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MARQUES, Isabel. Os jogos do corpo: do lúdico ao cênico. In: BEMVENUTTI, Alice. O Lúdico na Prática Pedagógica. Curitiba: IPEX, 2009.

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MARQUES, Isabel. Os jogos do corpo: do lúdico ao cênico. In:

BEMVENUTTI, Alice. O Lúdico na Prática Pedagógica.

Curitiba: IPEX, 2009.

Corpos lúdicos: corpos que brincam e jogam

Não há quem não pense, não sinta e não se lembre do corpo quando o assunto são brincadeiras, jogos e brinquedos. O corpo está presente em praticamente todas as manifestações lúdicas do ser humano, até mesmo nas virtuais – há sempre um ou mais corpos por trás das telas e muitas vezes corpos virtuais animados. O corpo faz parte e é elemento primeiro para realização das possibilidades de conhecimento, percepção, interação e até mesmo de transformação dos brinquedos, jogos e brincadeiras que fazem parte de nossas vivências culturais lúdicas.

A manipulação dos brinquedos depende do corpo: boneca, carrinho, cinco marias.

Boneca de pano, carrinho de autorama, cinco marias pequenininhas, bola de plástico: a percepção tátil, auditiva, cinestésica e olfativa dos brinquedos passa necessariamente pelo corpo. A participação das crianças, jovens, adultos e idosos em qualquer proposição de jogo passa sempre pelo corpo – pelas mãos, pelos olhos, pela “cabeça”: jogo da memória, quebra- cabeça, jogos de tabuleiro ou de adivinhação. As brincadeiras não existiriam se não existissem corpos que brincam: que brincam de esconder, de pegar, de correr, de agarrar!

Em suma, os brinquedos, jogos e brincadeiras não podem prescindir dos corpos que jogam e brincam. Os brinquedos, jogos e brincadeiras estão intrinsecamente relacionados a como sentimos, percebemos, conhecemos, entendemos e dialogamos com nossos corpos, com os corpos dos outros e com o espaço físico e virtual em que vivemos. Parafraseando Michel Foucault1, não é somente o poder que está inserido no corpo, os jogos e brincadeiras também.

Nossos corpos permitem e/ou limitam, abrem e/ou fecham, expandem e/ou circunscrevem nuances de relacionamentos quer com os objetos de brincar e jogar quer com as pessoas e os espaços com que brincamos e jogamos. Por exemplo, um corpo pequenino terá mais dificuldades em jogar basquete - e obter bons resultados dependendo das regras - do que um corpo grande e alto. Corpos flexíveis aproveitarão as delícias de uma cama elástica de forma totalmente diferente de corpos enrijecidos. Mãos ágeis, rápidas e ligeiras saborearão os prazeres de encaixe de um pequeno quebra-cabeça, mãos grandalhonas, grossas e lentas, talvez não.

Corpos medrosos não se jogam na piscina livre e espontaneamente para brincar com a água.

Corpos corajosos brincam na cachoeira sem receios antecipados dos riscos que ela pode oferecer.

1 in Foucault, Michel (1979). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.

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Isso não quer dizer, obviamente, que nossos corpos determinam a priori quais brinquedos, jogos e brincadeiras podemos ou não jogar e brincar. Estaríamos assim, não somente pré-determinando que tipo de corpo pode brincar o quê, com quem e onde mas sobretudo excluindo uma vasta gama de corpos do direito que têm de experimentar a ludicidade da vida, de experimentar a própria vida. Nossos corpos, isso sim, atuam de formas diferentes diante de brinquedos, jogos e brincadeiras por serem únicos, diferentes entre si. Cada corpo estabelece e cria relações diferentes e diferenciadas diante dos mesmos brinquedos, jogos e brincadeiras. Isso se dá basicamente pelo fato de não “termos”, mas sim de “sermos”2 um corpo, pelo fato de sermos nossos corpos. Nossos corpos são o que somos. Somos o que os nossos corpos são.

Nessa abordagem, o corpo não é meio, canal ou instrumento, mas sim protagonista dos jogos e brincadeiras. Aquilo que sabemos, conhecemos, sentimos, entendemos, construímos em nossos corpos nos leva a estabelecer ou não múltiplas relações com os espaços e vivências lúdicas existentes em nossa sociedade.

Por outro lado, os brinquedos que conhecemos e já “brincamos” com certeza imprimiram marcas em nossos corpos. Nossos jogos preferidos da infância e até mesmo da idade adulta deixaram e continuam deixando marcas em nossos corpos. As brincadeiras que brincamos, no passado ou no presente, constituem, organizam, ensinam e transformam nossos corpos. Ou seja, a forma como nos movimentamos, nos relacionamos e entendemos o mundo está intrinsecamente relacionada à forma com que vivemos nossos corpos. Assim, as brincadeiras que brincamos e os jogos que jogamos - e continuamos ou não brincando e jogando – são canais importantíssimos de construção de nossos corpos e, portanto, de construção de quem somos e da construção de nossas vidas.

Nessa linha de raciocínio, podemos entender mais uma razão pela qual Johan Huizinga3 entende o jogo como função da vida, o jogo como base da civilização. O corpo é função da vida, o corpo é base da civilização. O corpo que joga e brinca pode, portanto, ser compreendido como função da vida, como base da civilização.

Por exemplo, um corpo pequenino que teve muitas dificuldades em jogar basquete aprendeu em seu corpo coisas distintas daquele que fez muitas cestas e venceu muitos jogos.

Corpos flexíveis que puderam se jogar na cama elástica imprimiram em seu ser no mundo o prazer da leveza e da soltura, corpos enrijecidos podem ter desistido disso. Por outro lado, na prática dessa brincadeira, corpos enrijecidos podem ter-se transformado em corpos flexíveis!

Mãos ágeis, rápidas e ligeiras que saborearam os prazeres de encaixe de um pequeno quebra- cabeça, têm hoje as mãos marcadas de sensações, lembranças e possibilidades que, provavelmente mãos grandalhonas, grossas e lentas não puderam adquirir, pois não

2 in Johnson, Don (1994). Corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

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experimentaram, não jogaram, não brincaram com pequenas peças. Corpos medrosos que não se jogam na piscina livre e espontaneamente para brincar com a água podem continuar corpos – e seres - medrosos. Já aqueles que brincam na cachoeira sem receios antecipados dos riscos constroem em si mesmos força, habilidade, e, principalmente, coragem de enfrentar riscos de qualquer instância.

Sob o ponto de vista pedagógico, estabelece-se um ciclo de interdependência muito interessante entre corpo, brinquedos, jogos e brincadeiras: brincamos e jogamos porque necessariamente somos e envolvemos nossos corpos nesses processos ao mesmo tempo em que jogos e brincadeiras constroem nossos corpos desde o nascimento. A ausência de brinquedos, jogos e brincadeiras construirá um corpo não brincante, não envolvido, e será justamente esse corpo “não envolvido”, não presente que mais necessitará dos brinquedos, jogos e brincadeiras para re-estabelecer, ampliar, aprimorar e aprofundar as relações com os atos de brincar e jogar.

Em geral, a idade adulta interrompe esse ciclo, pois estaciona o corpo, sedentariza os ensinamentos e aprendizagens lúdicos. O trinômio corpo-construção-educação não pode ser entendido somente na infância, mas em movimento constante durante toda a vida.

Por meio da intervenção pedagógica são os próprios jogos e brincadeiras que podem educar e ensinar corpos não brincantes por circunstâncias genéticas, sociais ou culturais a dialogar, a interagir e eventualmente a transformar relações corporais consigo próprio, com os outros e com o meio. As proposições pedagógicas têm papel fundamental em criar e recriar laços e caminhos entre o corpo e o lúdico e, conseqüentemente, com o próprio brincar e jogar na cena sócio-político-cultural.

Em geral, as intervenções pedagógicas no sentido de propiciar e propor jogos e brincadeiras aos alunos passam necessariamente pela seleção, elaboração e confecção de materiais: da escolha de papéis, tintas, tecidos e barbantes à montagem de ambientes, tabuleiros, mapas e cartazes. O corpo, nessas proposições, assume o papel de interagir, dialogar, intervir e eventualmente transformar as propostas lúdicas materializadas pelo professor. Nessas situações, o corpo não é um “meio” para jogar e brincar, mas acaba dependendo sempre das condições materiais externas para sua realização lúdica.

Na verdade, o jogo e a brincadeira não necessitam sempre de suporte material, pois eles já estão no próprio corpo. O corpo é o brinquedo, o jogo e a brincadeira. O corpo que somos pode nos proporcionar situações e interações lúdicas sem necessariamente estarmos apoiados nas canetinhas coloridas, nos recortes, nas massinhas, nos jogos de encaixe, nas bexigas, nas bonecas e nos carrinhos (embora esses suportes sejam todos extremamente importantes, necessários e significativos para os corpos que brincam!). Corpos neles mesmos e por eles mesmos já brincam, jogam, inter-relacionam-se brincando e jogando. O jogo e a brincadeira podem ser o próprio corpo.

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Para que o corpo possa ser o próprio jogo e a própria brincadeira, precisamos antes de tudo conhecê-lo: conhecer é saber o corpo e saber no corpo. Conhecer o corpo no sentido de entender, compreender, estudar, mas, principalmente, no sentido de “saborear”, de experimentar, de explorar, sentir e perceber no corpo suas proposições e possibilidades, seus jogos e brincadeiras. Como? Jogando e brincando... é no próprio jogo e nas possibilidades de brincadeiras corporais que podemos entender, perceber, sentir, explorar e, principalmente, transformar nossos corpos e nossos jogos corporais.

Conhecer o corpo é basicamente saber como ele está - ou pode ser - organizado: suas estruturas (óssea, muscular etc), suas conexões internas (relações, funções e possibilidades entre as estruturas ósseas e musculares, por exemplo), sua organização básica (central, céfalo-caudal, homóloga, homolateral, cruzada), suas funções (digestão, reprodução, respiração, locomoção etc), entre outros. Podemos encontrar todas essas e mais informações em livros, na internet, em revistas especializadas. No entanto, ler sobre o corpo não é conhecer-saber-saborear. Para realmente saborear-saber informações importantes, úteis e necessárias sobre o corpo e sua organização é muito mais significativo que saibamos e possamos brincar conhecendo e conceituando no corpo: tocar, mexer, apalpar, explorar, mover, experimentar, fazer e desfazer proposições corporais.

Entretanto, o conhecimento do corpo, mesmo sendo um “saber-saboreado” como sugerimos, ainda não é o suficiente para que o corpo seja e proponha seus próprios jogos. Para que o corpo seja engajado no jogo, é necessário conhecer (saboreando, lógico) a linguagem corporal, e não somente as estruturas organizacionais do mesmo. A organização corporal (estrutura, função, conexões etc) é somente uma das faces da linguagem corporal, sem a qual, no entanto, os jogos corporais não se realizam. Em outras palavras, o conhecimento da linguagem corporal vai além do conhecimento do próprio corpo e do corpo próprio, pois somente o conhecimento da linguagem corporal insere o corpo no jogo do contexto sócio- político-cultural.

Para jogar o jogo do corpo é essencial que conheçamos no corpo os elementos da linguagem corporal e saibamos os múltiplos caminhos de articulá-los. O percurso de conhecimento da linguagem corporal é também um processo de buscas e descobertas sobre os diálogos possíveis entre corpo, qualidade de movimento, espaço ocupado pelo corpo e as razões pelas quais essas intersecções acontecem. O jogo, os processos de buscas e descobertas para conhecer no corpo a linguagem corporal pode se iniciar com as perguntas: o quê se move?

como se move? onde se move? por quê se move? Perguntas essas que devem ser respondidas corporal e intelectualmente. Assim, o corpo que se move será sempre um corpo pensante, não somente um corpo delirante, catártico.

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O quê se move? O corpo. Que parte do corpo? Com que organização? Executando quais ações? Que parte do corpo inicia o movimento? Ou é o corpo todo que se move? E assim por diante.

Como se move? Em um certo período de tempo. Em quanto tempo? Com intencionalidades distintas. Muito determinado? Pouco determinado? Com um foco específico do corpo. Espalhado? Pontual? Com fluxos de movimento aparentes ou não.

Onde se move? Em cima ou embaixo? Ocupando muito ou pouco espaço? Fazendo formas determinadas ou não? Desenhando curvas ou linhas no espaço? Ocupando ou não os espaços negativos? Com foco de olhar fixo ou múltiplo?

Por quê se move? Que razões levam o corpo a se mover? Que sentidos está produzindo?

Há muito tempo a tradição nos ensina e nos permite articular (jogar) os jogos do corpo: o corpo pula - amarelinha, elástico, corda. O corpo joga bolas - futebol, queimada, basquete. Brinca - mãe da rua, passa anel, coelhinho sai da toca, barra manteiga, duro ou mole, pega-pega. O corpo expande – na cama elástica, no trepa-trepa, no escorregador, no balanço, no túnel e na gangorra. Sem o domínio dos elementos da linguagem corporal, nenhum desses jogos e brincadeiras poderia estar sendo jogado e transmitido durante tantas gerações. Do mesmo modo, é a introdução desses jogos nos corpos das crianças que ensina e permite o aprendizado e o domínio da linguagem corporal. Quem joga domina, usa, usufrui, utiliza os elementos da linguagem corporal. Ao mesmo tempo, é pelos jogos e pelas brincadeiras do corpo que aprendemos formas articuladas desses elementos que a tradição compôs.

O corpo lúdico conhece, sabe, saboreia e trabalha com a linguagem corporal para torná-la jogo e brincadeira. O corpo lúdico joga muitos jogos e brinca muitos brinquedos somente quando conhece (saber, saborear) os elementos da linguagem corporal. Como? Como o corpo se torna lúdico?

Brincando e jogando consigo mesmo, com os outros, com o meio físico. É por isso que os jogos e as brincadeiras que são nossos corpos nos educam e nos ensinam os jogos sócio- político-culturais. O universo das relações está instaurado – nos corpos que sabem brincar e jogar, pois sabem também relacionar (os elementos da linguagem corporal) e relacionarem-se (com o outro, com os outros).

O jogo corporal por meio dos elementos da linguagem pode ser chamado de dança?

De teatro? Quando é que o jogo vira dança, vira teatro? Existe uma “passagem” do jogo corporal para o jogo das artes cênicas? É o que veremos a seguir.

Corpos cênicos: os jogos da arte

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A rigor, nossos corpos estão sempre em cena: a cena social. Somos todos atores sociais que escolhem, atuam, conhecem, produzem, articulam, fazem e desfazem. Enquanto atores sociais corporificados os jogos da linguagem corporal estão sempre em cena, quer por meio dos jogos e brincadeiras reconhecidos, quer por meio dos jogos corporais que se estabelecem nos encontros e desencontros do cotidiano. O cenário social não pode prescindir do corpo e de seus jogos, pois é assim que esse cenário vive, sobrevive e se transforma continuamente, pois os jogos corporais sociais nunca são estáticos.

Há vários cenários na cena social, um deles, que nos interessa aqui, é o cenário das artes cênicas (teatro, dança, circo), pois neles os corpos da cena social jogam outros jogos: os jogos das linguagens da arte. Nos jogos dos corpos em cena nos cenários da arte o corpo, que é lúdico, torna-se também corpo cênico: corpo que, além de dominar e usar a linguagem corporal trabalha a própria linguagem. No corpo cênico a linguagem é construída, desconstruída, reconstruída, criada e re-criada. O corpo cênico é criador, criativo e construtor da linguagem corporal.

Desta forma, além de se servir da linguagem para entrar nos jogos do corpo – em suas regras, circunstâncias e proposições – os atores das artes cênicas estabelecem regras, recriam circunstâncias e inventam proposições à medida que os corpos estão jogando, ou seja, dançando e atuando. O corpo cênico tem possibilidades e oportunidades de ampliar a linguagem e não somente de compreendê-la, reproduzi-la, executá-la, interpretá-la. O corpo cênico sabe, aprende e transforma a dança; sabe, conhece e transforma a atuação e não somente dança e atua. Mas o que seria conhecer, aprender e transformar a dança, o teatro, a arte?

Corpos que simplesmente dançam os passos do Forró, seguem as evoluções do Maracatu, reproduzem a coreografia da Bela Adormecida ou das danças da mídia são, sim, sem dúvida, corpos dançantes - mas não necessariamente corpos comunicantes, pensantes, expressivos, conhecedores de arte, das linguagens artísticas. O mesmo pode-se discutir em relação às cenas teatrais: a mera regurgitação de textos em cena não compreende a possibilidade de comunicar, pensar, expressar e, em última instância, de conhecer (saboreando) a arte do teatro.

Comunicar, pensar, expressar e conhecer as linguagens corporais das artes de cênicas4 implica articular, relacionar, tecer múltiplas redes entre os elementos de cada linguagem artística. Conhecer as linguagens das artes corporais (ao invés de simplesmente trabalhar com a linguagem) é incorporar a possibilidade de ampliar, expandir, criar e transformar as próprias linguagens; trabalhar a linguagem corporal é o papel dos corpos cênicos, dos corpos que conhecem, compreendem, desconstroem e transformam as próprias regras dos jogos corporais das cenas artísticas.

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De fato, “a cena [teatral, da dança] é constituída por uma complexa articulação entre diferentes sistemas de signos que não têm sentido absoluto em si mesmos, mas só adquirem significado uns em relação aos outros”5. Essas relações são, justamente, os jogos - teatrais, dramáticos, dancísticos – os jogos dos corpos cênicos.

Portanto, dançar e atuar em forma de jogo – e não em forma de reprodução ou repetição - permite que corpos lúdicos tornem-se também corpos expressivos, compartilháveis, comunicáveis e significativos para quem joga - dança e atua. Dançar articulando as múltiplas possibilidades, intersecções e relações dos elementos da linguagem corporal faz com que corpos lúdicos tornem-se corpos cênicos que dialogam, interferem, escolhem e podem transformar os cenários das artes e, conseqüentemente, os cenários sociais.

Os jogos dos corpos cênicos, dessa forma, pressupõem e incluem sempre aqueles que aparentemente não estão no espaço cênico, mas continuam no espaço da cena – os apreciadores, o público, os interlocutores ou, ainda, os outros atores cênicos-sociais, os outros. Levando-se em conta que os jogos são sempre processos6, pois acontecem no tempo presente – o tempo da cena –, os outros presentes nos processos são tão protagonistas quanto os atores, jogam o jogo proposto pela arte e por seus atuantes.

Os parceiros de cena, de aula, de ensaios, de processos de criação são “outros” na própria cena que têm o importante papel de diálogo próximo, de diálogo “por dentro” e por meio dos próprios elementos das linguagens cênicas. Já os pares avançados – o professor, o diretor, o coreógrafo, o pesquisador – exercem os mesmos “outros” papéis, mas com um diferencial: além de interlocutores, são também ensinadores, são parceiros que podem estar fora da cena específica (o espetáculo), mas que fazem a intermediação – verbal e/ou corporal - entre os atores em cena e os atores da cena. Os apreciadores constituem um terceiro grupo no complexo das relações cênicas em jogo, podendo ser os próprios alunos em sala, o público leigo, o público especializado, ou seja, críticos e amigos críticos! Outro grande interlocutor parceiro e par avançado ao mesmo tempo é o espaço cênico, o espaço físico ou imaginado, as construções cênicas em torno dos atores – com ou sem cenário, paisagem sonora, figurinos etc).

Em qualquer uma dessas relações que se estabelecem na cena (de parceria, par avançado, apreciador, espaço cênico) é a construção da linguagem que está realmente em jogo por meio da partilha, da participação, da ação e da recriação, da intencionalidade de comunicação. Os “outros” que compõem as relações da cena teatral são também os outros que compõem as cenas sociais.

Assim, o corpo cênico, que é primordialmente lúdico, torna-se também corpo cidadão: capaz de escolher, criar, participar, criticar e transformar.

5 Pupo, Maria Lúcia (2001). O lúdico e a construção do sentido. Sala Preta. ECA-USP, ano1. vol. 1, p. 182 discutindo as idéias de Anne Ubersfeld e Pavis.

6veja Christie, James in Kishimoto, Tizuko (2002). O jogo e a educação infantil. In Kishimoto, T. (org). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez.

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Sugestão de atividades:

1) Reúna um grupo de colegas e tente lembrar que brinquedos, jogos e brincadeiras fizeram parte de sua infância. Busque entender como seu corpo participava dessas atividades – prazer, dor, ansiedade, facilidade, desprezo etc. Em seguida, tente compreender o que esses mesmos brinquedos, jogos e brincadeiras ensinaram a seu corpo, ou seja, a você mesmo, corpo cidadão.

2) Enumere jogos que você joga na idade adulta. Tente discutir com os colegas como seu corpo está envolvido e engajado nesses jogos. Em relação ao corpo, o que diferencia e/ou aproxima esses jogos entre si?

Pense nas funções do corpo ao jogar, perceba que espaço esse corpo ocupa no jogo, que relações seu corpo estabelece com você mesmo, com os outros e com o espaço físico (meio ambiente).

Tente traçar relações entre seu corpo nos jogos que você joga e seu corpo no cotidiano.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO

Bruhns, Heloísa e Gutierrez, G. (org). O corpo e o lúdico. Campinas: Ed. Autores Associados, 2000.

Foucault, Michel . Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

Huizinga, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 1999.

Johnson, Don. Corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

Kishimoto, Tizuko. (org). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo:

Cortez, 2000.

Marques, Isabel. Ensino de Dança Hoje. São Paulo: Cortez, 2007.

Marques, Isabel. Dançando na Escola. São Paulo: Cortez, 2008.

Pupo, Maria Lúcia. O lúdico e a construção do sentido. Sala Preta. ECA-USP, ano1.

vol. 1, 2001.

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