss.

(29)

28

Nesse sentido, os acontecimentos horrendos ocorridos em Ruanda, Burundi51 ex-Jugoslávia52 e Serra Leoa53 motivaram a criação de três tribunais internacionais específicos para julgar os crimes cometidos nesses países. A criação dos referidos tribunais “ad hoc”, motivou as organizações internacionais no sentido de efetivarem a responsabilidade penal internacional.

O passo mais marcante para o Direito Internacional, ocorreu em 17 de Julho de 1998, em Roma, aquando da criação do TPI, no âmbito do ERTPI, assinado em Roma, embora tenha sido discutido anteriormente no ano de1949 em Genebra. Foi a partir daquela data, que a justiça internacional passou a ter um órgão permanente e independente para julgar os crimes de âmbito internacional. Este tribunal é de reconhecida idoneidade e competência, primeiro porque funciona sem interrupção, e segundo, pelo facto de basear-se no acordo da vontade da generalidade das partes, delimitado pelos princípios da ONU e não da vontade de um único Estado.

De acordo com o ERTPI, o referido tribunal tem sede em Haia, Países Baixos e possui capacidade jurídica internacional necessária ao desempenho das funções e prossecução dos seus objectivos, podendo exercer esses poderes no território de qualquer Estado parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado, conforme art. 3º e 4º do ERTPI.

O referido tribunal tem competência para julgar os crimes mais graves que afetam a comunidade internacional, nomeadamente, o crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crime de guerra e crime de agressão conforme previsto no artigo 6º e seguintes, do mesmo estatuto.

51

Res nº 827, de 22 de Maio de 1993, para a ex-Jugoslávia, alterado posteriormente. 52

Res. Nº 955, de 8 de Novembro de 1994, para o Ruanda, alterado posteriormente; 53

Tratado entre a ONU e a Serra Leoa, de 16 de Janeiro de 2002, na sequência da res. 1315, de 14 de Agosto de 2000. Segundo José de Matos Correia, Tribunais Penais…,pag 45 e ss, “o tribunal para serra Leoa deve ser considerado como um tribunal internacionalizado, mas como um tribunal sui generis”.

(30)

29

3.3.1. Princípios Processuais Do Direito Internacional Penal54

O TPI orienta-se segundo alguns princípios conforme o seu próprio estatuto, pelo que importa referir:

a) O princípio da legalidade, na medida em que tipifica os actos que lhe compete julgar, constituindo uma espécie de código penal internacional, cfr. Artigo 6º e ss.

b) O princípio do “ne bis in idem”, ou seja, ninguém deverá ser julgado duas vezes pela prática do mesmo crime, caso já tenha sido julgado, pela prática de um crime, em qualquer lugar, condenado e cumprido a sua pena, ele não poderá ser julgado pela prática do mesmo crime, cfr. Art. 20º.

c) O princípio da responsabilidade penal individual, baseando-se nesse princípio, o TPI tem competência para julgar pessoas singulares pel prática dos crimes do género, vide o artigo 25º. O artigo deixa claro que, para além de ser punido a pessoa que cometer o crime será punido ainda a pessoa que, ordenar, instigar ou provocar a prática desse crime, sendo certo que a tentativa também é punida.

d) Princípio da complementaridade e jurisdição universal, tem como objectivo pressionar os Estados a investigar e julgar certos indivíduos que podem colocar em perigo a humanidade. Convém realçar que o TPI não substitui os tribunais, mas actua de forma subsidiária em relação aos tribunais nacionais. Com base nesses princípios, o TPI tem competência para intervir nos casos em que um Estado, detentor do processo, mostra ser incapaz de julgar determinado crime ou indivíduo.

O TPI averigua as fases em que se encontra a instrução do mesmo, podendo por sua decisão fazer o julgamento do caso. Também, caso o TPI constata que

54

Sobre esse ponto Ver Estatuto do Tribunal Penal Internacional, ainda (Machado, 2006, pp. 424) e (Gouveia, 2008, pp. 853)

(31)

30

existe morosidade ou falta de vontade em levar o processo avante por parte do tribunal que possui o processo ele pode intervir, julgando o indivíduo ou indivíduos.

O tribunal em questão pretende desta forma garantir à comunidade internacional, que no caso de serem cometidos crimes típicos do direito internacional estes serão punidos, primeiramente, no Estado onde foram cometidos, ou onde o indivíduo se encontra, caso contrário o próprio TPI o pode fazer.

e) Princípio da irretroatividade e imprescritibilidade, de acordo com o ERTPI, a lei não retroage no tempo, ou seja, nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito mais favorável à pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada, vide art. 24 do ETPI. Todavia, ela não prescreve no tempo, conforme o artigo 29º do presente estatuto.

f) Princípio da irrelevância da função oficial, responsabilidade de comandantes e superiores hierárquicos, dessa maneira, o TPI demonstra que ninguém que cometa crimes internacionais estará fora do alcance das suas normas, mesmo tratando-se de oficiais das forças armadas ou membros do governo, vide artigos 27º e 28º.

Porém, é importante frisar que o crime de Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas não foi contemplado no referido estatuto, tendo a sua convenção própria, pelo que, segundo a CNUDM, todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios em alto mar, com violação das convenções internacionais. Assim, entende-se que o combate ao tráfico de estupefacientes deve ser feito recorrendo aos mecanismos da cooperação internacional.55

55

Segundo o art. 5º do ERTPI, o tribunal tem competência apenas para os crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e alguns crimes de agressão em conformidade com o estatuto.

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31

3.4. Direito Internacional Marítimo

O Direito Internacional Marítimo trata-se de uma das subdivisões do Direito Internacional Público, facto que foi ressalvado por autores antigos há centenas de anos, mais concretamente a partir do momento em que o homem começou a ter a noção da importância do mar como fonte de recursos naturais de grande valor para a vida humana. O autor Hugo Grócio, Fundador da Ciência do Direito Internacional, na sua obra “De lure Belli ac Pacis”, propugnada no ano 1625, salientou o facto de ser necessário regulamentar a guerra, de modo a evitá-la, afirmando, também, que o mar é um bem comum, não sendo possível a sua apropriação privada56.

Nesse contexto, convém ainda relembrar que o mesmo autor propugnou a tese do “Mare liberum” onde apresentou argumentos a favor da liberdade de navegação nos mares descobertos ou seja no alto mar.

Pretende-se referir que o Direito Marítimo trata “do conjunto de normas jurídicas que regulamenta, toda e qualquer atividade, originada da utilização dos bens e meios para navegação, e da exploração do mar e das águas interiores, seja qual for a sua finalidade e objetivo, em todo seu potencial, e realize-se em superfície ou submersa.”

Convém, desde já dissipar algumas dúvidas que possam existir nas expressões, Direito Marítimo e Direito do Mar, na medida em que, são dois ramos do direito muito próximos e com alguma semelhança de expressão, porém na sua essência, não tratam da mesma matéria.

René Rodiere, citado por Januário da Rocha Nascimento, considera o Direito do Mar como o conjunto de regras relativas ao estudo dos espaços marítimos, enquanto o Direito Marítimo é constituído por regras relativas às condições de utilização desses espaços. No entanto, o presente estudo só incidirá em aspectos jurídicos relacionados com o Direito do Mar e relacionados com o

56

(33)

32

tráfico ilícito de drogas. Importa salientar, ainda que, para esclarecer os trâmites legais dos espaços marítimos seguiremos os preceitos estabelecidos na Convenção das Nações Unidas para o Direito Marítimo de 198257.

Com base na presente convenção, serão referidas as questões jurídicas mais importantes para o presente estudo, incidindo nos aspetos que poderão estar relacionados com a repressão do tráfico ilícito de drogas a nível marítimo.

O Direito do Mar consagra o equilíbrio do exercício do princípio da liberdade dos mares, com o do respeito à soberania nacional. Um dos grandes desafios da humanidade é conseguir orientar as Nações para o desenvolvimento do comércio e indústria realizados pelo mar.

Convém relembrar que no ano de 1948, a ONU, perante as várias dificuldades que os Estados vinham se deparando, com a incrementação dos transportes marítimos, criou-se a International Maritime Organization, na altura ainda com o nome de Organização Consultiva Intergovernamental Marítima e em 1982 mudaria o seu nome para IMO com o objetivo de instaurar um sistema de colaboração entre Estados referentes a questões técnicas que interessam à navegação internacional, bem como encorajar a adoção geral de normas relativas à segurança marítima e à eficácia da navegação.58 Contudo, não podemos falar desta matéria sem referir as Convenções de Genebra de 1958 e de Montego Bay, (United Nations Convention on the Law of the Sea) Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.

57

De acordo com a definição vertida no international Maritime Law, (IML) constitui o sistema de regras que os Estados civilizados acordam entre eles, relativas a assuntos e negócios relacionados com o mar, navios, tripulações e questões marítimas de inscrições e propriedades. A IML divide-se no sector público e privado.

58

(34)

33 3.4.1. O Direito Penal Marítimo

Como vimos anteriormente, o Direito Marítimo é um ramo do Direito Internacional com as suas características próprias, pelo que se enquadra nos princípios do direito penal internacional, acrescentando os princípios derivados da sua própria natureza e da essência das várias atividades exploradas pelo homem, dentre as quais destacam-se, o princípio de matrícula, o de pavilhão, a passagem inofensiva e a liberdade dos mares.

Assim sendo, o Direito do Mar trata-se do “conjunto das normas legais que visam reger o uso do mar, atuando na prevenção e na solução dos conflitos surgidos no uso deste”.59

Nesse sentido, surge o estudo das normas jurídicas que definem os crimes relacionados com o mar e a navegação, este particular sistema jurídico constitui o Direito Penal Marítimo, sendo necessária fazer a diferença entre crimes e infrações administrativas.

A doutrina clássica prefere incluir no direito marítimo as normas sobre a navegação em dois subconjuntos, um público e outro privado. As normas que dispõem sobre comércio e indústria da navegação são de natureza privada e regulada por Códigos Comerciais e legislações especiais.

Por outro lado, são de natureza pública, as normas que regulam o tráfego marítimo e a segurança das embarcações e das pessoas, que sofre forte influência dos tratados internacionais, logo, são os tipificados como crimes conforme a Convenção para a repressão de atos ilícitos contra a segurança da navegação marítima, realizado em Roma, aos 10 de Março do ano 1988.

Portanto, convém referir que, por crimes entendem-se, os actos tipificados como tal, regulados, por exemplo, conforme o artigo 51º do Código Penal de Cabo Verde e são puníveis com pena de prisão ou ainda com as medidas de segurança aplicadas aos inimputáveis, baseando-se no artigo 89º do Código de Processo Civil de Cabo Verde e, são julgados pelos juízes dos tribunais penais.

59

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