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Sociedade da Informação e pessoas com deficiência

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Academic year: 2021

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DEFICIÊNCIA

INFORMATION SOCIETY AND PEOPLE WITH

DISABILITIES

1 O presente artigo é resultado parcial da pesquisa realizada por meio do Grupo de Pesquisa (CNPq)

intitulado Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos, sob coordenação da Dra. Profa. Maria Cristina Cereser Pezzella, sediado na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc).

*Advogada; Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2002); Mestra em

Di-reito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1998); graduada em DiDi-reito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1988); Professora de Pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc); coordenadora/líder do Grupo de Pesquisas (CNPq) intitulado Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos – Unoesc; avaliadora do INEP/MEC e supervisora do SESu/MEC; crispezzella@uol.com.br; acesso ao banco de currículos do sistema lattes/URL: <http://lattes.cnpq.br/7386742048598458>.

**Advogada; graduada pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Campus de Canoas, RS (2008);

especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC) (2009); integrante qualificada como Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas (CNPq) in-titulado Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos, sediado na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), sob coordenação da Dra. Profa. Maria Cristina Cereser Pezzella; integrante qualificada como Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas (CNPq) intitulado Novas Tecnologias e Relações de Trabalho, sob coordenação da Dra. Profa. Denise Pires Fincato, sediado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); integrante qualificada como Estudante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Fundamentais (CNPq) sob coordenação do Dr. Prof. Ingo Wolfgang Sarlet e do Dr. Prof. Carlos Alberto Molinaro – PUCRS; michellebublitz@gmail.com; acesso ao banco de currículos do sistema lattes/URL: <http://lattes.cnpq.br/5250389607028753>.

Resumo: A realidade social revela uma

mudança de paradigma manifestada em um novo ambiente de trabalho descentra-lizado dos centros de produção e centrali-zado no conhecimento e na informação. Até mesmo as tradicionais formas de prestação de serviços aos poucos vão cedendo espaço a novas relações contratuais que não exi-gem a presença física do trabalhador, como o teletrabalho. O teletrabalho surge como uma realidade laboral propagada como pro-missora ao gerar novos empregos, manter os existentes e regularizar a situação dos trabalhadores que se encontram à margem

da lei, no caso, os trabalhadores com defici-ência. Verifica-se que a adoção do princípio da dignidade da pessoa humana ancorado no princípio da igualdade é visto como meio de conferir efetividade ao trabalho das pes-soas com deficiência. Considerando tais questões, por fim, procurar-se-á concluir até que ponto, utilizando-se do teletraba-lho, e, principalmente da sua modalidade desenvolvida nas residências dos teletra-balhadores, a mão de obra da pessoa com deficiência é usada como forma de simples inserção no mercado de trabalho ou como forma de inclusão social.

Maria Cristina Cereser Pezzella* Michelle Dias Bublitz**

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Palavras-chave: Pessoa com deficiência.

Inserção no mercado de trabalho. Teletra-balho. Inclusão social.

Abstract: The social reality reveals a

para-digm shift manifested in a new working en-vironment decentralized from production centers and centered on knowledge and information. Even the traditional forms of service delivery are slowly giving way to new contractual relationships that do not require the physical presence of the worker, such as teleworking. Teleworking emerges as a working reality propagated as promi-sing to create new jobs, maintaining the ones existing and regularizing the situation of workers who find themselves outside the

law, in the case, workers with disabilities. Noting that the adoption of the principle of human dignity anchored in the principle of equality is seen as a mean to effect the right to work of people with disabilities. Taking into consideration such matters, finally, one will try and conclude to what extension the use of telework and, mainly the ones deve-loped within in the homes of teleworkers, the manpower of A disabled person is used as a way of simply entering the job market or as a form of social inclusion.

Keywords: Disabled person. Entering the

job market. Teleworking. Social inclusion.

Introdução

A inclusão social das pessoas com deficiência por meio da inserção ao mercado de trabalho é tema de grande relevância. É também por meio do trabalho que a pessoa obtém boa parte do necessário à sua subsistência e assegura o viver com dignidade.

Observa-se que o trabalho se modificou ao longo do tempo, à medida que as tecnologias de informação e de comunicação se tornaram um elemento indissoci-ável do desenvolvimento da atividade econômica, constituindo-se um fator cada vez mais importante na organização e estruturação das sociedades modernas.

A realidade atual revela uma mudança de paradigma em que as tradicio-nais formas de prestação de serviços aos poucos vão cedendo espaço às novas rela-ções contratuais, as quais não exigem a presença física do trabalhador.

Ressalta-se que justamente os progressos tecnológicos foram os propulso-res da possibilidade de criação de novas formas de trabalho, em especial o tele-trabalho, um dos objetos da presente pesquisa, propulsor do processo econômico da descentralização produtiva, a qual anda de mãos dadas com a globalização e flexibilização das relações de emprego.

A instituição do teletrabalho, diante de suas características conceituais e estruturais altamente polêmicas, compõe debates sobre sua existência, estrutu-ração, organização, manutenção, aplicação ou extinção, e fomenta relevantes pes-quisas. Não se pode negar a inafastável necessidade de se questionar os efeitos, as vantagens e desvantagens, além da eficácia e eficiência.

Para o teletrabalho não importa raça, sexo, idade, estado civil, condição social e econômica, deficiência ou lugar de trabalho; barreiras muito comuns para o mercado tradicional de trabalho, à medida que tal instituição deve ser capaz de produzir tanto empregos altamente especializados quanto aqueles que deman-dam menos especialização, atingindo, portanto, uma grande quantidade de tra-balhadores, inclusive os que hoje se encontram excluídos do mercado de trabalho.

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Com o intuito de facilitar e proporcionar melhores condições para as pes-soas com deficiência na obtenção de uma vaga no mercado de trabalho, a Lei n. 8.213/91, no artigo 93, estabeleceu uma política de cotas a ser obedecida pelas empresas privadas, sendo esta determinada de acordo com o número de trabalha-dores contratados.

Às peculiaridades observadas para esse tipo de prestação de serviços, des-taca-se como principal vantagem: a ausência de deslocamento do empregado até o local de trabalho, o que gera a possibilidade de inserção de trabalhadores com deficiências no mercado de trabalho. As vantagens podem revestir-se de desvanta-gens para alguns trabalhadores, trazendo a questão do isolamento social.

O sistema constitucional de proteção às pessoas com deficiência começa pela inquestionável essencialidade do labor na vida do ser humano, não somente por se tratar da forma como a pessoa obtém boa parte do necessário à sua subsistência e assegura o direito à dignidade da pessoa humana, mas por ser instrumento de rea-lização pessoal do indivíduo, tornando-o respeitável perante a sociedade, e, princi-palmente, incluindo-o como cidadão, possuidor de direitos e obrigações. Destaca-se o princípio constitucional da igualdade como resposta à necessidade de se conferir efetividade ao direito fundamental para o trabalho da pessoa com deficiência.

Esta pesquisa evidencia a importância de se adaptar as condições do tele-trabalho à realidade das pessoas com deficiência, para que essa crescente parcela de trabalhadores potenciais possa se integrar ao mercado de trabalho, e, via de consequencia, à sociedade como cidadãos ativos.

1

A pessoa como sujeito de direitos e as pessoas com deficiência

1.1

Surgimento da pessoa como sujeito de direitos

Inicialmente se faz necessário delimitar o momento histórico2 e percorrer o

conteúdo e significado que a pessoa humana adquire quando nasce como sujeito de direitos para passo seguinte compreender a pessoa com deficiência.

Na antiguidade clássica, a ideia de dignidade da pessoa humana relaciona-va-se com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade; por essa razão, naquele momento históri-co, foi possível falar em quantificação e modulação da dignidade, compreendendo--se inclusive admitir a existência de pessoas mais dignas do que outras.3

Anteriormente ao reconhecimento de todas as pessoas como seres huma-nos sujeitos de direitos e obrigações, sequer poderia ser conferida a expressão “dignidade da pessoa humana” uma compreensão que pudesse abranger a to-dos, pois algumas pessoas ainda estavam na seara de serem consideradas objetos de direitos de outros. Não se restringe essa compreensão a um passado muito

2 No que toca ao aspecto da investigação histórica, sigo o pensamento de Michel Villey fundado

nas palestras desenvolvidas pelo autor na Universidade de Valparaíso, posteriormente publica-das sob o título Estudios en torno a la nocion de derecho subjetivo, sob tradução de Alejandro Guzmán Brito et al. (VILLEY, 1976).

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distante quando nem todos eram considerados cidadãos, mas existem momentos ainda próximos no tempo como no caso das pessoas com deficiência que tinham sua capacidade restringida, e ainda em algumas sociedades contemporâneas são gravados de uma série de injustificáveis e inadmissíveis restrições.

O surgimento da discussão a respeito do direito subjetivo somente tem ra-zão de existir quando se tem o reconhecimento político, social e jurídico da pessoa humana como sujeito de direitos a serem protegidos e tutelados nas relações com o Estado e entre os particulares.

A importância do pensamento de Michel Villey a respeito dos direitos sub-jetivos e sua crítica aos direitos humanos não são de todos conhecidas, e, em cer-to modo de ser, são muicer-to propícias para que se tenha em mente a realização dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Compreender essa discussão, que se travou na história, implica compreender melhor a evolução do que inicialmente se chamou de direitos humanos e quais as razões jurídicas que levaram a uma transmutação não apenas na esfera semântica, como também na expectativa política, social e jurídica da efetividade da proteção dos direitos lesa-dos ou ameaçalesa-dos de lesão.

Sujeito de direitos e deveres são, portanto, na compreensão de Michel Vil-ley, conforme descrevem Alejandro Guzmán Brito et al., assim:

En efecto, según Villey, la noción de derecho subjetivo tenía que nacer como tal, entre aquellos filósofos que a fines de la Edad Me-dia y en la Epoca Moderna han emprendido una lucha contra la filosofía aristotélico-tomista; contra esa filosofía objetivista y re-alista, la escuela nominalista y la moderna oponen un mundo de individuos aislados entre sí, que sólo se interconexionan por el nombre común pero no por esencias o naturalezas comunes. Al orden del derecho natural clásico, al carácter natural de la So-ciedad de que aquél partía, los modernos oponen el estado social, también natural, pero en donde lo natural deja de ser pre-cisamente la Sociedad y pasa a ser el individuo con sus plenas liberdades y poderes. Porque hay que hacer notar que la doctrina del derecho subjetivo nace y se desarrolla también como una doc-trina del derecho natural; sólo que si en la concepción antigua el derecho natural era lo justo objetivo, de modo que misión del derecho positivo era la determinación de la parte justa de cada cual, en la doutrina del derecho subjetivo lo natural son precisa-mente los derechos subjetivos: el hombre, y sus derechos aislado y en contra de todos los demás hombres, constituirá un estado natu-ral; y aunque a dicho estado se ha superpuesto un pacto social, las exigencias del individuo siguen siendo la fuente de los derechos subjetivos, que deben ser analizadas por el jurista y el legislador con el fin de determinar los derechos de cada cual. De acuerdo con este modo de pensar, el dominio, p. ej., ya no será más la parte justa de cosas repartidas entre todos, sino que el poder mismo que se ejerce sobre las cosas en propio provecho.4

(5)

A essência do pensamento de Michel Villey consiste em advogar a tese de que o direito antigo não conheceu a ideia de direito subjetivo e que esta tem origem moderna.5 Na busca da origem dos direitos subjetivos, Michel Villey realiza toda

uma investigação histórica e filosófica, passando a compreender que as pessoas com necessidade de se defender e se salvaguardar diante das atividades do Poder Público apenas perquirindo o passado, podem encontrar o conjunto de elementos que teriam sido propícios para o nascimento da noção de direito subjetivo.6

Michel Villey busca encontrar a primeira afirmação que pretende conferir de fato os contornos dessa nova forma de compreender o direito do seu ponto de vista subjetivo, vale referir, da pessoa sujeito de direitos, detentora de faculdades e esco-lhas (e deveres), e não mais a concepção objetiva em que os papeis sociais estavam previamente delimitados e estratificados frente a variáveis muito pouco alteráveis.7

Como as relações jurídicas se travam entre pessoas desiguais, o Estado deve atuar de maneira a proteger, tutelar e prover as necessidades com vistas sempre a reequilibrar as relações no plano concreto dos fatos que se desenvolvem no cotidiano. A importância que a sociedade confere à dignidade da pessoa humana nas relações pessoais, privadas e de maneira mais ampla com o macrossistema da cultura social e jurídica, enfrentando a sua repercussão concreta e efetiva, está imbricada com a potencialidade que se atribui à capacitação de quem compõe, em última análise, a sociedade.

A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de “ser” humana; a pessoa merece respeito, independentemente de sua ori-gem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana não pode ser relativizado. A pessoa humana não perde sua dignidade por possuir algum tipo de deficiência.

Quanto mais protegida a dignidade da pessoa humana, mais desenvolvida culturalmente a sociedade e mais próxima de uma realização efetiva das possibi-lidades de seus formadores.

Uma sociedade que não perquire, não discute e não confere possibilidades para uma ampliada discussão social e jurídica da importância da pessoa em sua plenitude, e, por assim dizer, integral na perspectiva física e psíquica, deixa de cumprir o seu principal papel: o desenvolvimento integral da pessoa.

1.2

A terminologia adotada para as pessoas com deficiência

Indiscutível é a divergência terminológica sobre a conceituação dada ao grupo social das pessoas com deficiência, razão pela qual será percorrida a traje-tória dos termos utilizados ao longo da histraje-tória.

Sassaki deixa claro que “[...] jamais houve ou haverá um único termo cor-reto [...]. A razão disto reside no fato de que a cada época são utilizados termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade [...]”8

5 Villey (1976, p.18). 6 Villey (1976, p. 19). 7 Villey (1976, p. 35). 8 Sassaki (2005).

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No passado, os termos que predominavam na sociedade eram “aleijado”, “defeituoso”, “incapacitado”, “inválido”, “excepcional”, “retardado”, entre ou-tros; enfatizando a deficiência mais do que a pessoa.9

Passou-se a utilizar o termo “deficiente” por influência do Ano Internacio-nal e da Década das Pessoas Deficientes, estabelecido pela Organização das Na-ções Unidas (ONU), apenas a partir de 1981. Em meados dos anos 1980, entraram em uso as expressões “pessoa portadora de deficiência” e “portadores de deficiên-cia”. Por volta da metade da década de 1990, a terminologia utilizada passou a ser “pessoas com deficiência”, que permanece até hoje.10

A pergunta que não quer calar tem sido esta: “Qual é o termo correto: pessoa portadora de deficiência, pessoa portadora de necessidades especiais ou pessoa com deficiência?” Responder esta pergunta tão objetiva é simplesmente trabalhoso, por incrível que possa parecer. A doutrina e a legislação ainda hoje discutem a melhor terminologia.

Sustenta Luiz Alberto David Araújo que a “[...] expressão ‘pessoas portado-ras de deficiência’ tem o condão de diminuir o estigma da deficiência, ressaltando o conceito de pessoa; é mais leve, mais elegante, e diminui a situação de desvan-tagem que caracteriza esse grupo de indivíduos.”11

Guilherme José Purvin de Figueiredo afirma que “[...] atualmente, a expressão pessoa portadora de deficiência começa a ser questionada, propondo-se, alternativa-mente, sua substituição por portadores de necessidades especiais.”12 Tal terminologia

é adotada pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação pátria em vigor.

Em relação à expressão “pessoas com necessidades especiais”, destaca-se que os simpatizantes de tal terminologia enfatizam que o significado das palavras “de-ficiente” e “deficiência” está intimamente ligado à falta, à carência de algo, o que levaria à impropriedade da terminologia “pessoas portadoras de deficiência”. Ain-da, sustenta-se que deficiência é antônimo de eficiência, razão pela qual vincular a pessoa à deficiência que porta leva à conclusão de que tal pessoa não é eficiente.13

No entanto, o termo pesquisado passou a ser questionado, pois “necessi-dades especiais” quem não as tem, com ou sem deficiência?14 Essa terminologia

estava relacionada às “necessidades educacionais especiais” de algumas crianças com deficiência, que é utilizada na área da Educação, e passou a ser difundida para todas as circunstâncias, fora do ambiente escolar.15

Ainda hoje se utiliza a expressão “pessoas com necessidades especiais”, demonstrando-se uma transformação de tratamento que vai da invalidez e inca-pacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigma-tizá-la. A expressão “pessoa com necessidades especiais” acabou por se tornar um

9 Goldfarb (2009, p. 30), Gonçalves (1979 apud ARAÚJO, 2001). 10 Silva (2011).

11 Araújo (2011).

12 Figueiredo (1997, p. 47). 13 Goldfarb (2009, p. 31).

14 Rulli Neto (2002, p. 32 apud GOLDFARB, 2009, p. 31-32). 15 Silva (2011).

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gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado.16

Compreende Manoel Jorge e Silva Neto17 que é a expressão “pessoa ou

em-pregado portador de necessidades especiais”, a mais apropriada para designar a existência de indivíduos tão ou mais capazes que outras pessoas no desempenho de sua atividade laboral.

A terminologia “pessoa com deficiência” é verificada em algumas Declara-ções Internacionais, e, por vezes, é adotada pela doutrina. A diferença entre esta e as anteriores é simples: ressalta-se a pessoa à frente de sua deficiência.

Constata-se que a melhor terminologia a ser utilizada é “pessoa com defici-ência”, eis que valoriza a pessoa acima de tudo, independentemente de suas con-dições, restando evidente a observância aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Quanto ao termo mais adequado, opta-se pelo referencial de Sassaki que diz que “[...] o conceito de deficiência não pode ser confundido com o de incapaci-dade [...]. O conceito de incapaciincapaci-dade denota um estado negativo de funcionamen-to da pessoa, resultante do ambiente humano e físico inadequado ou inacessível, e não um tipo de condição.”18

Encontrar a terminologia mais adequada para designar um grupo de pes-soas é de fundamental importância para sua proteção jurídica, pois também pela linguagem se revela ou se oculta o respeito ou a discriminação.

1.3

O conceito de deficiência face à pessoa humana

O conceito de deficiência vinculado à pessoa humana pode ser visualizado na perspectiva doutrinária, legislativa na perspectiva: constitucional, infracons-titucional, internacional e comunitária, a partir do reconhecimento dos direitos humanos pautados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

A Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispôs sobre o apoio às pesso-as com deficiência e criou um órgão para coordenação dpesso-as ações do Estado para acompanhar e implementar políticas públicas por meio da Coordenadoria Nacio-nal para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), mas não define quem é o destinatário dessa política e por isso requer regulamentação. A Lei foi regulamentada pelo Decreto n. 914, de 6 de setembro de 1993, atualmente revo-gado pelo Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que instituiu a política nacional para a integração da pessoa com deficiência. Sua aplicação e interpreta-ção, consideradas os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, além de outros, indicados na Constituição Federal ou justificados pelos princípios ge-rais de direito, em complementação ao conceito técnico trazido pela Lei da Pessoa Portadora de Deficiência.

16 Fonseca (2006, p. 136). 17 Silva Neto (2009, p. 31). 18 Sassaki (2005).

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O Decreto n. 3.298/99, no artigo 3°,19 conceitua e distingue deficiência,

defi-ciência permanente e incapacidade. O artigo 4º do Decreto n. 3.298/99 especifica a conceituação técnica do ponto de vista médico das deficiências: física, auditiva, visual, mental e múltipla, ressalvadas as alterações previstas no Decreto n. 5.296, de dezembro de 2004.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o conceito de deficiência como “[...] qualquer perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica,”20 ressaltando que tais restrições não lhe retira o valor

como pessoa humana, o poder de decidir sobre sua vida e de tomar decisões.21

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, o primeiro docu-mento que tratou da conceituação de deficiência foi a Recomendação n. 99, de 25 de junho de 1955, tendo o conceito se repetido na Recomendação n. 168, de 20 de junho de 1983, e aprimorado na Convenção n. 159, de 20 de junho de 1983.

A Convenção n. 159 da OIT, que trata da reabilitação profissional e emprego das pessoas com deficiência, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 51, de 28 de agosto de 1989, e promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n. 129, de 18 de maio de 1991, conceitua deficiência no artigo 1, parte 1; entendendo por pessoa deficiente todas aquelas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzi-das.22 O conceito ressalta o caráter funcional das deficiências físicas ou sensoriais,

estabelecendo à Convenção o dever dos países signatários de se engajarem em atividades de integração e de fornecerem instrumentos que viabilizem o exercício das atividades profissionais para as pessoas que deles necessitem.23

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes elaborada pela Organiza-ção das Nações Unidas por meio da ResoluOrganiza-ção n. 3.447, de 9 de dezembro de 1975, traz, em seu artigo 1º, a definição de pessoa deficiente. Nesse sentido, conceitua--se pessoa deficiente qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.24

No entendimento da ONU, deficiência é um conceito em mutação, resulta-do da interação entre a deficiência de uma pessoa e os obstáculos que impedem sua participação na sociedade. Quanto mais obstáculos, como barreiras físicas e

19 Art. 3° do Decreto n. 3.298/99. Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade que se altere, apesar de novos tratamentos; e III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações ne-cessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

20 Organização Mundial da Saúde (2008, p. 102). 21 Amiralian et al. (2000, p. 97-103).

22 Brasil (1991).

23 Gugel (2000, p. 564-572).

24 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf>. Acesso em: 19 abr.

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condutas atitudinais impeditivas de sua integração, mais deficiente é uma pessoa. Não importa se a deficiência é física, mental, sensorial, múltipla ou resultante da vulnerabilidade etária. Mede-se a deficiência pelo grau da impossibilidade de interagir com o meio da forma mais autônoma possível.

A Organização das Nações Unidas, em dezembro de 2006, aprovou o texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências. O Brasil participou intensamente dos debates. O que distingue essa Convenção das outras é seu conteúdo, realizado com ajuda direta de ONGs de pessoas com defici-ência. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo Facultativo foram ratificados pelo Congresso Nacional em 9 de julho de 2008, pelo Decreto Legislativo n. 186 e todos os seus artigos são de aplicação imediata. A Convenção no seu artigo 1º diz qual o seu propósito e define o conceito de pessoa com deficiência.25

Resta evidente que o próprio conceito de pessoa com deficiência incorpora-do pela Convenção carrega forte relevância jurídica, porque incorpora na tipifica-ção das deficiências, além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de cerceamento dos direitos humanos.

Pode-se definir pessoa com deficiência como aquela que, por possuir alguma limitação física, sensorial, mental ou múltipla, enfrenta maiores dificuldades para se inserir na sociedade e nela se manter e se desenvolver, especialmente quando compa-rada às pessoas que não portam tais limitações, necessitando, pois, de medidas com-pensatórias com vistas a efetivar a igualdade de oportunidades e acesso ao emprego.

A pessoa com deficiência não é necessariamente incapaz para o trabalho. Capacidade laboral e deficiência são conceitos absolutamente distintos e não devem gerar qualquer confusão. Como exemplo, pode-se citar o gênio da música, Ludwig van Beethoven, que mesmo após ser diagnosticado como surdo, compôs, entre ou-tras, a Nona Sinfonia, considerada tanto ícone quanto predecessora da música ro-mântica; o velejador, Lars Schmidt Grael, que mesmo após sofrer grave acidente náutico o qual culminou com a mutilação de uma de suas pernas, não deixou de praticar o esporte como profissão; e, não por último, mas em especial em razão da pesquisa, o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Ricar-do Tadeu Marques da Fonseca, enquanto primeiro juiz cego Ricar-do Brasil. A discussão acerca da deficiência se modificou para uma visão social, enfatizando a necessidade de os fundamentos e garantias constitucionais estarem à disposição de toda a diver-sidade humana, sem exclusão de qualquer grupo por qualquer motivo.

25 Artigo 1. Propósito. O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o

exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com defi-ciência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2008).

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1.4

Transformação no ordenamento jurídico

O ponto de partida para o reconhecimento do direito à inclusão social das pessoas com deficiência, em especial por meio do trabalho, ocorreu a partir da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas como o mais importante instrumento representante dos di-reitos humanos, o qual serviu de base para as normas, tratados, convenções in-ternacionais e diretivas comunitárias aprovadas. Restou reconhecido no referido instrumento os direitos humanos, como: o direito ao trabalho, independe de pre-visão expressa em lei e a dignidade da pessoa humana é considerada intrínseca à própria existência humana.

Passo seguinte, foi aprovada a Declaração dos Direitos das Pessoas Defi-cientes, a qual destaca o direito ao gozo de todos os direitos, sem exceção, distin-ção ou discriminadistin-ção decorrente de qualquer motivo, de maneira a assegurar o pleno respeito à dignidade humana e a viabilizar o processo de inserção social e integração da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.

A mesma linha de raciocínio verifica-se na Convenção 111 da Organiza-ção Internacional do Trabalho, que arrazoa sobre discriminaOrganiza-ção em matéria de emprego e profissão, e a Convenção 159 da Organização Internacional do Traba-lho sobre habilitação e reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes, considerando que a base para aplicação dessa política é o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores. A Recomendação n. 99 da Organização Internacional do Trabalho discorre sobre a habilitação e reabilitação profissional de pessoas com deficiência, definindo a “reabilitação profissional” como parte de um contínuo e coordenado processo destinado a capacitar a pessoa com deficiên-cia a obter e manter o emprego. Sinaliza a possibilidade de introdução de uma política de cotas, prevê a referida Recomendação, que a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho deve ser promovida mediante a expressa cria-ção de condições e possibilidades de obtencria-ção e manutencria-ção de emprego, entre elas: contratação, por empregadores, de um percentual de pessoas com deficiência que não acarrete a dispensa de outros trabalhadores e reserva de determinadas ocupações para pessoas com deficiência.

A Recomendação n. 168 dispõe sobre a readaptação profissional e o empre-go das pessoas com deficiência, repetindo e complementando os preceitos contidos na Convenção n. 159 e na Recomendação n. 99, em especial, no que se refere à adoção do princípio da igualdade de acesso, conservação e criação de empregos às pessoas com deficiência e contraprestação igual aos demais trabalhadores, inclu-sive, com uso das ações afirmativas especialmente destinadas a equilibrar traba-lhadores com e sem deficiência no acesso ao mercado de trabalho.

No mesmo sentido, a Recomendação n. 169 trata sobre política de emprego e destaca a necessidade de implementação de medidas para inserir as pessoas com de-ficiência no contexto de uma política global de emprego e reabilitação profissional.

A Organização Internacional do Trabalho elaborou um conceito vinculado à possibilidade de obtenção e manutenção de emprego. Já a Declaração dos

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Direi-tos das Pessoas Deficientes traz um conceito mais amplo, voltado para as dificul-dades da vida individual e social da pessoa com deficiência.

Cotejando-se a legislação inerente aos países da América do Sul, bloco per-tencente ao Brasil, afere-se que a Declaração Sociolaboral do Mercosul estabelece que as pessoas com deficiência serão tratadas de forma digna e não discriminató-ria, favorecendo-se a sua inserção na sociedade e no mercado de trabalho.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê normas no âmbito do direito ao trabalho referentes às pessoas com deficiência, instituindo no artigo 7º, inciso XXXI, e no artigo 37, inciso VIII, no rol de direitos trabalhistas, a proibição expressa de qualquer discriminação relativa a salários e critérios de admissão de trabalhadores com deficiência, reafirmando, desse modo, o princípio da igualdade, consolidado no caput do artigo 5º.

No âmbito da legislação infraconstitucional, cumpre destacar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, a qual atribuiu ao Poder Público o dever de assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, entre eles: o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social e ao trans-porte. Nesse sentido, a Lei prevê a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas com deficiência, nas enti-dades da administração pública e do setor privado (artigo 2º, inciso III e alíneas).

Seguindo o mandamento da alínea c, inciso III, artigo 2º da Lei n. 7.853/89 e a diretriz constitucional constante do inciso VIII do artigo 37, foi editada a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que regula o Regime Jurídico dos Servidores Pú-blicos Civis da União. Impõe a Lei que a União reserve em seus concursos até 20% das vagas às pessoas com deficiência, havendo iniciativas semelhantes nos Estados e Municípios para o regime dos servidores públicos celetistas e estatutários.

No mesmo sentido, foi promulgada a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social. O artigo 93 da Lei dirime sobre o sistema de cotas na esfera privada, delimitando que a empresa com 100 ou mais empregados está obrigada a preencher de 2 a 5% dos seus car-gos com trabalhadores reabilitados ou pessoas com deficiências habilitadas. Além das cotas, estabelece que a dispensa de trabalhador reabilitado ou pessoa com deficiência habilitada, somente pode ocorrer após a contratação de substituto em condição semelhante. O preceito é válido mesmo para o contrato por tempo de-terminado regulado pela Lei n. 9.601, de 28 de janeiro de 1998. A redação criou uma polêmica acerca da proteção conferida à pessoa com deficiência, isto é, se há no dispositivo uma modalidade de garantia provisória de emprego ou mero impe-dimento de dispensa, até que se contrate outro empregado nas mesmas condições e a discussão sobre a possibilidade ou não de reintegração do empregado com deficiência dispensado. A Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Previdência Social) reafirma no âmbito da seguridade social a garantia das pessoas com deficiência à habilitação e reabilitação.

Considerando a necessidade de regulamentação da Lei n. 8.213/91, merece destaque o Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, o qual instituiu a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. O Decreto

(12)

assegu-ra à pessoa com deficiência, por meio da ação conjunta do Estado e da sociedade, o pleno exercício dos direitos básicos. Destaca-se que o Decreto criou o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade) e definiu uma série de responsabilidades dos órgãos públicos nos campos da educação, saúde, trabalho, cultura, lazer, habilitação e reabilitação profissionais.

Poder-se-ia ainda trazer numerosa lista de diplomas jurídicos que, de uma forma ou de outra, preveem dispositivos protetores das pessoas com deficiência, nas mais variadas situações. Em todos, busca-se a equiparação de oportunidades da pessoa com deficiência, desde sua escolarização, passando pela promoção indi-vidual, familiar e social, e culminando na formação profissional e na qualificação para o trabalho.

1.5

O sistema de cotas previsto no artigo 93 da Lei n. 8.213/91

Um dos vetores para o exame da inclusão social das pessoas com deficiência por meio da inserção ao trabalho, na esfera privada, é a Lei de Cotas ou sistema de reserva legal de vagas, a qual tende a garantir o direito fundamental ao trabalho, via disposição de vagas no mercado de trabalho, conforme dispositivo previsto no artigo 93 da Lei n. 8.213/91.

O sistema de reserva legal de vagas corresponde a uma forma de ação afir-mativa26 com intuito de tentar promover a igualdade e o equilíbrio de

oportu-nidades entre os diversos grupos sociais, facilitando o exercício dos direitos ao trabalho, à educação, à saúde, ao esporte e tudo que viabilize o convívio social.27

Há o sistema de cota-distribuição, em que os empregadores pagam um valor determinado por pessoa com deficiência não empregada a fundos especialmente criados para recolher as contribuições e utilizá-las no estímulo de preenchimento de cotas e de ingresso de trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho, com adaptação dos locais e instrumentos de trabalho, preparação dos trabalhado-res e das entidades, cujo trabalho seja voltado para essa área.28

Quanto aos beneficiários do sistema de cotas implementado por meio do artigo 93 da Lei n. 8.213/91, ratificado pelo artigo 36 do Decreto n. 3.298/99, veri-fica-se que estão incluídas no âmbito de proteção todas as pessoas com deficiência habilitadas e os trabalhadores reabilitados.

A Lei deixa claro que, para o preenchimento do percentual imposto, as em-presas podem contratar pessoas com qualquer deficiência, desde que habilitadas para o trabalho. Assim, as pessoas com formação profissional de nível básico, téc-nico ou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomação, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação, bem como os beneficiários reabilitados

26 Segundo o glossário do Ministério do Trabalho e Emprego, ação afirmativa é uma estratégia

de política social ou institucional voltada a alcançar a igualdade de oportunidades entre as pes-soas, distinguindo e beneficiando grupos afetados por mecanismos discriminatórios como ações empreendidas em um tempo determinado, com o objetivo de mudar positivamente a situação de desvantagem de tais grupos. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/Temas/FiscaTrab/Pro-gramaCombate/Conteudo/Glossario.asp>.

27 Lopes (2005, p. 38). 28 Lopes (2005, p. 38).

(13)

com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Opcionalmente, as em-presas ainda podem contratar aquelas pessoas que, não tendo se submetido a pro-cesso de habilitação ou reabilitação, estejam capacitadas para o exercício da função.

1.6

O direito à igualdade face ao princípio da dignidade da

pessoa humana

O exame dos Princípios Fundamentais do Estado brasileiro, para Manoel Jorge e Silva Neto, deve preceder o estudo da incorporação dos direitos funda-mentais ao contrato de trabalho, em razão de que tais postulados servem de “ve-tores interpretativos” da própria Constituição e da legislação trabalhista.29

Para Queiroz Junior, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado como fundamento de todo o sistema de direitos fundamentais, uma vez que estes se constituem em “[...] exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e com fundamento nesta devem ser interpretados.”30

Sayão Romita chama a atenção para um paradoxo, no sentido de que nos estudos sobre relações de trabalho quase não se vê referência aos direitos huma-nos, embora o obreiro seja uma pessoa que não deixa de ter tal condição quando inserido no âmbito da relação empregatícia.31

A questão da incidência dos direitos fundamentais nas relações de emprego possui clara e indiscutível justificativa: o objeto da relação de emprego é o traba-lho e não o trabalhador. Resta impossível desmembrar tais figuras, motivo pelo qual o trabalhador detém a proteção dos direitos fundamentais como cidadão, e, especificamente como trabalhador. Conclui-se que os direitos fundamentais ocu-pam papel fundamental no ordenamento jurídico pátrio, configurando-se como parâmetro no qual devem ser interpretadas todas as normas trabalhistas.32

À aplicação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, registram--se situações concretas que se configuram como nítidos desdobramentos da apli-cação dos direitos fundamentais nas relações de emprego, considerando o caráter de pessoa humana do trabalhador.

O princípio da dignidade da pessoa humana traz consigo a inquestionável essencialidade do labor na vida do ser humano, não somente por se tratar da forma como a pessoa obtém boa parte ao necessário à sua subsistência, mas por ser instru-mento de realização pessoal do indivíduo, tornando-o respeitável perante a socieda-de, e, principalmente, incluindo-o como cidadão, possuidor de direitos e obrigações. Nessa esteira de raciocínio, pode-se afirmar que o sistema constitucional de proteção à pessoa com deficiência começa pelo princípio da igualdade, o qual vem insculpido no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ou seja, à frente

29 Silva Neto (2005, p. 15). 30 Queiroz Junior (2006, p. 85). 31 Romita (2007, p. 208). 32 Góes (2009, p. 94).

(14)

de todos os direitos e garantias fundamentais, orientando a interpretação a ser conferida aos direitos e deveres individuais e coletivos.33

A doutrina trata do princípio da igualdade juntamente com o princípio da não discriminação, considerando o natural liame que possuem. O princípio da igualdade nada mais faz do que ventilar situações, de forma que as pessoas compreendidas venham a ser tratadas por critérios diferentes e que, para algumas, sejam deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outros; os pontos de diferen-ça que se atribuem para discriminar determinadas situações devem ser decorrentes de aptidões pessoais e não de outros critérios individuais personalíssimos.34 O

Direi-to do Trabalho foi a primeira ação afirmativa hisDirei-toricamente consolidada.

2

Considerações sobre o teletrabalho

2.1

Teletrabalho compreendido pela doutrina

A realidade atual revela uma mudança de paradigma manifestada em um novo ambiente de trabalho descentralizado dos centros de produção e centraliza-do no conhecimento e na informação. Até mesmo as tradicionais formas de pres-tação de serviços aos poucos vão cedendo espaço a novas relações contratuais que não exigem a presença física do trabalhador, no caso, o teletrabalho.35

Para Jack Nilles, criador do vocábulo “teletrabalho”, o instituto em exame atribui-se a qualquer atividade profissional que se realiza fora do lugar tradicio-nal de trabalho, utilizando alguma das técnicas de telecomunicações,36 definindo

a prestação laboral como “[...] a possibilidade de enviar o trabalho aos trabalha-dores, em vez de levar estes ao trabalho.”37

Denise Pires Fincato38 afirma que “[...] o teletrabalho constitui-se em

mo-dalidade surgida dessa revolução informacional, que mescla os avanços tecnológi-cos (principalmente informátitecnológi-cos) e comunicacionais.”

O conceito tradicional da Organização Internacional do Trabalho39

descre-ve o teletrabalho como o efetuado distante dos escritórios centrais ou das oficinas de produção, mas os trabalhadores mantêm-se conectados com alguns de seus colegas por meio das novas tecnologias.40

33 Goldfarb (2009, p. 109-110). 34 Ciszewski (2005, p. 46).

35 No que toca ao aspecto do estudo do teletrabalho, segue-se o pensamento do Grupo de Pesquisas

intitulado Novas Tecnologias e Relações de Trabalho, sediado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq), coordenado pela Dra. Profa. Denise Pires Fincato, que possui como integrantes advogados trabalhistas e acadêmicos dos mais diversos graus (graduandos, bacha-réis, especialistas, mestres e doutores). Trata-se do único grupo de pesquisas brasileiro com perfil científico-acadêmico que se dedica a estudar o fenômeno do teletrabalho sob o prisma trabalhista.

36 Brandolino (2005, p. 49-54). 37 Pinto (1994 apud NILLES, 1997). 38 Fincato (2003, p. 41).

39 Jardim (2003, p. 15).

(15)

O teletrabalho é comparado com o trabalho em domicílio, o que não incorre na mesma espécie de relação de trabalho, pois tanto o teletrabalho quanto o trabalho em domicílio são espécies de trabalho a distância, conforme alude Pinho Pedreira.41

No teletrabalho em domicílio, o trabalhador realiza sua atividade em seu próprio domicílio ou em ambiente familiar, com ajuda de mecanismos telemáti-cos. É importante salientar que a falta de uso de formas telemáticas de serviço acabariam por descaracterizar o teletrabalho em domicílio para o trabalho em domicílio normal.42 Observa-se a relação entre a utilização ou não de tecnologias

de informação e a comunicação, principalmente para não confundir teletrabalho com trabalho em domicílio.

A título de direito comparado, menciona-se países que já definiram juridica-mente e regulamentaram o teletrabalho, como: Itália, Espanha, Portugal e Chile; com forte destaque ao Acordo Europeu sobre Teletrabalho, que, como o próprio nome diz, é um acordo entre os países integrantes do Conselho Europeu, que estabelece um parâmetro geral que estes países devem seguir na regulamentação interna acerca desse assunto.

O teletrabalho aparece como uma nova modalidade de prestação de serviços, sem cobertura legal específica no Brasil e até o momento sua definição não respon-de a critérios jurídicos, mas a consirespon-derações práticas. No anseio respon-de regulamentar a questão, o Brasil depara-se, atualmente, com alguns Projetos de Lei em tramitação.

O Projeto de Lei n. 3.129/2004, de autoria do Deputado Eduardo Valver-de, pertencente ao Partido dos Trabalhadores (PT) de Rondônia, apresentado ao Congresso Nacional, recebeu parecer favorável dos integrantes da Câmara dos Deputados, remetido ao Senado Federal, sob o n. 102/2007, para posterior apre-ciação. O Projeto de Lei n. 102/2007 tem por finalidade equiparar os efeitos ju-rídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exer-cida por meios pessoais e diretos, mediante alteração da redação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual passaria a abranger, expressamente, os teletrabalhadores.43 Ao justificar sua iniciativa, o autor da proposição afirma

que a evolução tecnológica e as mutações do trabalho exigem permanentes trans-formações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade variável. O tradicional comando direto entre o empregador e o empregado, hoje, cede lugar ao comando a distância, mediante o uso de meios telemáticos em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle.44

41 Pedreira (2000).

42 Silva (2004). No campo normativo, o teletrabalhador em domicílio equipara-se ao trabalhador

em domicílio normal, regulamentado pelo artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas.

43 O artigo 6° da CLT, se aprovado o Projeto de Lei, passaria a vigorar sob a seguinte redação:

Art. 6º. Não se distingue entre trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o execu-tado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, contro-le e supervisão do trabalho alheio.

44 Justificativa contida no Parecer, de relatoria do Senador Cristovam Buarque. Disponível em:

(16)

O Projeto de Lei n. 4.505/2008, de autoria do Deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, pertencente ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do Espíri-to SanEspíri-to, diferentemente do ProjeEspíri-to de Lei supracitado, pretende regulamentar o trabalho a distância, além de conceituar e disciplinar as relações de teletrabalho. O artigo 3°45 do Projeto de Lei n. 4.505/2008, com redação proposta por meio da

Emenda sob a autoria da Deputada Manuela D’Ávila, pertencente ao Partido Co-munista do Brasil (PCdoB) do Rio Grande do Sul, diz respeito à possibilidade de o teletrabalho poder transformar-se em valioso instrumento de aumento de postos de trabalho, além de beneficiar “trabalhadores com reduzida capacidade física”, já que essa modalidade laboral dispensa a locomoção física, além de preservar o meio ambiente. O Projeto foi aprovado, mas pendente de recurso.

A partir das premissas apontadas, vê-se que apesar de haver iniciativas e projetos de leis, não existe real e comprometido empenho do parlamento brasilei-ro no sentido de regulamentar a matéria, com eficiência, eficácia, imediatidade e de forma sistemática.

A dificuldade na conceituação do teletrabalho é um reflexo da falta de le-gislação específica sobre o tema, no entanto, utiliza-se do princípio do contrato--realidade e de alguns dispositivos legais que analogicamente se amoldam a esse tipo de organização de trabalho, no intuito de que se possa caracterizar ou não a relação de emprego.

2.2

Caracterização da relação de emprego

A prestação de serviços na modalidade teletrabalho cria necessariamente um contrato expresso, que pode ser escrito, verbal ou tácito, o qual, se contemplar os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, terá um teletrabalho com caracterís-ticas de relação de emprego e sujeito às regras da legislação trabalhista. Se o contra-to firmado entre as partes não contiver os requisicontra-tos caracterizadores da relação de emprego, provavelmente estar-se-á diante de uma relação de trabalho autônoma.

No caso de configuração da relação de emprego, não há como desconsiderar os cinco elementos que caracterizam a relação deste, vale referir: prestação de serviços por pessoa física, de forma pessoal, não eventual, subordinada e mediante salário.

O requisito da pessoalidade e o da pessoa física quer dizer que o contrato é realizado em razão das qualificações pessoais do empregado, ou seja, é intuito

per-sonae, não admitindo substituição do contratado. A pessoalidade no contrato de

teletrabalho acaba por ser mitigada, passando do caráter de trabalho pessoal para trabalho de responsabilidade pessoal. Entretanto, a tendência do teletrabalho, até mesmo pela sua própria natureza de utilizar meios telemáticos, quase sem-pre informáticos, dispõe ao emsem-pregado artifícios tecnológicos, como, por exemplo, senhas pessoais de sua inteira responsabilidade, chamadas de assinaturas

eletrô-45 Redação proposta por meio da Emenda ao Projeto de Lei n. 4.505/2008, sob a autoria da

De-putada Manuela D’Ávila, nos seguintes termos: Art. 3º. [...] Parágrafo único. Fica assegurada a reserva de, pelo menos, vinte por cento de todos os postos de trabalho nacionalmente ofertados na modalidade em domicílio ou teletrabalho aos trabalhadores portadores de deficiência.

(17)

nicas, uso da biometria, entre outras possibilidades que validam sua identidade e pessoalidade perante o empregador.46

Outro requisito do contrato de trabalho é a habitualidade, continuidade na prestação de serviços, posto que o pacto firmado entre as partes na modalidade re-lação de emprego constitui contrato de trato sucessivo, que não se exaure em uma única prestação.47 Segundo Denise Pires Fincato,48 no teletrabalho a

habitualida-de habitualida-deve ser “medida” pelos contatos que o teletrabalhador mantém com o empre-gador, prestando-lhe contas, enviando-lhe serviços e recebendo diretrizes. Esse elemento é decorrência do princípio da continuidade da relação de emprego.49 Por

esse princípio, presume-se a permanência indefinida do vínculo empregatício. O requisito da onerosidade encontra-se disposto no artigo 83 da CLT, uti-lizado analogicamente ao contrato de teletrabalho por falta de regulamentação específica, em que é devida uma remuneração mensal mínima ao trabalhador, sem qualquer discriminação em relação ao trabalhador presencial.

No que concerne à subordinação, diz-se que esta se encontra como o mais importante elemento para demonstrar o vínculo jurídico existente na relação de emprego, servindo, inclusive, de base para toda a normatização jurídico-traba-lhista.50 Tradicionalmente existem vários critérios de subordinação; entre eles,

identificam-se: o da subordinação econômica, da social, da técnica e da jurídica. A subordinação jurídica se destaca, já que enfatiza o estado de dependência real do empregado ao comando e às ordens do empregador.51 Existe uma sujeição do

em-pregado ao poder diretivo e disciplinar conferido ao emem-pregador, pelo fato de ter colocado à disposição deste a sua força de trabalho por meio da contraprestação de salário. O teletrabalho pode esbarrar em falsas autonomias ou em pseudossubor-dinações, dificultando, assim, a possibilidade do nítido reconhecimento da relação de emprego. Explica Sérgio Pinto Martins52 que no teletrabalho a subordinação

costuma ser rarefeita, pois há novas formas de subordinação, passando a existir a telessubordinação ou parassubordinação.53

Com o advento do teletrabalho a subordinação ficaria mitigada, todavia, o emprego da tecnologia não extinguiu o elemento subordinação da relação de emprego, mas, ao contrário, intensificou a submissão do empregado às ordens emanadas pelo empregador,54 por meio de sistemas, obrigando a reformulação da

morfologia do requisito subordinação.

46 Soares Júnior (2004). 47 Martins (2008, p. 14). 48 Fincato (2003, p. 40-56). 49 Oliveira (2008, p. 23-29). 50 Pino Estrada (2009). 51 Lenuzza (2007).

52 Explica Martins que: “Na telessubordinação, há subordinação a distância, porém mais tênue

do que a normal [...] a parassubordinação seria uma variedade da relação de trabalho autônomo, [...] seria uma situação análoga à do trabalho dependente. É o reconhecimento jurídico de uma categoria de relação afim ao trabalho subordinado, com um resultado semelhante.” (MARTINS 2003, p. 144).

53 De Masi (2000, p. 207 apud WINTER, 2005, p. 89-94). 54 Oliveira (2008, p. 23-29).

(18)

Aplicando-se o princípio da primazia da realidade, configurada a relação de emprego por meio da observação dos cinco elementos propostos pela legislação celetista, são devidos ao empregado por parte do empregador todos os direitos e deveres inerentes a esta relação contratual, constantes no artigo 7° da Consti-tuição Federal de 1988, da Consolidação das Leis Trabalhistas e leis pertinentes.

2.3

Vantagens e desvantagens do teletrabalho

O teletrabalho, como todo resultado proveniente das inovações tecnológi-cas, permite acolher vantagens e desvantagens. Entre as vantagens, alinham-se algumas de interesse direto da empresa e do empregado, como diminuição de despesas de transporte, vestuário, combustível e de custos, aumento da produ-tividade, simplificação da fiscalização do trabalho, racionalização de instalações, equipamentos e material de trabalho. Algumas vantagens são de interesse psicos-social do empregado, como: liberação das tensões do tráfego, na ida e volta do tra-balho, supressão da rigidez de horário e liberdade para atendimento, no período de trabalho, de interesses pessoais e familiares incidentais.55

A doutrina aponta como fator importante a possibilidade do teletrabalho se estender a um contingente humano que, hoje em dia, enfrenta dificuldade em obter emprego formal, atuando como um meio hábil de contribuição para a diminuição da desigualdade de oportunidades,56 como é o caso dos trabalhadores com deficiência.

Um fator importante a ser observado é que o teletrabalho pode trazer de volta ao mercado diversos trabalhadores que poderiam ter dificuldades ou até mesmo ser discriminados em razão de ineficiência temporária ou definitiva; nessa perspectiva, pessoas com dificuldade de locomoção, profissionais com deficiências auditivas e visuais, entre outros, teriam novas oportunidades.57

As vantagens podem revestir-se de desvantagens, por exemplo, o teletra-balho pode significar diminuição do tempo livre, isolamento social, redução da distinção vida profissional e vida particular e menores possibilidades de ascensão profissional, além da perda do contato social.58 Ponto negativo do teletrabalho é

a quebra de privacidade, face às características dos sistemas de computação. Há que se cuidar desse aspecto porque existe risco de atentar contra as liberdades individuais e o direito de privacidade, garantido a todas as pessoas.59

O teletrabalho impõe uma mudança não somente no aspecto econômico, jurídico e social, mas também no cultural, à medida que o fenômeno da globaliza-ção, que está a aproximar os povos e a eliminar barreiras, abrange o teletrabalho, e é por meio dele que se deve buscar os instrumentos necessários para adaptar as empresas e os trabalhadores a essa irreversível realidade, que requer reduzir os níveis de desemprego.

55 Pinto e Pamplona Filho (2000, p. 410). 56 Moraes (2009).

57 Jamil (2009).

58 Winter (2005, p. 129). 59 Franco Filho (1998, p. 84).

(19)

A partir das premissas antes analisadas, observa-se que, como resposta à necessidade de conferir efetividade ao direito ao trabalho das pessoas com defici-ência, o teletrabalho apresenta-se como instrumento garantidor da possibilidade de inserção desse grupo de trabalhadores na vida ativa e no mercado de trabalho.

3

O teletrabalho como forma de acesso das pessoas com deficiência

ao mercado de trabalho: inclusão social ou infoexclusão?

O teletrabalho surge para os trabalhadores com deficiência como uma chance de se inserir ou retornar ao mercado de trabalho, por meio do uso das tecnologias de informação e comunicação. A deficiência deixa de ser um obstáculo a partir do momento em que o trabalhador estará trabalhando com seu conheci-mento, que desconhece a limitação de espaço e locomoção.60

Assim, o teletrabalho atende às novas exigências do mundo globalizado, pela sua natureza flexível e peculiar, que é capaz de gerar empregos altamente especializados e os de menor especialização, atraindo um grande contingente de trabalhadores, especialmente os com deficiências.61

Na tentativa de evitar com que as pessoas com deficiência sejam margina-lizadas e excluídas do contexto social e do mercado de trabalho, é necessário esta-belecer mecanismos assecuratórios que garantam a dignidade da pessoa humana e a efetividade do princípio da igualdade. A efetividade do direito ao trabalho fará com que a dignidade humana assuma nítido conteúdo social, à medida que a cria-ção de melhores condições de vida resultar benéfica não somente para o indivíduo em seu âmbito particular, mas para o conjunto da sociedade.62

Rafael da Silva Marques advoga que o valor social do trabalho é, ao lado da dignidade da pessoa humana, o elemento principal de toda norma pertencente a um Estado Democrático de Direito, à proporção que este apenas existe porque há trabalho humano. Se alguém pode adquirir um bem e dizer “é meu” é porque há trabalho humano.63 O autor destaca que o trabalho, por si, não é um conceito

econômico, mas um elemento da existência humana. As pessoas trabalham para, muito além de prover sua subsistência, suprir suas demandas, não apenas mate-riais, mas também existenciais e de vida.64 O trabalho não é, portanto, apenas um

elemento de produção. É bem mais do que isso. É algo que valoriza o ser humano e lhe traz dignidade, além, é claro, do sustento. É por isso que deve ser visto, antes de tudo, como um elemento ligado de forma umbilical à dignidade da pessoa hu-mana. Valorizar o trabalho significa valorizar a pessoa humana enquanto cidadão ativo na sociedade.65

A experiência demonstra que, se aplicado corretamente, o teletrabalho pode constituir uma oportunidade de trabalho, o que não significa que seja a solução

60 Darcanchy (2006, p. 42). 61 Darcanchy (2006, p. 41). 62 Ledur (1998, p. 98). 63 Marques (2007, p. 146). 64 Marques (2007, p. 149). 65 Marques (2007, p. 49).

(20)

mágica para os problemas de inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Nesse tema, o importante é o acesso ao trabalho, e não a deficiência. O problema fundamental é a qualidade do trabalho realizado e não o tipo de pessoa que o realiza. A maioria das atividades realizadas no teletrabalho pode ser bem desempenhada tanto por uma pessoa com deficiência quanto por uma pessoa que não possui deficiência.

Diz-se que o teletrabalho não pode ser objeto de infoexclusão. O caminho para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho pode ser também via o uso das tecnologias da informação e comunicação com o objetivo de evitar o deslocamento casa-trabalho e vice-versa. Isso pode causar um efeito indesejado: a exclusão social, justamente por limitar a integração da pessoa na comunidade de trabalho e social.

Não se deve pretender com o teletrabalho a clausura das pessoas com de-ficiência, mas meios para que estas possam ter mais dignidade, mais uma vez reflexo não somente do princípio da igualdade e da dignidade humana, mas do valor social do trabalho.

Conclusão

É inegável o esforço legislativo para proteger a pessoa com deficiência e buscar meios para a sua inserção no mercado de trabalho e inclusão social. Con-tudo, mesmo havendo uma fartura de dispositivos legais que visam a garantir os direitos dessas pessoas, na prática, estes não são suficientes para alcançar o obje-tivo almejado. É imperioso pensar no real objeobje-tivo da lei em se estabelecer cotas para essas pessoas, no sentido de apenas recepcionar um número de deficientes no mercado de trabalho ou de alcançar a igualdade entre sujeitos desiguais.

A partir das premissas analisadas, observa-se que o teletrabalho se apre-senta como um dos instrumentos garantidores da possibilidade de inserção desse grupo de trabalhadores, mas há que se adequar essa nova forma de trabalho para propiciar, além de uma remuneração digna, um veículo de inclusão social.

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Recebido em 3 de abril de 2011 Aceito em 18 de agosto de 2011

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