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MENINOS TÊM MAIS NEURÔNIOS QUE AS MENINAS? DISCUTINDO PEDAGOGIAS CULTURAIS E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO

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MENINOS TÊM MAIS NEURÔNIOS QUE AS MENINAS? DISCUTINDO PEDAGOGIAS CULTURAIS E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO

MAGALHÃES, Joanalira Corpes – UFRGS – joanaliracm@yahoo.com.br RIBEIRO, Paula Regina Costa – FURG/UFRGS – pribeiro@vetorial.net Eixo: Educação e Gênero / n. 20

Agência Financiadora: Capes

INTRODUÇÃO

A instituição escolar é considerada, pela maioria d@s1 profissionais da educação, como o espaço privilegiado no qual a pedagogia e o currículo estão presentes. Entretanto, é necessário estarmos atent@s para os outros espaços que estão funcionando como produtores de saberes e conhecimentos, formas de pensar e agir (SABAT, 2001). Neste sentido, revistas, programas de TV, propagandas, entres outros, têm funcionado como pedagogias culturais que ensinam modos de ser e de estar na sociedade, interpelando os sujeitos (re)afirmando práticas e identidades hegemônicas.

Trazemos esta problematização a partir dos campos teóricos dos Estudos Culturais2, pelo viés de suas vertentes pós-estruturalistas. Na perspectiva cultural, as pedagogias, enquanto processos sociais que ensinam, estendem-se a todos aqueles espaços sociais implicados na produção e no intercâmbio de significados (RIBEIRO, 2002). O conceito de pedagogia cultural procura ampliar a noção de educação para além da escolar. O termo pedagogia cultural supõe que a educação ocorra

[...] numa variedade de áreas sociais, incluindo, mas não se limitando à escolar. Áreas pedagógicas são aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido, incluindo-se bibliotecas, TV, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, propagandas, videogames, livros, esportes, etc. (Steinberg, 2001, p.14).

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Na escrita deste texto optamos por utilizar o caractere @ para nos referirmos aos gêneros, pois entendemos que a linguagem institui relações, poderes, lugares, produzindo e fixando diferenças e, nesse sentido, o ocultamento do feminino, usando o masculino para referir-se aos dois gêneros, institui e demarca os lugares, constituindo o masculino como padrão hegemônico.

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Assim como a educação, as outras instâncias culturais – mídia, família, religião, revistas, entre outros – também têm uma pedagogia, também transmitem algo (SILVA, 2004, p. 139), ensinam conhecimentos, valores e habilidades. Para Giroux e Maclaren (1995, p. 144), existe pedagogia em qualquer lugar onde o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que existe a possibilidade de traduzir a experiência e construir “verdades”, mesmo que essas “verdades” pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum. Segundo Ribeiro (2002), as pedagogias culturais, ao produzirem e compartilharem determinados significados, ensinam, configurando tipos particulares de identidades e de subjetividades. Tais pedagogias culturais produzem valores e saberes, regulam condutas e modos de ser, fabricam identidades e representações e constituem certas relações de poder3, entre outras coisas (SABAT, 2001).

Neste estudo, centramos a discussão em torno das representações culturais de gênero (re)produzidas e (re)significadas em certas pedagogias culturais – revistas e programas de TV – têm funcionado como um currículo cultural onde as identidades de gênero são constituídas e o conhecimento é produzido e legitimado por um saber científico. Portanto, cabe destacar o que estamos entendendo por representação. Na perspectiva dos Estudos Culturais, em suas vertentes pós-estruturalistas, as representações não espelham a realidade, ou seja, o mundo “real”, tal como ele é em sua “essência”. A representação é entendida como um modo de produzir significados na cultura através da linguagem. Conforme destaca Silva,

[...] na representação está envolvida uma relação entre um significado (conceito, idéia) e um significante (uma inscrição, uma marca material: som letra, imagem, sinais manuais). Nessa formulação, não é necessário remeter-se à existência de um referente (a “coisa” em si): as “coisas” só entram num sistema de significação no momento em que lhes são atribuídas um significado [...] (2003, p. 35).

Por esse viés, é a produção de significados por meio da linguagem, em torno de diversos marcadores sociais, como gênero, classe, sexualidade, etnia, que vai constituir as identidades. Segundo Hall (2005), na medida em que os sistemas de significação e representações culturais são produzidos e transformados, “somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das

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quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente” (idem, p. 13). Assim, essas múltiplas identidades, de gênero, sexual, racial, profissional, de classe social, entre outras, constituem os sujeitos na medida em que esses vão sendo interpelados e posicionados a partir de diferentes situações e discursos que circulam nos diversos espaços sociais.

A maneira como falamos das coisas não somente fala sobre elas, mas as produz. Portanto, devemos prestar atenção nas formas como os gêneros têm sido representados nas diversas pedagogias culturais, pois essas representações constituem/produzem as identidades e as diferenças, posicionando os sujeitos.

No contexto desta discussão, este estudo fundamenta-se em posicionamentos que utilizam o conceito de gênero como construções sócio-históricas, produzidas sobre as características biológicas (LOURO, 2000), produto e efeito de relações de poder, incluindo os processos que produzem, distinguem e separam os corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade (MEYER, 2003). Contudo, cabe destacar que, ao enfatizarmos o caráter construído dos gêneros, não estamos negando a materialidade biológica dos corpos, mas sim buscamos problematizar as representações que se apóiam nas características biológicas para justificar diferenças, desigualdades e posicionamentos sociais.

Em virtude destas considerações, a nossa pesquisa tem como objetivo analisar a rede de discursos presente, primeiro em revistas: uma de divulgação científica (especializada na área das neurociências) e outra, destinada ao público adolescente; e, segundo, um programa de TV, todos os quais vêm produzindo significados e diferenças sobre as questões de gênero. Desta perspectiva, ao analisarmos tais pedagogias, vamos procurar ver na rede de discursos como essas vão constituindo as identidades de gênero.

SOBRE AS PEDAGOGIAS CULTURAIS: REVISTAS E PROGRAMA DE TV

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A edição de 2005 da Revista Viver, Mente e Cérebro é uma edição especial, intitulada “Diferenças entre os sexos muito além dos fatores culturais, a diversidade

entre homens e mulheres é inata” e traz a imagem de um homem e de uma mulher

com cérebro na cor azul e rosa, respectivamente (Figura 1). Em um primeiro momento, pode-se perceber as cores sendo utilizadas como marcadores de gênero e o caráter essencialista dos discursos.

Figura 1: Imagem da capa da revista Viver Mente e Cérebro, de 2005.

Os artigos que compõem essa edição são: “Velhos clichês, nova realidade” e “O poder feminino”, de Ulrich Kraft; “Diferentes desde o nascimento”, de Hartwig Hanser; “Questão de simetria”, de Marcus Hausmann; “Os cinco sexos do cérebro”, de Paola Emilia Cicerone.

A edição de 2007, intitulada “A Trégua dos sexos bases neurais, cognitivas e

hormonais determinam divergências e convergências entre homens e mulheres”,

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o feminino na perversão”, de Leandro Alves Rodrigues dos Santos; “Desafios do tempo”, de Joel Rennó Jr..

Figura 2: Imagem da capa da revista Viver Mente e Cérebro, de 2007.

Na edição de 2005, observamos, que, dos cinco artigos publicados na revista, apenas um deles tinha autoria feminina. Dentre os autores, todos eles estrangeiros, havia um médico, doutores em psicologia, em bioquímica, um deles trabalha em um renomado instituto de neurociência cognitiva em uma universidade alemã e alguns também atuam como colaboradores de uma conceituada revista internacional. Vimos que somente na descrição de um dos autores aparece a seguinte frase:

“Richard, seu filho de três anos, é fascinado por automóveis, não se interessa por bonecas e faz questão de lutar todas as tardes com o papai.” (HANSER, 2005, p. 36).

Essa colocação parecia respaldar o que esse autor havia escrito no artigo que tratava justamente de explicar que as diferenças entre homens e mulheres vêm desde o nascimento, não tendo nenhuma conexão com diferenças na educação de ambos.

Evidenciamos também o fato de que a única autora a ter seu artigo publicado tinha apenas a descrição “é jornalista”em sua biografia (CICERONE, 2005, p. 53). Isso demonstra o quanto no campo científico ainda existem diferenciações entre pesquisadores e pesquisadoras como se os estudos das últimas não tivessem tanto significado na área. A autora é “apenas uma jornalista”, que escreveu ali sobre o trabalho de um psicólogo inglês, ou seja, sobre um estudo produzido por um homem.

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exterior, diretores de centros de pesquisa, jornalistas colaboradores de conceituados periódicos ingleses, ou especialistas em temas da ciência, medicina e cultura, médico, psicanalista e psiquiatra. Dentre as autoras, sendo duas estrangeiras, havia professoras de universidades brasileiras e do exterior, membros de renomados institutos e neurocientista. @s co-autor@s eram doutorand@s e colaborador@s de Ligas Científicas.

Podemos perceber que, embora nesta edição existisse um número maior de artigos de autoria feminina, a maioria deles não estava diretamente relacionada a aspectos anatômicos de funcionamento cerebral de homens e mulheres, mas sim a questões como sentimentos e comportamentos relacionados aos dois gêneros.

A revista Capricho apresenta a reportagem intitulada “Os meninos têm mais

neurônios que as meninas?”, de Fernanda Fatureto e Rebeca de Moraes, publicada na

seção “Alguém me explica – garotos”. A reportagem mostra as explicações e teorias formuladas pelas neurociências e neuropsicologia quanto às questões relacionadas às diferenças na anatomia e fisiologia do cérebro de meninas e meninos. Embora a reportagem tenha como autoras duas mulheres, está em destaque, na lateral da página, que todas as informações foram dadas pelo “Dr. Mauro Muszat, coordenador do núcleo

de atendimento neuropsicológico infantil interdisciplinar da UNIFESP”.

O programa de TV Globo Repórter, sobre as diferenças de gênero, foi dividido em cinco blocos: “Qual é o sexo frágil, afinal?”; “Aprendendo com a natureza”; “Meninos e meninas”; “Dúvida na hora de calcular”; “Dilema para ciência”. Foram apresentadas reportagens referentes às diferenças entre homens e mulheres, em que foram entrevistad@s vári@s especialistas para debaterem essa temática. Dentre ess@s, seis mulheres – pedagoga, neurocientista, médica neurologista, professora de medicina e biologia do sono, e bióloga; e três homens – neurocientista, primatologista e médico geneticista. Tod@s atuam como pesquisador@s em universidades brasileiras ou em institutos de pesquisa do país. No programa era colocada a pequena biografia de cada entrevistad@ e ressaltava-se o quão renomad@ est@ era naquele campo de estudo.

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homens e mulheres. Para Foucault (2006a), ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.

POR QUE ELES SÃO MAIS OBJETIVOS E ELAS MAIS DETALHISTAS? ANALISANDO AS PEDAGOGIAS CULTURAIS

Os artigos e as reportagens analisados vêm trazendo em seus discursos as diferenças entre os sexos quanto às questões relacionadas ao funcionamento do cérebro de homens e mulheres, focando nesse órgão a origem das distinções/diferenciações entre os gêneros, como também quanto a fatores genéticos e evolutivos. Destacamos alguns fragmentos dos discursos apresentados na revista de divulgação científica Viver, Mente e Cérebro:

“A tendência nítida encontrada foi que, em geral, as mulheres são superiores aos homens em testes verbais, ao passo que estes se saem melhor nas tarefas relativas à orientação espacial.” (HAUSMANN, 2005, p. 41)

“O cérebro feminino é, em média, de 10 a 15% menor do que o masculino, e bem mais leve [...] o córtex cerebral feminino possui cerca de 3,5 bilhões de neurônios a menos do que o masculino.” (HAUSMANN, 2005, p. 42)

“Sabemos, por exemplo, pela observação tanto de humanos quanto de não humanos, que os machos são mais agressivos e, quando

jovens, fazem brincadeiras mais violentas que as fêmeas.” (KIMURA, 2007, p. 7)

“Profissões ligadas à engenharia e à metalúrgica exigem alta capacidade de sistematização, uma característica masculina.” (BARON-COHEN, 2007, p.25)

“Garotas são mais hábeis para engendrar intrigas e manipular: sua inteligência social se desenvolve antes da dos meninos.”(ROTH et al., 2007, p.78)

“Mecanismos que atuam na vida intra-uterina e na puberdade podem determinar a base das preferências sexuais.” (HERCULANO-HOUZEL, 2007, p.37)

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“O efeito mais forte que se conhece é o da testosterona, que é o hormônio que os bebês masculinos produzem em grande quantidade no começo da vida, já durante a gestação. A testosterona atrasa ligeiramente o desenvolvimento do lado esquerdo do cérebro, que é o que está associado à fala. É uma explicação bastante razoável para o fato de as meninas começarem a falar mais cedo.”(SUZANA HERCULANO-HOUZEL, Globo Repórter, 2007)

“Acredita-se que é mais fácil o homem ir à guerra porque, como ele tem o cérebro mais sistemático, classifica mais facilmente quem é o amigo e quem é o inimigo. A mulher, por ter um cérebro mais intuitivo, mais emocional, e por ter um cérebro mais empático, tem mais dificuldade nessa classificação.” (MARA BEHLAU, Globo Repórter, 2007)

“Do ponto de vista genético, a mulher tem dois cromossomos X. O homem tem um cromossomo X e um cromossomo Y. O Y é um cromossomo que tem muito pouca informação genética, cerca de apenas 30 genes. Enquanto o cromossomo X tem mais de mil genes. O fato de a mulher ter dois cromossomos X dá a ela uma reserva técnica. Já o homem não tem.”(SÉRGIO DANILO PENA, Globo Repórter, 2007);

“Perpetuar a espécie: para isso a natureza dá novas e maiores capacidades para a mulher quando ela tem filhos. Essa capacidade de reconhecer a localização da prole, os cheiros, nasceu lá atrás, há muitos milhões de anos.” (GERALDO POSSENDORO, Globo Repórter, 2007)

“[...] o cérebro emocional da mulher parece ser mais bem equipado. Isso parece fazer com que ela tenha maior capacidade de perceber emocionalmente o sofrimento de alguém – ou a alegria e o prazer, por que não? – através das expressões faciais, só observando o rosto da pessoa, e também através do tom de voz.” (GERALDO POSSENDORO, Globo Repórter, 2007)

A reportagem da revista Capricho destaca que meninos possuem mais neurônios que as meninas. Ressaltam que os garotos “[...] têm o cérebro 3% maior [...]

e, por isso, têm mais neurônios” e que as garotas são beneficiadas por terem “[...] mais fibras que conectam o lado direito e esquerdo” (FATURETO; MORAES, 2007, p. 90).

Segundo as autoras, isso explicaria as habilidades específicas de cada sexo. Destacamos abaixo fragmentos de tal reportagem.

“Cérebro masculino: Garotos têm desenvolvimento precoce do lado

direito do cérebro, responsável pelo processamento de imagens. Por isso, têm melhor desempenho em jogos de tabuleiro e videogames. Porém, por terem menos conexões cerebrais que as meninas, eles normalmente são menos atentos que ela.”

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mais abrangente. E é por isso que até a adolescência as mulheres têm a linguagem mais desenvolvida, falam e se expressam melhor e tiram melhores notas no colégio.”

Destacamos, também, uma outra imagem que aparece ao final da reportagem. No balão está escrita a seguinte frase: “Placar: 2 X 2. Apesar do

time desfalcado, as meninas empatam o jogo!!!!”. Com a expressão

“time desfalcado”, as autoras pretendem enfatizar a questão das meninas possuírem menos neurônios, o que as tornariam intelectualmente inferiores. Outro aspecto que nos chamou muita

atenção foi que essa figura parece ser a de uma professora, condizendo com o discurso apresentado nos fragmentos acima citados, onde se coloca que as meninas “tiram as

melhores notas no colégio” e que os meninos “são menos atentos”.

Em um outro artigo, publicado na revista de divulgação científica Viver, Mente e Cérebro (2007), também são colocadas algumas questões referentes ao diferente desempenho escolar de meninas e meninos, e como a ciência e a psicologia vêm tratando dessas questões:

“Alguns professores criam os próprios modelos de bom e mau aluno: caderno limpo e caprichado é coisa de menina; já material desorganizado e sujo é de menino.” (CAVALCANTI, 2007, p. 64);

“Nas meninas, a apatia, costuma ser interpretada como submissão; nos meninos, como desleixo.” (CAVALCANTI, 2007, p. 65).

Esses excertos nos possibilitam observar que tanto em uma revista para o público adolescente, como a Capricho, um programa de TV de um “canal aberto”, quanto uma revista que tem como leitores alvos pessoas inseridas ou interessadas neste campo de estudos (neurociências) – Viver, Mente e Cérebro – mostram de forma naturalizada algumas representações de gênero presentes na sociedade e o quanto os discursos construídos pela linguagem biológica, marcados pela autoridade da ciência garantem legitimidade para apontar, determinar e justificar as diferentes aptidões, habilidades e comportamentos entre meninas e meninos, homens e mulheres.

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atributos sexuais preestabelecidos. Observou-se que, nessas escolas, tanto meninos quanto meninas continuavam a desenvolver preferências costumeiras por brinquedos “masculinos” e “femininos”, e que as mulheres ali educadas exigiam o direito de cuidar de seus filhos em casa e resistiam ao ideal de igualdade absoluta. Segundo os pesquisadores, essa pesquisa possibilitou afirmar que as distinções comportamentais entre os sexos são determinadas por fatores biológicos, não sendo completamente definidas pela educação.

“As pré-escolas alternativas pretendiam derrubar os esteriótipos sexuais, mas a natureza foi mais forte.”(HANSER, 2005, p. 35).

(Re)afirmando as diferenças entre os gêneros, tais pedagogias culturais fazem um investimento, reinteirando identidades e práticas hegemônicas, enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas (LOURO, 2001) através de seus discursos e representações. Esses discursos, marcados pelo determinismo4 biológico, pretendem mostrar, de forma naturalizada, as preferências, aptidões, habilidades e comportamentos de cada gênero, como se esses fossem características oriundas somente do corpo biológico e dadas a priori. Para Louro (1998), na medida em que o conceito de gênero afirma o caráter social do feminino e do masculino, pretende-se afastar as proposições essencialistas. A ótica fica dirigida para um processo, para uma construção e não para algo da essência do sujeito.

Os discursos científicos presentes nessas pedagogias sugerem que o gênero encontra-se inscrito na anatomia do sujeito, numa determinada região do cérebro, pré-existindo uma normalização na conduta de meninos e meninas (MEYER, 2003). Espera-se, então, que essas “marcas naturais” expressem a subjetividade e a identidade dos indivíduos. Ribeiro e Soares (2007) destacam que

(...) em cada sociedade, o ser "menino" ou "menina", é transmitido às crianças desde o nascimento, pelas práticas culturais estabelecidas num primeiro momento pela família e depois pelas diferentes instâncias sociais como a escola, a igreja, o clube, a mídia. Instituem-se aí, as estereotipias de gênero[...]. Meninos são fortes, jogam bola, usam roupa azul. Meninas são carinhosas, brincam de casinha, de boneca, usam roupa rosa, por exemplo.

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Essas pedagogias culturais interpelam os sujeitos e (re)afirmam as diferenças entre os gêneros. Segundo Silva (2004), embora não tenham o objetivo explícito de ensinar, elas acabam transmitindo uma variedade de formas de conhecimentos. Ensinam modos de ser menina ou menino, homem ou mulher, ou seja, tais pedagogias também têm um currículo. Tal como o currículo escolar, o chamado currículo cultural contém um conhecimento organizado em torno de relações de poder, de regulação e controle (SABAT, 2001). Ainda que não sejam, de maneira geral, reconhecidas como tais, as pedagogias culturais atuam na formação da identidade e subjetividade dos sujeitos.

Conforme destaca Silva:

Revoluções nos sistemas de informação e comunicação, [...], tornam cada vez mais problemáticas as separações e distinções entre o conhecimento cotidiano, o conhecimento da cultura e o conhecimento escolar. É essa permeabilidade que é enfatizada pela perspectiva dos Estudos Culturais. A teoria curricular crítica vê tanto a indústria cultural quanto o currículo escolar como artefatos culturais – sistemas de significação implicados na produção de identidades e subjetividades, no contexto de relações de poder. (2004, p. 141-142)

Cabe salientar que, no presente texto, também pretendemos discutir e problematizar as chamadas interpretações biológicas, como “invenções”, como construções históricas, portanto, humanas e contingentes, que são produzidas a partir dos “próprios fatos” já imersos em teorias, com valores já carregados de teoria (HARAWAY, 1991). Ou seja, pretendemos mostrar que os conhecimentos científicos produzidos sobre as diferenças entre mulheres e homens, e apresentados em diversas pedagogias, são culturalmente construídos, carregados de valores, significados e representações presentes em nossa sociedade.

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Cérebro Scientific American, nº 10, p. 22-27, edição especial 2007.

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CICERONE, Paola Emilia. Os cinco sexos do cérebro. Viver Mente & Cérebro

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