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Câmbio no centro da teoria do desenvolvimento

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Câmbio no centro da teoria do desenvolvimento

Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi e José Luís Oreiro Capítulo 13 de Structuralist

Development Macroeconomics, Londres:

Routledge, a ser publicado.

A   macroeconomia   estruturalista   do   desenvolvimento   coloca   a   taxa   de   câmbio   no   centro   da   teoria   do   desenvolvimento   econômico.   Este   preço   macroeconômico     geralmente   não   é   considerado   parte   da   teoria   do   desenvolvimento  porque  ou  se  supõe  que  ela  flutua  suavemente  em  torno   do   equilíbrio   corrente,   como   faz   a   teoria   neoclássica,   ou,   como   propõe   a   teoria  keynesiana,  que  flutue  volatilmente  em  torno  desse  equilíbrio.  Seria,   portanto,  um  problema  de  curto  prazo  a  ser  estudado  pela  macroeconomia.   Entretanto,  se,  ao  invés  disso,  supusermos  que  a  taxa  de  câmbio  tende  a  se   apreciar   ciclicamente   (ou   seja,   passa   por   um   processo   de   apreciação   gradual   seguida   por   súbita   depreciação   quando   o   crédito   em   moeda   estrangeira  é  cortado  e  a  crise  se  desencadeia),  será  fácil  entender  porque   ela   permanece   cronicamente   sobreapreciada.   Torna-­‐se,   assim,   um   problema  de  médio  prazo,   e,   portanto,   um   problema   a  ser  estudado  pela   teoria  do  desenvolvimento  econômico.    

Mas  não  um  problema  como  muitos  outros,  mas  um  problema  central  para   o   teoria   do   desenvolvimento,   porque   a   taxa   de   câmbio   é   um   preço   macroeconômico   estratégico   que   além   de   determinar   o   déficit   ou   o   superávit  em  conta  corrente,  determina  investimento  e  poupança  ao  criar   ou   ao   negar   oportunidades   de   investimentos   lucrativos   para   os   empresários,   ou,   em   outras   palavras,   porque   uma   taxa   de   câmbio   cronicamente  sobreapreciada  impede  que  empresas  modernas  e  eficientes  

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produtoras  de  bens  tradable  que  não  commodities  se  tornem  competitivas   internacionalmente.   Um   problema   central   para   a   teoria   do   desenvolvimento   econômico   que   exige   dos   policymakers   uma   política  de  

taxa   de   câmbio   –   uma   política   que   neutralize   a   tendência   à  

sobreapreciação  cíclica  e  crônica  da  taxa  de  câmbio.  A  tese  da  necessidade   de   uma   política   de   taxa   de   câmbio   é   estranha   às   políticas   de   desenvolvimento   econômico   que   são   discutidos   nos   livros-­‐texto.   E   não   é   habitual   no   campo   da   política   mocroeconômica,   onde   se   fala   apenas   em   política   fiscal   e   política   monetária   (esta   limitando-­‐se   aos   juros).   E   neste   campo,   quando   se   discutem   políticas   de   taxa   de   câmbio,   elas   incluem   medidas   de   curto   prazo   para   estabilizar   a   taxa   de   câmbio,   jamais   para   mudar   o   seu   nível.   Ora,   se   a   taxa   de   câmbio   nos   países   em   desenvolvimento   tende   a   ser   cíclica   e   cronicamente   sobreapreciada,   é   necessária  de  uma  política  de  taxa  de  câmbio  que  a  leve  a  flutuar  em  torno   do  nível  de  equilíbrio  –  o  equilíbrio  industrial.    

A  sobreapreciação  crônica  da  taxa  de  câmbio  

A taxa de câmbio é cronicamente sobreapreciada nos países em

desenvolvimento porque existe neles uma tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio. Este talvez seja o ponto central da macroeconomia

estruturalista do desenvolvimento. É devido a esse argumento que foi possível colocar a taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento. As escolas de pensamento anteriores, inclusive a keynesiana e a estruturalista, não haviam adotado essa posição porque supunham que a taxa de câmbio se desequilibrasse apenas no curto prazo em função de fluxos de capitas especulativos, como pensam os keynesianos, ou não estivessem sujeitas a grandes desequilíbrios, como supõem os economistas convencionais. No momento, porém, em que em que observamos na prática e demonstramos teoricamente que a taxa de câmbio apresenta uma tendência cíclica à sobreapreciação, a taxa de câmbio se

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transcorrer do ciclo ela permanecerá a maior parte do tempo sobreapreciada. Quando afirmamos que a taxa de câmbio tende a se sobreapreciar de maneira cíclica nos países em desenvolvimento estamos dizendo que esse preço macroeconômico fundamental não é regulado pelo mercado mas por crises desse mercado – por crises de balanço de pagamentos ou currency crises. Se a taxa de câmbio fosse controlada pelo mercado, ela poderia ser bem controlada e flutuaria em torno do equilíbrio corrente de forma suave como supõem a teoria econômica convencional, ou seria mal controlada, como supõem os keynesianos, e haveria alta volatilidade causada por fluxos especulativos de capital . A teoria keynesiana, porém, para aí. Não considera a doença holandesa que mantem a taxa de câmbio permanentemente sobreapreciada, e não leva em consideração que os fluxos especulativos têm uma tendência – a de causar entradas de capitais no país em desenvolvimento e apreciar sua moeda. Além disso, não salienta que esses capitais entram em moeda forte, não na moeda do próprio país, de forma que tornam o país vulnerável a crises de balanço de pagamento. Assim, no quadro da tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio, porém, a variação da taxa de câmbio é tão grande que já não é mais razoável falar em coordenação pelo mercado. São as crises de balanço de pagamento que recolocam a taxa de câmbio no equilíbrio, ou, mais precisamente, que levam a taxa de câmbio a inverter de tendência e se depreciar . Na verdade a crise geralmente implica um overshooting – uma variação além do equilíbrio – de forma que a taxa de câmbio se torna depreciada por algum tempo.

A taxa de câmbio se deprecia de forma radical, de um salto, no momento da crise de balanço de pagamento ou do sudden stop, porque nesse momento fica patente para todos os credores que eles e o país devedor praticaram juntos o que Hyman Minsky chamou de “finanças Ponzi”, que construíram uma bolha financeira, e que, agora, o país não tem condição de honrar seus compromissos financeiros. Mas, por que a taxa de câmbio tende a se sobreapreciar? Por que, em seguida, não supor que os agentes econômicos tanto de um lado quanto do

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outro, aprenderam a lição e passarão a se comportar racional e

equilibradamente? Porque nos países em desenvolvimento dois fatores de natureza diversa pressionam a taxa de câmbio para baixo, apreciando-a. Ainda que não se possa separar os dois fatores na prática, no plano teórico e na Figura 13.1 é possível fazer essa separação.

Figura 13.1: Tendência cíclica à sobreapreciação: Figura síntese

Nesse figura temos, na ordenada, a taxa de câmbio e na abcissa, o tempo. As duas linhas horizontais são respectivamente a do equilíbrio industrial e a do equilíbrio corrente que discutimos mais profundamente no capítulo sobre a doença holandesa. As duas linhas que flutuam, uma suavemente e a outra com grande volatilidade em torno do equilíbrio corrente representam

respectivamente a teoria convencional e a keynesiana. A curva que após uma crise sobe violentamente, depreciando-se, e depois desce gradualmente,

atravessa as duas linhas de equilíbrio, entra na área do déficit em conta corrente e, portanto, do aumento do endividamento externo, e afinal é interrompida por uma crise de balanço de pagamentos é a curva que corresponde à tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio.

ortodoxos keynesianos

ε

Tx  câ m bio  equilíbrio   industria l Tx  câ m bio  equilíbrio   corrente

defic it  em  c onta   c orrente

ε

1

ε

2 c r i s e c r i s e doença  hola ndesa

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Os dois fatores que causam a sobreapreciação crônica da taxa de câmbio são a doença holandesa e a entradas de capital em excesso sobre as saídas. Como podemos ver na Figura 13.1, primeiro, a doença holandesa a “puxa” do

equilíbrio industrial para o equilíbrio corrente, porque ela é compatível com o equilíbrio a longo prazo da conta corrente. A taxa de câmbio responde no mercado a duas restrições: primeiro, ela é definida pela mercadoria que se beneficia de rendas ricardianas, de modo que pode ser exportada a uma taxa de câmbio mais apreciada do que a taxa de câmbio que será necessária para as demais mercadorias transacionáveis sejam competitivas internacionalmente. Segundo, essa taxa de câmbio deve equilibrar a conta corrente do país. Por isso a doença holandesa é um fator estrutural de sobreapreciação da moeda apenas se considerarmos que o verdadeiro equilíbrio é o equilíbrio industrial. A

doença holandesa não permite que a taxa de câmbio gire em torno do equilíbrio industrial, mas não a leva a um nível mais apreciado do que o equilíbrio

corrente.

Quem se encarrega de apreciar a moeda nacional para baixo do equilíbrio corrente são as entradas líquidas de capital. Estas tendem a ser elevadas nos países em desenvolvimento por diversas causas, mas a principal é a equivocada “política de crescimento com poupança externa”. . Agora o que é importante entender é que teoria econômica, tanto a ortodoxa, quanto a heterodoxa, tanto a neoclássica quanto a keynesiana e a estruturalista tomam como pressuposto que a “poupança externa” seria “necessária” para o crescimento dos países em desenvolvimento, porque estes países poupariam de maneira insuficiente, e porque a poupança externa se somaria à interna causando o aumento da taxa de investimento. Uma tese equivocada que, no caso da teoria neoclássica, tem uma certa coerência, porque seus defensores acreditam que a poupança precede o investimento, enquanto não tem suporte na teoria keynesiana, já que uma de suas maiores realizações foi ter mostrado que desde que os empresários contem com crédito o investimento antecede a poupança. Conforme argumentamos no capítulo 7 , esse é um equívoco. Na verdade uma boa parte dos recursos

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recebidos do exterior vai para o consumo e não para o investimento, de forma que temos uma elevada taxa de substituição da poupança interna pela externa. O importante, agora, é que esse tipo de pressuposto associado ao modelo estruturalista dos “dois hiatos” e ao conceito mais geral de “restrição externa” legitima as entradas sem controle de capitais no país que apreciam

sistematicamente a taxa de câmbio e levam o país ao déficit em conta corrente, ao aumento do endividamento externo, à fragilização financeira, e finalmente à crise de balanço de pagamentos.

As entradas de capitais ocorrem sob diversas formas: investimentos diretos (que podem implicar aumento de capacidade de produção, ou, mais

comumente, compra de empresas nacionais), investimentos em portfólio, e financiamento (via empréstimos bancários ou, hoje mais comumente, via emissão de bônus). De um modo geral, esses empréstimos não interessam ao país interessam apenas aos investidores ou então a políticos populistas, não ao país, mesmo quando financiam investimento real, acumulação de capital. Porque as entradas, não importa qual seja sua forma e finalidade, sempre apreciam o câmbio e acabam desestimulando o investimento nacional. Em contrapartida, interessam aos países ricos, que assim mantêm os países em desenvolvimento sempre fragilizados financeiramente e, portanto, dependentes. E interessa aos investidores estrangeiros que, assim, capturam o mercado

interno do país para suas empresas, ou então recebem juros elevados.

Juros  altos    

As taxas de juros nos países em desenvolvimento são estruturalmente mais elevadas do que nos países ricos não por uma alegada escassez de capital nos primeiros relativamente aos últimos, mas devido a menor organização e desenvolvimento dos mercados de capitais de renda média o que aumenta o prêmio de liquidez exigido pelos investidores para a compra de títulos de longo-prazo, conoforme discutido no capítulo 9 .i Não obstante, nos anos 1960 e 1970, quando os países mantinham fechada sua conta de capital, e usavam o

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Estado como principal fonte de financiamento dos investimentos, a taxa de juros nesses países mantinha-se muito baixa. Só se tornaram altos –

substancialmente mais altos do que nos países ricos – quando a partir do final dos anos 1980, no quadro de ampla hegemonia neoliberal e neoclássica, políticas econômicas aconselhadas por esses mesmos países passaram a ser aceitas sem a devida crítica por muitos países em desenvolvimento. Afinal, segundo a teoria econômica convencional, o desenvolvimento econômico seria uma “grande competição” entre os países em desenvolvimento na busca de maiores investimentos externos.

Além de justificar macroeconomicamente as entradas de capital com o

argumento equivocado de que poupança externa e interna se somariam, a teoria econômica convencional as justifica em termos microeconômicos com o

argumento de que as taxas de juros dos empréstimos são menores do que as taxas internas de juros e também que as taxas de retorno do capital. Entretanto, o argumento microeconômico não pode ser transplantado tão simplesmente para o campo macroeconômico, porque o primeiro não leva em consideração o principal argumento contra as entradas de capital: a sobreapreciação da taxa de câmbio.

Por outro lado, o argumento de que as taxas internacionais de juros seriam menores do que as taxas locais não é necessariamente válido. Ainda nos anos 1970, as políticas desenvolvimentistas adotadas em países que estavam se industrializando aceleradamente garantiam taxas de juros reais baixas, em certos casos negativas. Vários instrumentos eram usados com esse objetivo, como tetos para as taxas de juros, incentivos tributários ou regulatórios para investimentos, e o financiamento dos grandes investimentos nos países em desenvolvimento pelo Estado, diretamente ou através de bancos de

investimento estatais.

Isto não interessava aos países ricos e suas empresas. E, como já vimos, logo chamou a atenção de economistas convencionais como Edward Shaw (1973) e

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McKinnon (1973), que desenvolveram o argumento da “repressão financeira”, segundo o qual um nível médio de taxa de juros baixo era um obstáculo ao crescimento dos países. Em consequência as agências financeiras

internacionais (FMI e Banco Mundial) passaram a pressionar os países em desenvolvimento a liberarem seus mercados financeiros para que a taxa de juros aumentasse e, assim, deixasse de ser um obstáculo maior ao “bom” senão ao “perfeito” funcionamento de mercados financeiros livres. Somava-se a isso a campanha pela “desestatização” ou contra o Estado porque este seria

intrinsecamente ineficiente e dirigido por políticos e servidores populistas e incompetentes dedicados ao rent seeking - à busca de rendas através do controle do Estado. Assim essa campanha que tinha uma justificação ideológica liberal ganhava duas operacionalidades: reservava para o setor privado uma atividade quase-pública como é a atividade financeira, e evitava que a taxa de juros fosse baixa nos países em desenvolvimento justificando assim as entradas de capitais ou o financiamento externos. A partir dos anos 1990, essas ideias legitimadas pelo mainstream econômico foram aceitas pela grande maioria dos países tanto ricos quanto em desenvolvimento. Em

consequência os países em desenvolvimento envolveram-se em “liberalização financeira”, o nível da taxa de juros subiu e entraram mais capitais, que

apreciaram a taxa de câmbio, aumentaram artificialmente os salários e o consumo,ii ao mesmo tempo em que aumentava o endividamento externo. Os países se tornaram mais frágeis financeiramente, e muitos entraram em crise financeira. Atendia-se, portanto, aos interesses dos mercados financeiros externos que tinham as portas abertas para seus financiamentos, mas os países eram desestabilizados, tanto os países em desenvolvimento quanto os países ricos como demostraram sucessivas crises financeiras desde a crise do México até a crise financeira global de 2008 e a Grande Recessão que ela vai provocar. Não deixa de ser interessante que em um trabalho recente, Carmen Reinhardt e Belen Sbrancia (2011), do Instituto Peterson de Washington, realizaram um estudo que demonstrou que a repressão financeira trouxe benefícios para os países que a praticaram, especialmente porque os ajudou a reduzir sua dívida

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pública.

Política  monetária  

Mas nos países que aceitam a ortodoxia neoclássica e neoliberal os juros não são altos apenas porque se busca tornar os preços “certos” e porque se busca atrair capitais. Eles também são altos porque se busca com eles combater a inflação. Esta é sem dúvida um mal quando alta. Entretanto, mesmo quando ela já está sob relativo controle, em um nível razoável para um país em

desenvolvimento econômico (digamos 5% anuais), ela continua a ser vista pelo pensamento ortodoxo como “o grande problema a ser enfrentado”, mesmo que seja à custa de juros altos e câmbio sobreapreciado – os dois obstáculos

macroeconômicos maiores que um país encontra para se desenvolver.iii Desde os anos 1990, depois de verificado o fracasso da política monetarista controle dos agregados monetários, os países passaram a adotar a política de metas de inflação. Não há nada a objetar em relação a essa política se ela refletir aquilo que os banqueiros centrais pragmáticos (a maioria deles) entendem que ela deva ser: a substituição de metas monetárias rígidas por metas de inflação flexíveis que devem ser alcançada através de uma

multiplicidade de instrumentos entre os quais a taxa de juros é o principal, mas não o único. Se, portanto, as metas de inflação forem combinadas com metas informais de taxa de câmbio e de nível de emprego, e se se entender que os

policymakers deverão, de um lado, fazer compromissos entre essas metas, e, de

outro, deverão usar vários instrumentos para atingi-las, uma política de metas de inflação será uma boa coisa.

Ao invés disso, o que fizeram os economistas neoclássicos foi tentar vestir uma estratégia pragmática, que resultava do fracasso de suas ideias monetaristas, com uma vestimenta neoclássica. Agora só podíamos ter um instrumento para cada objetivo. E surgem recomendações de bom senso, mas que afinal apenas limitam a autonomia dos bancos centrais: a política monetária de sucesso deve

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ser disciplinada, transparente, e comunicar credibilidade.

A macroeconomia estruturalista do desenvolvimento não tem objeção em relação a uma política monetária que aumente os juros quando a economia está aquecida e a inflação está se acelerando. Esta é uma prática que faz parte da “teoria econômica básica” – ou seja, do conjunto de teorias e de políticas econômicas que são comuns a praticamente todas as escolas de pensamento econômico. O problema da política monetária praticada em alguns países em desenvolvimento nos termos da teoria convencional é que no momento em que a economia se desaquece e o banco central pode baixar os juros, a baixa é feita com grande timidez e logo é interrompida, de forma que, no final das contas, a taxa média de juros do país fica desnecessariamente alta.

Todas as políticas que enumeramos acima são recomendações da teoria convencional aos países em desenvolvimento. Existe, porém, uma prática econômica que é original deles: o populismo cambial – uma das formas que assume o populismo econômico. O populismo pode ser político ou econômico. É político quando o líder político estabelece uma comunicação direta com o povo sem a intermediação dos partidos políticos e de plataformas políticas razoavelmente definidas do ponto de vista ideológico. O populismo econômico, por sua vez, pode ser definido de maneira simples: ocorre sempre que o

governo, para agradar os eleitores e se reeleger, gasta mais do que arrecada de forma irresponsável, ou, mais precisamente, sempre que o governo aumenta a relação dívida pública/PIB sem que a economia esteja desaquecida. O político populista pode levar o Estado a gastar mais do que arrecada e, nesse caso, temos o que chamamos de “populismo fiscal”. Ou o Estado-nação pode gastar mais do que arrecada, pode importar mais do que exporta, e teremos o

“populismo cambial”. No caso do populismo fiscal, o resultado é o déficit público e o aumento da dívida pública; no caso do populismo cambial, o déficit em conta corrente, as entradas de capital para financiá-lo, o aumento da dívida externa, a apreciação da taxa de câmbio e a substituição da poupança interna pela externa. As duas formas de populismo são independentes. Pode haver

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populismo político sem populismo econômico. Enquanto o populismo econômico é sempre negativo, o populismo político tem aspectos tanto negativos quanto positivos; depende da forma como for usado.iv

Em   síntese,   se   a   tendência   à   sobreapreciação   cíclica   da   taxa   de   câmbio   existente  nos  países  em  desenvolvimento  não  for  neutralizada,  ela  levará  o   país   ao   endividamento   externo   insustentável   e   à   crise   de   balanço   de   pagamentos.   A   teoria   econômica   convencional   argumenta   que   isto   era   verdade   quando   os   países   praticavam   câmbio   fixo,   tendo   deixado   de   ser   verdade   a   partir   do   momento   que   a   flutuação   cambial   passou   a   automaticamente  garantir  o  equilíbrio.  Sabemos,  porém,  que  isto  é  wishful  

thinking   ideológico.   Não   corresponde   à   realidade   das   sucessivas   crises  

financeiras  depois  da  liberalização  e  da  flutuação  cambial,  porque  ignora   que   os   mercados   financeiros   estão   sujeitos   a   bolhas   especulativas   “reflexivas”,  baseadas  em  profecias  auto  realizadas.v  Não  é  o  mercado,  mas  

são  as  crises  de  balanço  de  pagamentos  que  determinam  seus  ciclos.  Não   havendo   qualquer   política   de   administração   da   taxa   de   câmbio   que   neutralize  essa  tendência,  o  ciclo  começará  por  uma  crise  que  depreciará   de  forma  abrupta  e  violenta  a  taxa  de  câmbio.  Esta,  que,  quando  se  iniciou   o   ciclo,   estava   abaixo   do   “equilíbrio   corrente”   (que   equilibra   intertemporalmente  a  conta  corrente  do  país),  deprecia-­‐se  violentamente,   para,  em  seguida,  passar  a  se  apreciar  puxada  por  dois  fatores  estruturais:   primeiro,   a   doença   holandesa   a   leva   até   o   nível   de   equilíbrio   corrente,   e,   em  seguida,  os  fluxos  de  capitais  atraídos  pelas  taxas  de  lucro  e  de  juros.   As  taxas  de  juros,  que  já  tendem  a  ser  um  pouco  mais  elevadas  nos  países   em  desenvolvimento,    tornam-­‐se  mais  altas  devido  a  uma  série  de  políticas   equivocadas  visando  atrair  capitais  e  combater  a  inflação.  

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Sobreapreciação  crônica  

À   tendência   à   sobreapreciação   cíclica   da   taxa   de   câmbio   está   associada   uma   outra   consequência   da   doença   holandesa   não   neutralizada   e   das   entradas  de  capital  descontroladas:  a  sobreapreciação  crônica  da  taxa  de   câmbio  –  o  fato  que  na  maior  parte  do  tempo  a  taxa  de  câmbio  de  um  país   em   desenvolvimento   que   não   administra   sua   taxa   de   câmbio   está   sobreapreciada.  Conforme  podemos  ver  pela  Figura  13.1,  a  taxa  de  câmbio   média   que   resulta   do   ciclo   pelo   qual   ela   passa   é   uma   taxa   de   câmbio   necessariamente  sobreapreciada.  Senão  em  relação  ao  equilíbrio  corrente,   certamente   em   relação   ao   equilíbrio   que   realmente   importa:   o   equilíbrio   industrial.    

Ora,  no  momento  em  que  concluímos  que  a  taxa  de  câmbio  é  cronicamente   sobreapreciada   nos   países   em   desenvolvimento   se   deixada   por   conta   do   mercado,  o  problema  da  taxa  de  câmbio  passa  a  ser  um  problema  de  longo   prazo.  Deixa  assim  de  ser  apenas  um  problema  da  macroeconomia  e  das   políticas   de   estabilização   para   ser   também   um   problema   do   desenvolvimento   econômico.   Na   verdade,   passa   a   situar   no   centro,   no   coração   da   teoria   do   desenvolvimento   econômico.   Porque   uma   taxa   de   câmbio   competitiva   é   fundamental   para   o   desenvolvimento   econômico.   Uma   taxa   de   câmbio   competitiva,   no   equilíbrio   industrial,   coloca   todo   o   mercado   externo   à   disposição   das   empresas   nacionais   realmente   competentes   do   ponto   de   vista   administrativo   e   tecnológico.   Dado   o   progresso  técnico  em  curso  (a  variável  básica  do  crescimento  do  lado  da   oferta),   o   desenvolvimento   econômico   é   função   da   taxa   de   investimento.   Ora,   uma   taxa   de   câmbio   competitiva   estimula   os   investimentos   orientados   para   a   exportação   e   aumenta   correspondentemente   a   poupança   interna.   Estimula   os   investimentos   das   empresas   que   usam   tecnologia  no  estado  da  arte  mundial,  as  quais  não  seriam  competitivas  no   plano   internacional   se   a   taxa   de   câmbio   fosse   cronicamente   sobreapreciada.   Quando   o   nível   da   taxa   de   câmbio   corresponde   ao  

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“equilíbrio   industrial”,   toda   a   imensa   demanda   externa   é   aberta   para   as   empresas   realmente   competentes   que   usem   a   melhor   tecnologia   disponível  no  mundo.    

Em  sintese  

Em   síntese,   a   taxa   de   câmbio   nos   países   em   desenvolvimento   apresenta   uma   tendência   à   sobreapreciação   cíclica   e   crônica,   na   medida   em   que,   deixada   a   taxa   de   câmbio   livre,   ela   irá   de   crise   em   crise   de   balanço   de   pagamentos,  de  sudden  stop  em  sudden  stop.  No  momento  da  crise,  a  taxa   de  câmbio  se  deprecia  violentamente,  e,  em  seguida  ,  passa  a  se  apreciar   devido  a  duas  causas:  à  doença  holandesa,  que,  no  entanto,  apenas  a  puxa   até   o   equilíbrio   corrente,   e   às   entradas   excessivas   e   desnecessárias   de   capitais,  justificadas  equivocadamente  (a)  pela  tese  da  restrição  externa  e   pela  política  de  crescimento  com  poupança  externa,  (b)  pelo  uso  da  taxa  de   câmbio   para   controlar   a   inflação,   (c)   pela   política   de   nível   de   juros   alto   para  evitar  a  “repressão  financeira”,  e  (d)  pelo  populismo  cambial.  

Na   medida   em   que   a   taxa   de   câmbio   torna-­‐se   cronicamente   sobreapreciada,  e  que  uma  teoria  simples  e  clara  explica  o  fato,  a  taxa  de   câmbio   passa   afinal   a   ser   considerada   pela   teoria   do   desenvolvimento   econômico,  e,  mais  do  que  isto,  passa  a  ocupar  o  centro  dessa  teoria.  

i Lembrar que estruturalmente a taxa de juros é o preço que os capitalistas ativos ou

empresários pagam para usar o capital dos capitalistas inativos ou rentistas.

ii Os salários cresceram “artificialmente” porque seu aumento não decorreu nem de aumento

de produtividade nem de uma política deliberada de aumentar salários através de uma estratégia wage-led.

iii Nos anos 2000 esta afirmação coube especialmente para países como o Brasil e a Turquia.

Esta compreendeu este fato e iniciou um processo bem sucedido de redução da taxa de juros e correspondente depreciação cambial no final dessa década sem que a inflação aumentasse. O Brasil começou a seguir o exemplo turco em 2011.

iv Getúlio Vargas, por exemplo, foi um líder político que, em seus dois governos (1930-1945 e

1950-1954), utilizou o populismo político para ganhar legitimidade política em um país onde a brecha entre as elites e o povo era imensa e, graças a essa legitimidade, ter condições de promover a industrialização ou a revolução industrial nacional brasileira. Não recorreu ao populismo fiscal — manteve quase sempre rígida disciplina fiscal —, nem ao cambial, mantendo equilibradas as contas externas do país, mas conservou um contato direto com os

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trabalhadores urbanos e lhes concedeu uma série de benefícios reais que se concretizaram na Consolidação das Leis do Trabalho

v A análise canônica do comportamento reflexivo dos mercados financeiros foi feito por

Referências

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