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A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA MESTRADO EM TEOLOGIA

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FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DE ASSUNÇÃO

ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

MESTRADO EM TEOLOGIA

(2)

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DE ASSUNÇÃO

ÉLIDA COELHO PEREIRA SCHWEIZER

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

MESTRADO EM TEOLOGIA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de

Teologia Nossa Senhora da Assunção, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre em Teologia

sob a orientação do Prof. Dr. Denilson Geraldo.

(3)

A Santa Teresa de Lisieux pela graça de ter concluído este trabalho. À minha querida irmã,

Dra. Emídia Coêlho Pereira, que, não estando mais na terra, da comunhão dos santos,

(4)

Existem, deuma extremidade do mundo à outra, milhões de almas, cuja vida interior sofreu a influência benfazeja deste pequeno livro: História de uma Alma.

(5)

Agradeço à Trindade Santa pela graça da força da brisa que levou a termo este trabalho.

À Santa Teresinha, hábil no Espírito Santo, por me sustentar no desafio.

Ao Diretor Prof. Pe. Dr. Valeriano S. Costa pela atenção que sempre me dispensou.

Ao Prof. Pe. Dr. Denilson Geraldo pelos incentivos que permitiram a meta.

Aos meus queridos professores da Graduação e Mestrado, homens e mulheres servidores de

Deus a serviço do Reino, que, com paciência e sabedoria, desbravaram minha mente e meu

coração para o trajeto da “teologia do amor”.

Do mais profundo da alma, agradeço ao Prof. Pe. Dr. Boris Nef Ulloa pelo salutar apoio para

a reintegração do Mestrado.

Ao Prof. Ms. Dr. Sérgio Conrad que me introduziu na caminhada.

Aos meus queridos pais que, desde cedo, me ensinaram a amar a Deus, a Maria e ao próximo

(in m.).

A um ausente que proporcionou o aprimoramento e o aprofundamento da minha fé.

(6)

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

RESUMO

O trabalho tenta mostrar a importância da doutrina e da teologia de Santa Teresa de Lisieux

para a Igreja e o mundo. O impacto causado pela publicação de História de uma Alma, em

termos mundiais, que levou Sua Santidade, o Papa Pio XI, a denominá-la “a criança querida

do mundo”. Os capítulos tendem a mostrar aspectos relevantes de sua vida, a qual não se pode

separar de seus escritos, e a vivência da Palavra de Deus que forjaram a sua espiritualidade e

intimidade com Deus. O alcance da “pequena via”, sua “Scientia amoris”, com o objetivo

claro de evangelização de todos para levá-los a Cristo. Como o amor no coração da Igreja

objetiva, ainda mais, o desejo de evangelização para salvar almas para o Amado, realizando o

seu desejo apostólico. A profundidade de sua doutrina cristológica na intimidade com Deus

levou-a aos títulos: Padroeira das Missões e Doutora da Igreja e a ser amada e venerada em

todo o mundo.

(7)

A INTIMIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX COM DEUS E SEU REFLEXO NA PASTORAL E NA MISSÃO DA IGREJA

ABSTRACT

The work attempts to show the importance of doctrine and theology of Saint Therese of

Lisieux for the Church and the world. The impact caused by the publication of “Story of a

Soul”, in world terms, that led His Holiness, Pope Pius XI, to name it "the Darling child of the

world". The chapters tend to show relevant aspects of your life, which one cannot be

separated from her writings, and the experience of the God’s Word who forged his spirituality

and intimacy with God. The scope of the "little way", her "Scientia amoris", with the clear

goal of evangelization of all to lead them to Christ. As the love in the heart of the Church

aims even more the desire of evangelization to save souls for the beloved, fulfill realizing her

apostolic desire. The depth of her Christological doctrine on intimacy with God took on the

titles: Patron Saint of the Missions and Doctor of the Church and be loved and revered

throughout the world.

(8)

A Manuscrito Autobiográfico dedicado à Madre Agnes de Jésus (1895)

B-M Carta à Irmã Marie du Sacre-Coeur (1896)

C-G Manuscrito Autobiográfico dedicado à Madre Marie de Goenzague (1897)

CJ Caderno Amarelo

DCL Documentação do Carmelo de Lisieux

DCS Últimos Conselhos e Lembranças

DE Últimos Colóquios

DYN Dynamique de la Confiance

HA História de uma Alma

LT Cartas de Teresa - numeradas

NECMA Nova Edição do Centenário, vol. dos Manuscritos Autobiográficos

NV Novíssima Verba

PN Poesias

Pri Orações

(9)

10

14

22

24

29

33

39

47

49

61

68

INTRODUÇÃO ...

CAPÍTULO I - TERESA, SUA INFÂNCIA E JUVENTUDE

1 ASPECTOS RELEVANTES DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SANTA TERESA .

1.1A Trajetória Espiritual de Santa Teresa no Aprofundamento da Intimidade com Deus - a Sagrada Escritura, os Pais do Carmelo Reformado e Imitação de Cristo ...

1.2Oferta de Santa Teresa ao Amor Misericordioso de Deus – Salmo 88 - Plena Intimidade com o Amado e Transmissão aos Irmãos ...

1.3A Manifestação da Intimidade no Amor Transbordante a Deus nas suas Correspondências Evangelizadoras e Missionárias ...

CAPÍTULO II - A INTIMIDADE DE SANTA TERESA COM DEUS NA PEQUENA VIA E SUA FORÇA EVANGELIZADORA ...

1 A INTIMIDADE EM HISTÓRIA DE UMA ALMA E SUA DIMENSÃO

EVANGELIZADORA E MISSIONÁRIA ...

2 EVOLUÇÃO DESTA INTIMIDADE COM DEUS E SEU ALCANCE

EVANGELIZADOR ...

CAPÍTULO III - A FORÇA DO AMOR DE TERESA NA INTIMIDADE COM DEUS PARA A SUA MISSÃO E EVANGELIZAÇÃO DA IGREJA SOB A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

1 O ALCANCE DA DOUTRINA DE SANTA TERESA DE LISEUX NAS AÇÕES EVANGELIZADORAS DA IGREJA ...

2 A PEQUENA VIA COMO MODELO COMUNITÁRIO DE EVANGELIZAÇÃO TRANSFORMANDO OS CRISTÃOS EM DISCÍPULOS E MISSIONÁRIOS ...

CONCLUSÃO ...

(10)

INTRODUÇÃO

A escolha do tema A intimidade de Santa Teresa de Lisieux com Deus e seu

reflexo na pastoral e na missão da Igreja foi gestada ao longo dos anos de vivência do

carisma carmelitano.

A espiritualidade de Santa Teresa me atraiu desde a infância. Com o decorrer

dos anos, foi-se acentuando o desejo de trabalhar com mais profundidade a sua

trajetória de intimidade com Deus, a fim de tentar mostrar quão profunda é sua

doutrina, que muitos consideram apenas como “água de rosas”. Ademais, surgiu,

ainda, o desafio de mostrar o seu alcance evangelizador e missionário que muitos

desconhecem.

Pretende-se explicitar, dentro da simplicidade peculiar a Santa Teresa, que esta

doutrina, calcada na fé, no amor, na esperança e na caridade, é profunda na sua

essência, apesar da vestimenta despojada. Ela é iluminada e enriquecida pelo Espírito

Santo que conduz a alma a uma identificação com Deus. Teresa fala disto a respeito de

sua conversão no Natal de 1886.

Visa-se, ainda, neste trabalho, mostrar a importância de sua doutrina e de sua

teologia para a Igreja, o mundo e nossa sociedade contemporânea, tão carente de

valores espirituais. Em se partindo desta perspectiva, será observado como a vivência

de tantos acontecimentos levaram-na a despejar sua alma em todos os seus escritos.

Fato relevante é o percurso feito por História de uma Alma, percurso ininterrupto, sua

volta ao mundo, cumprindo assim a frase profética da Santa neste sentido.

Nesta trajetória, ter-se-á, pouco a pouco, desvendado o paradoxo que,

poder-se-ia dizer, humanamente inexplicável, do fato de uma vida escondida na clausura ser

capaz, em tempo recorde, de fazer-se estrela de luz em todos os continentes. Estas

circunstâncias levaram o Papa Pio XI a denominá-la - “a criança querida do mundo”.

Este trabalho consta de três capítulos, assim divididos: no primeiro, propõe-se

delinear os aspectos relevantes da infância e juventude de Santa Teresa, no qual se

explicitarão dados importantes que forjaram esta espiritualidade, a ponto de ela dizer,

aos dois anos de idade, - “quero ser religiosa”. Observam-se, ainda, neste capítulo, os

(11)

mostrar um ponto central, que é a sua primeira comunhão, o primeiro beijo de Jesus

em sua alma. Esta passagem muito significativa na vida espiritual de Teresa, a levou a

assumir, com grande perseverança, combates e obstáculos para ser “apóstola no

Carmelo”. Teresa fala da oposição formal do superior do Carmelo à sua entrada com

quinze anos e de sua viagem a Roma, para pedi-la diretamente ao Papa Leão XIII. Em

seguida, impregnando-se das fontes da Sagrada Escritura, Imitação de Cristo e dos pais

espirituais do Carmelo Reformado, Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz,

aprofundou seu processo de intimidade com Deus. Neste caminhar, estabeleceu o lema

de cantar “eternamente as misericórdias do Senhor” (Sl 88,2), para transmiti-las aos

irmãos dentro e fora do Carmelo. Neste percurso, de intimidade com Deus, fez de

todos os seus escritos e de sua vivência verdadeiras obras missionárias e

evangelizadoras.

No segundo capítulo, tratar-se-á de sua entrada e consagração no Carmelo.

Será exposta a etapa de sua profissão religiosa e vivência carmelitana e, ainda, os

pormenores de sua trajetória de intimidade com Deus até a sua entrega total. Neste

período, Teresa fará descobrir a sua “pequena via” e o Santo Evangelho como fonte

viva de inspiração e o seu reflexo evangelizador. Prosseguindo na narração, Teresa

detalha como conseguiu adentrar à Arca Divina, assim chamava o Carmelo. Explicita

as penas como postulante, noviça e professa usando a imagem de flores colhidas entre

espinhos e, ainda, sua audácia de criança ao receber do Espírito Santo um caminho de

confiança e de amor. Este caminho que ela vai expor, com a mesma audácia, que é a

sua “pequena via”. Expõe maravilhada a descoberta da misericórdia como a perfeição

divina central, fundamental, e a forma como contemplou os outros atributos divinos.

Nesta trajetória vitoriosa vai descobrir a sua vocação, o Amor e a sua filiação à Igreja,

o que vai detalhar com muita propriedade. Evocar-se-ão trajetos desta intimidade em

Histórias de uma Alma como fonte de sua evolução espiritual e sua dimensão

evangelizadora e missionária. Assim, chegar-se-á ao ápice da vocação de Santa

Teresinha - o amor profundo a Deus, sua entrega total a esta intimidade com o Senhor,

a ponto de dizer: “Amar é doar tudo e doar-se a si mesma”.

No terceiro e último capítulo, propõe-se apresentar a força do amor de Santa

(12)

vocação para transformar vidas e levá-las ao Jesus Amado, Caminho, Verdade e Vida

(Jo 14,6). Como conhecedora de que o sofrimento é parte inerente à missão da Igreja,

Santa Teresa parte para o desafio, vendo como São Paulo, que o amor norteia sua

resposta como evangelizadora e missionária. O seu desejo de salvar almas caminha

junto com aquele de ensinar-lhes a sua “pequena via” – “via de confiança e de total

abandono no Senhor”, até a sua “morte de amor” (Ms C. 7v).

A sua “pequena via”, sua “Scientia Amoris”, desvela uma doutrina simples

para evangelizar a todos e levá-los a Cristo. É a simplicidade do abandonar-se no colo

do Pai como uma criança, o poder do amor à Igreja, à obra evangelizadora e às almas,

que conduzem Santa Teresa ao desejo do apostolado. Este amor profundo e total que

vive Santa Teresa, esta cristologia do abaixamento, a levou aos títulos de “Padroeira

das Missões” e “Doutora da Igreja”. A intimidade profunda com Deus, sua teologia

que tem raízes na sua própria experiência vivida e doada fizeram-na conhecida e

(13)

CAPÍTULO I

(14)

1 ASPECTOS RELEVANTES DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SANTA TERESA

Marie Françoise Thérèse Martin nasceu em 2 de janeiro de 1873, em Alençon1,

França, nona filha de Louis e Zélie Martin, nascida Guérin. Esperada com muito amor, pois

Zélie Martin amava as crianças, como deixa claro em suas correspondências. Sua mãe, tão

extasiada em sua maternidade, confiava a sua cunhada, que, quando cantava, o bebê cantava

consigo (DE MEESTER, 2008, p. 29). Santa Teresa foi batizada em 4 de janeiro de 1873 na

Igreja de Notre-Dame de Alençon, tendo como madrinha sua irmã Marie e como padrinho

Paul-Albert Boul, filho de um amigo do seu pai, que contava apenas nove anos de idade na

época.

Apesar deste amor, Teresa, com apenas quinze dias de nascida, foi acometida de uma

enterite aguda e, com três meses, sofreu outra enfermidade, da qual sua mãe quase perdera a

esperança de salvá-la. Teresa foi confiada à senhora Rose Taillé, ama-de-leite, que a levou a

Semallé2, no campo, onde cresceu no meio das flores e dos animais; daí o seu gosto pela

natureza. Esta foi a primeira dor da separação ressentida por Teresa; treze meses mais tarde,

uma nova dor, separando-se de Rose para retornar à sua mãe na cidade. Sua mãe-de-leite só

teve elogios para a pequena Teresa. Desde sua tenra idade mostrava-se viva e muito sensível,

sorridente e de uma inteligência precoce, porém capaz de violentas cóleras. No seu lar,

torna-se a preferida de todos, que não lhe pouparam carinhos. As recordações de sua primeira

infância são as mais felizes e diz que “tudo lhe sorria na terra e que encontrava flores sob cada

passo”3. Santa Teresa fala desta época como “os anos ensolarados”4 de sua infância que

deixaram marcas indeléveis em sua vida. Sua poesia, O Cântico de Celina, leva o leitor a esta

época, pois apresenta uma verdadeira comunhão com a natureza5.

Teresa, em razão de sua tendência à impaciência, desde cedo, foi habituada a “fazer

prazer a Jesus”6, tendo cada dia um rosário de práticas a serem realizadas7. Porém, com quatro

anos e meio de idade, Teresa perdeu sua mãe; o seu sol brilhante passará por um pesado

eclipse, que dará início a uma nova fase de sua vida, a mais dolorosa.

1

Pequena cidade, situada na Baixa-Normandia; atualmente, com quase 29.000 habitantes e, na época de Santa Teresa, com aproximadamente 16.000 habitantes. Famosa pela renda “point d’Alençon”, que a mãe de Santa Teresa fabricava.

2

Pequeno burgo, distante de aproximadamente 10 km de Alençon, com mais ou menos 500 habitantes na época. 3

SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. Histoire d’une Âme. Manuscrits

autobiographiques, 2000, p. 13.

4Idem , p. 13. 5

Cf. PN 18. Obras Completas. 2009, p. 671. 6

Foi uma frase que a família de Teresa encontrou para fazê-la ficar mais tranquila como criança. 7

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. Manuscritos

(15)

Houve uma quebra da fase que só era beleza, ternura e amor em sua existência

marcada por dias felizes em família, passeios e pequenas viagens. Todas essas alegrias

simples calaram no coração das crianças da família Martin. Os serões familiares, animados

pelo pai com poesias, cantos e com a confecção de pequenos brinquedos para as filhas,

deixaram suaves recordações. Estes traços permanentes de harmonia e felicidade familiar

marcaram para sempre as almas das crianças. Teresa, a mais sensível, nos dá o seu relato que

toca a nossa sensibilidade, querendo que esta família se perpetue para que sirva de exemplo

hoje, em que os pais entregam a educação dos filhos à televisão e à internet.

Bastante protegida por seu pai e suas irmãs mais velhas, logo tomou Paulina como

sua segunda mãe. A família muda para Lisieux, a fim de permanecer próximo do tio, irmão da

senhora Zélie e primos. Estes deram muito amor e ternura à Teresa que, até seus oito anos e

meio, não fora à escola. Suas duas irmãs mais velhas serviram-lhe de professoras, e seu pai a

levava a passear todas as tardes. Em 1881, frequentou o colégio das Beneditinas (Abadia), em

Lisieux, do qual não tem boas recordações, em razão dos ciúmes das colegas pelo seu

sucesso. Contudo, seu segundo ano na escola foi ainda mais triste. O motivo desta tristeza foi

quando sua segunda mãe entrou no Carmelo, causando-lhe uma dor profunda, pois imaginava

que as duas entrariam juntas. Teresa adoeceu e, na noite de Páscoa, foi acometida de tremores

estranhos que duraram cerca de sete semanas. Segundo o médico da família, era uma doença

grave e estranha, levando-a a uma espécie de regressão infantil. Contudo, depois da cura e de

vários questionamentos e suposições, Santa Teresa acreditava tratar-se de uma doença por

“acinte”, trazendo “verdadeiro martírio” a sua alma8. Porém, não se tratava de fato consciente,

não sendo responsável por isso. A família viveu uma grande aflição fazendo novenas de

missas, a fim de obter de Deus a graça da cura.

Santa Teresa nasceu num lar pleno de amor e felicidade. Fruto de um casal, cujo

ideal era o religioso, mas, pelos desígnios de Deus, não foram aceitos como vocacionados e,

mais tarde, encontraram-se construindo a linda família, que é exemplo para o mundo. Nela

reinava uma fé sólida. Deus estava presente em todos os acontecimentos, sendo louvado

permanentemente. A oração em família era norma de todos os dias; missas matinais,

comunhão frequente; embora esta última fosse rara naquela época, em razão do jansenismo9.

Faziam vésperas dominicais e retiros. A vida familiar era ritmada pelo círculo litúrgico,

peregrinações, respeito escrupuloso dos jejuns e abstinências. Tudo isso era associado à ação

8

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Santa Face. História de uma Alma. 1974, p. 77. 9

(16)

pastoral dos pais com as crianças abandonadas, alcoólatras e idosos, ensinando suas filhas a

respeitarem os pobres na sua dignidade. Assim, podemos associar algumas características

espirituais da família Martin como: oração, devoção Mariana, amor aos pobres e a Igreja, os

quais vão se desenvolver profundamente na vida de Santa Teresa.

Estas características não impediam o contato com outras pessoas, pois frequentavam

também o Ciclo Católico e os vizinhos. Não viviam isolados para manter o padrão de

religiosidade e o amor a Deus e ao próximo, sendo bem conscientes da realidade da época.

Prova disso é a correspondência da mãe de Teresa com a sua irmã, a freira Marie-Dosithée, de

12 de novembro de 1876, quando esta demonstrava preocupação por Marie, com 16 anos

então, ao se encontrar com amigas de sua idade, ao que a mãe de Teresa respondeu que não se

podia no mundo viver como lobos10. Em carta à Paulina, em 10 de maio de 1877, mostrava-se

atenciosa e carinhosa com suas filhas, pois mencionava Teresa e Celina como anjos de

bênção, pequenas naturezas angélicas. Observa-se que a família Martin possuía uma

espiritualidade sólida alicerçada nos ensinamentos do Evangelho e da Santa Igreja. Assim, se

pode constatar que o profundo amor de Teresa ao Evangelho vem desta fonte familiar e daí a

sua repercussão na intimidade com Deus na pastoral e na missão da Igreja.

Foi nesta família de muito amor, realista, vivendo o amor de Deus e onde era de

suma importância o espírito familiar, que cresceu Teresa, esta rosa do jardim de Deus. Já nos

primeiros dias após o seu nascimento, quando do seu batismo, recebeu do pai de uma criança

presente ao sacramento um pequeno poema de caráter premonitório. Eis os dois últimos

versos: “... Botão que acaba de desabrochar, Tu serás Rosa um dia”11. Realmente, Teresa é

esta Rosa colhida por Deus, bem cedo, de seu jardim terrestre, para complementar, com mais

uma, a beleza do jardim celeste. Aliás, a flor era um símbolo muito amado por Teresa, que se

denominava, a si mesma, a pequena flor, não hesitando em colocar, no seu manuscrito, o

título de: “História primaveril de uma florzinha”. Talvez se possa questionar o porquê dos

dados biográficos acima, porém, se faz necessário para tentar elucidar fatos de sua vivência

no amor de Deus e sua audácia, pois ela mesma retoma suas memórias em todo o seu texto da

“História de uma Alma”. Mostra que a frase “Meu Deus, escolho tudo”, pronunciada com

apenas dois anos de idade em relação à cesta ofertada pela irmã Leonie a ela e a Celina

constitui, disse ela, “o apanhado de toda sua vida”12.

10

Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 11. 11Ibid

., p. 12. 12Ibid

(17)

Santa Teresa diz, relembrando o mesmo episódio, não querer ser santa pela metade,

porém se submete à vontade de Deus e acrescenta: “escolho tudo o que vós quiserdes! ...”13.

Ainda, quando começou a redigir a primeira parte do livro “História de uma Alma”,

ou seja, o “Manuscrito A”, o mais longo, deixou claro que cantaria as “misericórdias do

Senhor”. Esta invocação à misericórdia é o sinal mais elevado da graça de Deus sobre os

místicos, e a união com Deus é o grau máximo do caminho espiritual.14 Estas vão

acompanhá-la sempre, sendo o que se passa desde o início dos seus escritos redigidos por obediência à

Madre Inês (sua irmã Paulina). Contém toda a infância feliz e radiante de Santa Teresa, apesar

das escuras nuvens, em razão da morte de sua querida mãe. É um relato de coração aberto, no

qual tudo é dito com a simplicidade de uma criança, de forma transparente, nada ocultando.

Desta forma, partilha com o mundo a ciência do amor recebida do “Doutor dos doutores”15,

do qual recebeu todas as graças, que a guia e a inspira naquilo que deve fazer. Esta “florzinha

branca” foi cultivada com a água viva da Palavra do Mestre. Criou-se, assim, esta intimidade

fortalecida pela misericórdia de Deus, a ponto de se realizar nela as palavras do Salmo 22.

Percebe-se a simplicidade de Santa Teresa, como a criança espontânea que se livra a falar da

misericórdia de Deus na sua vida, “Porque eu era pequena e fraca, Ele se abaixou até mim e

me instruía secretamente sobre as coisas do seu Amor” (Lc 1,46 ss). Constata-se que este

amor misericordioso vivenciado no mais íntimo da alma por Santa Teresa a levou a uma

interiorização mais profunda do amor de Jesus e, ao mesmo tempo, estendeu-o às dimensões

do mundo. O Santo João Paulo II afirmara que “Apenas o amor misericórdia é capaz de

reconduzir o homem a si mesmo”16.

Enlevada da prodigalidade deste amor, tornou o olhar para o exterior de sua vida e

viu que o Senhor fez maravilhas, fazendo suas as palavras da Virgem Santíssima.

A juventude de Santa Teresa compreendeu um período muito significativo da sua

vida, nos planos de grandes alegrias e também grandes angústias, como o sofrimento na

Abadia17.

Apesar das dificuldades de relacionamento com as colegas, ali permaneceu até março

de 1886. Esse período corresponde à sua vida em Lisieux, para onde mudaram, instalando-se

no “Les Buissonnets”18, em 16 de novembro de 1877, após o falecimento de sua mãe, em 28

13

Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 45. 14

Cf. Urs von Balthasar. Il cristiano. P. 32.

15Op. cit

., p. 176. 16

Cf. JOÃO PAULO II. Enc. Dives in Misericordia, 14: AAS72 (1980), 1223. 17

Pensionato das Monjas Beneditinas, funcionando desde o século XVI em Lisieux. 18

(18)

de agosto do mesmo ano. Santa Teresa dizia-se “bem desenvolvida na nova residência para

começar a conhecer o mundo e as misérias de que anda cheio”.19 Nesse local, em companhia

da irmã Paulina, tomou a decisão de nunca distanciar sua alma do olhar de Jesus, “a fim de

poder navegar tranquila em direção à Pátria dos Céus! ...”.20 O período de residência no Les

Buissonnets resume-se nas palavras: “Um tempo feliz que passou rápido demais”.

As suas tentativas de buscar afeições na escola foram infrutíferas; porém, isto não se

transformou em frustração, pois ela se voltou para Jesus, o único capaz de suprir esta sede de

amor que carregava em si. “Apenas tu, Jesus, podes contentar minha alma, pois até ao infinito

tenho necessidade de amar.”21 Apesar do seu romantismo ao escrever, influência do seu

ambiente familiar e social, ela lutou consigo mesma de forma rigorosa, a fim de seguir o

ensinamento do Senhor, de amar em verdade, a Deus e ao próximo. Desta forma, conseguiu

viver com suas colegas na Abadia, tentando vencer sua grande sensibilidade que a levava

constantemente a derramar copiosas lágrimas. Nessa época, Paulina, sua irmã e segunda mãe,

entrou para o Carmelo; no entanto, antes de ser arrebatada do lar, grandes sofrimentos viveu

Teresa e lágrimas amargas derramou, pois ainda “não compreendia o gozo do sacrifício”.22

Paulina explicou-lhe o que era o Carmelo, o que traduziu para Teresa “o deserto onde o Bom

Deus queria que fosse também esconder-se (...) era a certeza de um chamado divino”.23

Santa Teresa levava uma vida de adolescente bem nascida e criada à sombra de um

lar cristão, onde o amor a Deus e ao próximo eram moedas correntes. Todos os sofrimentos

pelas perdas de familiares não afetaram em nada o espírito cristão, a vivência do Evangelho e

o louvor à Maria no seio da família. Santa Teresa tinha suas crises, porém o amor que a

cercava era mais forte e, assim, pôde superar o que a impedia de se sentir mais forte para amar

o Amado. Sentiu a verdadeira vocação. “O chamado divino era tão premente que, se me fora

preciso atravessar as chamas tê-lo-ia feito para me conservar fiel a Jesus”.24 Santa Teresa faz

saber que o desejo do Carmelo não era por causa da Paulina ali se encontrar, “mas por Jesus

tão somente...”.25 Entretanto, sabia dos muitos cadinhos que tinha de passar até atingir o

almejado. Santa Teresa quando escreve seus pensamentos, já no Carmelo, fala das graças que

o Bom Deus lhe concedeu, acrescentando que o amadurecimento de sua alma se fez “no

19

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada-Face. História de uma Alma. 1975, p. 66. 20Idem

21

SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus. Manuscrits autobiographiques. 1957, p. 9.

22Op. cit

., p. 73. 23Idem

24Ibid

., p. 116.

25Op. cit

(19)

cadinho de provações externas e interiores”.26 Santa Teresa diz não ter medo do sofrimento e

se abandona a ele como uma criança nos braços do pai e completa: “O sofrimento me

estendeu os braços e eu me lancei com amor” (Ms A, 19,5).

Há inúmeros fatos que povoam a adolescência de Santa Teresa e que deveriam

ilustrar sua trajetória de intimidade com Deus e seu espírito pastoral e missionário. A sua

doença aos dez anos e, sobretudo, a que sofreu em Pentecostes, curada pelo sorriso da Virgem

(Ms A, 30v e 31r), permaneceram sem verdadeira explicação para a medicina. Entretanto,

vale relembrar alguns fatos que mais fortemente influenciaram a sua espiritualidade e a

conduziram ao seu objetivo. Trata-se de suas investidas para conseguir entrar no Carmelo.

Tinha sempre a companhia de seu pai querido. Em sua companhia, foi ao encontro de

Monsenhor Révérony, Vigário-Geral que representava a Diocese de Bayeux, a fim de obter do

superior eclesiástico, Monsenhor Delatroëtte, a sonhada permissão. Não obtendo resultado

positivo, ela e o pai se engajaram numa peregrinação a Roma para a comemoração do Jubileu

Sacerdotal do Papa Leão XIII. Santa Teresa tinha como objetivo pedir diretamente ao Papa a

autorização para entrar no Carmelo. A viagem teve sua primeira parada em Paris, onde Teresa

diz que a única maravilha encontrada foi a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias. Sentiu ali a

felicidade de criança, e seu pensamento a levou a se colocar sob o manto maternal.27 Pediu a

proteção de São José, pois na ocasião não sabia ainda que: “Tudo é puro para os que são

puros” (Tit 1,15) e, em seguida, visitaram a Igreja do Sagrado Coração de Jesus em

Montmartre, prosseguindo a viagem a Roma, bem protegidos, como dizia Santa Teresa.

Todas as impressões deixadas pela peregrinação a Roma convergiam para Jesus e

para a vida de amor, simplicidade e fraternidade que ela buscava no Carmelo. Santa Teresa

caminha a passos firmes rumo ao seu objetivo, o Amado e, na sua primeira comunhão, relata:

sentiu-se amada por Jesus e entregou-se ao seu amor para sempre. Foi, diz ela, não mais um

olhar, mas uma fusão. Teresa desaparece no seio do oceano. É a cristologia típica de Santa

Teresa a do abaixamento, fruto de sua liberdade (Ms C, 10v.). “Dá-se a verdadeira libertação,

a de se abrir ao amor de Cristo”.28 Santa Teresa apresenta-se como mestra, não apenas de

espiritualidade, mas, ainda, entre outros, da simplicidade e da pobreza, o que revela nos seus

escritos e suas ações; por esta razão, afirma que em sua vida “tudo é graça”. Assim, vai bem

ao encontro do que diz a DSI: “Pois aquele que reconhece a sua pobreza diante de Deus, em

26

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada-Face. História de uma Alma. 1975, p. 31. 27Ibid

., p. 125. 28

(20)

qualquer que seja a situação que viveu, constitui o objeto de uma atenção especial de Deus”.29

Assim, Santa Teresa, cada vez mais forte pela misericórdia do Senhor, continuava a perseguir

o seu ideal, uma vez que não retornou de Roma com a tão sonhada autorização e sim com a

resposta de Sua Santidade: “... Entrareis, se o Bom Deus o quiser.”30 Apesar da resposta,

sentiu algo de convincente em sua voz e experimentou a felicidade por ter visitado, no sétimo

dia em Roma, a maior das maravilhas: Leão XIII. Santa Teresa diz que apesar da resposta

obtida, tudo o que viu de belo em Roma “fez crescer sua alma ao contato com coisas

santas...”. Foi uma viagem instrutiva, pois lhe mostrou “a vaidade de tudo quanto passa, e que

tudo debaixo do sol é tribulação de espírito” (Ecl 2,11.). Compreendeu que todos os títulos de

nobreza dos muitos viajantes e seus “d” não lhes pareciam que fumaça (...) e compreendeu

que a verdadeira grandeza reside na alma e não no nome, pois como diz Isaias “(...) aos seus

servos dará outro nome” (Is 65,15).

Quanto às belezas do trajeto até Roma, passando pelos Alpes suíços, dizia guardá-las

no seu coração e na mente para que, na clausura, se lembrasse do poder e das maravilhas de

Deus, bem como do poder dado às criaturas31. Toda a beleza dessa paisagem fazia despertar

em sua alma profundos pensamentos e, na força da provação do Carmelo, já prisioneira,

recordar-se-ia dela, a fim de que lhe desse coragem para esquecer os pobres e mesquinhos

interesses, prendendo-se à grandeza e ao poder de Deus a quem quer unicamente amar - meu

coração pressentiu o que Jesus reserva àqueles que O amam (Ms A, 58v. 1 Cor 2,9).

Outro fato relevante de sua vida foi sua introdução na sociedade de Alençon, que ela

descreve como quinze dias de beleza, para depois concluir que tudo eram aparência, vaidade e

aflição do espírito (Ecl 2,11). Viu o vazio das pessoas e, nelas, só aparência de cristãos.

Contemplou toda aquela ostentação, examinou os pormenores e não se deixou enganar, apesar

de ver encanto naquela vida. O valor da vida para aquelas pessoas repousava na vaidade32.

Naquele ambiente, parecia que o Senhor precisava lutar por um espaço, e a sabedoria se faz

presente “Porque a fascinação das frivolidades seduz até o espírito distanciado do mal” (Sa

4,12). Santa Teresa não hesitava em recusar todas as pérolas ali vistas e preferiu os alfinetes

do céu, o serviço humilde e escondido do Carmelo. Na época, tinha apenas 10 anos e faz a

retrospectiva como Carmelita em 1895.

Santa Teresa divide a sua vida até a entrada no Carmelo em três períodos ou fases. O

primeiro período corresponde à feliz infância, da qual já foram tecidas considerações: “Quão

29

Cf. DSI n° 324. 30

Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. História de uma Alma. 1975, p. 137. 31Ibid

., p. 127-128. 32Ibid

(21)

feliz era nessa idade” (Ms A, 11r). O segundo vai dos quatros anos e meio (morte de sua

querida mãe) até os 14 anos, fase entremeada de alegrias e tristezas em companhia dos

familiares nos “Buissonnets”, quando teve Paulina, sua segunda irmã, como mãe, e uma fase

de tristeza pela perda desta segunda mãe, pois Paulina entrou para o Carmelo. Santa Teresa

explicita nesta fase também outros fatos dramáticos de sua vida, como: sua doença nervosa da

infância, inexplicável33, os meses de escrúpulos e a doença de seu querido pai. O terceiro

período é o que ela traduz como o mais belo e mais cheio de graças. Ele compreende a viagem

a Roma e suas batalhas para entrar no Carmelo. Santa Teresa conviveu com “sofrimento e

separações contínuas” (DE MEESTER, 2008, p.30). Contudo, foi neste período que aconteceu

a verdadeira conversão, na Noite Santa do Natal de 1886. Santa Teresa evoca o milagre

operado por Deus em sua vida que a fez deixar definitivamente a infância34. Este período foi

também marcado por uma doença nervosa, inexplicável35, diz o Dr. Gaipral. O Dr. Nolta, o

primeiro a atendê-la, deu o mesmo diagnóstico (Ms A, 28r). Vários são os estudiosos

psiquiatras e psicólogos que têm estudado este caso, sem qualquer conclusão definitiva para a

ciência. Foi também a fase de escrúpulos, torrentes de lágrimas e curada pelo sorriso da

Virgem. Entretanto, naquela Noite Santa teve a sua libertação e, a partir daí, começou, sem

parar, o que denominou a “corrida de gigantes”36. Jesus substituiu totalmente aquelas suas

inócuas alegrias da infância, recuperando, assim, toda a força e ânimo perdidos com a morte

de sua mãe. Jesus conduziu “a pequena flor branca” ao Carmelo, pois sabia que era fraca e,

por isso, não a expõe à tentação e usa de sua condescendência porque ela é pobre e pequena.

Santa Teresa mostra-se bem imbuída pela ideia da misericórdia (Ms A, 38v), que “cantará

eternamente”.

Santa Teresa diz que Jesus a transformou em pescadora de almas. Foi a verdadeira

aliança, pois estando na juventude, Jesus percebeu que “chegara o tempo de ser amada”37. A

sua amada, nessa ocasião, ainda se alimentava com a “flor de farinha”, alusão ao livro

Imitação de Cristo38, mas fora acrescentado “óleo e mel” em abundância, referência às

Profecias de Ezequiel. Esta nutrição espiritual, mais substancial, Santa Teresa diz ter

33

Cf. Revista Carmel, 1959/2, p 81-96. 34

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 108.

35Op. cit

., p. 81-86. 36Ibid

., p. 108. 37Ibid

., p.112 38

(22)

encontrado no livro do conferencista padre Charles-Marie-Antoine Orminjon39, uma vez que

ainda não tinha descoberto a riqueza insondável do Santo Evangelho.

Depois de todas as lutas sem tréguas para entrar no Carmelo e, depois da audiência

com o Santo Padre, sentia uma amargura exterior, porém, paz interior; sinal da confiança que

guardava dentro de si de obter a graça tão esperada. Aprendeu a aceitar a vontade de Deus e

“ofereceu-se a Jesus para ser a sua bolinha insignificante, com a qual Ele podia brincar, pisar,

esmagar ou apertar ao seu coração misericordioso.” (Ms A, 64r). De provação em provação,

teve a sua fé mais consolidada para enfrentar maiores tempestades que não tardariam a

chegar, a fim de fazê-la crescer no abandono e nas virtudes, tão necessárias à vida de clausura

e à santificação40.

1.1 A Trajetória Espiritual de Santa Teresa no Aprofundamento da Intimidade com Deus - A Sagrada Escritura, os Pais do Carmelo Reformado e Imitação de Cristo

Com apenas dois anos de idade repetia o que ouvia falar de sua irmã Paulina, que

seria religiosa. Esta convicção fora guardada, apesar de não compreender naquela época o seu

verdadeiro significado. Em 1876, como já fora mencionado, a sua mãe já falava do

convencimento de Teresa para fazer práticas religiosas, espécie de pequenos sacrifícios para

agradar a Jesus41. Bem pequena, aprendeu o hábito de jamais se queixar de alguma injustiça;

uma virtude natural, sem dúvida, adquirida na formação que recebera em casa e na

perseverança do seu exercício.

Com quatro anos já sentia a necessidade e a responsabilidade de fazer as suas

orações diárias, como ressalta no seu relato do Manuscrito A, evocando sua infância, semanas

antes do falecimento de sua mãe42. É interessante observar-se que a primeira palavra que

conseguiu soletrar, sem ajuda, foi “Céus”43. Santa Teresa mostrava sua preferência nos

estudos pelo Catecismo e História Sagrada. Nos passeios com o pai às tardes, visitavam

sempre uma Igreja e o Santíssimo Sacramento. Apesar do desvelo de seu pai, Santa Teresa diz

que a Terra lhe parecia “um lugar de exílio e sonhava com o Céu” (Ms A, 14v).

Com seis anos demonstrou um coração fraterno em relação aos pobres, pois ao

encontrar com um deles, quando passeava com seu pai, fez o propósito de rezar por ele no dia

39

Este livro reúne as suas conferências proferidas em Chambéry, França; editado em 1881 com o título: Fim do

mundo presente e mistérios da vida futura.

40

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 170. 41Ibid

., p. 108-109. 42Ibid

., p. 49. 43Ibid

(23)

de sua primeira comunhão, o que cumpriu mais tarde.44 Santa Teresa fala de seu costume de

oferecer seu coração a Deus com uma fórmula ensinada por sua mãe e, no mês de maio, como

não podia frequentar a Igreja pela sua idade, organizava em casa um pequeno altar, bem

ornado, em louvor à Maria e aí rezava com Vitória, a empregada da família.

Relembra que sua primeira confissão foi com o padre Ducellier45 e orientada por

Paulina. Fê-la com espírito de fé e convicção da presença de Deus na pessoa do sacerdote.46 A

confissão era feita na ocasião de todas as festas litúrgicas. Teresa relembra o sermão de seu

confessor sobre a Paixão de Cristo e esclarece que daí em diante passou a compreender todas

as homilias e aguardava o domingo com suspiros “pelo eterno repouso do Céu...”47.

Maria, sua irmã mais velha, foi a catequista que a preparou para a primeira

comunhão, durante três meses. Teresa multiplicava os sacrifícios, para bem se preparar para

receber o Amor; porém, na Abadia tinha o Abade Louis-Victor Domin, que lhe deu lições de

catecismo e pregou os dois retiros para a comunhão. Santa Teresa conta da atenção com que

ouvia as instruções do padre Domin e, também, de seus pensamentos dirigidos a sua irmã

Paulina, que se encontrava em retiro, para a sua profissão religiosa no Carmelo. Santa Teresa

recebeu a absolvição sacramental e, em seguida, a confissão geral. Sua primeira comunhão e

profissão de Paulina aconteceram em 8 de maio de 1884. Santa Teresa diz que foi o primeiro

beijo de Jesus na sua alma48 e que, então, houve uma fusão para sempre, entre Jesus e ela49. A

segunda Eucaristia foi na festa da Ascensão, uma nova e profunda alegria.

Em 14 de junho do mesmo ano, foi seu Crisma, para o qual fez novo retiro para

receber o Sacramento. Foi celebrado por Dom Flavian-Abel-Antoinin Hugonin, bispo de

Bayeux, e teve como madrinha sua irmã Leônia. Santa Teresa diz ter se preparado com grande

zelo para a recepção do Sacramento do Amor, a visita do Espírito Santo; porém, dizia não

compreender porque não se dava certa atenção no tocante à preparação. Contudo, ela com a

alma feliz como os apóstolos O aguardava. Sentiu a brisa leve, tal como o profeta Elie

entendeu o murmúrio no Monte Horeb. Esta recepção amorosa deu-lhe a força para o

sofrimento, porque, logo mais, o martírio de sua alma deveria começar50.

A sua vida eclesial era constante. Na família, desde criança, com a idade para

frequentar a Igreja, participava da liturgia e orações. Participou da Associação dos Anjos e

44

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma. 1975, p. 55. 45

Vigário cooperador na Catedral de São Pedro em Lisieux.

46Op. cit

., p. 57. 47Ibid

., p. 59. 48Ibid

., p. 90.

49Idem.

50

Cf. SAINTE THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus et de la Sante-Face. Histoire d’une Ame. Manuscrits

(24)

muito lhe agradaram as práticas e devoções. Depois da primeira comunhão, recebeu a fita de

aspirante à Filha de Maria, que substituiu a dos Anjos. Santa Teresa fazia as suas confissões e

participava da Santa Missa. A Eucaristia não era frequente na época e necessitava de

autorização do confessor.

A trajetória espiritual de Santa Teresa, como se vê, seguiu o ritmo das Moradas de

Santa Tereza d’Ávila, ou seja, por etapas bem definidas e vividas para alcançar o grau mais

elevado do amor, a união íntima com Deus. Desta forma, este caminho místico vai a um nível

mais profundo simbolizado pelo Matrimônio Espiritual.51 Deu-se tudo lentamente, contudo,

com a firmeza de uma rocha e, considerando-se sua curta vida, como já fora dito, foi rápida e

com o seu ideal alcançado, consumida pelo “fogo do amor” do Amado.

1.2 Oferta de Santa Teresa ao Amor Misericordioso de Deus - Salmo 88 - Plena Intimidade com o Amado e Transmissão aos Irmãos

Para se compreender, ao modo de Santa Teresa, todos os acontecimentos de sua vida

como uma ação contínua das graças do Senhor, faz-se necessário atentar para a forma como

começa a escrever sua autobiografia. Bem no início de seus manuscritos, diz: “... não farei

senão uma única coisa: começar a cantar o que hei de repetir eternamente – “as misericórdias

do Senhor!!!”...52. A misericórdia constitui o ponto central de seu texto e, como perfeição

divina essencial a leva a contemplar todas as outras como plenas de amor, mesmo a justiça,

assim se apresenta. É seu grande tema do “Ms A” a gratuidade do amor de Deus que

centralizará sua mensagem no Ms C 2r, 20. A misericórdia representa o fio condutor de sua

vida como se observa a seguir.

Santa Teresa considera que, em sua vida, tudo é graça e que não existem méritos.

Tudo é fruto do amor misericordioso de Deus, a começar pelo seu nascimento, no seio de uma

família tão amável e fervorosa; a graça de, desde sua pequena infância, nada recusar a Jesus; o

desejo de consagrar sua vida ao Senhor e também de se tornar uma grande santa como Joana

d’Arc. Santa Teresa a amava e a admirava, sendo por ela influenciada pela sua coragem e seus

feitos. Escreveu e representou no Carmelo peças de Teatro sobre sua vida e, quando se refere

a ela no texto, diz: “minha querida irmã”.53 Foi ainda Jesus que, por sua graça, desde cedo, lhe

deu o prazer do silêncio, da oração e o amor à Eucaristia. Também na sua pequena infância

tomou como hábito fazer sacrifícios e nunca se queixar de nada. Esta graça do amor

51

Cf. SANTA TERESA de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. 1981. 52Ibid

., p. 29 53Ibid

(25)

misericordioso de Deus a acompanhou até os seus últimos dias na terra, doente, já não

podendo mais comungar disse: “tudo é graça”54. Santa Teresa, ao escrever seus manuscritos,

faz uma verdadeira “litania” (DESCOUVEMONT, 1997, p. 59) de graças, chegando a

evocá-las quase cem vezes. Como “tudo é graça”, para Santa Teresa, isto confirma que sua vida é

um oceano de graças (Ms A, 84r).

Teresa diz que, quando se recorda de certo período de sua vida, antes da graça do

Natal de 1886 (já comentado no texto), sua alma transborda de agradecimentos. A partir daí,

diz a Santa, não perdeu qualquer batalha, por mais difícil que se apresentasse; caminhava de

vitória em vitória. Santa Teresa, em 1894, faz a confirmação da grande graça do Natal, a

graça da conversão total, pois Jesus a “revestiu de sua armadura” (Ms A, 45r), o que a levou a

tomar em mãos, sua própria vida. Ela confia na misericórdia do Senhor, pois “Deus tem

compaixão de quem lhe apraz e faz misericórdia a quem Ele quer aplicar misericórdia” (Ms

A, 205) e conclui: pois o abaixar-se é próprio do amor (Ms A, 3r ). Ao escrever seus

pensamentos sobre as graças que o Bom Deus achou por bem lhe conceder sente-se mais

fortificada pelas provações exteriores e interiores. Num ímpeto de energia, ergue a cabeça e

pode ver com clareza que nela se realizou as palavras do Sl. XXII (Ms A, 3v).

Desta forma, vieram os frutos tão abundantes e a prática das virtudes teológicas

tornaram-se doces e naturais.55 Daí em diante, diz Santa Teresa, a cada graça que ela recebia

do Senhor com fidelidade, Ele dava inúmeras outras. Teresa continua a falar de sua vocação

dizendo que, se os sábios que passaram sua vida estudando fossem interrogá-la, eles ficariam

admirados ao ver uma criança de quatorze anos compreender os segredos da perfeição. Estes

segredos que toda a ciência deles não pode descobrir, porque para possuí-los é necessário ser

pobre de espírito56, cultivar humildade, um esvaziar-se, abandonar-se nas mãos de Deus, pois

Ele se fez pobre por nós (2 Cor 8,9). Trata-se do caminho que leva o homem “criado à

semelhança” de Deus à perfeição, à comunhão perfeita com Ele. Atingir esta pobreza

espiritual é conhecer o seu nada como fez Santa Teresa, realizando a vontade do Pai, pois

“tudo é graça”. O Papa Francisco, grande enaltecedor da misericórdia de Deus e seu

vivenciador no dia a dia, exorta o povo de Deus a esta prática vivida por Santa Teresa, pois,

“É importante a coragem de me entregar à misericórdia de Jesus, confiar na sua paciência,

refugiar-me sempre nas feridas do seu amor”.57 A pobreza de espírito significa compreender

que as graças são dons de Deus, não para serem armazenados, mas vividos e transmitidos a

54

Cf. SANTA TERESA de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. 1981, p. 271. 55Ibid

., p. 115. 56Ibid

., p. 116. 57

(26)

todos os irmãos, especialmente aos missionários. Santa Teresa, no seu “querer tudo”, fazia

seus desejos irem “às raias do infinito” (Ms B, 2v-3v). Assim, abriu a Bíblia e leu 1 Cor

capítulos 12 e 13; qual foi a sua surpresa ao descobrir na leitura que a Igreja tem um coração e

que este era “Ardente de Amor”. Foi aí que Teresa descobriu ser o amor mais abrangente,

eterno. Constatou, então, sua vocação: o Amor. A caridade deu-lhe a chave da sua vocação,

“o segredo de apossar-se da chama Sagrada fará transformar o nada em fogo” (Ms B, 2r).

Santa Teresa num momento de provação contra a fé recebeu do Amado esta luz no seu

coração, que foi crescendo gradativamente, a caridade (Ms C, 12r) e, no momento, transcreve

um versículo bastante significativo do profeta Isaias “Se tu privares para o faminto, e se tu

saciares o oprimido, tua luz brilhará nas trevas, a escuridão será para ti como a claridade do

meio dia” (Is 58,10). Assim, se pode constatar que Santa Teresa exerce esta sua vocação da

maneira mais autêntica, seguindo a Doutrina Social da Igreja e o Catecismo da Igreja Católica

que diz: “A caridade não pode se reduzir apenas à dimensão terrestre das relações humanas e

sociais, porque toda a sua eficácia vem da referência a Deus” e acrescentam o parágrafo de

Santa Teresa: No entardecer desta vida, comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois

não Vos peço, Senhor, que contabilizeis minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas

aos vossos olhos. Quero, portanto, me revestir da nossa própria justiça e receber de vosso

Amor a possessão eterna de vós-mesmo”58. Entretanto, a evangelização e a missão

representavam muito para Santa Teresa que compreendeu, em 9 de junho, dia da festa da

Santíssima Trindade, “o quanto Jesus deseja ser amado” (Ms A, 84r). Com este propósito

queria percorrer todo o universo, chegar até as “ilhas mais remotas ”, para levar o nome de

Jesus e seu Evangelho. Contudo, uma única missão não lhe bastaria, pois desejava fincar a

cruz de Cristo em todos e nos mais longínquos continentes.

Como já fora abordado no resumo deste primeiro capítulo o processo de intimidade

com Deus estabelecido por Santa Teresa de cantar “eternamente as misericórdias do Senhor”

estavam intimamente ligados ao desejo de levá-las às irmãs carmelitas e além da clausura.

Constata-se que tudo o que escreveu e viveu está impregnado do amor de Deus, da

sua misericórdia e desta vontade férrea de transformá-lo em ação missionária e

evangelizadora. É este amor transbordante de Deus, em Jesus Cristo na Trindade, que Santa

Teresa vive e o tem enraizado em sua alma. Ele vai se derramar levando a mensagem do

Evangelho de Cristo na prisão e, além das fronteiras, aos missionários. Observa-se que a alma

de Santa Teresa está inflamada deste amor e, desta forma, mostra não permanecer inativa,

58

(27)

assim, quer ser “tudo” para Jesus: “guerreiro, sacerdote, apóstolo, doutor e mártir”. Contudo,

é o Amor, no coração da Igreja que vai concretizar todos estes sonhos.

Foi esta confiança de criança na misericórdia de Deus que fez com que todas as

barreiras e obstáculos existentes, impedindo sua entrada no Carmelo, caíssem por terra. Em

todos os combates, quando falta a força, a confiança faz Jesus assumir o comando, “Com

humildade, fará o que lhe for possível realizar e, com humildade, confiará o resto do

Senhor”59. A oração e o abandono são receitas eficazes, diz a Santa, para se chegar ao Amado.

Santa Teresa, nessa época, não tinha ainda treze anos. Estudava na Abadia e, já em sua mente,

armazenava alguns elementos que farão mais tarde parte de sua “pequena via”.

Pelas razões expostas, vê-se que Santa Teresa desde criança foi agraciada por Deus.

Ela foi escolhida e modelada desde o ventre materno (Isaias 44, 1-2) e, por isso, Deus cuidou

tão bem desta preciosa figura que, pouco a pouco e com perseverança, foi conquistando seu

espaço. Mostrou que todo aquele que confia no Senhor, que se abandona à sua misericórdia,

consegue realizar os seus sonhos e tornar-se um exemplo de vida para os demais; não por seus

méritos, deixa claro, mas pela infinita misericórdia de Deus. É a esperança, esta virtude

teologal, purificada através da pobreza espiritual, que leva a alma à perfeição, a doar-se sem

limites ao Amado e fazê-Lo amado. É a própria beatitude que Jesus proclamou no Sermão da

Montanha (Mt 5,3). O sofrimento pode preparar para acolher o Reino. É o apoio da doutrina

dos Pais Espirituais São João da Cruz e Santa Teresa d’Ávila que deixam seus traços na

querida Santa Teresa; porém, guardando uma perfeita e extraordinária autonomia, fazendo a

título solitário a sua trajetória. Ela mesma confirma suas fontes e, de modo particular e, em

dado momento diz que, lendo São João da Cruz, pedia ao Bom Deus que operasse nela o que

São João da Cruz dizia na sua doutrina: pedindo que fosse consumida rapidamente no Amor.

É o amor disposto ao sacrifício e, na sua evolução para a entrega total através das

purificações, chega ao ápice. Dá-se aí “o envolvimento” na dinâmica de sua doação. A

“mística” do Sacramento, que se funda no abaixamento de Deus até nós, tem um alcance

muito alto.60 Em seguida, Santa Teresa acrescenta “Ah! é incrível como todas as minhas

esperanças se realizaram” (GAUCHER, 1997, p.182). É nesta mesma esperança que Santa

Teresa deixou ao mundo contemporâneo seus escritos, com sua doutrina simples do caminho

da contemplação, para se chegar ao Amado. Entrega a “pequena via” para que o homem se

levante da sua inércia do ateísmo e caminhe em direção a Deus, fonte de vida e de graças. O

Vaticano II confirmou este pensamento, pois “indicou que a missão da Igreja neste mundo

59

BENTO XVI. Carta Encíclica. Deus é Amor. 35. 60Ibid

(28)

consiste em ajudar o ser humano a descobrir em Deus o sentido último de sua existência, pois

apenas Ele responde aos mais profundos desejos do coração humano”61.

Este caminho, ditado pelo profundo desejo de “amar Jesus e fazê-lo amado”, é

colocado à disposição de todos os que aspiram a uma perfeição da vida espiritual, não

importando a condição de vida, raça ou religião, pois é universal. É a santidade aberta a todos,

antecipando, assim, os apelos do Vaticano II62 no seu chamamento de todos à santidade. Santa

Teresa parece dirigir os seus escritos a todos os estressados do século XXI, levar sua doutrina

aos menores deste mundo, para toda uma legião de pequenas almas. Parece querer fazer o

rejuvenescimento deste mundo, velho e enfermo, numa Europa descristianizada, convidando a

todos a se tornarem crianças, através de uma doutrina própria, instruída pelo próprio Deus.

Santa Teresa diz, ainda, que avançar neste caminho faz parte de uma decisão interior

de cada um na aceitação de sua pequenez humana e espiritual e entregar-se ao amor

misericordioso de Deus. Colocar-se em suas mãos e pedir ajuda à Mãe Santíssima, a Virgem

Maria, como fez Teresa, pois como o apóstolo mais amado, as almas recebem Maria e gozam

mais especialmente de sua presença e ação. Assim, a vida com Maria, por Maria e em Maria,

cuja vida não foi a não ser amor, torna-se uma doçura63. Caminho da obediência a Deus e do

silêncio para Lhe escutar, aceitar os seus desígnios, caminhando firme e resoluta para o “face

a face”; é a vida com Deus em Cristo e no Espírito Santo. Esta vida com Maria tem bases

profundas no amor espiritual purificado e é isto que se presencia em Santa Teresa. Deus uniu

intimamente Jesus e Maria para a realização de seu desígnio de misericórdia. O desejo de

humildade, simplicidade, de não chamar a atenção sobre si. Santa Teresa se nutria da

meditação sobre a vida escondida de Cristo e da Virgem Maria. Ela se deliciava do “Discurso

sobre a vida escondida de Deus” de Bossuet e o passava as suas noviças (CSG. p.7). Para esta

missão comum, Deus os fez tão semelhantes um ao outro que permite a transcendência da

união hipostática reservada a Cristo. Não se pode, então, os separar. Assim, uma teologia

marial firme, precisando as verdades, não pode ser elaborada que à luz de Cristo Jesus; este

Cristo que se humilhou e se entregou à morte de Cruz para o resgate de humanidade. É o

mesmo “Jesus que torna doce o que há de mais amargo”64. Era assim que o Senhor fazia

brilhar em Teresa a sua misericórdia, porque, como afirmava, ela era “pequena e fraca”. Ele

se abaixava para instruí-la em segredo das coisas do seu amor, pois o abaixar-se é próprio do

61

Cf. Const. Past. Gaudium et Spes, 41. 62

Etienne MICHELIN. THÉRÈSE de l’Enfant-Jésus au coeur du Vatican II, dans Thérèse de l’Enfant-Jesus, Docteur de l’Amour. 1990/1991, p. 73-110.

63

Cf. PÉRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jésus. Je veux voir Dieu. 1998, p.897. 64

(29)

Amor 65, do qual Teresa evoca a “kénose” da Carta de Paulo aos Filipenses (2,7-8). Trata-se

do despojamento total, o servo sofredor e humilhado. Este sentimento de pobreza, pequenez,

do nada, fragilidade de criança, desenvolvidos na alma, é que vai chamar o Bom Deus a esta

descida, para levar a alma nos seus braços, fazendo uma renovação para cada uma. A atitude

do Verbo se encarnando na natureza pecadora, a fim de levá-la às profundezas da Trindade

Santa. É esta cooperação esperada pelo Espírito para esta renovação espiritual que Santa

Teresa quis deixar ao mundo.

1.3 A Manifestação da Intimidade no Amor Transbordante a Deus nas suas Correspondências Evangelizadoras e Missionárias

Observa-se que suas correspondências missionárias para os irmãos espirituais, Abade

Bellière e Pe. Roulland são belíssimas, plenas de ensinamentos da via da confiança e do amor

que descobriu sozinha, guiada pelo Espírito Santo na força do amor. Bellière escreveu à

Madre Gonzague que suas cartas são verdadeiros tesouros, complemento de sua história.

“Exprimem o dinamismo de uma vida na busca do amor absoluto” (Cf. Thérèse de Lisieux.

Obras Completas (OC), 1992). Constituem elementos de uma verdadeira biografia

inseparáveis dos manuscritos, tudo caminhando rumo ao objetivo - o amor misericordioso que

Santa Teresa fez a própria experiência em cada etapa de sua vida e que quer revelar a todos.

A obsessão pela salvação dos pecadores e de todos não deixa de recrudescer no final

de sua vida terrena. Nutre-a pela troca de correspondência com seus irmãos espirituais a quem

promete ajudar proficiente: “Quando tiver aportado, ensinar-vos-ei, querido irmãozinho de

minha alma, como devereis singrar pelo mar tempestuoso do mundo” e, confirmando

ensinamentos e conselhos anteriores, reforça: “com o abandono e o amor de uma criança,

ciente de que seu pai lhe quer bem e não poderá deixá-la abandonada na hora do perigo... O

caminho da confiança, simples e amorosa, é bem indicado para vós” (Thérèse de Lisieux, OC.

p. 618 ss). Nesta carta 261, Santa Teresa intercala citações bíblicas do Gênese ao Apocalipse,

na esperança de levar o irmão espiritual a trafegar pelas águas seguras da misericórdia de

Deus.

Na carta n° 224 Teresa diz que, sem dúvida, ele sorriu lendo a poesia “mes Armes”,

mas poderá sorrir mais, pois quando criança sonhava combater nos campos de batalha. Isto,

quando começou a estudar a história da França, os textos sobre Joana d’Arc que a

encantavam. Contudo, ficou o desejo e a coragem de imitá-la. Pensava que o Céu a convidaria

65

(30)

ao combate, mas logo sua alma entendeu a voz do Esposo que a chamava para conquistas

mais gloriosas e na solidão do Carmelo. “Compreendi então, que minha missão não era a de

fazer coroar um rei mortal, mas a de fazer amar o Rei do Céu, de submeter a Ele o reino dos

corações” (Cf. Thérèse de Lisieux. OC, 1992, p. 582 ss). Em outra correspondência, sempre

com ensinamentos, fala de suas orações e sacrifícios pelo apostolado missionário dos irmãos

e, com o sentimento de garantia das graças, escreve: “…que o Bom Deus a tratou sempre

como uma criança “mimada” e é verdade que sua cruz me seguiu desde o berço, mas esta cruz

Jesus me fez amar com paixão, Ele me fez sempre desejar aquilo que Ele queria me dar…”

(Cf. LT 253 in Thérèse de Lisieux. OC, 1992, p. 607-608).

Ao irmão espiritual, Pe. Roulland, escreve com a mesma pertinência várias cartas

como mencionado acima e, numa delas diz: O que me atrai à Pátria dos Céus é o chamado do

Senhor […] e o pensamento de que O poderei fazer amar por uma multidão de almas que o

bendirão eternamente e não pensava na beatitude eterna - repouso” (Cf. Thérèse de Lisieux.

OC, 1992, p. 611-612).

Santa Teresa, já no fim de sua vida, escreve ao seu irmão espiritual, Abade Bellière,

em resposta a sua carta, dizendo que desde a infância estava intimamente persuadida de que

sua permanência na terra seria curta (LT 258) e, para consolá-lo, empresta as palavras do

Esposo, o qual não deverá se ofender, pois seus bens são seus. Lança mão ao Evangelho de

São João, 16, 5-7: “Eu vou para o Pai […] é de vosso interesse que eu parta…” e “Quando

serei ao porto o ensinarei…”. Fala-lhe ainda da “pequena via” e do “elevador” do amor para

se elevar a Deus. Santa Teresa sonhava partilhar com os irmãos o alimento espiritual (LT

261), pois um grande número de “pequenas almas” e uma legião de “pequenas vítimas”

acolherá, viverá e confirmará na própria existência esta “pequena via”, bem direta, bem curta,

toda nova.

O chamado de Deus para Teresa foi decisivo para que assumisse a participação no

caminho de Cristo. A sua ação, como se pode observar em cada etapa de sua vida apresentou

obstáculos, muitas vezes, além de suas forças, porém, nada disso a impediu de ser uma

verdadeira mensageira de Cristo. Desempenhou sua missão na família, no Carmelo e

adjacências, além dos mares e fronteiras. Isto levou a Igreja a dizer que a sua ação era um

modelo a ser seguido e que todos aqueles que pretendem de coração seguir Jesus Cristo terão

que trilhar o caminho deixado pela “maior Santa de todos os tempos modernos” (Santo Pio

X).

O novo jeito de ser missionário é a vocação do Carmelo, através da oração, sacrifício

(31)

apóstolo dos apóstolos, rezando para eles enquanto evangelizam almas…” (Ms A 56v). Santa

Teresa mostra o seu caráter missionário dizendo querer “fincar a Cruz de Cristo nos 5

Continentes” (Ms B, 2v). Ela adota a evangelização do coração, amor… “é amar Jesus com

todas as forças do nosso coração, salvar almas para Ele e fazê-Lo amado!… “Minha espada é

o Amor! Com ele expulsarei o estranho do reino e vos proclamarei Rei das almas… Amemos

Jesus até a loucura para salvar almas, almas de padres; sobretudo, Jesus quer um olhar, um

suspiro só para Ele.” (Ms A, 69v LT 261). Em outra correspondência com os irmãos

missionários instruiu sobre sua doutrina e testemunho dizendo:

“Eis, meu irmão aquilo que penso da justiça do Bom Deus. A minha vida é feita de

confiança e amor, não compreendo as almas que têm medo de um amigo tão terno…” (LT

226). Teresa escreveu em setembro de 1896 “Ah! Apesar de minha pequenez, gostaria de

esclarecer as almas como os Profetas, os Doutores…” (Ms B, 3r)… eu sinto a vocação […] de

Doutor…”. Pode-se constatar que Deus realizou todos os seus desejos, e ela o diz “…sempre

Ele me deu o que desejei ou melhor…” (Ms C, 31r).

Aos onze 11 anos, Teresa, no retiro para a 1ª comunhão, já mostrava a semente

espiritual da missão e chamava a atenção das colegas, pois como diz “… atraia a atenção por

causa de um grande Crucifixo que Leônia me tinha dado e que colocava na cintura à “moda

(32)

CAPÍTULO II

(33)

1 A INTIMIDADE EM HISTÓRIA DE UMA ALMA E SUA DIMENSÃO EVANGELIZADORA E MISSIONÁRIA

A realização do sonho de Teresa, ou seja, a entrada no Carmelo, ocorreu na festa de

Pentecostes, em 9 de abril de 1888, onde viveu grande emoção, porém sem sofrimentos e com

uma paz profunda em sua alma. Naquele dia, pela manhã, “após ter lançado um último olhar

sobre os Buissonnets, esse ninho gracioso da minha infância que não devia mais rever, parti

de braços dados com meu Rei querido para subir a montanha de Carmelo...” (DE MEESTER,

2008, p. 171). Ali, recebeu a bênção de seu pai; abriu-se, finalmente as portas da “Arca

Divina”66 para que a pombinha entrasse e, logo em seguida, se fechariam.

Teresa, simbolizando aquela “florzinha branca” que o seu pai lhe ofereceu no

momento que deu seu consentimento para a entrada no Carmelo; porém, retirando dela todas

as raízes, ato simbólico, para que começasse a viver em terreno mais fértil. Esta “florzinha” é,

em pessoa, aquela que seu pai lhe dera, transplantada dos “Buissonnets” para o Carmelo e que

teria de “desabrochar à sombra da Cruz. As lágrimas, o Sangue de Jesus, tornaram-se seu

orvalho e, o seu Sol era a sua Adorável Face, velada de pranto”67. Foi Madre Agnès, sua irmã

Paulina, que lhe revelou os segredos da Sagrada Face (MS A, 71 s ), que passou a ser o

espelho para Teresa, pois nela via “a alma e o coração do seu Bem-Amado”68. É esta Sagrada

Face, este Sol Divino, que vai dissipar toda a sua dor, pois neste mesmo ano de sua entrada no

Carmelo, seu querido pai foi acometido de uma doença circulatória causando grandes

preocupações e sofrimentos às filhas. A Sagrada Face vai se impor aos olhos de Teresa até a

consumação de seus dias, conduzindo-a a redigir o “Ato de Oferta ao Amor Misericordioso”,

elevando ao ápice de sua vida espiritual. “Tua Face é minha única riqueza”69. Assim, Teresa

avança a passos largos na espiritualidade e é sob esta luz que essa “florzinha do inverno”70,

faz a sua tomada de hábito, em 10 de janeiro de 1890.

A natureza colaborou com o pedido de Teresa, pois Deus vestiu a natureza com seu

manto de neve, tal qual sua noivinha. Foi a felicidade completa e, nesse dia, assina, pela

primeira vez, o nobre nome da Sagrada-Face. Seu querido pai fez-se presente à cerimônia e,

como sempre, brilhou com muita dignidade para a felicidade da família, na sua última festa

aqui na terra. A sua profissão foi em 8 de setembro. Teresa diz que Jesus quis lhe dar uma joia

“nova” nas suas núpcias, o sofrimento pela ausência de seu pai na cerimônia, por se encontrar

66

Assim era denominado o Carmelo e foi a expressão utilizada por Santa Teresa. 67

SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p.161. 68

PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 875. 69Ibid

., p. 874. 70

(34)

enfermo; era como se estivesse “verdadeiramente órfã” [...], mas podendo levantar os olhos

“ao Céu com confiança e dizer com toda a verdade: Pai Nosso que estais no Céu” (DE

MEESTER, 2008, p. 184), o que correspondia ao pensamento de Teresa a respeito de seu pai,

pois o considerava santo e já desfrutando do seu lugar no Céu, apesar de ainda se encontrar na

terra, alusão ao Evangelho de São João (17, 11, 14), fazendo a sua exegese plena. A tomada

do véu em 24 de setembro de 1890 foi de tristeza, porém de muita paz. Faltaram-lhe pessoas

de referência em sua vida como o seu querido pai e o Padre Pichon, seu confessor e diretor

espiritual. As lágrimas não tardaram a banhar-lhe a face, para incompreensão de alguns, mas

foi “Jesus que a deixou com suas próprias forças, a fim de que visse o quanto ainda era

pequena”71. Teresa diz agradecer a Deus por tê-la mostrado pequena e fraca (Ms C, 4r).

Apesar do sofrimento, Teresa sentia-se submersa num rio de paz. Foi um dia de muita oração

para todos, mas, sobretudo, para o seu pai querido. Foi o oferecimento a Jesus de si própria, a

fim de que sua suprema vontade fosse cumprida. Na devoção à Sagrada-Face, Teresa encontra

sempre consolação para a provação da enfermidade de seu pai e traz-lhe enriquecimento

interior. Teresa associa a Face de Cristo a de seu pai e as duas se sobrepõem e se unem. “Elas

não fazem mais que uma na alma e sob o olhar de Teresa”72.

Foi o enriquecimento interior desta devoção à Sagrada-Face, segundo Santa Teresa,

que a orientou para a Oferenda ao Amor Misericordioso, dois sublimes ápices de sua vida

espiritual, como já mencionado. Neste dia da profissão ela declara a Jesus, sabendo que já não

se pertence mais e sim a Ele “que O ama com amor infinito, pleno... que atinge a raias da

loucura”73.

Contudo, já sabia, através das Escrituras, que o amor de Deus fora derramado “nos

corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5) e que é o mesmo Espírito Santo que

nos ensina tudo (1 Jo 2, 20-27). Teresa, como sempre, não se deixa abater pelo sofrimento e

segue em frente na sua corrida para a salvação das almas para o Amado com a força do

Espírito Santo, pois reconhece a sua fragilidade. É esta mesma certeza de que fala frei Conrad

De Meester que o Espírito Santo é uma fonte viva, fogo, caridade, unção espiritual. Ele

penetra pelos poros do coração, isto, para melhor amar e adorar” (Cf Jubiler avec la Trinité. Sofadi. Bruxelles, 1999, nº 5). Foi assim que Teresa, hábil no Espírito Santo, recebeu Dele

toda a unção para sua intimidade com Deus e para transmiti-la, através de sua experiência e

vivência aos irmãos e ao mundo.

71

Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 174. 72

Cf. PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant -Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 881.

Referências

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