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Agitação, Agressão e Violência na Urgência Psiquiátrica no Hospital Curry Cabral. Experiência e Reflexões

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Academic year: 2023

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RESUMO:

Trata‑se de um artigo que redige a comuni- caçãooralefectuadanoSimpósiodoServiço dePsiquiatriadoHospitalFernandoFonseca sobolema“PsiquiatriadeUrgência”.Apartir daexperiênciadaautoraenquantopsiquiatra do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL)noServiçodeUrgênciadePsiquiatria noHospitalCurryCabral,tece‑seadescrição dapraxis e do seu contexto, apresentam‑se conceptualizações sobre a mesma, acompa- nhadasdeummodeloqueaenquadra,erefle- xõescríticasdaprópria.

Palavras-Chave:UrgênciaPsiquiátrica;Mo- delo de Intervenção; Necessidades de Saúde Mental.

Abstract:

This is an article that compiles the oral com- munication presented at the Symposium of the Department of Psychiatry of Hospital Fer- nando Fonseca focused on “Emergency Psy- chiatry”. From the author’s experience as a psychiatrist at Centro Hospitalar Psiquiátri- co de Lisboa (CHPL) in the Curry Cabral Hospital psychiatric emergency room, this

text describes the praxis and its context, pre- sents conceptualizations about the subject, accompanied by a fitting theoretical model, as well as personal critical reflections.

Key-Words: Psychiatric Emergency; Inter- vention Model; Mental Health Needs.

Quando me foi solicitada a abordagem do temaagressãoeviolência,aprimeiraquestão quemepusfoi“dequeéquesefalaquando seusamestestermos?”.Aviolênciafísicahe- tero‑consumadaéumapequenaparcela.Num serviço de urgência, confrontamo‑nos com questõesbemmaisamplasesemprecomple- xas:auto‑agressões,abusosmorais,violência psicológica em múltiplos graus e expressões direccionadosaosprofissionaisouaacompa- nhantes, comportamento agressivo sem alvo específico,impulsivoouinstrumental,violên- ciadegrupoouindividual,desencadeadapor factoresreaisoudelirantes,quepodemconsti- tuircrimeounão.

Nãoháconsensoquantoàdefiniçãodeagres- são.Bandurarefere‑acomo“comportamento queresultaemdanopessoaloupatrimonial”1. Scherer,AbeleseFischer2consideram‑naum

“comportamento intencional para magoar MariaAntóniaFrasquilho*

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outrem da mesma espécie” e Baron postula um“comportamentodirectamentedirigidoao objectivodedestruir,prejudicaroutroservivo que está motivado para evitar tal tratamen- to”3. Nestas perspectivas, violência é o grau extremodaagressão.

NaobraViolence and Mental Disorder: De- velopments in Risk Assessment, os autores4 debruçam‑se sobre a dificuldade de predizer riscosbaseadosemcritériosclínicos,integram aagressãoeviolêncianacomunidadenuma conceptualização de saúde pública, referin- do que no âmbito estritamente psiquiátrico (doençamentalpersecomocausadoradavio- lência)regista‑serelativamentepoucoscasos.

Istoéimportanteserconhecido,poisoestigma contradoentesmentaisassentaemmedosde danosquecarecemdeprovasdeterminísticas.

Maisfácilédebruçarmo‑nossobreaagitação.

Ahipervigilância,ahiperactividadesempro- pósito, o comportamento funcional e social inapropriado, as explosões verbais, os gestos excessivos e comunicação agreste, com mais oumenoshostilidade,sãoprópriasdaagita- çãopsicomotora.Esta,sim,évulgaremmúlti- plassituaçõesmédicas,psiquiátricasemistas (comorbilidades).Perturbaçõesdaansiedade, afectivas, psicoses, estados orgânicos de de- mência, AVC, trauma,delirium, dor intensa, fármacos,intoxicaçãoouabstinênciadedro- gasapresentam‑senaurgênciacomagitação.

Tambémemsituaçõesdeconflitos,intolerân- cia à frustração e dificuldades de gestão das exigências do quotidiano, a agitação, e até

agressão,podemserasuaexpressãocompor- tamental.

Enquantoprofissionaldesaúdementalepsi- quiatra,pauto‑meporummodelodeaborda- gem,emurgênciaenoutroscontextosprofis- sionais,queprivilegiaacompreensão.Quando há que resolver problemas complexos, esse entendimento,longedeserelementarecom focoafunilado(razõesdebiologia,razõesde personalidadeoudeterminismosrelacionais), temdeenglobarníveisdeexplanaçãodofun- cionamentohumanointegrativos.Éóbvioque hádiversasvisõesteorizadasquecongregam seguidores(osmodelosdasneurociências,os médicos, os modelos centrados no humanis- mo,osmúltiplospsicológicos,ossociológicos, os teológicos). Cada um provê explicações válidasdocomportamento,mascadaum,se exclusivoefechado,ésempreparcelare,como tal,nomeuentender,insuficiente.

Emcadasituaçãodeintervençãotécnicaso- breocomportamentohumanotemosantesde contemplarasuadinâmicaeevoluçãonoci- clodedesenvolvimento.Temosdeconsideraro

“Porquê?”,“Porquerazãotemososproblemas quetemos?”;o“Quê?”,“Qualéexactamente oproblema?”;o“Como?”,comocadapessoa experimenta emocionalmente a situação; o

“Para quê?”, há finalidades que o compor- tamentovisaatingir?Enestaperspectiva,na qualqualquerdimensãotemumefeitointer-

‑relacionadosobreasoutrasdimensões,osu- jeitoqueprocuraumserviçodeurgênciaage eéagidoportodoumsistemaemqueaestru-

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turaeaorganizaçãoeatitudedosserviçossão partesintegrantes.

Emsuma,umaactualizaçãodoconhecimen- toécrucial:elaalicerçaosaber,raizprimei- ra da análise dos problemas. A experiência construída ao longo de anos depraxis, se metabolizada em aprendizagem contínua, enquadraaprática,ofazerdeurgênciacom fluidez,porquebeminteriorizada.Finalmen- te,édecisivooauto‑questionamentopessoal, oconhecer‑secomoactornarelação,media- dornoprocessodecomunicação,cujasati- tudesestãoimplicadasnosresultadosfinais.

Conhecimento,experiênciaeatitude,mobili- zadosnumtodo,comfocosemprenapessoa e nas suas circunstâncias, entendida como umsujeitotambémdepoderecomdireitos (enãosóumaorientaçãoparaadoença),eis opontodepartidaqueentendoessencialna práticamédica.

Osdadosepidemiológicosindicamqueavio- lêncianosserviçosdeurgênciaestáemcresci- mento5,6e,omaisdasvezes,nãoéreportada7,8. A situação pode limitar‑se a um problema médico‑psiquiátrico e a nossa acção será si- milar à resolução de outra qualquer patolo- gia,talcomoadaagitaçãopsicomotora,mas, no fundo, é sempre bem mais complexa. A agressividade e violência geram morbilidade nosprofissionaisdesaúde.Hácasosdemor- tesinfligidaseosriscosdesegurançasãoum factordestresslaboralinquestionávelcomas inerentes perdas de produtividade, erros, in-

satisfação,turnovereabandonodospostosde trabalhoemserviçodeurgência9.

NoServiçodeUrgênciadoHospitalCurryCa- bral(HCC),ocrescendodeagressãoéassina- lável mas ainda incipiente, essencialmente verbal,ouagressõesperpetradassemrecurso aarmas.

Noquadrodecomportamentoshetero‑agres- sivos,consideroquenanossapráticaclínica de emergência enfrentamos poucos casos de genuína violência. A maioria corresponde a quadrosdeetiologiaorgânica(usoouabsti- nênciadetóxicos)epsicoses,usualmentecom comorbilidadecomdrogasouálcool.

Assituaçõesdehostilidadeagressivasãomais frequentes, habituais em perturbações da personalidade(explosivas,dissociais,border- line, paranóides, histriónicas) mas também emcasosdeexcitaçãomaníaca,depsicosese de situações orgânicas tipo demência e pós-

‑AVC.Deve‑seassinalarquemuitocorrentee em crescimento são as explosões agressivas defamiliares,querdirigidasaostaff,querno contexto de conflitualidade intrafamiliar ou outra,deslocadaparaoterritóriodoserviçode urgência.

Porseulado,estadospsicopatológicosdeagi- taçãosãomuitocomunsepossíveisemquase todas as patologias, nem que seja como res- postaaostressdaimersãonoambientehos- pitalar.

Quantoaoscomportamentosauto‑agressivos, registamosumaaltaincidênciaeumcrescen- doassinalável.Osmaiscomunscorrespondem

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aingestãovoluntáriadetóxicoscomideação suicidáriaocasional,masmaiscomummente comoreactividadeafrustraçõesecomomeca- nismosdecopingperantestressoresvitais.Na mesmalinha,registamosasauto‑mutilações, as fugas psicogénicas com dramatização e auto‑flagelo. Mais uma vez, conflitos, frus- trações, personalidades não suficientemente maduras para enfrentar os desafios da vida estão no desencadear das auto‑agressões. Al- gunsquadrosorgânicose,maisumavez,as psicoses, algumas depressões e reacções de (des)ajustamento poderão ser determinan- tes. O comportamento suicidário com risco efectivodeauto‑destruiçãoémenosincidente e inscreve‑se usualmente no quadro de per- turbaçõesdepressivasoupsicóticas,sendode imediatoobjectodeinternamento.

Finalmente,abordoocasoemqueoutilizador doserviçodeurgêncianãoéafontedaagres- sividadeouviolência,massimasuavítima.

Nãoéraroorecursodesujeitosemquadros destress pós‑trauma, de depressão, de grave ansiedadeemesmoemsituaçõesdeagitação psicomotoranasequênciadeviolênciafísica ouemocionaldequeforamouestãocontinu- amenteaseralvo.Situaçõescomoestaseclo- demedisseminam‑seemmomentosdecrise comoaactual.Afaltaderespeitopelaidenti- dade e integridade de outrem transforma‑se.

Daexcepçãocondenávelpassaainstrumento degestãoouprocesso“normal”deretirarda vítima uma qualquer vantagem. De acordo comaliteratura2,3,6,confirmamosmaiorpre-

valência de casos graves de agressão e vio- lência no género masculino e mais casos de hostilidadedissimuladaoudeslocadaemmu- lheres,bemcomodeauto‑mutilação.

O serviço de urgência pauta‑se pela necessi- dadederesolvernomínimotempopossívelos casosemmãos.Assentaránumaboatriagem pré‑envio para a especialidade, com base na verificaçãodoquesãoefectivamentecasospsi- quiátricos, na gravidade do comportamento agressivoedosseusriscos.Contudo,raramen- tetaléconseguidoeháumconjuntoassinalá- veldecasosquenãosãomédicos(meroscon- flitos,zangaspassageiras)ouquenãoexigem intervençãoimediataemserviçodeurgência.

Operfilhabitualdesituaçõesdeagressividade e violência neste serviço é: homem de 20‑30 anosdeidade,intoxicado,desafiante,comtra- çosdissociais(porvezesacompanhadodeau- toridadespoliciaiscomquemteveproblemas) etambémindivíduosdeambosossexos,mais idosos, com deterioração cognitiva franca, confusãomentalecomsintomatologiapara- nóide,avivenciaremmedoextremo.

Perante situações de agitação e violência o queháafazeré“cortarociclo”.Aviolência auto‑alimenta‑se. Um atendimento desejável requer:umdoentecooperante;tempoadequa- doparaaavaliaçãoeconcepçãodaresposta terapêutica,sebemquearapidezseimponha;

eumcontextoeambientefavorável.Estain- tervençãoimediatavisamaximizarosbenefí- ciosdarespostaereduzirosriscosinerentesà mesma(paraodoenteeparaoprofissional).

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Numa primeira fase, a meta é conseguir a rápidacolaboraçãododoenteemsegurança, comconfortomútuo,deformaaavaliá‑lo(fa- zerodiagnósticoclínicoedosrecursosamo- bilizar,bemcomodasbarreirasaultrapassar).

Umsistemadeinformaçãoacessíveléfunda- mental, bem como a articulação sequencial comosresponsáveispeloscuidadosregulares continuados.Mas,maisumavez,deparamos comdissonâncias.Aurgênciapsiquiátricano HospitalCurryCabral,alémdeterumaenor- me área de actuação formalmente atribuída nazonadagrandeLisboaedefuncionarcomo referenciação de segunda linha para toda a zonasuldopaís(dePortalegreaPortimão), é percepcionada pela comunidade como “a urgência de psiquiatria”. A ela acorrem os internacionais que escalam no aeroporto de Lisboa,asgentesdasprovínciasdetodooter- ritórionacionalemvisitaaosseusfamiliares lisboetas, ou mesmo transportados por estes especificamente para serem “observados na capitalpeloespecialista”.Osistemadeinfor- maçãonãopermiteacederaocircuitodecui- dadosdesaúdeforadestaurgênciaealigação aos profissionais, quer médicos de família, queroutrosprestadores,équasenula.Nãoé viávelrecolherinformaçãopreciosadeoutras fontes,nemidentificarrecursosemrede(mui- tosdoenteagitadoseagressivosvêmsozinhos ouacompanhadosdapolícia).Mesmoassim, antesdaentrevistadirectaaodoenteagressivo, procuramosobteromáximodeinformações.

Inquirimososacompanhantes,quandooshá,

apolícia,ouosbombeiros.Todasasinforma- çõesdevemsercombinadasdeformaamelhor definiroproblema.Outrafontedeinformação significativaaquedevemosater‑noséouviro quenosdizemos“feelings”.Mesmosemra- cionalidade,estaratentoàsprimeirasimpres- sões(sabendoquenãosãomaisdoqueisso) pode ajudar‑nos a identificar riscos e a não nos expormos desnecessariamente. Há que ser afirmativo, decidir se se devem cumprir asnormasusuaisdeconsultapsiquiátricaem salafechadacomodoentelivreouseapor- tadeveficaraberta,seoutraspessoasdevem estarpresentesouatésesedeverámanterou iniciaracontençãofísicadodoente.Emtodos os casos, a abordagem tem de ser tranquila, contrariarrespostasbruscasdostaff,exaspe- radasougritadas.

Estediagrama(figura1)ilustraaminhaop- çãoporummodelointegrativo,quevisaas- segurarcuidadoscompreensivos(mesmoem urgência) num processo continuado de rede pluridisciplinarapósaalta.

A base estruturante em que assenta o pro- cesso de atendimento que preconizo é o paradigma holístico. Ou seja, entendo ser de recusar a fragmentação do “mundo”, o mecanicismo tecnológico ultra‑especiali- zadomasreducionista,emquecadaumse limitaàobservaçãoeintervençãonumadas partes, tendo por fantasia que o todo se li- mita à soma das parcelas. A pessoa doente queutilizaumserviçodeurgênciadeveser compreendida por inteiro e quem a acolhe

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temdeentenderquetudo(desdeaestrutura físicadoserviçoatodososseusintervenien- tes,àorganizaçãodomesmo,aosprocessos de actuação, às agendas explícitas e implí- citas dos profissionais, dos utilizadores, das comunidades locais, da organização e das políticas)estáeminteracçãonaquelepreciso momento,edeladependeoresultadofinal, bemcomoaqualidadedoserviçoprestado.

Assim,porquetudointerdepende,avisãosis- témica,humanística(comquestõesdeética, direitoshumanosevaloresmuitopresentes, aliadasaumrigorosoconhecimentocientí- fico sempre actualizado tendo em conta as evidências) e uma atitude de coesão trans- disciplinar também é mandatória, entendo eu, no contexto de um serviço de urgência psiquiátrica.Asnecessidadesdecadadoente Figura1

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terãodeserpercebidas,oquenãoquerdizer quetenhamdesercontempladasalimesmo noserviço.Hánecessidadesexpressasenvie- sadas,hámanipulaçãoparaatingirfinsque não são aqueles que o serviço de urgência deve preencher (justificações para faltas e outrassituações,testarlimites,recursopara abreviartemposdeesperaemambulatório, aliviarfamiliaresousubstituiraausênciade recursossociais,etc.).Porém,oprofissional emserviçodeurgênciatambémtemdeser sensívelàexistênciadenecessidadesocultas ehiatos,emqueoutrasemaisimportantes necessidadesdesaúdenãoestãoaserpreen- chidas.Daponderadareflexãoecapacitação paradetectartaljogodenecessidades,resul- taráovectorquevaidarsentidoàinterven- ção clínica naquele preciso momento. Essa intervenção tem quatro pilares fundamen- tais:aqualidadedacomunicação/relação;a correctautilizaçãodospsicofármacosdispo- níveis;aestruturafísicadoserviçoquetem deserconformeatipologiadastarefasque neleháadesempenhar;easvariáveispsicos- sociaisquecadaactornestadinâmicanatu- ralmente transporta e representa. A enqua- drarcomoumtampãotodaestaarquitectura eadar‑lhesentidoestáoambientesociale organizacionalquetemdesercoerentecom afunçãoaserdesempenhadanoserviçode urgência.Considera‑sequepartesubstancial dostresseburnoutnosserviçosdeurgência resultamdeincoerênciasemesmoperversi- dadesaestenível.

NoserviçodeurgênciapsiquiátricadoCHPL, sediadonoHospitalCurryCabral,háperma- nentemente dois médicos (usualmente um especialista e um interno) em turnos de 12 horas, dois enfermeiros do CHPL, dois assis- tentesoperacionaiseumsegurançadoHCC.

Agentesdapolíciaebombeirossãopresenças assíduasnotransportededoentes.Quandoo casoédeviolênciaouagressãoimediatamen- te perceptível, o doente tem acesso rápido e directoaoserviço,sendoqueoalvoéintervir rápidonasameaçasimediatas,erepete‑se:ga- rantirasegurançadospresentesedodoente.

Na relação privilegia‑se a comunicação di- recta,compreensiva,calma,paraquesegere contenção,maspersuasivaefirme,paraque oslimitesfiquembemexpressos.Opta‑sesem- pre por alargar território, assegurar saídas.

Pode‑sefazerestaintervençãonasalacoma portaabertaeoenfermeiroouoauxiliarpor perto.Emboratalsejadifícildevidoàsobre- carga destes profissionais com tarefas já em curso,emmomentoscríticosistoéconsegui- do.Ouvirésempreumaboaaposta.Mantera maiorcalmanaprovocação,nãofixaroolhar, induzirrespostasincompatíveis.Pode‑se,por exemplo, oferecer comida. Falar com frases curtas, pausadas. Dizer “Compreendo…”,

“Vouajudar…”,“Lamento,mas…”.Quanto aopilarfarmacológico,opta‑sepeloemprego criteriosoesegurodepsicofármacos.Seocaso éorgânico,háquetrataracausacomoapoio ouencaminhamentododoenteàMedicinaIn- terna.Senãoéocasoeháquebaixardepressa

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aagitaçãoeagressividade,temdesefazera contenção química. Esta é diferente da tera- pêuticadadoençasubjacente.Temosdisponí- vel um conjunto razoável de psicofármacos.

Temosfórmulaslíquidas,orodispersíveis,orais einjectáveis.Nestaúltimas,acombinaçãode diazepamehaloperidoléhabitual,acrescida por vezes da prometazina e frequentemente do valproato. Claro que, se possível, damos preferência a combinações com os menores efeitos secundários extrapiramidais, antico- linérgicos, hipotensão, depressão do centro respiratório,hepatotóxicosecardiotóxicos.Se temdehaverfortesedação,monitoriza‑sede perto. Pode estar indicado fazer de imediato uma cobertura medicamentosa alargada no tempo em doentes crónicos que não aderem aosantipsicóticose,nessescasos,acombina- ção intramuscular de zuclopentixolacutard eretard pode ser uma opção. Num ou nou- tro caso muito excepcional (nomeadamente de agitação resistente em combinação com doençaorgânica),jáfoinecessáriochamaro anestesista.Nasfórmulaslíquidas,usa‑sefre- quentementeodiazepameaciamemazinae, nasorodispersíveis,aopçãomaishabitualéa olanzapinaouarisperidona.Emalgunscasos deagitaçãomenosdramáticos,éviáveloptar pormedicaçãooraleacombinaçãodefárma- cos(estabilizadores,tranquilizantes)também épreferida.Nessecaso,umaopçãousualcos- tumaserolorazepam.Omidazolam,embora se use, não encabeça as escolhas devido ao riscofísicoedeamnésiaanterógrada.Destaco

algunsdetalhes:ointeressedolorazepamnos alcóolicoseutilizadoresdecocaína(atenção aorisconosidosos,nosdoentescomDPCOe outras patologias que a depressão do centro respiratóriofaçaperigar);oriscodedelirium anticolinérgico nos idosos com a prometazi- na.Oscritériosdapromoçãodoisolamentoou dacontençãofísicaconfiguram‑sequandose confirmaapresençadebenefíciosterapêuticos dareduçãodeestímulos,aexistênciaderisco severodedanosaopróprio,terceiroseaoam- biente,ouquandoodoentesobinternamento compulsivotemcomportamentosderecusade aceitar o tratamento que necessita. Quando talserealiza,háquemobilizarmaisprofissio- nais(depreferênciamaisdequatroemequipa coordenada pelo médico) que faz a respecti- vaprescrição.Apenaspelasuapresença,este grupovaidemonstrar“força”demodotran- quilo.Háqueexplicaroporquêdacontenção (emboraodoenteomaisdasvezespareçanão compreender), canalizar acesso intravenoso, medicarevigiar,imobilizandoomenortempo possível.

Ocorrem casos de agitação com agressão aostaff com impactos de roupa danificada, mordeduras, óculos partidos… Nos últimos tempos manifesta‑se um decrescendo de in- cidentes físicos graves mas um crescendo de litigância.

Embora esteja tecnicamente recomendada a existência de um leque de intervenções para cuidar dos profissionais de saúde em serviço de altostress, como a urgência, não há ne-

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nhum programa aqui implementado. Vem a propósitoreferirqueosprogramasdestetipo devem incluir intervenções pedagógicas (in- formaçãoetreinosobrecomocomunicarcom doentes agitados e potencialmente violentos, comogeririncidenteseresolverproblemase comogerirassituaçõesdestressnolocalde trabalho); intervenções psicossociais de fo- mentodacriaçãoderedesedeprevençãodo burnout, intervenções organizacionais para prevenção de riscos. Quanto ao factor am- biente (físico e interpessoal) num serviço de urgênciapsiquiátrica,recomenda‑sequeseja um espaço ordenado e aprazível, adequada- menteiluminado,semruídoelivredeobjectos contundentesquepossamconstituirriscosem situaçãodeagressão.Oespaçodeverásertran- quilo e comunicar a dignidade do acto. Nas salasdeobservação,oprofissionaleodoen- tedevemambosficarequidistantesdasaída, semobstáculosqueapossamdificultar,euma campainhadeemergênciadeveráestaraces- sível.Talcomoostaff,odoentetemdireitos mastambémtemdeveres,eumdeleséterum comportamento de respeito adequado. Como éóbvio,emsituaçõesdeagressãoeviolência, essesrespeitoeadequaçãosãozero.

Nesteserviçodeurgência,deparamo‑noscom insuficiênciasemdiversosoutrosdestescrité- riosdequalidade.Oespaçoemtermosestru- turaisestábemdimensionado(duassalasde observaçãocomumaantecâmaraparaespera de situações mais urgentes – entre as quais asdeagitação–umadetratamentosampla,

duas enfermarias de quatro camas para ob- servação–umaparahomens,outraparamu- lheres–comumpequenopostodetrabalhoe vigilânciadeenfermagem,eumasaladeiso- lamento–camaindividualparacasosgraves deagitação).Todooespaçoébemiluminado, estálocalizadonumazonamaistranquilado serviçodeurgênciageral,massofredeproble- masdefaltademanutenção,commobiliário deteriorado e algum de risco nas situações emapreço.Acresceafaltadecontrolodasen- tradas neste local, sendo frequente o ruído, discussõesdeutentesoufamiliaresquelivre- mentepenetramnaantecâmaradassalasde observaçãoeumadiversidadedeactoresque perturbam, desrespeitam e mesmo invadem os gabinetes de atendimento médico. Outras insuficiênciasqueregistorespeitamàfaltade implementaçãodeprotocolos,quernaselec- ção e encaminhamento da triagem médica, quernosprocedimentosgeraiseespecializa- dos.Seriaimportantequeaarticulaçãocoma medicinaeoutrasespecialidadesdeurgência, algumas importantes das neurociências que nãoexistemnoHCC,fossemaiseficiente,tal comoseriamandatórioquesedesenvolvessea formaçãoemserviçonestedomínio.Umadas desadequaçõeséadeesteserviçopertencera outrohospital–oCHPL–enãoaoHCC.O investimentocabeaoCHPL,masaproduçãoé doHCC.Poroutrolado,asáreasgeodemográ- ficas abrangidas pelo Hospital Curry Cabral nãosãocoincidentescomasáreasabrangidas pelo CHPL em psiquiatria. Esta dissociação

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colocasériosconflitosaníveldaqualidadedo serviço, com transportes adicionais entre di- versoshospitais,querparaseremobservados poroutrasespecialidadesmédicasquandohá comorbilidade,quercomdesacordosacercade quem deve transportar e para onde e outras problemáticasrelacionadascomcustosdein- vestimentoeexploração.Eisoutrafonteadi- cionaldepotencialagitaçãoecomportamen- tos agressivos. Seria vantajoso que a gestão estivessemaispresente,fossemaisparticipada equesemelhorasseacompatibilidadedeáre- asporformaafacilitaroatendimentoeacon- tinuidadedecuidados.Maisumanecessidade queseconfiguraéadaexistênciadeoutrases- truturasquealiviassemoserviçodeurgência daprocuradesadequada,quernoquedizres- peitoaofuncionamentoeficazdoambulatório depsiquiatria,oudeoutrosserviçosdeurgên- ciapsiquiátricaamontante,queraunidades deintervençãonacrise(móveisoufixasnas comunidades). Centros de atendimento tele- fónicosouonlinetambémevitariamrecursos desnecessáriosquesobrecarregamotrabalho emserviçodeurgência(sabendoqueosacú- mulosdeutenteseaprocuraindevidasãoeles jágeradoresdeansiedade,agitaçãoesituações deagressividadequeseriamevitáveis).Todos reconhecemosaactualinsuficiênciaderecur- sosnosistemadesaúde,mastambémdeveser reconhecidoqueesta“urgênciafinalderede”

nãopodealegarfaltadosmesmosequeestá sempreemfuncionamentolimitesobtensão eemriscodenãoseroclimasocietalpropi-

ciadordoaliviodesituaçõesdetensão,agita- çãoeviolência.Deverãoserprojectadascoma maiorbrevidadesoluçõesorganizativas.

Outras situações de agressividade despole- tam‑se quando não há indicação para in- ternamentoeesteéoobjectivoquesubjaz ao recurso à urgência. Certos doentes de- sinseridos socialmente e com dificuldades de subsistência tentam forçar o internar-

‑separaterabrigo,alimentaçãoeconforto.

Noutroscasoséafamíliaemsobrecargaque sentenãotermaiscapacidadedeoscuidar.

Tal seria respondido com a existência de serviços de residência social ou cuidados continuadosdesaúdemental,queentretan- topermanecememfalta.

Em termos comunitários muito haveria a dizer quanto à necessidade de programas de prevenção da agressividade e violência, es- pecialmente num momento de crise como a actualquetemimpactoindiscutívelnasaúde mentaldaspopulações.Ofactoéqueestaárea depromoçãodasaúdementaleprevençãoda doençanãoépriorizadaemPortugal.

Paraterminar,àagressãoeviolêncianocon- textodeserviçodeurgênciadeveresponder‑se com tranquilidade activa, alicerçada na rea- lidade.Comumrigorosodiagnósticodasne- cessidades,comtrabalhocooperativoparaas colmataredandousocriativoeresponsávelàs potencialidadesexistentes.

Eisoquepensoquantoàtemáticaparaquefui desafiada:psiquiatriadeurgência,dohospital àcomunidade.

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Conflitos de Interesse / Conflicting interests:

Osautoresdeclaramnãoternenhumconflitodeinte- ressesrelativamenteaopresenteartigo.

The authors have declared no competing interests exist.

Fontes de Financiamento / Funding:

Nãoexistiramfontesexternasdefinanciamentopara arealizaçãodesteartigo.

The authors have declared no external funding was received for this study.

Bibliografia / References

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Referências

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