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A atividade do planejamento: sentido social e político

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Academic year: 2021

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Planning activity: social and political sense

A atividade do planejamento: sentido social e político

La actividade de planificación: sentido social y político

ABSTRACT

This essay addresses the issue of planning, its rational, social and political

dimension. Its purpose is to show, in an exploratory way, the traditional

technocratic characteristic of the activity mentioned. And also, showing its

historical authoritarian propensity, thus giving on social and political dimension

guidance. In this direction, the idea of planning activity must not merely be an

instrumental character procedure, it must also involve the critical reflection,

attuned to the democratic values

.

RESUMO

Este ensaio aborda a temática do planejamento, sua dimensão racional, social e

política. Sua finalidade é problematizar, de modo exploratório, o caráter

tradicional tecnocrático desta atividade, bem como desvelar a sua propensão

historicamente autoritária e, deste modo, lançar luz sobre a sua dimensão social

e política. Nesta direção, sustenta-se a ideia de que a atividade do planejamento,

para além de ser um procedimento de caráter meramente instrumental, deve

envolver a reflexão crítica, sintonizada com os valores democráticos.

RESUMEN

Este ensayo aborda la temática de la planificación, su dimensión racional, social y

política. Su finalidad es problematizar, de modo exploratorio, el tradicional

carácter tecnocrático de esta actividad, con el objeto de develar su propensión

históricamente autoritaria y, de este modo, lanzar una luz sobre su dimensión

social y política. En esta dirección, se sustenta la idea de que la actividad de la

planificación, más allá de ser un procedimiento de carácter meramente

instrumental, debe envolver una reflexión crítica, sintonizada con los valores

democráticos.

Bruno Peres Freitas¹

¹Assistente Social. Docente do Curso de Serviço Social. Doutor em Serviço Social – PUC-Rio. Centro Universitário Redentor – UniREDENTOR. Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro – Brasil. E-mail: peres35@yahoo.com.br

Descriptors Planning. Politics. Ethics.

Descritores Planejamento. Política. Ética. Descriptores Planificación. Política. Ética.

Sources of funding: No Conflict of interest: No

Date of first submission: 2018-02-03 Accepted: 2018-02-07

Publishing: 2018-06-15

Corresponding Address Bruno Peres Freitas

UniREDENTOR – Centro Universitário Redentor

Coordenação de Serviço Social R. Dr. Beda, 112.

Bairro Parque Rosário Rio de Janeiro - RJ CEP 28025-110 Tel: (21) 980841744

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INTRODUÇÃO

Planejar é inerente ao desenvolvimento da racionalidade humana, tendo em vista que é uma atividade

que confere, exclusivamente aos homens, a qualidade de prever, antecipar, idealizar ou projetar a realidade. Considera-se, por esta perspectiva, que o ato de planejar corresponde à universalidade do gênero humano, pois só os homens são capazes de vislumbrar um futuro ideal por meio de uma intervenção ativa no presente. Estes planejam desde as atividades mais simples e rotineiras do cotidiano, até as atividades mais complexas que constroem, desconstroem e reconstroem o mundo social no qual vivem e se relacionam. Assim, mulheres e homens criam e recriam um mundo artificial que se sobrepõe ao mundo natural, ou seja, acrescentam algo de novo ao mundo já dado. Erguem, pela racionalidade, pela coordenação do esforço humano individual e coletivo, um mundo material e simbólico que os possibilita ultrapassar a atitude natural do cotidiano e as concepções de “acaso” e “destino”. Em linhas gerais, compreende-se que planejar é um processo sistemático e inteligível, requerendo um “método” (do grego:

“méthodes”: “metá” = reflexão, raciocínio + “hódos” = caminho, direção). Deste modo, planejar envolve o traçar

de um caminho que permitirá chegar a um determinado

fim, sempre inacabado, sujeito, pela capacidade da reflexão e da avaliação constante, a novas descobertas e revisões, a um recomeço.

No empreendimento da atividade do planejamento, pela qualidade reflexiva, são empreendidas inter-relações entre os acontecimentos, bem como são estabelecidos objetivos em relação ao futuro, ou seja, um conjunto de decisões que possam levar ao alcance daquilo que se deseja. Se o objetivo é chegar a algum lugar, ou, por exemplo, a algum estilo de sociedade, então, antes, será preciso conhecer a realidade, tomar um caminho, eleger os meios possíveis, analisar as melhores condições e as melhores ações a serem afirmadas para conduzir ao ideal desejado. Sempre que os homens articulam condições,

meios e finalidades, estes estão planejando. Este processo

é possível graças ao fato de que, mesmo diante da objetividade do real, somos capazes de afirmar a nossa

vontade individual e coletiva, vislumbrando assim um

horizonte humano possível. Noutras palavras, somos seres

que, ao realizarmos as mediações entre as condições objetivas da realidade e as possibilidades subjetivas da ação para a transformação desta mesma realidade, podemos produzir a nossa própria liberdade. Deste modo, é possível assinalar que o homem é um ser ético, ou seja, que pode criar uma realidade que é expressão do seu próprio querer, do seu posicionamento e responsabilidade

(individual e coletivo) político frente ao mundo no qual está situado e se relaciona com os outros.

Nesta perspectiva, o presente artigo tem por objetivo discutir o ato do planejamento como essencialmente social e político, tendo em vista que este, no contexto de uma sociedade democrática, envolve, necessariamente, processos decisórios no contexto de uma pluralidade de sujeitos, exigindo, portanto, na sua condução, a manifestação de dissensos e diálogos inerentes aos contextos democráticos e ao aprendizado da cidadania. Inicialmente, salienta-se o caráter intencional do planejamento, marcado pela condição racional, valorativa e social dos homens. Em seguida, discute-se o significado ético e político implicado no ato de planejar, empreendendo-se uma crítica acerca da tradição tecnocrática, a qual historicamente caracteriza esta atividade humana. Por fim, tecem-se algumas considerações, ressaltando-se a relevância de referenciar teoricamente e orientar a atividade do planejamento por princípios democráticos, para evitar, assim, a sua subordinação à perspectiva despolitizadora, reificadora da técnica.

PLANEJAMENTO: ATIVIDADE INTENSIONAL

A capacidade humana de conduzir a vida pelo poder da ação é bem ilustrada em uma marcante passagem da famosa obra literária “Alice no país das maravilhas” (1865), escrita pelo romancista, poeta e matemático britânico Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898). Em uma passagem da história, a personagem Alice encontra-se perdida e se depara com o Gato em cima de uma árvore. Neste encontro, Alice dirige-se a este, e daí nasce o seguinte diálogo: – O senhor pode me ajudar? Diz Alice. O gato prontifica-se a ajudá-la, e Alice indaga: – Que direção

devo seguir para sair daqui? O Gato então responde: – Isso depende bastante de para onde você quer ir. Alice,

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confusa, diz: – Eu não sei, estou perdida! Então o gato responde: – Para quem não sabe para onde vai, qualquer

caminho serve. Este simples e breve diálogo entre as

personagens mostra que, ao ter aberto mão da escolha por não ter a clareza de onde desejava chegar, Alice acaba por anular a condição de protagonista de sua própria história, aceitando, deste modo, ser conduzida “a qualquer

destino”. Inevitável não se lembrar das palavras de Sartre

(1973, p. 23), quando afirmou: “A escolha é possível num

sentido, mas o que não é possível é não escolher”. Ao

abrir-se mão da escolha, estar-abrir-se, por conabrir-sequência, abrindo-abrir-se mão da liberdade! O homem está condenado a ser livre, ou seja, a decidir, compreendeu o filósofo francês.

Infere-se, então, que na sociedade moderna os homens planejam para não ficarem a mercê da mera improvisação. Quando conduzem, de modo individual e compartilhado, o processo de racionalidade e de autodeterminação, evitam que esta tarefa fique a cargo de terceiro, os quais, podem se beneficiar, mantendo o poder de escolha centralizado e, por conseguinte, as relações de mando-obediência banalizadas e inalteradas. Daí a compreensão fundamental do ato de planejar como essencialmente político, aspecto este a ser explorado ao longo deste breve ensaio.

O ato de decidir indica que os homens são os únicos seres capazes de estabelecer finalidades. Este é um ponto importante para atingir a compreensão crítica da atividade do planejamento. Os homens são capazes de agir pensando, definir objetivos, antecipar os resultados da sua ação na mente e, deste modo, imprimir um rumo desejado às coisas. Contudo, eles não apenas lançam mão de meios ou técnicas para se sobrepor à realidade natural, mas, nas mediações que realizam com o seu trabalho, adéquam estes meios a uma determina finalidade, a um valor, expressão da sua vontade. Esta capacidade humana Marx denominou teleologia (do grego: telos = finalidade + logia

= estudo). Em seu clássico exemplo, ilustrado na obra “O

Capital” (1818-1833), ele compara a atividade das abelhas, ao construir uma colméia, com o trabalho de um arquiteto ao construir uma casa. Marx mostra com este simples exemplo, que uma abelha executa operações similares a do

1 Entrevista: “Gestão escolar democrática”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7z-Ou401Sl0. Acessado em: 13/09/2017.

tecelão, sendo superior a um arquiteto na construção de sua colméia. Entretanto, conforme observou, a marca distintiva entre a abelha e o homem arquiteto – mesmo que este último possa enfrentar muitas limitações na execução de suas tarefas – é que ele figura orientado por determinadas finalidades no plano ideal – ou seja, na mente – a sua construção, antes de torná-la realidade. Com esta ilustração, Marx nos leva ao entendimento de que os homens possuem algo essencialmente diferente. Ao criar uma finalidade, os homens são capazes de concretizar no fim do processo de trabalho aquilo que haviam idealizado, ou seja, um resultado que haviam almejado alcançar com a organização do seu trabalho. Por isso, o gênero humano é capaz de submeter à natureza aos fins determinados, de acordo com a satisfação de suas necessidades. Num movimento dialético, transformam a natureza segundo sua vontade e, também, transformando-se neste processo. Noutras palavras, os homens quando trabalham coletivamente transformam não apenas a natureza, mas a sua própria condição humana. Marx evidencia, pois, a existência de um elemento teleológico consciente, exclusivo da condição humana.

Em síntese, compreende-se que o planejamento é uma atividade universal do homem (BARBOSA, 1991), na medida em que o qualifica e o distingue como ser racional e social. Nesta perspectiva, os homens, para além do mero “viver” em um mundo “natural”, aprisionados às necessidades biológicas, são capazes de construir um mundo artificial que se ergue e se transforma pelo domínio do conhecimento. Neste sentido, o planejamento enquanto atividade essencialmente humana se inscreve na condição do homo faber, ou seja, o homem que transforma a realidade se orientado pelas categorias de meios e fins (ARENDT, 2007). Pela capacidade teleológica o home torna-se autor da história, diferindo-se dos outros animais que apenas a sofrem. Conforme corrobora o Professor Vicente Henrique Paro1: “O homem é o único ser que se

pronuncia diante do real”. Ou seja, o homem é um ser que “se produz a si mesmo”, diferenciando-se pela sua

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Luckesi (2002, p. 115), ao tratar o planejamento como atividade que envolve a intencionalidade da ação humana, ressalta que

O agir que articula fins e meios parece ser a maneira mais consistente do agir humano, desde que, por seu modo de ser historicamente construído, o homem não se contenta com uma forma "natural" de ser; ao contrário, tem necessidade de modificar o meio para satisfazer suas necessidades. Os animais em geral "convivem" com o meio ambiente como ele é; o ser humano é irrequieto e, por isso, cria-o e recria-o permanentemente para transformá-lo no seu ambiente. O que quer dizer que o ser humano se caracteriza por ser ativo e que, ao construir o seu mundo, constrói a si mesmo. Somos, individual e coletivamente, aquilo que nós construímos.

Apoiando-se no pensamento de Engels, o referido autor enfatiza ainda que, o agir humano não apenas transforma a natureza, mas seus efeitos determinam também o mundo social.

O ser humano interfere no meio ambiente não só devido ao fato de nele estar presente, mas sim em função de modificá-lo para buscar a satisfação de suas necessidades [...] ao mesmo tempo em que constrói o seu mundo, constrói-se a si mesmo com as características do mundo que construiu. A ação sobre o mundo externo nos configura a esse mundo (idem, p.116).

Pode-se agir aleatoriamente, quer dizer, sem se ter clareza dos objetivos que se quer atingir. Contudo, por esta via, corre-se o risco de se conformar a uma visão ingênua ou fatalista da realidade, que não deixa obviamente de ter sérias implicações de natureza social e política. A ação revestida de um conteúdo guiado por uma intencionalidade significa que toda intervenção humana na realidade tem uma qualidade valorativa, ética e política. À dimensão racional do planejamento agrega-se a sua condição social, visto que as tomadas de decisão no contexto de uma determinada sociedade sempre envolvem a construção de um futuro coletivo. Embora possa agir individualmente, o homem é sempre um ser social. Ele depende de outros homens, com os quais entra em constantes negociações e cooperações para a construção de um mundo material, de significados e rumos dados à existência compartilhada. Nesta perspectiva, compreende-se, assim como mostrou Aristóteles, que o homem é um

animal político por natureza, dotado de razão e capaz da

ação e do discurso no contexto da vida compartilhada. Aristóteles (Política, Livro I, 2010, p. 57), referindo-se a

vida na cidade, considera que: “O homem que não

consegue viver em sociedade, ou não necessita viver nela porque se basta a si mesmo, não faz parte da Cidade; por conseguinte, deve ser uma besta ou um deus”. A partir

desta citação, vê-se que, na antiguidade, a participação na vida da cidade – a vida política – era condição para existência humana. Conforme corrobora o pensamento da filósofa Hannah Arendt (2007), a condição humana requer o espaço da política, ou seja, o espaço da participação cidadã na esfera pública, cuja manutenção possibilita, pela condição da ação e do discurso da pluralidade de sujeitos, tratar daqueles assuntos que “nos dizem respeito em

sociedade”. A política, para essa pensadora, é concebida

como “aquilo que diz respeito à coexistência e associação de homens plurais [...] A política surge entre os homens” (ARENDT, 2007, p. 144-146). Assim, compreende-se que planejar enquanto uma atividade social requer pensar sobre o exercício da cidadania no âmbito de uma “esfera pública” capaz de criar uma realidade compartilhada, na qual os homens podem inserir-se por palavras e ações, em contraposição ao autoritarismo. Compreende-se que, ao constituir-se como um exercício de decisão, de expressão da vontade individual e coletiva, a atividade do planejamento demanda um domínio no qual os sujeitos possam publicizar os seus pontos de vista, ao mesmo tempo em que entram em contato com os diversos pontos de vista existentes na comunidade política que co-habitam.

Neste sentido, a capacidade humana de projetar, conferindo sentido teleológico à prática, articulada a necessidade de manutenção de determinada existência social coletiva na arena política, sugere algumas pistas sobre a qualidade social e política da atividade do planejamento, preocupação central deste breve ensaio.

DESOCULTANDO A DIMENSÃO POLÍTICA DO

PLANEJAMENTO

É preciso clarificar que o ato de projetar é sempre orientado por determinados valores, mesmo que, nem sempre, estes sejam conscientes para o agente que projeta e para a sociedade em geral. Decorre daí a compreensão de que, conforme os valores e princípios que se elegem, constrói-se um determinado tipo de projeto, que resultará, por conseguinte, na manutenção ou transformação de um

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determinado tipo de sociedade. Conforme assinala Luckesi (2002, p. 117), [...] “nossa ação, seja ela no nível macro, seja no micro, é política; ela está comprometida com uma perspectiva de construção da sociedade”.

Neste sentido, um primeiro passo para apreensão do significado político do planejamento é desmistificar a ideia, historicamente enraizada nas instituições, de que planejar é apenas uma atividade técnico-operativa neutra, que se justifica por si mesma. Planejar, para além de ser uma atividade de caráter meramente instrumental, é um fenômeno sócio-histórico e, portanto, político. Quem planeja o faz sempre orientado por determinada visão de homem-mundo, pelo fundamento teórico, pelos princípios éticos e projeto de sociedade que elege e afirma. Estes aspectos são os conteúdos históricos da atividade do planejamento, ajudando, assim, a desocultar a concepção conservadora que, ao ignorar o conjunto de suas determinações sociais, culturais e econômicas, o apresenta de modo reducionista como “bom domínio da técnica” para a busca da “eficiência”.

Salvo algumas contribuições críticas de estudiosos que se dedicaram ao debate acerca da dimensão social e política do planejamento, seus significados, determinações e efeitos (DEMO, 1988; LUCKESI, 2002, GANDIN, 2001), percebe-se que, ainda hoje, são hegemônicas as produções teórico-ideológicas, em diversos ramos do conhecimento, que apresentam a atividade do planejamento como um saber técnico para obter resultados “eficientes”. Em tal perspectiva, empregam-se modelos e roteiros técnicos sofisticados e despreza-se o significado ético e político da ação que está sendo planejada. Cultua-se, deste modo, o “primor” técnico sem que se discutam as determinações e significados de termos de caráter tecnocrático, tais como, por exemplo, “impacto”, “qualidade total”, “eficácia”, “eficiência” e suas relações com a dinâmica político-social da sociedade contemporânea. Diante deste quadro, assinala-se que os desafios relativos às planificações continuam sendo:

 De que modo pode-se articular, permanentemente, a dimensão técnica (meios) do planejamento à finalidade ético-política de construção de uma sociedade radicalmente

democrática?

Como clarificar, no cotidiano de práticas

profissionais que tende ao ritmo burocratizado

das instituições, que o planejamento não tem um

fim em si mesmo, não se resume à aplicação de modelos eficientes, tão menos se reduz ao mero aperfeiçoamento técnico na busca por

resultados, mas, ao contrário, envolve sempre o refletir sobre os condicionantes, os objetivos e conseqüências desta atividade para a vida coletiva? Compreensão que aponta para a

dimensão valorativa e para o posicionamento ético de que “a eficiência não pode ser buscada

a qualquer preço”.

 Como, em uma sociedade historicamente

autoritária como a brasileira, na qual se valoriza

a administração eficiente e utilitária – onde setores populares foram (e ainda são) tratados como amostras estatísticas, num contexto de crescente burocratização da vida, destituídos da possibilidade de comunicar seus valores e tomar

decisões – é possível experiências de planejamento como produção e socialização de conhecimento, debate e tomada de decisão coletiva?

O homem é um ser social e político, sua existência se dá circunscrita entre pares, orientada por valores sociais, os quais, de modo consciente ou não, determinam a sua busca por finalidades. Os meios que os homens empregam para intervir na realidade não se justificam por si mesmos, mas articulam-se sempre à dimensão política da vida social. Deste modo, compreende-se que a dimensão técnica da atividade de planejar precisa estar sempre referenciada por uma orientação ético-política finalística. Os meios delineiam-se e se revestem de significado a partir do horizonte político que se deseja atingir. Daí a importância não apenas da competência do “como” planejar (meios), mas, sobretudo, da consciência política que se deve ter acerca do “por que”, “para que” e do “em

favor de quem” se planeja (finalidades). Conforme assinala

Luckesi (2002, p. 118):

O ato de planejar, como todos os outros atos humanos, implica escolha e, por isso, está assentado numa opção axiológica. É uma "atividade-meio", que subsidia o ser humano no encaminhamento de suas ações e na obtenção de resultados desejados, e, portanto, orientada por

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um fim. O ato de planejar se assenta em opções filosófico-políticas; são elas que estabelecem os fins de uma determinada ação. E esses fins podem ocupar um lugar tanto no nível macro como no nível mico da sociedade. Situe-se onde se situar, ele é um ato axiologicamente comprometido.

No contexto histórico da sociedade moderna, o planejamento assume propósitos políticos de natureza autoritária, embora grupos, instituições e governos o tenham, ao longo da história, apresentado como fundamento de ordem tecnocrática e neutra para a resolução de questões econômicas e sociais, ocultando, deste modo, a dimensão da sua intencionalidade política. Nesta orientação autoritária, a tomada de decisões (de qualidade eminentemente política) é apresentada em condição de subordinação à dimensão técnico-administrativa, obscurecendo-se nesta visão, a natureza das relações de poder implicadas nos processos de construção de planificações. Escamoteiam-se, por esta via, os determinantes políticos do planejamento, ou seja, a

quais finalidades ele persegue? E mais: em quais condições políticas as finalidades perseguidas são definidas?

Demo (1988) observa que historicamente o planejamento reveste-se de forte propensão tecnocrática, sistêmica e impositiva. Conforme assinala o referido autor, a propensão tecnocrática é marcada pelo “poder do técnico” que influência “fluxos e recursos, construção de planos e programas, formas de avaliação e acompanhamento, em nome de um Estado, que pode ser mais ou menos autoritário” (p. 42). Trata-se do planejamento restrito aos interesses de um grupo particularizado, o dos tecnocratas. Sua característica é marcada pela distinção entre trabalho intelectual e manual, entre os que pensam e os que executam e entre os que mandam e os que cumprem ordens. A propensão sistêmica do planejamento, de acordo com o referido autor, diz respeito à tendência de não supor a superação do sistema em questão. Conforme assinala: “propõem-se mudanças dentro do sistema, mas não do sistema” (p. 43). Por fim, a dimensão impositiva diz respeito à ideia de que, a partir do planejamento, podem-se dominar os rumos da história, quer dizer, “precisamente, acredita-se que a história pode ser feita, sob influência planejada, lançando mão de expedientes ditos racionais, a começar pela contribuição científica” (p. 44).

Não se pode esquecer que o berço do planejamento, enquanto atividade de cunho técnico-científico, é o da administração industrial, que desponta no começo do século XX como forma de sistematização de um conhecimento voltado à previsão e organização da produção empresarial, objetivando a eficiência do trabalho coletivo para a obtenção de lucro. Na administração científica está em pauta a produção de conhecimento para servir a finalidade da eficácia e da eficiência da produção e do consumo. No campo do conhecimento científico, destacam-se inicialmente teóricos como, Frederick Taylor (1856-1915) e Henri Fayol (1841-1925), os quais apresentam a administração numa linha mecânica, fundada na abordagem burocrática dos processos (CHIAVENATO, 1999). Estes postulam uma série de princípios e conceitos que se fundamentam na aparente neutralidade das decisões, visto que a ênfase recai no estabelecimento de rotinas, padronização de critérios e afirmação de hierarquias e controles administrativos. Taylor é considerado o fundador da administração científica, cuja preocupação era aumentar a eficiência da indústria, estabelecendo meios de racionalização do trabalho para o aumento da produtividade no nível operacional. Fayol, um dos teóricos fundadores da teoria clássica da administração, concebe o planejamento como previsão do futuro. De acordo com a sua abordagem, o planejamento passa a integrar as funções administrativas de “organização”, “comando”, “coordenação” e “controle”, numa perspectiva de estabelecimento de normas para gerenciar a operacionalização de tarefas e, desta forma, alcançar o ideal da máxima eficiência do desempenho organizacional. Ambos, de acordo com Ferreira et. al. (2006), situam-se na abordagem estrutural ou mecânica da administração, condicionando uma visão técnico-burocrática dos processos de gestão, destacando-se como principais características:

[...] visão mecanicista das pessoas, exigência de comportamento mecânico, com consequências para a saúde em especial do operário; superespecialização na realização das tarefas que eram sempre as mesmas as quais consistiam em apenas uma parte do processo, não possibilitando a visão do resultado final e do processo como um todo; separação entre quem pensa e quem executa (chefia e operariado); modelos generalizantes sem que se leve em conta as características singulares das organizações ou as influências do contexto sócio econômico e político externos à organização, mas que influenciam nos processos internos e na relação que essa

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organização mantém com a sociedade (idem, 2006, p.62-65).

Observa-se, assim, que a atividade do planejamento, embora apresentada, de modo geral, no campo da administração científica como conhecimento de cunho técnico-operativo para o alcance de objetivos de ordem econômica, esteve sempre movido pela ideologia empresarial, com a finalidade de racionalizar e potencializar a produtividade do trabalho coletivo como condição para a produção e reprodução da ordem societária capitalista.

Desta tradição do conhecimento administrativo resulta a herança da concepção do planejamento como uma sucessão de etapas tecnicamente conceituadas, que se articulam para antecipar os riscos e atingir resultados eficientes. É possível desvelar que, neste tipo de abordagem linear, foca-se mais na produtividade e menos na reflexão sobre as finalidades ético-políticas do ato de planejar. Esta perspectiva etapista, muito presente ainda hoje nos manuais inteiramente alheios à análise histórica e aos princípios valorativos democráticos, oculta as mediações que articulam diversos e complexos níveis de poder que atravessam a sociedade, as instituições e os grupos. Vale ressaltar que, conforme enfatiza Luckesi (2002, p. 118): “a atividade de planejar, sem que se esteja atento aos seus significados ideológicos, é um modo de resguardar o ‘modelo de sociedade’ ao qual serve esse planejamento. Ou seja, é uma forma de escamotear a realidade, por não a questionar”.

Deste modo, tal perspectiva voltada para “eficientização” das ações, colabora para despolitizar os processos de planejamento, não só por ocultar as suas finalidades ideológicas, mas também por disseminar a ideia de que pensar/racionalizar é uma atividade autorizada apenas aos especialistas. Deriva daí a propensão tecnocrática do planejamento, caracterizada pela dicotomia entre técnicos planejadores e os sujeitos que sofrem a ação da planificação.

Os primeiros sustentam o seu poder de decisão centralizado, através do “discurso do saber competente”, conforme desvelou Chauí (1981), o discurso institucionalmente permitido pelas instâncias burocráticas, ou noutras palavras, o discurso do administrador burocrata que oculta e naturaliza as relações de poder. Já aos

segundos, desprovidos de qualquer autoridade técnica, resta apenas confiar e obedecer. Nesta perspectiva, é recorrente o caráter impositivo do planejamento que, reclamando a superioridade do saber especializado, tende a anular a opinião da população na construção de planificações no âmbito de governos e instituições. Neste sentido, ressalta Freitas (2016, p. 06):

Na perspectiva técnico-burocrática do planejamento, este se afirma pela lógica da mera eficiência e do alcance de metas, num contexto de ocultamento das contradições, antagonismos e pluralidades. Nesta lógica, o mais importante é cumprir com as formas de ação pré-traçadas por governos e instituições, anulando-se qualquer distribuição de poder para além da organização das hierarquias.

É certo que planejar requer qualidade técnica, contudo não há como negar que, enquanto um processo de natureza social e política, envolve sempre a negociação em torno de significados acerca do que diferentes classes e grupos sociais desejam.

Compreende-se, assim, com as breves reflexões até aqui empreendidas e, longe de serem esgotadas, que planejar não é um método neutro de “eficientização” da ação. Planejar – enquanto atividade de qualidade social e política – requer permanente diálogo entre indivíduos e grupos de diferentes realidades e universos ideoculturais. Isto implica reconhecer que planejar não pode se das fora das relações de poder.

Compreende-se que, reduzido a um processo meramente burocrático, de glorificação dos manuais técnicos, e sem referência à natureza valorativa, o planejamento torna-se um mecanismo de conservação e aprofundamento de assimetrias sociais históricas. Sem um debate crítico sobre suas finalidades éticas e políticas, este seguirá historicamente cumprindo, pela manutenção do mito da neutralidade, com a anulação dos espaços políticos, de diálogo coletivo e plural. Assim, acredita-se que adensar o debate sobre o sentido social e político da atividade do planejamento é, na hodiernidade, um desafio necessário para alcançar um horizonte mais democrático.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estamos situados numa época de grandes paradoxos, de expansão sem precedentes da tecnologia e da comunicação virtual, porém de expressiva mecanização da vida. Os manuais e a padronização da ação profissional pautada num saber utilitário se expandem, e a capacidade do pensamento autônomo se estreita e empobrece. Conforme evidenciou a pensadora do século XX Hannah Arendt, no conjunto de sua obra, o pensamento da ciência moderna foi capaz de estabelecer suas próprias leis e controlar com “eficácia” a vida, norteado-se pelo intento do progresso, entretanto este se mostrou incapaz de atender às necessidades cotidianas e solucionar conflitos políticos. Neste sentido, observa a referida pensadora em “Sobre a Violência” (1994, p. 62):

Por causa da enorme eficácia do trabalho de equipe nas ciências, o que talvez seja a mais evidente contribuição norte americana para a ciência moderna, podemos controlar os processos mais complicados com uma precisão que faz com que viagens à Lua sejam menos perigosas que simples excursões de fim de semana; mas o poder supostamente “maior sobre a Terra” é impotente para acabar com uma guerra em um dos menores países do planeta, que é claramente desastrosa para todos os envolvidos.

Nesta perspectiva, é premente que a atividade do planejamento, circunscrita a uma relevância pública, seja conduzida por sujeitos comprometidos com a democratização da sociedade. Sabe-se que as condições objetivas para a consecução de um planejamento orientado por princípios democráticos, na atual conjuntura social e política, são restritas. Contudo, acredita-se que, nos limites da condição social presente, é possível, pela capacidade de garantir os espaços de diálogo entre os diferentes, um planejamento de natureza mais democrática.

Compreende-se que o planejamento enquanto atividade racional, social e política é tarefa eminentemente humana, e, portanto, indica que o conhecimento e a prática social devem se articular permanentemente, sendo postos a serviço da coletividade. Deste modo, atinge-se a reflexão fundamental de que, embora o aprimoramento técnico seja indispensável à realização de tal atividade, a racionalidade não pode limitar-se a um conjunto de instrumentos, sem que se

explicite a finalidade democrática que se deseja alcançar e aprofundar.

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Referências

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