• Nenhum resultado encontrado

XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: GT 14 Os Limites da Democracia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "XIV Congresso Brasileiro de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: GT 14 Os Limites da Democracia"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

Grupo de Trabalho: GT 14 – Os Limites da Democracia

Os movimentos sociais latino-americanos e a democracia: os

casos da Argentina, Bolívia e Equador

André Luiz Coelho Farias de Souza

(2)

1 - Introdução

O objetivo deste trabalho é discutir em perspectiva comparada a atuação dos denominados novos movimentos sociais da Argentina, Bolívia e do Equador, sua gênese sindical e ação direta na arena democrática, com a participação e construção de partidos políticos. Analisando semelhanças e diferenças entre seus meios de ação e desempenho eleitoral a partir dos anos 1990, busco refletir sobre a ação dos movimentos sociais em duas frentes: como partido, aproveitando os espaços institucionais, e como movimento social propriamente dito, impulsionando novas vias de contestação extra-institucional, com a realização de sucessivas mobilizações, sendo determinante para a definição dos graus de liberdade do Executivo. Assim, com o advento dessa nova interação, grupos outrora marginalizados passariam a ser os principais atores políticos de seus países, elegendo e/ou derrubando presidentes.

2 – Crises políticas e quedas presidenciais na América Latina contemporânea

A ocorrência de seguidas crises políticas e econômicas, das quedas do Executivo, das diferentes respostas do sistema político e da atuação da sociedade civil organizada através dos movimentos sociais nos leva a necessidade de um aprofundamento teórico sobre os graus de liberdade de ação dos mandatários dos países em questão. Se no passado recente a instabilidade política e presidencial da região ocorria através de golpes militares, hoje ela transcorre segundo a dinâmica do jogo democrático, com ampla participação das massas e das instituições representativas.

(3)

sua permanência no cargo e nove (23%) tiveram seus mandatos “fixos” encerrados prematuramente. Assim, os presidentes latino-americanos não podem assumir que terão o exercício de um mandato fixo e determinado. Do mesmo modo, Hochstetler sugere que as eleições presidenciais diretas na América do Sul não dão aos presidentes uma legitimidade consistente que dure todo o período de seu mandato constitucional.

Pérez Liñán (2008), em artigo que analisa a América Latina no período compreendido entre 1985 e 1995 chega a resultados semelhantes, afirmando que 13 presidentes eleitos foram removidos de seus cargos ou forçados a renunciar, conta que se eleva a 18 mandatários se incluirmos os vice-presidentes ou os sucessores nomeados para completar os mandatos daqueles que tampouco conseguiram encerrar os seus ou convocaram eleições antecipadas. Assim, o autor conclui que tais acontecimentos não constituem um fenômeno passageiro restrito a certo contexto histórico, uma vez que ocorreram em contextos institucionais e econômicos diferentes.

Um dos aspectos relevantes para a escolha dos casos reside no fato de que Equador e Bolívia apresentaram trajetórias semelhantes tanto em relação às seguidas quedas presidenciais como também na forma peculiar que estas se apresentaram e dos atores envolvidos no processo. O caso argentino também se assemelha muito aos anteriores, considerando a grave crise política e econômica atravessada pelo país no início dos anos 2000, redundando em quebras institucionais e renúncia de presidentes.

3 - Período analisado

(4)

Na Argentina, analiso os dois governos de Carlos Menem (1990-1995; 1995-1999), substituído por Fernando de la Rúa (1995-1999), retirado do poder por intensas mobilizações populares em 2001, quando após uma grande crise decisória o Congresso escolheu Eduardo Duhalde como presidente interino. Em 2003, Nestor Kirchner foi eleito o novo presidente da Argentina, deixando o poder em 2008, sendo substituído por sua esposa, Cristina.

Na Bolívia, compreende o primeiro governo de Sanchez de Lozada, (1993-1997) e o mandato de Hugo Banzer (1996-2001), quando deixou o poder em razão de doença. Este foi substituído pelo governo de transição de Jorge Quiroga (2001-2002). Nesse mesmo ano, a população elegeu novamente Gonzalo Sanchez de Lozada, o qual foi obrigado a renunciar no ano seguinte, sendo substituído pelo seu vice, Carlos Mesa, que também abdicou da presidência em 2005. Em seu lugar, assumiu o presidente da Corte Suprema de Justiça, Eduardo Rodríguez Veltzé, que antecipou as eleições presidenciais, parlamentares e de governadores para dezembro do mesmo ano, vencidas em primeiro turno pelo candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales Ayma.

O Equador é um país com um histórico recente de lutas políticas e de forte polarização ideológica que têm resultado em curtos mandatos presidenciais. Desde meados dos anos 1990 nenhum presidente conseguiu concluir o mandado de quatro anos. O primeiro governo analisado é o de Sixto Durán Ballén (1992-1996), último presidente a terminar seu mandato. Abdalá Bucaram Ortiz, presidente eleito em 1996, permaneceu apenas 186 dias no cargo. Foi substituído pelo presidente do Congresso Fabián Alarcón,1 que antecipou as eleições presidenciais, vencidas por Jamil Mahuad Witt (1998). Este permaneceu apenas um ano e meio no poder, destituído por um golpe militar com o apoio dos indígenas. Em seu lugar assumiu Gustavo Noboa, que realizou um governo de transição até a eleição de Lúcio Gutiérrez Borbúa (2002), que governou o país por dois anos e quatro meses, sendo deposto pelo Congresso e obrigado a fugir. A presidência foi então assumida por seu vice,

1 A vice-presidente de Bucaram, Rosália Arteaga, foi impedida de assumir à

(5)

Alfredo Palacio, em maio de 2005, administrando o país até 15 de janeiro de 2007, data em que Rafael Correa toma posse.

A Tabela 1 – Período e trocas presidenciais (1990-2007) mostra com detalhes os presidentes eleitos (nove no total) e a duração de seus mandatos. Desse contingente, apreciando apenas os casos de quedas de presidentes vitoriosos em eleições que ocorreram em períodos regulares, teremos um total de cinco quedas (Total 1 da tabela 1). Contudo, se incluirmos todos aqueles que chegaram a exercer a presidência dos respectivos países, inclusive em substituição àqueles que não concluíram seus mandatos, o total de quedas sobe para 9 (Total 2 da Tabela 1), exatamente o mesmo número de eleitos no período. Já a Tabela 2 – Motivos de quedas presidenciais, lista resumidamente as razões para as quedas.

Tabela 1 – Período e trocas presidenciais (1990-2007)

Ano/País Argentina Bolívia Equador Total

1990 Menem Zamora 1991 1992 Durán Ballén 1993 Zamora/Lozada 1994 1995 Menem 1996 Bucaram 1997 Lozada/Banzer Bucaram/Arteaga/Alarcón 1998 Mahuad 1999 Menem/De la Rua 2000 Mahuad/Gustavo Noboa 2001 De la Rua/Puerta/Saá/Camaño Bazner/Quiroga 2002 Camaño/Duhalde Quiroga/Lozada

2003 Duhalde/N. Kirchner Lozada/Mesa Noboa/Gutiérrez 2004

2005 Mesa/Rodríguez Gutiérrez/Palácio

2006 Rodríguez/Morales

2007 N. Kirchner/C. Kirchner Palácio/Correa

Total 1 4 eleitos/1 queda 4 eleitos/1 queda 5 eleitos/3 quedas

9 eleitos/5 quedas Total 2 4 eleitos/3 quedas 4 eleitos/2 quedas 5 eleitos/4 quedas

9 eleitos/9 quedas

(6)

Tabela 2 - Motivos de quedas presidenciais

Ano País Presidente Motivo

1997 Equador Bucaram

Destituído por incapacidade mental

1997 Equador Arteaga Ignorada pelo Congresso

2000 Equador Mahuad Golpe

2001 Argentina De la Rua Renúncia

2001 Argentina Puerta Renúncia

2001 Argentina Saá Renúncia

2003 Bolívia Lozada Renúncia

2005 Bolívia Mesa Renúncia

2005 Equador Gutiérrez Destituído por abandono de cargo

Fonte: Compilação do autor

4 – A atuação dos movimentos sociais

Nesta seção discuto o papel dos movimentos sociais para a definição tanto da estabilidade política como da estabilidade presidencial nos países em estudo. Estruturo a discussão considerando dois argumentos principais: a atuação dos movimentos sociais na promoção das principais mobilizações contra presidentes e na organização ou atuação decisiva de partidos políticos que funcionaram como braços políticos para a representação institucional de seus interesses. Neste universo estão inscritos tanto a atuação dos movimentos sociais de linhagem clássica, como, por exemplo, o movimento sindical, como também os chamados novos movimentos sociais (NMS), como os movimentos étnicos e piqueteros.

Defino a atuação dos movimentos sociais em relação à estabilidade presidencial no período 1990-2007 em três tipos: 1) para destituir presidentes; 2) contra o Estado e o sistema político em geral (expresso no lema “que se vayan todos”) e 3) pela manutenção de presidentes (oposição ao golpe contra Chávez em 2002). Inicialmente, realizo uma breve retrospectiva teórica do tema para em seguida discutir mais especificamente os movimentos sociais dos países analisados.

(7)

posterior, em especial as obras referentes aos movimentos sociais latino-americanos, nas quais analisa os movimentos sociais e suas relações com os sistemas políticos, colocando como objeto central de análise a ação social coletiva. Para Touraine, democracia e movimentos sociais estão intrinsecamente ligados, já que os últimos não poderiam existir sem a primeira. Assim, ao aprofundar seu enfoque e concepções de democracia, advoga por uma democracia cultural, que pudesse efetivamente defender a autonomia e identidade dos movimentos sociais.

O sociólogo Garretón (2000) analisa as transformações das matrizes sociopolíticas da sociedade, o surgimento de novas formas de ação coletiva, a rotação e translação de seus eixos de evolução e, conseqüentemente, a emergência de novos padrões epistemológicos. O autor define movimentos sociais como ações coletivas relativamente estáveis, com um nível mínimo de organização, orientados para a transformação ou conservação da sociedade ou de alguma de suas esferas. A hipótese central sustenta que a decomposição da matriz sociopolítica influenciou de maneira decisiva para modificar a natureza do movimento social, ressignificando novos eixos de ação coletiva e conflito social. Garretón (2000) distingue Movimento Social – singular - e Movimentos Sociais – plural -, definindo os pólos entre os quais oscilam as diversas teorias sobre o tema. De um lado, o Movimento Social estaria orientado ao nível histórico-estrutural de uma determinada sociedade e definindo seu conceito central. Por outro, os movimentos sociais seriam atores concretos que se movem nos campos da vida e das instrumentalidades, organizacional e institucional. Melucci (2001) também oferece importante contribuição teórica ao tema ao afirmar que um movimento social não é a resposta a uma crise, mas a expressão de um conflito, manifestado em sua organização, que implicaria em uma ruptura dos limites de compatibilidade do sistema ao qual a ação se refere.

(8)

melhoria nas condições de vida após décadas de pobreza e desigualdade social. Contudo, a classe política não teria conseguido corresponder a essas demandas da maneira esperada. Como resultado, os cidadãos passaram a não acreditar no modelo de representação tradicional dos partidos políticos e, por extensão, na democracia como sistema: assim, se manifestaram em sucessivos levantamientos os indígenas; em piquetes e marchas, os desempregados; em ocupações de terra e mobilizações, os sem-terra; em greves, bloqueio de vias e manifestações nas ruas, os trabalhadores e camponeses.

Argumentando na mesma direção de Mirza (2006), mas ampliando a discussão para o conceito de estabilidade presidencial, Hochstetler (2007) afirma que a presença ou ausência de protestos populares de rua constitui fenômeno basilar para a saída dos presidentes na América do Sul: todas as mobilizações bem-sucedidas de quedas presidenciais incluíram participantes da sociedade civil, que exigiam nas ruas a saída dos presidentes. Contudo, a participação popular em mobilizações não constitui o único meio de ação e nem tem efeito obrigatório, já que em momentos diversos grandes mobilizações não necessariamente redundaram em quedas presidenciais. Todavia, ao que parece, todas as quedas presidenciais que tiveram como motor principal a ação do Legislativo também contaram com forte atuação dos movimentos sociais organizando os protestos da sociedade civil.2

De acordo com Pérez Liñán (2008), os militares compreendiam no passado o principal fator de força capaz de impor a saída de um presidente. Contudo, a retirada do exército do campo político teve duas conseqüências fundamentais: 1) os movimentos sociais teriam se transformado no principal fator capaz de desestabilizar um governo, através de formas de protestos confrontacionais ou violentos; 2) a capacidade repressiva do Estado foi limitada pela crescente resistência do Exército em exercer funções para-policiais. Esta situação teria iniciado uma cena de poder popular que, combinada com o marco das instituições democráticas, careceria de precedentes na América Latina.

2Talvez o caso do golpe das forças oposcionistas a Hugo Chávez na Venezuela não

(9)

Conseqüentemente, o “povo” teria se convertido em sujeito social, um sujeito coletivo que demandava muito mais do que ser apenas escutado, mas exigia mudanças profundas nas estruturas da sociedade. Ao mesmo tempo em que as tradicionais formas de fazer política eram questionadas, uma dinâmica completamente nova de vinculação com o Estado foi desenvolvida. Assim: Os velhos movimentos sociais se debilitam, perdem intensidade e luminosidade, ainda que não feneçam. Os novos emergem da desolação e da impotência, se erguem novos sujeitos sociais no amanhecer da pós-modernidade. Ambos coexistem, todos coabitam as lojas povoadas ainda férteis para a busca de sonhos e utopias (Mirza, 2006).

O “povo”, portanto, ganhou assim um papel preponderante na explicação das crises presidenciais, não como referência a uma massa amorfa e manipulada, mas como uma categoria que representa a cidadania mobilizada, não como a representação de uma turba anômica, mas como a manifestação política dos movimentos sociais. Identificando a importância dos protestos sociais no novo contexto histórico, Zamosc (2004) denominou os casos de instabilidade presidencial como “juízos políticos populares”. Tais acontecimentos teriam gerado uma dinâmica complexa entre a sociedade civil, os setores mobilizados e os atores institucionais. Como regra geral, esses movimentos de protesto buscam a deposição do presidente, mas não possuem um plano coordenado para substituí-lo por outra figura. Com o objetivo de exercer alguma forma de accountability, os protestos se enfocam contra o governo, mas não contra o regime democrático. Por este motivo Zamosc (2004) concluiu que ao perceber a mobilização popular simplesmente como uma disrupción da ordem legal, corremos o sério risco de vermos a democracia somente em sua chave formal, ignorando seus aspectos substantivos.

(10)

povos indígenas, o papel da mulher na sociedade, a degradação do meio-ambiente, entre outras questões. Portanto, os novos movimentos sociais latino-americanos configuraram novos eixos do conflito social. Por isso, necessitam de um estudo cuidadoso de suas estratégias e formas de luta, de suas demandas e interpelações, suas vitórias e conquistas sociais. Nos anos 1980, os movimentos sociais começam a ocupar o espaço dos partidos, irrompendo no ambiente da política institucional. Os espaços, portanto, se confundem – uma das razões para a necessidade de se estudar as relações entre sistema político e movimentos sociais.

Esse tipo de desenvolvimento teórico percebe os novos movimentos sociais como fundamentais para a reconstrução de um modelo democrático inclusivo que possa ir além da democracia representativa tal como é executada atualmente. De acordo com Coutinho, Mireles e Delgado (2008) a mobilização coletiva assistida na América do Sul neste início de século ocorre contra a exclusão, seja ela relacionada diretamente ao processo neoliberal ou não. Neste sentido, os movimentos sociais da região lutariam por voz, inclusão social e reconhecimentos de seus direitos, retirando-se das margens. Ao mesmo tempo, o ator coletivo sul-americano lutaria também para ser parte de processo decisórios, muitos destes cruciais para o rumo nacional e com repercussão nos âmbitos regional, internacional e mesmo global. Os anseios de Dahl (1997) sobre inclusividade estão presentes com força nesse argumento. Mirza (2006) afirma que partidos políticos, movimentos sociais, atores sociais, todos estão estreitamente envolvidos na construção e manutenção do delicado equilíbrio democrático. A repartição do poder em uma democracia representantiva não é um ato único que se execute no dia seguinte as eleições, mas o produto de uma interação permanente cuja correlação de forças depende de fatores econômicos, políticos e sócio-culturais.

(11)

sentido, se manifestam nas articulações entre os movimentos sociais e partidos políticos.

Acredito ser válido analisar em perspectiva comparada a atuação dos movimentos sociais citados anteriormente e seus impactos na política doméstica, bem como sua organização e opção pela disputa eleitoral, com a constituição (ou não) de partidos políticos. Aqui, portanto, cabe uma reflexão entre a linha de ação dos partidos políticos tradicionais e dos movimentos políticos. Uma das indicações da vasta literatura sobre partidos políticos seria a de que estes teriam um maior comprometimento com o jogo e as instituições democráticas, o que não seria compartilhado na mesma medida pelos movimentos sociais. Estes últimos, quando não atingem o poder, constituiriam influentes grupos de pressão nem sempre inseridos na lógica democrática, chegando a utilização de diversas táticas que poderiam ser consideradas mais radicais, como forma de barganha política.

Tabela 3: Principais movimentos sociais dos países analisados Principais Movimentos Sociais

Argentina Bolívia Equador

Piqueteros Indígenas Indígenas (Conaie)

Desocupados Cocaleros Mov. Sindicais

Mov. Estudantil Mov. Sindicais

Nos casos da Bolívia e do Equador, a ênfase recai sobre os movimentos étnicos. Inicialmente, durante o século XX os indígenas, quando incorporados ao Estado, sempre o foram na condição de camponeses, ligados à concepção de luta de classes. A partir do final dos anos 1970, houve uma reconsideração de tais movimentos e a identidade étnica começou a ganhar força (Van Cott, 2005).

(12)

especificamente os movimentos indígenas Katari e os indianistas (Camargo, 2007).

Também o caso equatoriano está ligado em sua gênese aos movimentos camponeses e a federações sindicais. Contudo, desde a fundação da Confederação das Nacionalidades Indígenas Equatorianas (Conaie) em 1979, o debate tomou a tonalidade das demandas étnicas (Yashar, 2005). No ano de 1990, esta organização assume o protagonismo com os diversos bloqueios que paralisaram o país, que se desenrolaram desde então com grande freqüência.3 Em 1996 é criado o Movimento Pachakutik (PK), braço político da Conaie. Desde então, a principal estratégia eleitoral utilizada pelo Pachakutik foi o apoio a outros candidatos nas eleições presidenciais, e nunca a constituição de uma candidatura própria. Nas palavras de Carlos de La Torre, a importância de suas ações para a vida política equatoriana:

Na década de 1990, o movimento indígena equatoriano adquiriu uma presença pública muito importante. A Conaie e suas organizações protagonizaram levantamientos em julho de 1990, abril de 1992, junho 1994; janeiro e fevereiro de 1997, janeiro de 2000 e janeiro de 2001. Os levantes indígenas são formas de ação coletiva por meio das quais as comunidades bloqueiam as estradas e marcham até as capitais de província e Quito para ocupar os espaços e os símbolos do poder e apresentar suas demandas. Os levantes foram importantes nas destituições dos presidentes Bucaram e Mahuad (La Torre, 2006).

Desta maneira, os movimentos sociais de caráter étnico no Equador e na Bolívia se distinguem dos tradicionais movimentos sociais do passado, com novas reivindicações e formação mais abrangente (Dávalos, 2005). São constituídos em sua maioria por parcela excluída da população, 4

3 O Equador destaca-se na região dos Andes como um dos poucos países que

conseguiram articular uma confederação indígena unificada e mobilizar uma identidade étnica e programática, embora isso não tenha significado, ainda, uma representação parlamentar proporcional, ou mesmo a eleição de um indígena à presidência, como ocorreu na Bolívia.

4Os povos indígenas representam cerca de 60% dos bolivianos. Entre 1997 e 2002, o

(13)

transformando-se, ao longo dos anos, em verdadeiras potências sociais no interior da política de seus respectivos países. Estão focados principalmente nas novas demandas impostas pelos efeitos da globalização e por maior inclusão social e política. Após anos de experiência democrática, estes movimentos tomaram vulto, entraram para a política formal, chegando até à presidência, como no caso boliviano.

No caso equatoriano, a Conaie/Pachakutik atua em duas frentes. Como partido, influenciando diretamente na dinâmica institucional: propondo leis, promovendo vetos às iniciativas do Executivo, iniciando o processo de juízo político contra o presidente; e como movimento social, sendo o principal promotor das greves e manifestações que paralisam o país, com seu alto poder de barganha.

De acordo com Susana Segovia (2004), a instabilidade econômica e política do Equador desde o retorno da democracia promoveu a consolidação de espaços extra-institucionais onde os movimentos sociais - em especial o movimento indígena - discutem, rechaçam e apresentam alternativas à aplicação das reformas econômicas e políticas pelo Executivo equatoriano. Deste modo, o movimento indígena do Equador teria conquistado e consolidado seus próprios canais de participação, seja aproveitando os espaços institucionais como impulsionando novas vias de contestação extra-institucional, como ocorreu, por exemplo, na tomada de estradas, bloqueio de vias e invasões ao parlamento. Assim, ocorreu a articulação do discurso histórico e étnico cultural com os conteúdos anti-neoliberais, constituindo especificidade ao movimento indígena do país, que se converteu no principal ator de contestação ao Estado.

(14)

total repúdio à classe política tradicional, expressado fortemente pelo slogan “que se vayan todos”. Ainda de acordo com os autores, outro fenômeno inédito teria surgido da crise econômica e da agitação política e social da Argentina no início dos anos 2000: a ocupação de fábricas por parte de empregados dispensados.

5 - Conclusão

Portanto, podemos perceber ao longo do trabalho como a grande importância dos movimentos sociais e da sociedade civil nos processos de crise política e principalmente na definição da estabilidade presidencial demonstra a necessidade da reflexão sobre o real papel desse contingente nos países analisados e, em uma esfera maior, no presidencialismo. Ao mesmo tempo em que o Executivo utiliza estratégias em que diminui ou mesmo praticamente ignora a representatividade popular situada no Legislativo em nome da governabilidade, os representados aparecem como força política definidora da manutenção dos presidentes. Portanto, acredito que a reflexão sobre o dilema representatividade versus governabilidade seja um dos pontos mais interessantes para uma agenda futura de pesquisa.

(15)

6 – Referências Bibliográficas

ACOSTA, Alberto. Breve história econômica do Equador. Ed. Funag/IPRI, 2006.

ALCÁNTARA SAEZ, Manuel. Governabilidad en América Latina y la aparición de nuevos actores. In: Etnicidad, autonomia y governabilidad en América Latina. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2004.

ALEXANDRE, Cristina. Bolívia: instabilidade política e dificuldade de inserção regional. In: SOARES de LIMA, Maria Regina e COUTINHO, Marcelo (org.). A agenda sul-americana: mudanças e desafios no início do século XXI. Brasília: Funag, 2007.

BURT, J.-M. & MAUCERI, P. (eds.). Politics in the Andes: Identity, conflict and reform. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press. 2004.

CAMARGO, Alfredo José Cavalcanti. Bolívia – a criação de um novo país. Ed. Funag/IPRI, 2006

COELHO, André Luiz & SANTANA, Carlos Henrique. Democracia e desenvolvimento no Equador: instabilidade crônica e estelionato eleitoral. In: SOARES de LIMA, Maria Regina e COUTINHO, Marcelo (org.). A agenda sul-americana: mudanças e desafios no início do século XXI. Brasília: Funag (no prelo).

COLETTI, Claudinei. Avanços e impasses do MST e da luta pela Terra no Brasil nos anos recentes. In: SEOANE, Jose (Org.). Movimientos sociales y conflicto em America latina. Buenos Aires, 2004.

COUTINHO, Marcelo J. V; MIRELES, Pedro David; DELGADO, Ana Carolina.

Por que protestam? Uma nova sociedade no horizonte sul-americano. Estudos

e Cenários. Pp 1-58. maio 2007. Disponível em:

http://observatorio.iuperj.br/pdfs/3_estudosecenarios_Estudos

_e_cenarios_Coutinho_Mireles_Delgado.pdf. Acesso em maio de 2007.

(16)

FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Instituições e política no controle do Executivo. Dados. Rio de Janeiro, vol.44, n° 4. 689-727. 2001.

FREIDENBERG, Flavia & ALCANTARA, Manuel (coords.) Partidos politicos de América Latina. México, Instituto Federal Electoral/Fondo de Cultura Econômica, 2003.

GARRETÓN, M. A. Cambios Sociales, actores y acción colectiva en America Latina. Santiago do Chile. Cepal. 2000.

HAGOPIAN, Frances e MAINWARING, Scott. The Third wave of democratization in Latin America - advances and setbacks. New York, Cambridge University Press. 2005.

HOCHSTETLER, Kathryn. Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul. Lua Nova, São Paulo, n 72: pp. 9-46, 2007.

HOLFMEISTER, Wilhelm (org.). Reformas políticas en América Latina. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2004.

JATOBÁ, Daniel & EPSTEYN, Juan. A Argentina nos primeiros cinco anos do século XXI: crise, transição e transformação. In: SOARES de LIMA, Maria Regina e COUTINHO, Marcelo (org.). A agenda sul-americana: mudanças e desafios no início do século XXI. Brasília: Funag, 2007.

LASERNA, Roberto e SCHWARBZBAUER, Anette. Bolívia: movimentos sociais e problemas de governabilidade. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.

LA TORRE, Carlos. Populismo, Democracia e Crises Políticas recorrentes no Equador. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2006.

MARTÍ I PUIG, Salvador & SANAHUJA, Josep M. Etnicidad, autonomía y gobernabilidad en América Latina. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2004.

(17)

PÉREZ LIÑÁN, A. Instituciones, coaliciones callejeras e inestabilidad política: perspectivas teóricas sobre las crisis presidenciales. América Latina Hoy, 49, 2008, pp. 105-126

POSTERO, Nancy, G & ZAMOSC, Leon (eds). The struggle for Indigenous rights in Latin America. Brighton, Sussex Academic Press, 2004.

SANTOS, Wanderley Guilherme. Sessenta e quatro: anatomia da crise. São Paulo: Vértice, 1986.

SEGOVIA, Susana. Indigenismo y movilización en Ecuador. In: (ed.). Etnicidad, autonomia y governabilidad en América Latina. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2004.

STEFANONI, Pablo, MONASTERIOS, Karin & ALTO, Hervé. Reinventando la nación en Bolivia – movimientos sociales, Estado y poscolonialidad. Bolivia: Clacso/Plural Editores, 2007.

STOKES, Susan C, PRZEWORSKI, Adam & MANIN, Bernard (ed.). Democracy, accountability, and representation. Cambridge: Cambridge University, 1999.

STOKES, Susan. Mandates and democracy: neoliberalism by surprise in Latin America. Cambridge: Cambridge University, 2001.

VAN COTT, Donna L. From movements to parties in Latin America: the evolution of ethnic politics. New York, Cambridge University, 2005.

VILHENA DE ARAÚJO, Heloisa (org.). Os países da Comunidade Andina. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão/Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI, 2004.

YASHAR, Deborah J. Contesting citizenship in Latin America: the rise of Indigenous Movements and the postliberal challenge. Cambridge, Cambridge University Press, 2005.

(18)

Observatório Político Sul-Americano – OPSA. Mapa da Estabilidade, n.2, 2º

semestre de 2006. Disponível em:

<http://observatorio.iuperj.br/pdfs/3_mapaestabilidade_mapa02.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2007.

Referências

Documentos relacionados

Mesmo com suas ativas participações na luta política, as mulheres militantes carregavam consigo o signo do preconceito existente para com elas por parte não somente dos militares,

No entanto, as perdas ocasionadas na cultura do milho em função da interferência imposta pelas plantas daninhas têm sido descritas como sendo da ordem de 13,1%, sendo que em casos

Diz ele: “a primeira forma de relação entre imaginação e realidade consiste no fato de que toda obra da imaginação constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes

Curvas de rarefação (Coleman) estimadas para amostragens de espécies de morcegos em três ambientes separadamente (A) e agrupados (B), no Parque Estadual da Ilha do Cardoso,

A Floresta Ombrófila Densa Montana, preservada pelo Parque Nacional, apresentou quantidade média anual de serrapilheira semelhante à de outros fragmentos florestais de

Não podem ser deduzidas dos nossos dados quaisquer informações sobre uma dada característica específica, nem sobre a aptidão para um determinado fim. Os dados fornecidos não eximem

(2019) Pretendemos continuar a estudar esses dados com a coordenação de área de matemática da Secretaria Municipal de Educação e, estender a pesquisa aos estudantes do Ensino Médio

As variáveis peso, estatura e circunferência da cintura apresentaram valores médios superiores aos homens em relação as mulheres, sendo o inverso observado para índice