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1 A INTIMIDADE EM HISTÓRIA DE UMA ALMA E SUA DIMENSÃO EVANGELIZADORA E MISSIONÁRIA

A realização do sonho de Teresa, ou seja, a entrada no Carmelo, ocorreu na festa de Pentecostes, em 9 de abril de 1888, onde viveu grande emoção, porém sem sofrimentos e com uma paz profunda em sua alma. Naquele dia, pela manhã, “após ter lançado um último olhar sobre os Buissonnets, esse ninho gracioso da minha infância que não devia mais rever, parti de braços dados com meu Rei querido para subir a montanha de Carmelo...” (DE MEESTER, 2008, p. 171). Ali, recebeu a bênção de seu pai; abriu-se, finalmente as portas da “Arca Divina”66 para que a pombinha entrasse e, logo em seguida, se fechariam.

Teresa, simbolizando aquela “florzinha branca” que o seu pai lhe ofereceu no momento que deu seu consentimento para a entrada no Carmelo; porém, retirando dela todas as raízes, ato simbólico, para que começasse a viver em terreno mais fértil. Esta “florzinha” é, em pessoa, aquela que seu pai lhe dera, transplantada dos “Buissonnets” para o Carmelo e que teria de “desabrochar à sombra da Cruz. As lágrimas, o Sangue de Jesus, tornaram-se seu orvalho e, o seu Sol era a sua Adorável Face, velada de pranto”67. Foi Madre Agnès, sua irmã Paulina, que lhe revelou os segredos da Sagrada Face (MS A, 71 s ), que passou a ser o espelho para Teresa, pois nela via “a alma e o coração do seu Bem-Amado”68. É esta Sagrada Face, este Sol Divino, que vai dissipar toda a sua dor, pois neste mesmo ano de sua entrada no Carmelo, seu querido pai foi acometido de uma doença circulatória causando grandes preocupações e sofrimentos às filhas. A Sagrada Face vai se impor aos olhos de Teresa até a consumação de seus dias, conduzindo-a a redigir o “Ato de Oferta ao Amor Misericordioso”, elevando ao ápice de sua vida espiritual. “Tua Face é minha única riqueza”69. Assim, Teresa avança a passos largos na espiritualidade e é sob esta luz que essa “florzinha do inverno”70, faz a sua tomada de hábito, em 10 de janeiro de 1890.

A natureza colaborou com o pedido de Teresa, pois Deus vestiu a natureza com seu manto de neve, tal qual sua noivinha. Foi a felicidade completa e, nesse dia, assina, pela primeira vez, o nobre nome da Sagrada-Face. Seu querido pai fez-se presente à cerimônia e, como sempre, brilhou com muita dignidade para a felicidade da família, na sua última festa aqui na terra. A sua profissão foi em 8 de setembro. Teresa diz que Jesus quis lhe dar uma joia “nova” nas suas núpcias, o sofrimento pela ausência de seu pai na cerimônia, por se encontrar

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Assim era denominado o Carmelo e foi a expressão utilizada por Santa Teresa. 67

SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p.161.

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PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant-Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 875.

69Ibid., p. 874.

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enfermo; era como se estivesse “verdadeiramente órfã” [...], mas podendo levantar os olhos “ao Céu com confiança e dizer com toda a verdade: Pai Nosso que estais no Céu” (DE MEESTER, 2008, p. 184), o que correspondia ao pensamento de Teresa a respeito de seu pai, pois o considerava santo e já desfrutando do seu lugar no Céu, apesar de ainda se encontrar na terra, alusão ao Evangelho de São João (17, 11, 14), fazendo a sua exegese plena. A tomada do véu em 24 de setembro de 1890 foi de tristeza, porém de muita paz. Faltaram-lhe pessoas de referência em sua vida como o seu querido pai e o Padre Pichon, seu confessor e diretor espiritual. As lágrimas não tardaram a banhar-lhe a face, para incompreensão de alguns, mas foi “Jesus que a deixou com suas próprias forças, a fim de que visse o quanto ainda era pequena”71. Teresa diz agradecer a Deus por tê-la mostrado pequena e fraca (Ms C, 4r). Apesar do sofrimento, Teresa sentia-se submersa num rio de paz. Foi um dia de muita oração para todos, mas, sobretudo, para o seu pai querido. Foi o oferecimento a Jesus de si própria, a fim de que sua suprema vontade fosse cumprida. Na devoção à Sagrada-Face, Teresa encontra sempre consolação para a provação da enfermidade de seu pai e traz-lhe enriquecimento interior. Teresa associa a Face de Cristo a de seu pai e as duas se sobrepõem e se unem. “Elas não fazem mais que uma na alma e sob o olhar de Teresa”72.

Foi o enriquecimento interior desta devoção à Sagrada-Face, segundo Santa Teresa, que a orientou para a Oferenda ao Amor Misericordioso, dois sublimes ápices de sua vida espiritual, como já mencionado. Neste dia da profissão ela declara a Jesus, sabendo que já não se pertence mais e sim a Ele “que O ama com amor infinito, pleno... que atinge a raias da loucura”73.

Contudo, já sabia, através das Escrituras, que o amor de Deus fora derramado “nos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5) e que é o mesmo Espírito Santo que nos ensina tudo (1 Jo 2, 20-27). Teresa, como sempre, não se deixa abater pelo sofrimento e segue em frente na sua corrida para a salvação das almas para o Amado com a força do Espírito Santo, pois reconhece a sua fragilidade. É esta mesma certeza de que fala frei Conrad De Meester que o Espírito Santo é uma fonte viva, fogo, caridade, unção espiritual. Ele penetra pelos poros do coração, isto, para melhor amar e adorar” (Cf Jubiler avec la Trinité. Sofadi. Bruxelles, 1999, nº 5). Foi assim que Teresa, hábil no Espírito Santo, recebeu Dele toda a unção para sua intimidade com Deus e para transmiti-la, através de sua experiência e vivência aos irmãos e ao mundo.

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Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 174.

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Cf. PÈRE MARIE-EUGÈNE de l’Enfant -Jesus. Je veux voir Dieu. 1998, p. 881.

Ademais, sabe Teresa que a graça de Deus e seu amor misericordioso estão sempre presentes e, apoiada na leitura da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios, embora acreditando não dispor de grandes virtudes, diz ter sempre Jesus que vem ao seu socorro, dizendo-lhe: “Minha graça te é suficiente” (2Cor 12, 7-10). Mas Teresa rememora fatos de sua vida ao escrever o Manuscrito “C” a pedido de Madre Gonzague e agradece-lhe a mão forte por não a ter poupado de humilhações, pois, “Jesus sabia bem que era preciso à sua florzinha a agua vivificante da humilhação; ela era fraca demais para criar raiz sem essa ajuda” (Ms C, 1v).

É neste contexto da graça de Deus que, na comunidade, Teresa encontra uma irmã que tem o talento de desagradá-la em todas as coisas: em suas maneiras, em suas palavras e em seu caráter. Tudo lhe parece desagradável74. Todavia, a misericórdia ensina-lhe que é preciso ir além do que vemos. Assim, vendo que não amava suas irmãs como o próprio Cristo, discerniu “que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se espantar com sua fraqueza” (DE MEESTER, 2008, p. 246-55). Sua atitude diante da pessoa deverá se basear na verdadeira caridade fraterna, observando os mistérios desta virtude e não se atendo apenas na prática e na sua visão exterior, como já mencionado. O exterior nem sempre é reflexo do interior e Teresa compreendeu que o segmento de Jesus é amar como Ele próprio ama. Assim, ela se apressa para ver na irmã suas virtudes, seus bons desejos e chega à conclusão que, mesmo aquilo que lhe pode parecer uma falta, pode ser a razão da intenção de um ato de virtude. Conclui, portanto, que nunca se deve julgar75.

Teresa dedicou-se muito a esta caridade fraterna. Vemos claramente isto no seu manuscrito dedicado à Madre Marie de Gonzague. Nele escreveu tudo o que compreendia sobre as “misteriosas profundezas da caridade”76. Era a caridade fraterna, puramente espiritual, pois recebeu muitas luzes a este respeito e não deseja guardá-las só para si, diz Teresa. O ensinamento do Mestre é: “Emprestai sem nada esperar em troca, e grande será vossa recompensa” (Lc 6, 34-35). O fio condutor de todos os atos deverá ser o amor que conduz as almas a Deus para fazê-Lo amado, mas também a vontade de amar todas as irmãs de sua comunidade, amá-las como Jesus as ama. “Sim, eu sinto quando sou caridosa, é somente Jesus que age em mim” (Ms B, 13).

Teresa pensava que a verdadeira caridade consistia em atitudes e que o amor viria a sanar suas dificuldades, pois “Jesus, o artista das almas, alegra-se quando não paramos no

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Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos

autobiográficos. 1975, p. 229.

75Ibid., p. 228.

exterior, mas penetramos até o íntimo das pessoas e admiramos a beleza do santuário que ele escolheu por morada”77. Os belos pensamentos têm que levar às obras, pois São Paulo mostra que a caridade é a maior das virtudes; portanto, a mais teológica. Teresa compreende profundamente o valor desta virtude na prática. Ela é o próprio Cristo (Ágape), é o próprio Deus do Amor. Santa Teresa assimilou que “a caridade é a alma da santidade à qual todos são chamados. Ela dirige todos os meios de santificação, dá-lhes forma e os conduz ao fim” (LG, 42).

São João da Cruz, que Teresa lia bastante buscando luzes, mostra que as virtudes teologais são os fundamentos e a alma da própria reflexão teológica, bem como da vida espiritual (Subida do Monte Carmelo - Livros II e III). O amor caridade é plenamente divino e humano e, através dele, nascem e vivem todas as outras virtudes. Teresa doava-se a sua prática no convívio com suas irmãs no Carmelo. Este amor era praticado fielmente, a fim de não causar pena, mesmo involuntariamente a nenhuma das irmãs, pois isto a perturbava profundamente. Teresa cita a sua tristeza e pesar, quando criança, ao voltar de uma pescaria com seu pai e dar um óbulo a um senhor que andava com dificuldade e este não o aceitou, levando Teresa ao constrangimento. “Não consigo descrever o que se passou em meu coração. Quisera consolá-lo e reconfortá-lo”78. Intimamente, comprometeu-se a rezar por ele no dia de sua primeira comunhão, o que realmente o fez.

A vida de profunda oração leva à caridade, ao progresso espiritual, tendo como fundamento a humildade e o abandono, libertando do egoísmo que conduz a alma a amar todas as pessoas. Toda a tradição cristã sempre viu na oração de abandono um autêntico ato de amor (Sl 131, 2). As Escrituras colocam a importância da colocação de si mesmo-corpo e preocupações nas mãos de Deus e Ele te sustentará (Sl 55, 23). Deve-se amar e provar este amor pelo irmão, praticando as obras de caridade fraterna; eis o que Santa Teresa ensina, quando a irmã a desgostava: “Não me contentava somente em rezar pela irmã que me atormentava tanto, mas me esforçava por lhe prestar todos os serviços possíveis e, quando tinha a tentação de lhe responder de maneira desagradável, contentava-me em dar-lhe meu mais amável sorriso e procurava desviar a conversa”79. Teresa encontrara a força da alma no amor de Jesus, compreendendo que o abandono de si era o desejado por Ele. Assim, sentiu numa palavra a caridade entrar no seu coração, a necessidade de se esquecer para dar prazer e,

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Cf. SANTA TERESA do Menino Jesus e da Sagrada Face. História de uma Alma - Manuscritos

autobiográficos. 1975, p. 229. 78

SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 54.

desde então, foi feliz! (Ms B, 45v). Nesta felicidade do abandono, Teresa diz: “Não, não existe alegria comparável à que goza o verdadeiro pobre de espírito”80.

Agindo assim, sem dúvida, a exemplo do Mestre no amor, pode-se avaliar onde se está no amor próprio e, ainda, como está o cabedal humildade e o segmento de Jesus Cristo, o Mestre dos mestres. Para que o Amor se realize plenamente, ensina Teresa, faz-se necessário que se abaixe até o nada e o transforme em fogo. É este fogo do Espírito Santo que conduz a alma à ação para salvar almas e conduzi-las ao Amado. Teresa descobriu e passa a ensinar que “a caridade é o caminho por excelência que leva a Deus com segurança” (Ms B, 3 v) e que o Espírito Santo é o “Mestre interior” e o princípio de toda vida propriamente divina em Cristo Jesus.

Santa Teresa percorreu todo um caminho para chegar à intimidade com Deus, confiante no Amor misericordioso, reconhecendo suas próprias imperfeições, mas certa de que “jamais o Senhor inspirava o irrealizável”81. Contudo, não se desencorajou mesmo conhecendo a sua pequenez; pelo contrário, lançou-se no desafio de “procurar o meio de chegar ao Céu por um caminho totalmente novo”82. Qual seria esse pequeno caminho senão o dos pequeninos que se abandonam nos braços do Pai confiantes na sua proteção e misericórdia. Trata-se da fé que nos leva à confiança neste Deus, “que tem sede de que nós tenhamos sede dele”83, e que nos chama a participar de seu amor. Este Deus pleno de Amor e misericórdia, que Teresa viveu até o extremo. Contudo, apenas a confiança pode conduzir ao amor e isto supõe aceitar-se na sua pequenez e fragilidade, abrir-se à graça de Deus. Teresa conclui seu pensamento dizendo que é a confiança e nada mais do que a confiança que deve nos conduzir ao amor.

No Carmelo, Santa Teresa aperfeiçoou profundamente o despojamento de tudo, a fim de se entregar totalmente ao Amor de Jesus. Esse pequeno caminho é aquele da simplicidade, do reconhecer-se “no nada”, do tornar-se criança; é o caminho seguro do amor que transporta ao Pai. Este caminho do abandonar-se inteiramente leva direto a esta Fornalha divina que é a Trindade Santa. Esta Fornalha de Amor, diz Teresa, para levá-la ao verdadeiro amor Trinitário, amando Jesus de um amor sem medida, infinito. Teresa reforça o seu pensamento, seu método do abandono e diz não possuir outra bússola. É o cumprimento da vontade de Deus que interessa para a sua alma, sem que ninguém consiga pôr obstáculos (S. T., HA, p. 185). Teresa segue os pensamentos do Amado que diz: “Imolai a Deus sacrifícios de louvores

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SANTA TERESA do Menino Jesus. História de uma Alma. 1975, p. 233.

81Ibid., p. 214.

82Idem.

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e de ações de graças” (Sl 49, 9-14). Eis o que Ele espera, pois, quando mendigou água à samaritana era o amor da pobre criatura que reclamava. Na sua trajetória, Jesus encontrou ingratos e indiferentes (...), mesmo entre os próprios discípulos (Ms M, 1v). Mas, pouco importa; é este amor fundado nas virtudes teológicas que Teresa vive em permanência no relacionamento com a Trindade Santa e já passado pelo “cadinho”, levando-a a esta amizade, à intimidade com o Amado. Teresa tem profunda consciência de que cada ação deverá levar ao amor, pois, “este é o fim; é para alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que repousaremos”84.

Em sua trajetória, já bem alicerçada nas “luzes”, Teresa assinala mais uma vez a fonte onde encontra esta “água viva” que leva à união com Deus: a Sagrada Escritura, a Imitação de Cristo e os pais espirituais carmelitanos. Reforça o seu pensamento anterior que, sobretudo, o Evangelho é o verdadeiro tesouro de sua vida e que a levou a esta união com Deus. Nele vê como Deus leva em consideração suas fraquezas e as fragilidades da natureza humana, quando perdoou o filho pródigo (Lc 15,31). “Nele encontro tudo quanto minha pobre alminha necessita”85.

Teresa, consciente dos deveres para com Deus e de sua responsabilidade em relação à Igreja e ao Carmelo, não se deixa convencer pelas fantasias. Segue as normas com escrupulosa fidelidade. É importante salientar que ela não entrou no Carmelo para se adaptar aos defeitos das outras irmãs, como diz, mas para viver como carmelita descalça, segundo o espírito carmelitano. Tampouco para observar as suas irmãs, nem para medir o grau de fidelidade de suas vivências. Entrou para viver a vida carmelitana e o faz com absoluta coerência e total firmeza de vontade, enfrentando todas as batalhas e alcançando sempre vitórias, pois a sua força era o amor caridade para chegar ao Amado e levá-Lo aos irmãos.

Teresa tinha clara consciência da finalidade de sua vocação. Tudo ela vivia no espírito de fé no Amor misericordioso, razão pela qual se inseria na vida comum, vivendo-a com grande seriedade e simplicidade. As repugnâncias, as antipatias e as dificuldades inerentes à sua nova situação de vida foram superadas com verdadeiro espírito de fé, caridade e amor, colocando este último como a mola mestra do seu viver, para Deus e para o próximo. Observa-se isto no Ms C que traduz a profundeza de iluminações evangélicas e a delicadeza sem limite do seu amor fraterno (DE MEESTER, 1995, 355). Este amor vivenciado possibilitou que Teresa realizasse todas as suas aspirações, sendo este amor que a levou à

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SANTO AGOSTINHO, In ep Jo 10,4 - in Cat. Igr. Cat. 1829. 85

audácia de se oferecer como vítima do Amor de Jesus86. Teresa sente a força deste amor que a invade, mesmo sendo ela uma pequena criatura e imperfeita, transformando-a em um verdadeiro fogo de amor em retribuição ao de Jesus, pois sabe que o “Amor se paga com amor”.

2 EVOLUÇÃO DESTA INTIMIDADE COM DEUS E SEU ALCANCE