Identificação ML05 Duração da entrevista 26:07 Data da entrevista 20-09-2012 Ano de nascimento (Idade) 1942 (70) Local de
nascimento/residência Portimão/ Lisboa Grau de escolaridade mais
elevado Bacharelato
Estado civil Casada
Filhos 2
Local da entrevista Local público
Comentários - Veio para Lisboa aos 23 anos - Na resposta à P3 volta atrás à P1 1
P1 (1:07) 2
E: e podemos começar com a primeira pergunta. ã: acho que existe consenso em 3
relação ao facto de[:] a vida, no mundo, em geral, mas se calhar em particular aqui em 4
portugal ter mudado bastante nos ultimos trinta anos. digamos. ã: na maneira como as 5
pessoas vivem, como se relacionam, onde vivem, não é? ã: em termos de tecnologia, 6
há muita coisa que mudou. acha que a vida das mulheres mudou também? 7
ML05: (.) mudou, sem duvida. (hum) mudou bastante. mudou bastante embora ainda 8
esteja longe daquilo que é desejável, eu acho. (E: é?) mudou bastante, por exemplo, 9
posso-lhe falar de várias visões que eu tenho dessa mudança. eu era professora, 10
antes do vinte cinco de abril, com algum[:] desagrado em muitas coisas que[:] 11
aconteciam em muitas organizações de escolas em muitas matérias que eu tinha que 12
dar forçosamente seguindo aquele livro que às vezes eu odiava, [riso] (hum) depois do 13
vinte cinco de abril foi assim uma porta que se abriu que também mudei de escola, 14
não é? (hum) e[:] fui para escolas, nomeadamente dos olivais onde sempre vivi, e: que 15
percebi que as pessoas que estavam noutra, que eu era mais livre, que eu podia 16
aderir a projetos, que eu podia fazer coisas diferentes. (hum) isso aí modificou-me 17
muito como professora. (hum) posso dizer que até me modificou como mulher, como 18
mãe, como toda a minha vida. (hum) a minha vida teve uma transformação a parti daí. 19
E: hum, e disse que há muita coisa que ainda está longe do[:] //desejável\ 20
ML05: /acho\\ porque sim,
21
porque no fundo[2:] as mulheres por mais que amem os maridos e que amem-- 22
adorem os filhos e que estejam muito ligadas à vida familiar, às vezes há coisas que 23
gostavam de fazer e que é impossível. (hum) quer dizer não-- sentem como[:] que 24
uma-- não[:] é uma pressão, é uma obrigação. de não saltar de certas (hum) barreiras 25
para fazer coisas, que gostava. (hum) eu digo isto porque eu tenho muita necessidade 26
de escrever e de pintar e às vezes isso é quase impossível de realizar. (hum) pela 27
força do-- dos ã: dos trabalhos do dia-a-dia das minhas obrigações, mesmo agora 28
depois de reformada. (hum) em cons-- consigo encontrar poucos espaços para essas 29
coisas. (hum) às vezes também penso que gostava de frequentar um ou outro curso 30
pequeno, (hum) para aperfeiçoar essas minhas-- e sei de muita gente que tem o 31
mesmo problema. (hum) sim. (hum) e depois sei de outras que[:] eu acho que são 32
infelizes toda a vida. (hum) falando das mulheres que eu conheço em geral, 33
professoras principalmente, com quem contactei, (hum) as pessoas foram bastante 34
infelizes. (E: ok) foram. foram bastante infelizes. mal compreendidas, casamentos 35
frustrados, (E: hum, sim) filhos mal sucedidos, filhos com graves problemas, (hum) 36
pronto. quer dizer, a mudança houve, mas também houve uma mudança para estas 37
coisas que foi pior do que acontecia antes. (hum) antes era tudo muito fechado, muito 38
apertado, mas depois abriu-se este leque de coisas e de experiências para os jovens 39
(hum) que fez com que a vida das mulheres também se tornasse mais complicada 40
apesar de mais-- 41
E: hum //mais livre mas mais[2:] complicada ao mesmo tempo, sim.\ 42
ML05: /mais aberta mais livre mas também mais sofrida.\\ mas de qualquer maneira 43
liberdade é sempre bom. (hum) e a evolução é sempre boa. 44
E: sim. e quando olhar, por exemplo para a vida da sua filha. ã: acha que a vida da 45
sua filha é mui-- enquanto mulher, é muito diferente da sua? 46
ML05: é. é diferente. (hum) é diferente, porque para já é diferente porque ela não teve 47
filhos. (hum) e[:] é uma coisa que me penaliza muito, (hum) e portanto ela teve uma 48
gravi-- uma gravidez mal sucedida, que nos deu a todos um grande sofrimento, e eu 49
acho que a partir daí eu fiquei diferente, fiquei (hum) uma pessoa mais-- um bocadinho 50
mais triste. embora faça por superar, mas (hum) cá no fundo de mim está aquela dor 51
sempre. (hum) e a vida dela eu[:] tenho muita pena porque eu acho que uma pessoa 52
só se realiza inteiramente tendo os filhos. (hum) na minha opinião. (hum) no criar dos 53
fi-- para já eles nascem, e é um-- uma sensação de que alguma coisa espantosa nos 54
aconteceu, a vida muda toda radicalmente, (hum) a gente passa a formar assim um[:] 55
conjunto de pessoas que é uma só. não é? (hum) nós o marido e a filha que nasceu e 56
o filho que nasceu porque eu tenho dois, (hum) é assim uma coisa maravilhosa. e que 57
a minha filha não[:] vai experimentar. (hum) com certeza. (hum) para além disso acho 58
a vida dela ótima. (hum) sabe que eu ã: quando ela era professora, por aí, antes dela 59
ser professora de história, eu tive formações aqui no museu. (hum) depois do vinte 60
cinco de abril lá está, (hum) com a minha escola, viémos ao longo dos anos a várias 61
formações aqui. eu dizia assim “ai que sítio maravilhoso para a minha filha trabalhar.” 62
(E: [riso]) [riso] que ela já andava em história. (hum) “ai que sítio tão bom pa-- oh 63
[FL05] que sítio para tu trabalhares.” então não é que por coincidência aconteceu ao 64
fim de alguns anos ela ter oportunidade de vir para aqui (hum) e veio. (hum) eu acho 65
que ela está muito bem enquadrada neste[:] trabalho, acho que ela se deve sentir 66
bem, eu acho ótimo, já tenho vindo a muitas visitas dela, (hum) e gosto muito de-- vejo 67
um bocadinho nesta maneira de ela explicar as coisas às pessoas ou aos jovens aos 68
miúdos, (hum) fez-me o retrato de mim na escola. (hum) portanto ela tem tendência 69
para explicar. eu acho que ela (hum) tem. aquela tem-- (E: tem jeito) eu encontro 70
dentro de mim aquilo que ela tem eu vejo um bocadinho o reflexo daquilo que eu 71
tenho. (hum) que eu tinha. [riso] 72
E: que bom. isso é bom. 73
ML05: é (E: ok) eu gosto muito. 74
75
P2 (7:27) 76
E: ã: acha que existe-- hoje em dia existe igualdade entre homens e mulheres? 77
ML05: penso que nunca existirá. (E: não?) não. 78
E: porquê? 79
ML05: não, a cabeça de um homem é[:] muito diferente de uma mulher. (E: é?) a 80
mulher é só sensibilidade à flor da pele é só afeto é só emoção, (hum) um homem é 81
mais hum como é que eu hei-de dizer. mais um bocadinho mais egoísta, mais prático, 82
mais ã: (hum) mais prático. divide as coisas em compartimen-- pelo menos eu, não é? 83
(E: [riso]) divido as coisas em compartimentos “isto é assim porque tem que ser assim 84
assim ali é ali, ” e uma mulher é um bocado diferente. (hum) é. 85
E: isso faz com que em alguns aspetos nunca haverá igualdade por 86
//exemplo em que[2:] aspetos\ 87
ML05: /não nunca haverá nem no trabalho\\ nem familiarmente nunca haverá 88
igualdade, porque são dois seres diferentes! (hum) mas não quer dizer que o convívio 89
não seja perfeito, nos trabalhos não sei, (hum) no-- quando eu era professora as 90
mulheres é que imperavam, porque havia um ou dois professores e o resto era tudo 91
mulheres (hum) num trabalho em que há muitos homens e muitas mulheres não faço 92
ideia. mas penso que seja relativamente pacífico e semelhante. (hum) mas eu-- a 93
igualdade nunca existirá. (hum) quer dizer, agora o que-- uma coisa é a igualdade dos 94
seres. outra coisa é o tratamento que se dá. e sabe-se que em muitas empresas em 95
muitos sítios as mulheres são ainda discriminadas com salários mais baixos, (hum) e 96
não sei quê, (hum) porque os homens merecem mais. continua esta mentalidade. 97
(hum) sabe que sim. (E: sim[:] hum) [riso] (E: ok) que eu discordo completamente. 98
E: sim, claro, como mulher só se pode (ML05: pois) discordar. (ML05: discordar). não 99
é? 100
P3 (9:10) 102 […] 103 104 (volta atrás à P1) 105
ML05: ah mas aí atrás (E: diga) se calhar houve qualquer coisa que me falhou. por 106
exemplo, se eu pensar como disse que as mulheres hoje são muito diferentes de há 107
trinta anos atrás, (hum) eu agora lembrei-me que não tinha falado nas outras pessoas 108
que eu conhecia mais velhas que eu. (hum) portanto a minha mãe, por exemplo. (hum) 109
a minha mãe e eu quer dizer temos um abismo de diferença. (hum) em 110
comportamentos, em maneira de vida ã: a minha mãe achou sempre que eu fui uma 111
rebelde, uma revolucionária, (E: [riso]) porque não queria estar aqui, queria estar ali, 112
porque queria ir para a escola tal, porque não me[2:] submetia. (hum) eu não me 113
submetia à vontade dela. (hum) a minha filha nunca precisou de não se submeter à 114
minha vontade. (hum) pronto. eu podia aconselhar, ou dizer que achava mal, mas não 115
se submetia à minha vontade. (hum) agora eu teria que me submeter à vontade da 116
minha mãe. e submeti-me a muita coisa. (hum) e noutras não! pronto, quando foi para 117
a minha vida ir para a frente eu-- e ela nunca me perdoa isso. (hum) nunca me perdoa. 118
porque as mentalidades daquela época era a obediência, total. (E: hum, sim) eu 119
lembro-me quando os meus filhos-- ia-mos para lá no verão e os meus filhos saíam ou 120
a [FL05] saía mais assim para dar uma voltinha, ou tomar um café ao jardim mais 121
tarde, ai jesus! “tu! dás uma liberdade a essa--” [riso] está a ver como é. (hum) se 122
calhar tem essa experiência também, se pensar numa avó e na sua mãe, 123
E: ã: um bocadinho, talvez sim[:] //mas se calhar não[:] tanto\ 124
ML05: /mas aqui era muito[2:]\\ era, (E: hum, sim) no 125
tempo em que eu namorava era uma cena dar a mão, (E: [riso]) ao namorado, era[:2] 126
(E: escândalo! ah, ok) pronto, quer dizer, essa é a evolução realmente das mulheres, 127
não é. (E: hum sim. ok ã:) hoje a vida é muito diferente. 128
129
P4 (12:47) 130
E: outra pergunta, e na verdade já me[2:] respondeu um bocadinho a esta pergunta. 131
que seria ã: se[:] a vida da mulher muda com a maternidade. 132
ML05: muda. (E: muda?) muda. completamente. 133
E: hum, muda em que aspetos muda em-- 134
ML05: ã: a mãe-- a partir de que se é mãe, ã: é tudo mais ã: mais bonito, mais-- vê-se 135
com outros olhos a vida. quem tem crianças como eu tinha, que era professora eu 136
passei a ser uma pessoa muito mais paciente, muito mais compreensiva, muito mais 137
doce com os meus alunos desde que fui mãe. (hum) ã: noutros aspetos, não sei 138
pergunte-me outros aspetos-- 139
E: outros aspetos do-- de (ML05: de mudança) emocional, se calhar (ML05: sim[:2]) da 140
organização da vida da[:] responsabilidade-- 141
ML05: sim[:] eu às vezes digo à minha filha “pois é tu não fazes--” diz “ah não tenho 142
jeito para fazer isto ou aquilo,” porque não houve a necessidade de fazeres (hum) na 143
altura certa-- [interrupção 13:50 – 13:57] 144
não houve a necessidade! (hum) não é que não tenha jeito. não houve a necessidade. 145
portanto uma mãe tem necessidade de fazer coisas que nunca fez antes. (hum) 146
porque é preciso. (hum) ou porque lhe apetece, ou porque é bonito, não é? 147
E: hum, sim[:] (ML05: por exemplo-- fazer--) e esta[:] experiência será igual para o pai 148
também? 149
ML05: não. (E: não?) não. não. 150
E: porquê? 151
ML05: não! porque o pai ã: vive muito mais ã: ocupado com o seu emprego, com o 152
seu trabalho, do que a vida de casa. (hum) ou talvez eu esteja a dizer isto porque que 153
eu sendo professora eu saia mais cedo, vinha cedo-- vinha mais cedo para casa, e 154
portanto eu é que me ocupava de tudo, eu lembro-me que os-- a minha sogra, que 155
ficava com eles, foi sempre uma grande ajuda até eles irem para o jardim de infância, 156
eu a nunca deixava ela dar-lhes banho. eu chegava a casa às três e meia quatro 157
horas, eu é que é que tratava deles, eu é que lhes dava banho, ela dava a comida só 158
enquanto não estava ou mudava a fralda. eu fazia questão de fazer tudo, fazer o 159
máximo. (hum) pois. (E: ok) o pai não tem essas ocupações. (hum) não vai fazer uma 160
roupinha, não vai bordar, não vai-- quando muito ajuda noutras coisas, a dar um 161
biberon, por acaso o meu marido ajudou muito quando a minha filha era pequena, 162
porque ele quando veio do ultramar ainda não tinha acabado o curso, e depois tinha 163
um ano para fazer. (hum) e esse ano estudou em casa e ficava com ela, e ela ali 164
deitadinha no berço, e ele muitas vezes fazia o que era preciso. não é? dar-lhe os 165
biberons, (hum) mudar-lhe as fraldas, (hum) nessa[:] época ele ficou muito próximo 166
dela. (hum) está a ver, mas é assim, ã: se o pai estiver em casa pois terá que fazer 167
algumas coisas, mas a mãe é diferente. a mãe faz um-- vai-se apurando a fazer 168
coisas, os aniversários, eu faço tudo. sempre fiz. (E: [riso]) ainda ontem o meu filho fez 169
quarenta anos. (hum) e eu fiz-lhe o bolo de sempre, com as quarenta velas. (E: ok, 170
está bem) foi assim um bocadinho a correr, que nós fomos jantar fora e depois viemos 171
comer o bolo, e ele estava desejante de se vir embora que tinha trabalho, e-- mas 172
pronto. é sempre assim. (hum) portanto a ligação com a mãe é uma coisa muito 173
particular. pelo menos da mãe com os filhos. (E: sim[:]) ao contrário eu penso que 174
também é. (hum) mas é diferente. (hum) quer dizer eles gostam muito do pai, mas o 175
pai não faz as coisas que eu faço. não é? [riso] 176 177 P5 (16:20) 178 […] 179 180 P6 (21:20) 181 […] 182