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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação Faculdade de Educação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Educação

Tese de Doutorado

ESCRITURAS DO CORPO BIOGRÁFICO E SUAS

CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO: UM ESTUDO A

PARTIR DO IMAGINÁRIO E DA MEMÓRIA

Andrisa Kemel Zanella

(3)

ANDRISA KEMEL ZANELLA

ESCRITURAS DO CORPO BIOGRÁFICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO: UM ESTUDO A PARTIR DO IMAGINÁRIO E DA MEMÓRIA

Tese de doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientador: Profª. Drª. Lúcia Maria Vaz Peres

Pelotas, 2013

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Banca examinadora:

___________________________________________________________

Profª. Drª. Lúcia Maria Vaz Peres (Orientadora)

___________________________________________________________

Profª. Drª. Margaréte May Berkenbrock Rosito (UNICID/SP)

___________________________________________________________

Profª. Dr. Valeska Maria Fortes de Oliveira (UFSM/RS)

___________________________________________________________

Profª. Drª. Magda Floriana Damiani (UFPEL/RS)

___________________________________________________________

(6)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho...

... Aos meus amados pais, Irineo e Marta, os meus primeiros professores e grandes incentivadores. Com coragem, trabalho e muita dedicação eles me ensinaram os valores essenciais da vida e, principalmente, a lutar pelos meus sonhos. Sempre presentes, acompanharam cada passo dado ao longo deste processo. Mesmo sabendo a dor da distância e da saudade, apoiaram-me quando decidi sair de nossa cidade para fazer o doutorado. E, assim, eles contribuíram para eu descobrir tantos “outros mundos”.

... Aos meus queridos irmãos, Ângela e Andrigo, meus grandes companheiros. Dois anjos que vi crescer e que sempre estiveram do meu lado, apoiando minhas escolhas e vibrando com minhas conquistas. Duas pessoas incríveis que muito têm me ensinado ao longo desta vida.

... À minha admirável e querida orientadora, Lúcia Peres, grande mestre da vida e da Academia, que abriu as portas para que eu pudesse exercitar uma forma mais livre e menos temerosa de me colocar diante do mundo. Com sua alma transparente e energia contagiante, esteve de mãos dadas comigo nesta caminhada, apostando em meu potencial e, principalmente, desafiando-me a outros voos. Por tudo isto, este trabalho não é somente meu, mas é nosso!

(7)

AGRADECIMENTO

Agradeço...

- Às quatro acadêmicas do Curso de Pedagogia – as protagonistas deste trabalho – pela generosidade, ao abrirem mão do seu tempo livre, para contribuírem com esta pesquisa. Pela alegria, dedicação e disponibilidade com que participaram dos encontros... Por apostarem em meu trabalho e com isto potencializarem este estudo. E as demais estudantes que em algum momento fizeram-se presentes nos encontros, mas não puderam colaborar até o final.

- Ao Prof.º PhD. Danis Bois, professor catedrático da Universidade Fernando Pessoa-Porto/Portugal, que com disponibilidade me recebeu como co-orientador do estágio doutoral. Agradeço por todo o seu esforço para eu ser bem acolhida, pelo trabalho que realizamos juntos e pela sua generosidade em compartilhar comigo suas experiências.

- Às queridas professoras que compõem a banca examinadora desta Tese: Margaréte May Berkenbrock Rosito, Magda Floriana Damiani, Denise Marcos Bussoletti, e também à

professora Eliane Teresinha Peres (que participou na defesa do projeto de qualificação). Pela leitura cuidadosa e pelas valiosas contribuições para o aprimoramento desta pesquisa. Ao aceitarem o convite para compor a banca examinadora apostaram na temática, reforçando, assim, o investimento nesta pesquisa.

- À Valeska Maria Fortes de Oliveira (também componente da banca examinadora) e minha querida orientadora do mestrado. Uma pessoa fantástica e grande incentivadora que tem contribuído muito em minha caminhada.

- Ao Zé Antônio Leivas, uma pessoa muito importante que colaborou para, na evocação de minhas experiências vividas, pensar sobre os processos pelos quais eu me tornei e venho me tornando no decorrer de meu trajeto formativo.

- A CAPES – duplamente – pela bolsa durante o Doutorado e pela possibilidade de, também com bolsa, realizar o estágio doutoral em Portugal;

- À Universidade Federal de Pelotas, especialmente à Faculdade de Educação, através do Programa de Pós-Graduação em Educação que abriu as portas para eu desenvolver esta Tese;

- Aos coordenadores do PPGE que sempre estiveram presentes, e, principalmente, incentivaram a realização do estágio doutoral, dando-me total apoio e ajuda no que precisei.

- Às funcionárias do PPGE por sempre atenderem e providenciarem minhas solicitações, bem como à Comissão de Bolsas pelo acompanhamento neste período.

- Aos queridos professores do PPGE, grandes mestres que muito contribuíram em minha caminhada, compartilhando experiências e tantos saberes.

- Aos colegas de turma do doutorado pelos momentos de estudos, de encontros... de companheirismo.

- Aos demais colegas... E, em especial, àqueles que estiveram comigo na representação discente, somando esforços para uma maior aproximação entre os alunos e o Programa de Pós-Graduação;

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- Ao Curso de Licenciatura em Teatro por ceder o espaço para a realização dos encontros da pesquisa. Em especial ao Prof.º Dr.º Adriano Moraes de Oliveira por viabilizar o acesso.

- Ao querido GEPIEM/UFPEL, meu atual Grupo de Pesquisa. Lugar de muitas partilhas, estudos, aprendizagens, confraternizações, de processo autoformativo. Um Grupo que me incentivou a experimentar caminhos até então desconhecidos. Obrigada pela parceria, pelo carinho, pela ajuda nos momentos de dificuldade, pelos momentos de alegria e pelas contribuições a esta Tese.

- Ao querido GEPEIS/UFSM, meu primeiro Grupo de Pesquisa. Lá muito aprendi e continuo aprendendo. Cada encontro revela-se uma oportunidade de estarmos juntos e compartilharmos novas experiências. Grupo que ocupa um lugar especial em minha trajetória pessoal e profissional.

- À Samara Peres de Oliveira, ao Seu Nei Peres que, juntamente com a Lúcia, acolheram-me como parte de sua família, deixando acolheram-meus dias mais alegres e os finais de semana menos solitários. Muito obrigada pelo carinho e por me proporcionarem tantos momentos inesquecíveis. Vocês estarão sempre em meu coração!

-À Flávia Mancini, colega, amiga, companheira, que muito contribuiu a esta pesquisa e me ensinou com sua experiência, disciplina e alegria. Tantas foram as conversas... como tínhamos assuntos! Seja na Faculdade ou fora dela, aproveitamos cada minuto que a vida tinha a nos oferecer.

- À Neridiana Stivanin e Cátia Vighi, colegas, mas acima de tudo duas grandes amigas. Juntas, compartilhamos nossas pesquisas, aventuramo-nos pelos eventos da vida... VIVEMOS intensamente este período doutoral.

- Ao Irapuã Martins e ao Alexandre Assunção, colegas de Grupo de Pesquisa, mas também amigos, que estiveram presentes e muito me ajudaram ao longo desta caminhada.

- Aos amigos de cá... Pelos muitos momentos em que convivemos juntos, pelos encontros, pelos telefonemas, pelas conversas on-line, pelos afetos partilhados. Por estarem presentes nesta trajetória e fazerem parte da minha vida. Em especial... Annanda Jablonski, Fabiane Tejada, Jessié Gutierres, Mônica Zavacki, Regina Pellenz Irgang, Ricardo Rodrigues, Roselusia Morais.

- Aos amigos de lá... Por terem me acolhido de uma maneira tão carinhosa e generosa. Alguns abriram suas casas para me receber, outros deram total auxílio em meus estudos, já houve aqueles que foram parceiros nas minhas descobertas culturais e geográficas. Cada momento de ontem constitui uma preciosa memória no dia de hoje. Em especial... Anna Rosenberg, Hélène Bourhis, Jaime Lourenço, Catarina Santos, Maria Júlia Granato, Adriano Zanin, Elizabeth, Bernadete Corseuil, Halia Pereira, Marina Pelle, Paul Michalet, Andrea Tonini.

- E a todos aqueles que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização deste trabalho.

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RESUMO

ZANELLA, Andrisa Kemel. Escrituras do Corpo Biográfico e suas contribuições para a Educação: um estudo a partir do Imaginário e da Memória. 2013. 218f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

Este trabalho inscreve-se na linha de pesquisa Cultura Escrita, Linguagens e Aprendizagem; teve por objetivo realizar um estudo sobre as memórias do trajeto formativo inscritas no corpo de acadêmicas do Curso de Pedagogia. O foco foi direcionado à interpretação do gesto como tradução do imaginário nas escrituras do Corpo Biográfico. O campo teórico está ancorado nos estudos do Imaginário e do Corpo Biográfico, tendo como principais autores-guia, Gilbert Durand e Gaston Bachelard, Danis Bois e Marie-Christine Josso, no que concerne ao Imaginário e ao Corpo Biográfico, respectivamente. A Tese que emergiu é de que a memória do corpo faz parte do trajeto formativo de cada pessoa, cujas experiências significativas ficam registradas como uma escritura. A partir dos estudos do Imaginário, tais experiências compõem o reservatório imaginário do sujeito, neste caso visibilizado através dos gestos das estudantes. A questão que embasou a pesquisa foi a seguinte: a visibilização da memória inscrita no corpo poderia auxiliar a pensar o projeto de (auto)formação? Para responder tal questão, contei com a participação de quatro acadêmicas do Curso de Pedagogia, que através de seis encontros focados exercitaram a biografização corporal pela improvisação teatral. Os encontros foram registrados em vídeo e também no Diário da Experiência (caderno de registro das repercussões do trabalho corporal). Portanto, nesta Tese, buscou-se evidenciar o corpo como um saber silenciado, porém relevante para pensar e projetar a Educação de modo singular-plural. Finalmente, o processo de análise desta pesquisa seguiu três passos: 1) análise descritiva e hermenêutica dos registros de vídeo; 2) análise do diário da experiência das quatro estudantes em três etapas: classificatória, fenomenológica e hermenêutica; 3) convergência dos achados da pesquisa em núcleos simbólicos para chegar aos mitemas. A saber: A infância presente no Corpo-terno; O desejo do voo no Corpo-cativo; Um Ser de carne que pensa, outro que age no Corpo-fracionado; A busca pela liberdade desejada no Corpo-comedido. A partir destes mitemas, ficou evidenciado que o corpo é uma escritura viva das experiências que foram significativas na vida do ser humano e ficaram inscritas em sua anatomia, repercutindo em sua dimensão física, cognitiva, afetiva e psíquica, compondo a dimensão biográfica do corpo. Portanto, a visibilização dessas memórias revelou algumas das experiências que foram significativas na vida das acadêmicas, principalmente no período da infância, levando-me a perceber como estas memórias, reverberadas, constituem o seu repertório gestual compondo as escrituras do Corpo Biográfico.

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ABSTRACT

ZANELLA, Andrisa Kemel. Writings of the Biographical Body and their Contributions to Education: a study based on Imaginary and Memory. 2013. 218p. Doctoral Dissertation – Post-graduation Program in Education. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brazil.

This thesis, which belongs to the line of research named Written Culture, Languages and Learning, aimed at describing a study of memories that were inscribed in Pedagogy students‟ bodies during their education process. The focus was the interpretation of gestures as a translation of the imaginary in the writings of the Biographical Body. The research was supported by studies of the Imaginary, whose main theoreticians are Gilbert Durand and Gaston Bachelard, and of the Biographical Body, based on Danis Bois and Marie-Christine Josso. The thesis that has emerged from it says that the memory of the body is part of everybody‟s developmental process. i. e., every meaningful experience is recorded and can be written down. Based on studies of the Imaginary, such experiences comprise a subject‟s imaginary reservoir which was, in this case, visualized by the students‟ gestures. The following question was the starting point of the research: could the visualization of the memory inscribed in the body help to think about somebody‟s (self)development project? In order to answer this question, four Pedagogy students participated in six meetings whose focus was the exercise of body biographyzation through theatrical improvisation. These meetings were video-recorded and reported in the Diary of Experience (a notebook in which the repercussion of the body work was recorded). Therefore, this thesis aimed at showing that the body has silent knowledge which is relevant to think about and plan Education in a singular-plural way. Finally, the analysis process followed three steps: 1) the descriptive and hermeneutic analysis of video records; 2) the analysis of four Diaries of Experiences written by four Pedagogy students in the classificatory, phenomenological and hermeneutic steps; and 3) the convergence of the research findings in symbolic kernels in order to get to the mythemes, which were: Childhood in the Suit-body; The wish to fly in the Captive-body; A being made of flesh that thinks while the other one acts in the Fractioned-body; and The search for freedom in the Moderate-body. Based on these mythemes, there is evidence that the body is a live writing of the experiences that were meaningful in a human being‟s life and were inscribed in his/her anatomy, with consequences to his/her physical, cognitive, affective and psychic dimensions to compose the body‟s biographical dimension. Therefore, the visualization of these memories has revealed some of the experiences that were meaningful in the students‟ lives, mainly in childhood, a fact that made me perceive how these reverberated memories constitute one‟s gestures to compose the writings of the Biographical Body.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Esquema Paradigma Sensível...51

FIGURA 2 – Figura pontos de convergência entre Imaginário e Corpo Biográfico...55

FIGURA 3 – Diagrama processo de análise...88

FIGURA 4 – Figura mitema estudante L...90

FIGURA 5 – Figura mitema estudante Cm. ...96

FIGURA 6 – Figura mitema estudante M. ...101

FIGURA 7 – Figura mitema estudante C. ...106

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 15

1 PREGNÂNCIAS DO MEU TRAJETO DE FORMAÇÃO RUMO À PESQUISA ... 19

1.1Movimentos a partir da qualificação... 25

2 CENÁRIO METODOLÓGICO ... 29

2.1 As protagonistas ... 35

3 CONCEITOS MOTORES ... 39

3.1 O Imaginário: o grande denominador de todas as criações humanas ... 39

3.2 O corpo tem memória! ... 44

3.3 Da fenomenologia do sensível ao processo de biografização corporal pela improvisação teatral: inspirações à pesquisa ... 48

4 AS CONVERGÊNCIAS ENTRE IMAGINÁRIO E CORPO BIOGRÁFICO ... 52

5 A PESQUISA COMO ATO DE AVENTURAR-SE NO DESCONHECIDO ... 63

5.1 Experimentos corporais ... 65

5.1.1 O que o corpo fala? ... 66

5.1.2 O corpo na narração de si ... 69

5.1.3 Dos experimentos aos indícios ... 72

5.2 Inspirações Metodológicas para esta pesquisa ... 73

5.2.1 Como a pesquisa foi realizada? ... 74

5.2.2 A biografização corporal pela improvisação teatral ... 76

5.3 Análise ... 83

6 AS ESCRITURAS DO CORPO BIOGRÁFICO ... 89

6.1 Estudante L. ... 90

6.2 Estudante Cm. ... 96

(14)

6.4. Estudante C. ... 106

7 O PROCESSO DE ANÁLISE PASSO A PASSO ... 112

7.1 Análise dos registros de vídeo... 112

7.2 Intepretação do gestos ... 140

7.3 Diário da Experiência: análise classificatória ... 140

7.4 Diário da Experiência: análise a partir da perspectiva fenomenológica .... 149

7.5 Diário da Experiência: interpretação do Corpo Biográfico a partir de uma perspectiva hermenêutica ... 157

7.6 As pregnâncias ... 163

PRIMEIRAS CONCLUSÕES SOBRE AS ESCRITURAS DO CORPO BIOGRÁFICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO... ... 174

REFERÊNCIAS ... 182

APÊNDICES ... 189

(15)

A

PRESENTAÇÃO

Esta Tese de Doutorado é resultado de quatro anos de caminhada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas. Está inserida na linha de pesquisa Cultura Escrita, Linguagens e Aprendizagem, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Imaginário, Educação e Memória (GEPIEM). Teve por objetivo geral a realização de um estudo sobre as memórias do trajeto formativo inscritas no corpo das acadêmicas do Curso de Pedagogia da UFPel; como objetivos específicos, a visibilização das escrituras impressas nos corpos das referidas acadêmicas, relacionando-as com a percepção atual atribuída ao corpo, bem como a identificação do papel das memórias do trajeto formativo na construção da biografia do corpo como um repertório para o imaginário corporal.

O que desencadeou o estudo foi o pressuposto de Tese de que a memória do corpo está nos reservatórios do trajeto formativo de cada pessoa. O que quero dizer com isto é que o ser humano, no decurso de sua existência, vivencia uma infinidade de acontecimentos que poderão ficar registrados nos estratos mais profundos de si. A somatória de cada registro integra o que aqui denomino reservatório do trajeto formativo do sujeito, que nesta Tese é visibilizado a partir da interpretação que faço dos gestos das estudantes como uma tradução do imaginário na escritura do Corpo Biográfico, evidenciando assim a memória inscrita no corpo. Este enfoque foi fundador para aprofundar tal pressuposto e investir na relação entre Imaginário e Corpo Biográfico.

A partir disso, eis a questão de pesquisa que embasou este estudo: a visibilização da memória inscrita no corpo poderia auxiliar a pensar o projeto de (auto)formação?

Ela foi construída com base na proposição de que a maneira como o corpo é vivenciado no decurso do trajeto formativo poderia influenciar o modo como o ser humano vai constituindo os aspectos relacionados ao pessoal e ao profissional.

(16)

Interferindo, assim, nas suas escolhas e no modo de interação com o meio. Dessa maneira, atribuir um status ao corpo, como um saber silenciado a ser contemplado no processo formativo, possibilitaria outras maneiras de pensar e projetar a

formação, a partir de um conhecimento imanente1 advindo da subjetividade do

corpo, contemplando as dimensões de um sujeito singular-plural2.

Assim, originou-se a Tese aqui apresentada com o objetivo de introduzir na

área da Educação uma discussão sobre o Imaginário3 e a dimensão biográfica do

corpo – a partir do conceito de Corpo Biográfico – como elementos a embasar a

formação humana. Pontualmente, desenvolvi esta pesquisa para legitimar o corpo como um saber relevante a ser abordado na formação de professores, pois dá visibilidade a uma linguagem não valorizada na Educação. Linguagem que é reveladora da história do sapiens, pois está relacionada à maneira como cada sujeito se constitui no decorrer de sua vida a partir das experiências vividas em conexão com as heranças bio-psico-sociais herdadas de seus ancestrais.

A pesquisa foi desenvolvida em dois campos teóricos: o Imaginário e o Corpo Biográfico. O Imaginário inseriu-se como um campo teórico potencializador para abordar o ser humano e a teia simbólica que o constitui. Centrei-me nos conceitos de trajeto antropológico, reservatório e gesto como âncora na discussão de como as interações corporais no decorrer do trajeto formativo foram assimiladas e acomodadas pelo sujeito em forma de escrituras em seu corpo, compondo assim, seu reservatório pessoal. Como autores principais a embasar a discussão: Gilbert Durand, Gaston Bachelard, Alberto Filipe Araújo, André Leroi-Gourhan.

O Corpo Biográfico inseriu-se como o campo teórico que sustenta a premissa de que o ser humano guarda nele (corpo) uma memória. Esta memória está relacionada às experiências que foram marcantes na vida de cada ser humano e, por isso, ficam impressas em seu corpo, gerando mudanças por afetar o estado afetivo e emocional de cada pessoa. O conceito de Corpo Biográfico abrange a vivência, a memória e o imaginário. Para abordá-lo é necessário evidenciar essas três dimensões inter-relacionando-as, para apreender as escrituras referentes à

1

Para Bois e Rugira (2006), o conhecimento imanente está relacionado diretamente à experiência corporal imediata. Trata-se de um conhecimento elaborado na matéria silenciosa do corpo, em nível experiencial. Está melhor explicitado no capítulo em que abordo a Fenomenologia do Sensível.

2

Este conceito é embasado em Josso (2009) que designa a problemática existente entre a tensão permanente que advém das exigências do coletivo ao qual pertencemos e da evolução das aspirações, sonhos e desejos individuais.

3

Ao longo do texto utilizo Imaginário, com letra inicial maiúscula, para enfatizá-lo como um campo teórico e epistemológico de estudos.

(17)

biografia do corpo. Como autores principais, destaco Danis Bois, Marie-Christine Josso, Nadine Queré e Jeanne-Marie Rugira.

Diante do que já foi exposto, é necessário ressaltar o que entendo por escrituras. Escritura, neste contexto, é entendida como os registros que ficam inscritos no corpo de cada estudante, no âmbito físico e psíquico, a partir das experiências vivenciadas no decurso de seu trajeto formativo de vida e que, de alguma maneira, refletem na sua interação com/no mundo.

Para efetivar um estudo sobre as inscrições do corpo no decurso do trajeto formativo das acadêmicas do Curso de Pedagogia, elaborei um plano de trabalho focado no exercício de biografização corporal pela improvisação teatral, inspirada na

obra de Janusz Korczak, “Quando eu voltar a ser criança”. Esta proposta foi

desenvolvida no primeiro semestre de 2011, em seis encontros, com quatro acadêmicas do Curso de Pedagogia da UFPel, privilegiando o gesto como linguagem à biografização de si, num movimento de evocação das memórias dos acontecimentos vividos e visibilização das inscrições corporais.

Para visibilizar as memórias inscritas no corpo das acadêmicas do Curso de Pedagogia da UFPel faço uma análise qualitativa, a partir da: 1) análise descritiva e hermenêutica dos registros de vídeo, com base na interpretação dos gestos, como intuito de agrupar em núcleos simbólicos as repetições significativas; 2) análise do Diário da Experiência das quatro estudantes em três etapas: classificatória, fenomenológica e hermenêutica, buscando as imagens simbólicas presentes na escrita; 3) convergência dos dados empíricos da pesquisa em núcleos simbólicos

para chegar aos mitemas4.

Ressalto ainda que no decorrer desta escrita utilizo quadros elucidativos (Apêndice A) para aprofundar aspectos que julgo pertinentes a este estudo, sem “quebrar” o fluxo do texto. Nele, tecerei argumentos entre teoria e minhas realizações referentes ao trabalho. Esses quadros são uma espécie de “fotografia mental” que presentifica a maneira como organizei meu pensamento, apresentando-se também como um convite para o leitor desvendar o que há nos quadros, visto sua

função de complementação ao texto principal5.

4

Os mitemas, por serem a representação dos núcleos simbólicos em uma pequena unidade simbólica. Nesta pesquisa, eles agregam o sentido latente subsumido na memória inscrita no corpo. No capítulo 2, 5 e 6, busco clarear a ideia.

5

A ideia dos quadros foi inspirada na dissertação de mestrado de Michelle Reinaldo Protasio, defendida no ano de 2007, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPel.

(18)

Frente a isto, dividi este trabalho em 8 capítulos, a fim de dar visibilidade ao objeto de estudo: as memórias do trajeto formativo inscritas no corpo, isto é, as escrituras do Corpo Biográfico.

No capítulo 1, faço uma escrita direcionada ao que me leva a pesquisar o que eu pesquiso, enfocada no meu trajeto de vida e trago os movimentos por mim realizados após a qualificação do projeto de Tese.

O capítulo 2 caracteriza-se pela apresentação do cenário metodológico desta Tese, em que destaco os estudos do Imaginário como basilar ao trajeto investigativo.

A seguir, no capítulo 3, trago os conceitos motores que sustentam esta Tese. Enfoco novamente o Imaginário, abordando os conceito de trajeto antropológico e reservatório. Em seguida, problematizo sobre a dimensão biográfica do corpo e finalizo trazendo a contribuição da fenomenologia do sensível a esta pesquisa.

O capítulo 4 pode ser considerado o capítulo central desta Tese, em que busco tecer as convergências entre o Imaginário e o Corpo Biográfico. A minha intenção é mostrar a relação existente e legitimar o Imaginário como fundador do conceito de Corpo Biográfico.

O capítulo 5 é dedicado à descrição do cenário metodológico, iniciando pelos experimentos que constituíram a base para a construção da proposta metodológica deste estudo. Em seguida, descrevo como foram realizados os encontros e no que consiste o exercício de biografização corporal pela improvisação teatral. Finalizo o capítulo apresentando o processo de análise.

Rompendo com a estrutura até então apresentada e, sobretudo, com o modo estruturado como fui compondo a análise, no capítulo 6, apresento os mitemas de cada estudante. Posteriormente, utilizo a linguagem ficcional para mostrar como apreendi os dados empíricos e a relação que faço com o mitema. Por fim, explicito a interpretação que faço dos gestos que emergiram do exercício de biografização corporal.

No capítulo 7 retomo, novamente, a análise, mostrando cada passo dado e como cheguei aos núcleos simbólicos que resultaram nos mitemas já apresentados no capítulo anterior.

Finalizo com uma escrita focada nos meus aprendizados e como uma defesa dos achados que compuseram esta pesquisa. Afinal, o que tenho a dizer sobre a Tese que ora defendo?

(19)

1

P

REGNÂNCIAS DO MEU TRAJETO DE FORMAÇÃO RUMO À PESQUISA

Quando olho para a trajetória que percorri, instantaneamente deparo-me com o “elemento-motor” à realização desta pesquisa, qual seja: investigar sobre a dimensão biográfica do corpo pelas lentes do Imaginário. Esta proposição surgiu durante minha prática como professora e pesquisadora ao me questionar sobre a memória do corpo e se era possível ativá-la por meio de um trabalho com a linguagem teatral. Além disso, comecei a pensar o quanto essa memória seria determinante na maneira do sujeito ser, estar e agir no seu meio. Estas questões foram a mola propulsora no desejo de continuar os meus estudos, tendo em vista a opção de seguir a carreira docente.

Com o ingresso no doutorado e a minha inserção no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Imaginário, Educação e Memória (GEPIEM), coordenado pela minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Lúcia Maria Vaz Peres, aprofundo-me nos estudos do Imaginário, em uma perspectiva antropológica, e nos estudos das pesquisas (auto)biográficas, repercutindo no meu objeto de estudo que se focou na realização de um estudo sobre as memórias do trajeto formativo inscritas no corpo das acadêmicas do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas/RS. A experiência no interior do Grupo de Pesquisa contribuiu para uma focalização de minha proposta investigativa, mas também a um constante pensar sobre o que me levou a pesquisar o que eu pesquiso. Dessa maneira, passei a me perguntar: Seria somente a experiência como professora e pesquisadora a despertar o meu interesse em aprofundar sobre a dimensão biográfica do corpo?

Logo vi que não, ao constatar, pelo exercício da escrita narrativa de minha história de vida realizada para o projeto de qualificação, que o meu objeto de estudo

(20)

estava arraigado na minha história de vida, ou seja, nas experiências6 que foram significativas no decurso de meu trajeto formativo, bem como na maneira que fui assimilando afetiva e subjetivamente o vivido em consonância com os estímulos do contexto no qual estava inserida.

A (re)memoração dessas experiências levou-me a identificar três pregnâncias de sentido na minha trajetória e detonadoras desta Tese: o corpo, a linguagem teatral e o imaginário. O corpo como centro da aprendizagem e reservatório de nossa história individual, o qual carrega os registros temporais e psíquicos de sua história, cuja inscrição fica em sua carne. A linguagem teatral como meio de expressão e comunicação deste corpo no mundo. E o imaginário como potencializador para abordar o ser humano e a teia simbólica que o constitui.

Evidenciar o corpo como uma pregnância de sentido no decurso de meu

trajeto formativo representou reconhecê-lo como elemento central na maneira como eu me (inter)relacionei com o mundo e o processo de aprendizagem. O que de algum modo me afetou, seja de ordem emocional, afetiva ou mesmo cognitiva, ficou nele registrado, potencializando ações que hoje contribuem à pesquisa que realizo. De tudo que vivi, destaco dois momentos distintos: as primeiras vivências na Escola de Educação Infantil e a criação de um espetáculo de teatro solo no Curso de Artes Cênicas.

Na escola de Educação Infantil, destaco a vivência de uma abordagem efetiva do meu corpo no espaço educacional. Um corpo que estava atento e

presente a todo o momento7, sendo considerado elemento central a perpassar o

processo de construção do conhecimento. Lembro que a experimentação era o elemento principal em nossas aulas. Eu era estimulada a me manifestar e a compartilhar com meus colegas o que eu aprendia nas atividades. Essas lembranças chegam-me recheadas de gestos e falas de um corpo que interagia em cada situação vivida.

A relação aprendizagem, conhecimento e corpo foi tão significativa em meus primeiros anos escolares, que ouso dizer que as experiências vivenciadas naquele período foram propulsoras para a pessoa e a profissional que fui me tornando. Digo

6

O termo experiência para Josso (2009) significa aquelas vivências que escolhemos ou então que aceitamos como fonte de aprendizado ou formação de vida. As vivências constituem o tecido do nosso cotidiano, porém nem sempre elas ficam em nossa memória ou proporcionam um aprendizado. Para que isto aconteça, é necessário, segundo a autora, um processo reflexivo sobre o vivido.

7

Ou seja, um corpo que se conectava integralmente: dos gestos às falas.

3 2

(21)

isto, pois as imagens daquela época estão sempre presentes em minha prática pedagógica, como professora de crianças e adultos, incitando-me a defender e a propor um trabalho em que o corpo perpassa a construção do conhecimento. Tenho a sensação que hoje busco compreender, de algum modo, as experiências que vivi na infância, pois elas estão e ainda são muito presentes em meu corpo.

Vinte anos mais tarde às experiências vivenciadas na Educação Infantil, outro encontro íntimo com o corpo no Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria, especificamente, durante a criação de um espetáculo de teatro solo, no ano de 2003. Naquele momento, tive a oportunidade de vivenciar um processo de trabalho cujo foco principal na elaboração do monólogo foi o corpo baseado no texto

“Valsa nº6”8, de Nelson Rodrigues. Tudo que produzi para o espetáculo partiu de um

intenso trabalho corporal, a partir de um treinamento baseado no Método das Ações

Físicas de Constantin Stanislavski9.

O envolvimento na construção do monólogo pelo método acima citado proporcionou-me um contato profundo e íntimo com o meu corpo. Cada exercício realizado provocava uma gama de sensações, sentimentos, imagens relacionadas a um passado vivido e herdado. Atribuo tudo isso a um despertar da memória do meu corpo. Naquele momento, eu tinha a percepção do processo que vivia, mas não tinha consciência da dinâmica, muito menos uma análise e uma reflexão da dimensão biográfica de meu corpo.

O despertar dessa memória ocasionou um impacto tão grande na maneira como eu me colocava diante do mundo, que decidi, somada às experiências anteriores, principalmente a vivida na Educação Infantil, mobilizar o corpo de outras pessoas por meio do teatro. Optei então pela carreira da docência, a fim de trabalhar o corpo pela via teatral.

A linguagem teatral – como a manifestação efetiva do corpo no espaço em

que vivemos – teve um papel determinante em minha história de vida. Digo isso

8

Para concluir o Curso de Artes Cênicas na Habilitação Interpretação Teatral, cada aluno deveria trabalhar durante um ano na elaboração de um monólogo, sendo este o trabalho de conclusão de Curso.

9

Método sistematizado por Constantin Stanislavski no final do século XIX e início do século XX. Tem como base o domínio pelo ator dos elementos da ação cênica. No processo criativo do ator, calcado no princípio da ação física, inicialmente trabalha-se a partir de pistas, ideias e imagens relativas à matéria ficcional, pela qual se chega às ações físicas e à elaboração do comportamento do personagem. Pode-se dizer que a ação é a vivência do ator no momento presente do universo ficcional, uma vez que este busca concretizar cada imagem numa integralidade psicofísica para a construção de uma linha de ação. A verdade em cena é construída a partir do comprometimento do ator com os objetivos da ação, momento a momento, para resultar o efeito personagem.

(22)

alicerçada na representação que construí sobre o teatro na escola, que se associa a um processo de experimentação que eu não vivia habitualmente no dia-a-dia da sala

de aula, mas nas aulas de teatro10, que eram atividades extracurriculares.

A vivência teatral levou-me ao reconhecimento de potencialidades inesperadas, como a criatividade, por exemplo. Fez-me perceber que era possível, na escola, colocar meu corpo em ação, e expressar minhas vontades, meus desejos, vivenciando em muitos momentos uma educação diferenciada, isto é, para além do convencional e conhecido. Uma educação que permitia resgatar “outros aspectos da

aprendizagem, como o prazer, o devaneio, a alegria” (PIEGAZ11, 2005, p. 62).

Sentia-me realizada com o fato de fazer teatro, mas ainda não tinha consciência de que esta satisfação associava-se diretamente ao corpo e a um processo de biografização corporal que era instaurado por meio da linguagem teatral12.

O encantamento dos tempos da escola levou-me a cursar Artes Cênicas no

ano de 2000. No Curso, vivenciei algumas das experiências que foram formadoras13

em meu trajeto de vida e que considero determinantes para justificar a pertinência em realizar este estudo, como a experiência de bolsista de iniciação científica em projetos de extensão e pesquisa. Digo formadora, pois foi a partir desta experiência que ingressei no contexto educacional e que nasceu o desejo de fazer Pós-Graduação e de cursar Pedagogia.

O trabalho desenvolvido nas escolas levou-me a perceber o quanto a presença da arte teatral modificava o cotidiano e os corpos das pessoas lá presentes, incitando-as a interagirem umas com as outras; expressarem-se espontaneamente, dando vazão para seus desejos, sentimentos e também para a criatividade. A relação entre professores e estudantes era ressignificada, havendo

10

O teatro no contexto educacional caracteriza-se por ser um saber particular, que envolve a expressão corporal do ser humano e possibilita outra forma de agir, ser, estar e olhar para o ambiente escolar. Não há uma preocupação com o conteúdo curricular a ensinar, mas com a experiência e com o aprendizado que dela resulta.

11

Primeira dissertação que tratou de teatro na escola, defendida no GEPIEM. Esta pesquisa teve como objetivo investigar os matriciamentos que potencializam o trajeto de professores que trabalham com ensino de teatro nas escolas de Pelotas, RS, Brasil, sob a perspectiva do Imaginário.

12

Por meio do teatro, a partir de um processo de confronto entre a criança que eu era e o desejo de quem eu gostaria de ser, eu corporificava gestos, atitudes e ação que configuravam uma forma narrativa de estar em cena e de me posicionar diante do mundo.

13

Utilizo o termo experiência formadora baseada na obra de Josso (2004). Para a autora, uma experiência para ser considerada formadora deve simbolizar atitudes, comportamentos, pensamentos, saber-fazer, sentimentos que caracterizam uma subjetividade e identidades na vida do ser humano, influenciando na sua maneira de ser, agir, pensar e estar no mundo.

(23)

uma expansão do diálogo verbal e corporal, como também partilhas de outros saberes e experiências.

Chamou-me atenção, também, o fato do teatro geralmente ser considerado algo recreativo e o corpo como um coadjuvante no espaço educacional. Observei que havia momentos instituídos para o trabalho com o teatro (resumidos a datas comemorativas) e de expressão do corpo de maneira mais espontânea. A maior parte do tempo, a atenção voltava-se à execução de ações pontuais, com o objetivo

de “aquietar”14 o corpo como um todo, privilegiando-se somente o ato de ouvir e de

executar tarefas.

Insatisfeita com a abordagem em relação ao teatro e ao corpo, comecei a trabalhar com a formação inicial e continuada de professores, pois acreditava que para haver ressignificação do corpo no contexto educativo seria necessário promover ações também com os professores. Apostava na ideia de que a partir de um trabalho prático e sistemático, tanto na formação inicial quanto na formação continuada, seria possível conscientizar que o teatro, como área de conhecimento e o corpo, como elemento essencial no processo de aprendizagem, poderiam estar

presentes na formação do ser humano, haja vista a importância desses saberes.

Dessa maneira, chego à terceira pregnância desta Tese: o imaginário. A inserção no Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Imaginário Social

(GEPEIS)15, coordenado pela minha orientadora de mestrado, Prof.ª Dr.ª Valeska

Fortes de Oliveira, proporcionou-me adentrar no campo teórico16 do Imaginário, a

partir de uma pesquisa, em nível de mestrado, com acadêmicas do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria, centrada nas representações em torno do teatro antes e depois de cursarem a disciplina de Jogo Teatral I e Jogo

Teatral II17. A investigação proporcionou-me acompanhar a relação das acadêmicas

14 Aquietar, segundo estudo realizado por Márcia Strazacappa (2001), no artigo “A educação e a

fábrica de corpos: a dança na escola” equivale a “disciplinar”, visto que a noção de disciplina no espaço escolar no decorrer dos tempos vem sendo entendida “como um „não movimento‟”, segundo a autora.

15

Participar do Grupo foi muito significativo em minha formação, pois nele vivenciei outra maneira de aprender baseada no compartilhamento de experiências. Estar no grupo possibilitou-me ampliar o foco de discussão da arte teatral e conhecer novas possibilidades de estudos, uma vez que passei a realizar leituras sobre Formação de Professores, Saberes Docentes, História de Vida, Imaginário e Representações Sociais.

16

O Imaginário estudado pelo GEPEIS alicerça-se numa perspectiva sociológica, tendo como principal representante teórico Cornelius Castoriadis.

17 Naquele momento, reafirmei minhas constatações ao observar que o corpo ainda “está fora” das

matrizes curriculares formadoras das futuras pedagogas. O trabalho com o corpo fica restrito a poucos semestres, quando acontece.

(24)

com o teatro, as representações instituídas e como estas representações foram sendo modificadas no decorrer da disciplina, bem como estar atenta às manifestações corporais de cada pessoa. Neste período, as pesquisas (auto)biográficas passaram também a fazer parte do meu universo acadêmico, incitando-me a aprofundar mais sobre o assunto e a fazer relações com a pesquisa que eu desenvolvia naquele momento.

A pesquisa de mestrado revelou possibilidades para pensar a biografia do corpo. Isso aconteceu em função da minha inserção no campo empírico e da minha participação como ministrante dos jogos para a turma que eu pesquisava. Ao propor jogos direcionados para a exploração corporal, muitas foram as vezes que as estudantes compartilharam memórias que haviam decorrido das atividades realizadas. Memórias relacionadas a imagens de acontecimentos vividos, que proporcionavam entrar em contato com os sentimentos adormecidos e os gestos não habituais, visibilizando as experiências que foram significativas em sua vida. Observei que o contato com as memórias que emergiam do corpo causavam um impacto e uma transformação perceptiva das estudantes sobre si mesmas e seus

corpos, repercutindo em sua atitude nas aulas e também no Curso18.

Diante disso, vislumbrei a possibilidade do trabalho com a linguagem teatral ser um caminho à dimensão biográfica do corpo, bem como a necessidade de abordar o corpo na formação de professores, como um elemento revelador do trajeto formativo de cada ser humano.

Tais percepções despertaram o interesse em estudar a dimensão biográfica do corpo, levando-me a direcionar meus trabalhos e pesquisas para este foco e realizar o doutorado. Este novo direcionamento em meus estudos pode ser

destacado como uma verdadeira transformação que aconteceu a nível existencial19.

Intimada pelas observações e indagações surgidas no decorrer de minha

prática, passei a investigar sobre o assunto20, levando-me a direcionar meus

18

Da turma que participou da pesquisa de mestrado, a maioria abordou o corpo nas atividades desenvolvidas durante o período de Estágio.

19 Este conceito é apresentado por Danis Bois em sua tese intitulada “Le corps sensible et la

transformation des représentations chez l´adulte” (2007), a partir da referência dos estudos de Marie-Christine Josso. Para a autora, uma experiência para ser considerada existencial ou fundadora deve promover uma verdadeira metamorfose do ser, envolvendo a pessoa como um todo, desde sua identidade profunda até a maneira como vive a sua vida como ser.

20

As investigações sobre o assunto me levaram ao trabalho desenvolvido por Danis Bois e Marie-Christine Josso sobre o corpo e sua dimensão biográfica. Bois foi quem desenvolveu o conceito de Corpo Biográfico a partir de suas pesquisas com a fascioterapia e a somato-psicopedagia. Outros

(25)

trabalhos e pesquisas para este foco. A intenção foi pensar outras propostas à formação humana, especificamente, a formação do professor, atribuindo status e importância ao corpo e sua dimensão biográfica.

O ingresso no doutorado no ano de 2009 deu continuidade ao meu processo no campo do Imaginário, porém direcionada a uma perspectiva antropológica, a partir dos estudos preconizados por Gilbert Durand e Gaston Bachelard, principalmente. Assim, comecei a estudar e a desenvolver uma pesquisa focada na dimensão biográfica pelas lentes do Imaginário, buscando as interfaces dessa conjuntura.

Desta maneira, a pesquisa que aqui apresento tem a sua gênese nos três núcleos pregnantes anteriormente apresentados. As experiências no decurso de meu trajeto formativo levaram-me a investir na proposição de que a linguagem teatral, a partir de um trabalho específico, colocaria em movimento um processo de biografização corporal, visibilizando a dimensão biográfica do corpo. Tal investimento instigou-me a estudar como poderia acontecer este processo, evidenciando o campo teórico em que estou inserida: o Imaginário.

1.1Movimentos a partir da qualificação

Com o objetivo de ampliar e de aprofundar os estudos sobre a dimensão biográfica do corpo e sua relação com o Imaginário, elaborei uma pesquisa focada

nas memórias do trajeto escolar inscritas no corpo, em forma de grafias21, de

acadêmicas do Curso de Pedagogia da UFPel, apresentada na forma de projeto de Tese em março de 2011. Minha proposição centrava-se na premissa de que as estudantes que realizavam a formação-professor deveriam ter consciência da memória do corpo decorrente do seu trajeto formativo, especificamente do período escolar.

estudos em torno deste eixo epistemológico vêm sendo trabalhados por Josso e outros autores também. Desde o II Congresso Internacional sobre Pesquisa (Auto)biográfica (CIPA), realizado em Natal/RN (2008), as produções com essa temática começaram a ter maior visibilidade no Brasil.

21

Cabe ressaltar que no momento da qualificação eu tinha a intenção de visibilizar as grafias. No entanto, ao longo do processo de pesquisa, percebi que o que eu estava querendo visibilizar eram escrituras – pois agrega um sentido mais amplo que reporta a uma inscrição de si. Sendo assim, abandono o termo grafias e passo a utilizar o termo escrituras.

(26)

Naquele momento, apostava em jogos teatrais, como meio de viabilizar um trabalho focado no corpo, a partir de um processo em que as acadêmicas tomariam a si mesmas como objetos de reflexão. Ou seja, atribuía a elas, a partir da palavra, fazer a “leitura” de seus gestos, identificando as memórias inscritas no seu corpo, tendo em vista promover um processo de conscientização.

Entretanto, por mais que eu quisesse focar nas inscrições corporais, meu projeto atribuía um estatuto maior para a palavra do que para o gesto. Esta observação foi muito bem pontuada pelos professores que compuseram a banca examinadora de qualificação, chamando-me a atenção para a necessidade de dar visibilidade para a voz do corpo, a partir da elaboração de uma metodologia de análise do gesto, que seria realizada por mim, enquanto pesquisadora, e não pelos sujeitos da pesquisa. Não era necessário descartar a palavra, mas evidenciar primordialmente o gesto, que é a grande tônica do campo teórico que estudo: o Imaginário. Outra questão mencionada pela banca foi não focar em um período específico, mas nas experiências no decorrer do trajeto formativo, considerando o que aparecesse como um forte indício das memórias que ficaram inscritas no corpo. E a conscientização como algo que requereria outro foco de trabalho para além de

visibilizar as memórias do corpo, algo que poderia ocorrer posteriormente.

Diante das considerações, ingressei no campo empírico e desenvolvi uma proposta que contemplou os gestos e os sons vocais como expoentes máximos da voz do corpo, ignorando a palavra durante os encontros com as participantes da pesquisa. Cabe ressaltar que adotar este viés causou certo estranhamento, tanto em mim, quanto nelas. Na minha concepção, a palavra deveria aparecer posteriormente à prática corporal, como resultado de um pensamento que emanava do próprio corpo. Em relação às estudantes, o fato de não usar a palavra gerava certa angústia, pois a mobilização corporal ocasionava uma necessidade de expor as

repercussões22 produzidas no corpo pelo trabalho. Assim, introduzi o Diário da

Experiência como um instrumento para registrar o que havia sido sentido pelo corpo. A etapa após o ingresso no campo empírico foi marcada pela descrição dos dados e pela leitura atenta do material escrito. Ressalto que havia uma clareza no

22

A repercussão representa aquilo que toca o ser humano de maneira profunda, instigando-o a um aprofundamento e reflexão sobre si. Segundo Bachelard (1993, p. 7), “a repercussão opera uma inversão do ser”. A repercussão tem um caráter fenomenológico, determinando um verdadeiro despertar criador, a partir de uma única imagem poética, ocasionando a experimentação de ressonâncias, repercussões sentimentais, recordações do passado.

(27)

modo como eu realizaria o trabalho prático, mas muitas dúvidas sobre como faria a

leitura dos gestos e de que maneira eu utilizaria o Diário da Experiência – e se

utilizaria.

Com o objetivo de encontrar um caminho para a análise dos gestos e aprofundar o entendimento sobre o conceito de Corpo Biográfico, realizei o estágio

doutoral, com o professor PhD. Danis Bois23, vinculado à Universidade Fernando

Pessoa – Porto/Portugal. Durante os quatro meses de estágio, realizei estudos

referentes ao conceito de Corpo Biográfico e à fenomenologia do sensível, entrando em contato com o seu método de trabalho. Neste período, foquei-me em dissertar sobre a contribuição desta Tese aos estudos referentes às pesquisas (auto) biográficas, uma vez que eu trago a improvisação como um caminho à biografização corporal e escritura de si, apresentando um complemento à narrativa escrita e oral.

Também dedicamos (eu e o professor Danis Bois) uma atenção especial ao processo de análise dos dados. Cabe ressaltar que o professor trabalha a leitura do corpo a partir da palavra. Palavra como resultado “do sentir do corpo e que nasceria diretamente do pensamento próprio ao corpo, e não de um pensamento nascido no cérebro para se dirigir ao corpo” (BOIS, 2008b, p. 101). A análise acontece via palavra, através de entrevista verbal mediada pela prática corporal.

Por mais que eu já tivesse contato com sua produção, nutria a expectativa de que além da entrevista houvesse uma metodologia de leitura do corpo, desvinculado da palavra. Percebi que não, tendo em vista o seu método de trabalho que buscava criar um espaço de fala que permitisse às pessoas encontrarem um lugar para a expressão de si, a partir do testemunho descritivo do vivido como resultado de um pensamento que emanasse do próprio corpo.

Dessa maneira, nos quatro meses em que estive sob sua orientação, trabalhamos demoradamente na análise dos Diários da Experiência, em três etapas:

análise classificatória, análise fenomenológica e análise hermenêutica24. O professor

Danis Bois teve o cuidado de auxiliar em cada passo da análise, a partir de um dos

23

Danis Bois é fisioterapeuta, osteopata, psicopedagogo clínico e doutor em ciências da educação. Sua metodologia de pesquisa e formação está direcionada à integração da relação com o corpo sensível na reconquista do corpo biográfico a serviço da reconfiguração do sujeito. Sua abordagem está voltada à área terapêutica. Professor Catedrático da Universidade Fernando Pessoa, vinculado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Atua no Mestrado em Psicopedagogia Perceptiva. É diretor do CERAP (Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas em Psicopedagogia Perceptiva). Fonte: (BOIS, JOSSO, HUMPICH, 2008).

24

Serão explicadas no capítulo 5 desta Tese.

6 5

(28)

Diários. Para ele, a palavra traduzia o testemunho da experiência que as acadêmicas vivenciaram com a pesquisa, sendo um indício forte sobre o Corpo Biográfico.

Em consequência disso, a partir do campo teórico do Imaginário, elaborei um caminho para a análise dos gestos usando registros de vídeo.

O que isto ocasionou em meu trabalho? Um confronto de ideias entre a voz do corpo e a palavra que parte da prática corporal. Como priorizar somente o gesto, quando há um material escrito que dizia muito sobre a dimensão biográfica do corpo?

Então fiz as seguintes escolhas: trabalhar prioritariamente com a leitura do gesto, sem descartar a escrita no Diário da Experiência, investindo fortemente na

metodologia de convergências – já anunciada no projeto de Tese. A convergência

levou-me aos núcleos simbólicos, e, consequentemente, aos mitemas25 que deram

visibilidade às escrituras do Corpo Biográfico das acadêmicas do Curso de

Pedagogia. Diante disso, passo a problematizar sobre os caminhos percorridos e

os achados da pesquisa.

25

Serão explicados no Cenário Metodológico da Tese, capítulo a seguir.

(29)

2

C

ENÁRIO METODOLÓGICO

Tendo como problema de pesquisa o corpo como um saber relevante no processo formativo optei por uma metodologia que contemplasse, prioritariamente, a interpretação do gesto a partir das pregnâncias que emergiram da proposta

desenvolvida. Nesse âmbito, eis o Imaginário como “carro-chefe” 26 que guiou o

trajeto investigativo.

As pesquisas do Imaginário, segundo Kurek27 (2009, p. 38) vão se ocupar de

“mostrar aquilo que não se mostra”, que não é visto a “olho nu”. Isto quer dizer, “um tipo de conhecimento que faz parte de nossas vidas, mas não aparece na forma explicativa comprometida com a racionalidade” (idem). Que extrapola a lógica binária – lógica que compreende apenas dois valores, um verdadeiro e um falso – para abranger um terceiro incluído, a partir de um movimento instaurador e abrangente de múltiplas possibilidades.

Essa perspectiva instauradora, que descarta a classificação e redução dos achados como uma lógica pré-estabelecida, caracterizou o cenário metodológico desta Tese. O gesto como uma tradução do imaginário na escritura do Corpo Biográfico foi o elemento fundador à promoção de uma amplificação das imagens e seu conteúdo simbólico voltada a discussão sobre o Imaginário e o Corpo Biográfico no contexto da educação.

A partir de uma proposta focada na biografização corporal pela improvisação teatral através do exercício de imaginação simbólica cada estudante lançou-se a

uma “garimpagem28” do seu reservatório pessoal. Isto é, propus ativar, via

26

Termo muito usado pelo colega de grupo, Profº. Drº. Alexandre Vergínio Assunção, com o intuito de defender e profundizar a função dos estudos do Imaginário tão caro às pesquisas do GEPIEM.

27 Primeiro doutorando do GEPIEM. Sua tese intitulada “Ensaio sobre a dor na docência: um ensaio antropofenomenológico” foi defendida em dezembro de 2009.

28

Utilizo o termo garimpagem no sentido de explorar as memórias que compõem o patrimônio vivencial de cada pessoa, visibilizando um tipo de conhecimento que nem sempre é abordado como

(30)

“conhecimento indireto”, as memórias inscritas no corpo no decurso do trajeto formativo: memórias decorrentes de acontecimentos presentes e sempre lembrados; acontecimentos adormecidos, escondidos, ou que nunca haviam sido pensados. Para Durand (1988, p. 11-12), esta via de acesso à consciência, proporciona re-(a)presentar o objeto ausente através de uma imagem no sentido amplo do termo.

O exercício de evocação das memórias dos acontecimentos vividos mobilizou uma consciência imaginante que criou novas narrativas. Narrativas oriundas dos matizes das escrituras a que cada participante deu visibilidade no decorrer da pesquisa. Ou seja, ao remexer nos seus guardados interiores, elas acessaram uma esfera mais profunda, que para além dos fatos, trouxeram à tona as repercussões

que estes causaram em si, atribuindo uma “tonalidade” (BOIS, 2008a, 2008b)29 aos

gestos como uma tradução do imaginário na escritura do Corpo Biográfico, efetivando, assim, a construção de uma narrativa corporal. Esse processo pode ser visto como resultado de uma atividade de imaginação simbólica que deu vazão para uma história atualizada e fundadora do que cada pessoa vem sendo e se tornando no percurso de sua vida.

A imaginação simbólica constitui a própria atividade dialética do espírito, já que, no nível do “sentido próprio” da imagem, copia da sensação, no nível da vulgar palavra do dicionário, ela desenha sempre o “sentido figurado”, a criação perceptiva, a poesia da frase que, no seio da limitação nega essa mesma limitação (DURAND, 1988, p. 97)

Na perspectiva criadora, ela é enriquecedora de um pensamento, neste caso, pensamento corporal, e está na base, conforme Araújo, (2009) de um imaginário dotado de “pregnância simbólica” (CASSIRER, 1929a) que se abre para a criação e a recepção de outras obras, mundos, experiências. Segundo Cassirer (1929a, p.

238), o conceito de pregnância simbólica está associado ao “modo como uma

vivência perceptual, isto é, considerada como vivência „sensível‟ entranha ao mesmo tempo um determinado „significado‟ não intuitivo que é representado concreta e

relevante à problematização sobre os modos como cada uma vem se tornando e sendo no decurso de seu trajeto formativo.

29

Danis Bois utiliza o termo tonalidade para indicar as sensações experimentadas durante as situações de terapia manual ou introspecção sensorial. Aproprio-me do termo para indicar as sensações experimentadas no decorrer do trajeto formativo do sujeito e que de alguma maneira ficaram registradas em seu corpo, sendo fundantes na maneira de interagir no mundo, atribuindo diferentes intenções à ação. Ação expressa através dos gestos durante o processo de biografização corporal pela improvisação teatral.

(31)

imediatamente por ela”. Diante de tudo isso, a imaginação simbólica caracteriza-se por ser reprodutiva à medida que busca material no repertório proveniente da experiência perceptiva e, também, por ser irrigadora dos processos cognitivos mais abstratos (WUNNENBURGER, 2003).

Nesse sentido, o imaginário apropria-se do dinamismo e da força criadora que a imaginação tem em produzir imagens de um real latente, depreendendo uma atividade conotativa e figurativa. Propicia enxergar além do que a consciência é capaz de elaborar, produzindo novas imagens que excedem as informações inerentes ao significado e aos conceitos, conferindo força ao objeto ausente. Tais imagens, segundo os estudos de Bachelard e Durand, contribuem para o enriquecimento da representação de mundo. Assim, a imaginação surge como expressão da liberdade do ser humano em confronto com as coisas que lhe assolam, principalmente as faces do tempo que representam a dissolução de um devir, propiciando extrapolar um determinismo temporal.

Dessa maneira, a imaginação pode ser vista como a “potência maior da

natureza humana” (BACHELARD, 1993, p. 18) que incita olhar o passado pelas lentes do presente e lançar-se a um futuro que poderá redimensionar a forma de

cada sujeito colocar-se no mundo. “A imaginação desempenha portanto, na espécie

humana, um papel essencial no que diz respeito à adaptação vital, à criação de um meio cultural, à compensação das dificuldades de viver através da arte, da religião ou da fabulação” (WUNENBURGER, 2003, p. 37-38).

Diante disso, a imaginação tem a função de eufemização, promovendo um “dinamismo prospectivo que, através de todas as estruturas do projeto imaginário, tenta melhorar a situação do homem no mundo” (DURAND, 1988, p.101). Esta função eufemizadora proporciona ao ser humano confrontar-se consigo mesmo e no ato de imaginar vivenciar um processo dinâmico de equilibração psicossocial.

A imaginação simbólica, nesta Tese, exerceu sua função eufemizadora à medida que promoveu a emersão de memórias decorrentes do trajeto formativo das acadêmicas do Curso de Pedagogia, presentificada na proposta de biografização corporal pela improvisação teatral, a partir de uma temporalidade outra, que transgrediu a lógica de um tempo cronológico. A transgressão colocou no mesmo nível o passado, o presente e o futuro, assegurando uma continuidade da consciência humana, bem como a possibilidade de regressar, regredir e transfigurar as necessidades do destino, propiciando pela re-(a)presentação de um tempo vivido,

(32)

o que elas foram e se tornaram, o que estão sendo e se tornando e como projetam-se daquele momento em diante, por meio de uma linguagem que não projetam-se reduz à palavra, mas se amplifica pelo gesto. Ou seja, pela imaginação simbólica as estudantes puderam acessar uma esfera mais profunda de si, a memória do seu corpo.

Nesse viés, o gesto representou a presentificação de ações que ficaram “radicadas no corpo” (PEREIRA, 2010). Nesta pesquisa, são abordados como a tradução do imaginário nas escrituras do Corpo Biográfico e conteúdo simbólico que revelou algo preexistente relativo à experiência do mundo, à vida humana e ao processo de assimilação e acomodação do vivido.

As imagens podem ser compreendidas como representações repletas de significação e portadoras de uma força de transformação. Sua dinâmica criadora, segundo Wunenburger (2003, p.26), a partir dos estudos de Bachelard, encontra-se na experiência do corpo, seja pela atividade física de expressão linguística; pela atividade muscular manifestada através dos movimentos, ritmos e gestos; ou então, por uma temporalidade descontínua envolvida por um ritmo. Estudá-las significa acentuar a virtude de sua origem, “apreender o próprio ser de sua originalidade e em beneficiar-se, assim, da insigne produtividade psíquica que é a imaginação” (BACHELARD, 2009, p. 3).

Focar as imagens tendo o Imaginário como campo epistemológico, levou-me a estruturá-las em uma lógica, com o intuito de efetivar a realização do estudo focado nas memórias inscritas no corpo e decorrentes do trajeto formativo das estudantes

do Curso de Pedagogia da UFPel. O estudo do Imaginário permite “elaborar uma

lógica dinâmica de composição de imagens (narrativas ou visuais)”

(WUNENBURGER, 2003, p. 28), que independente do regime30 que pertençam,

organizam os instantes psíquicos em uma determinada “ordem histórica”.

É necessário ressaltar que o universo simbólico, apreendido a partir de uma perspectiva recondutora e amplificadora, surge dos movimentos do inconsciente

coletivo e arquetipológico31. Tal universo criador do homem e da cultura preenche

30

A lógica dinâmica de composição de imagens organiza-se a partir de dois regimes, um diurno e um noturno, que são produzidos ao longo do trajeto antropológico a partir da conjunção entre o psicofisiológico e o sociocultural, desdobrando-se em três estruturas polarizantes: uma heróica; uma mística e, por fim, uma sintética.

31

A arquetipologia para Durand está assentada nos reservatórios sociais oriundos dos arquétipos. Eles são estruturas psíquicas, inatas ou herdadas, quase universais, como uma espécie de consciência coletiva. Exprimem-se por meio de símbolos específicos, de grande potência energética.

(33)

uma função favorável à sua vida pessoal e social (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009), bem como aspectos profundos da realidade. Isto significa que o símbolo transcende “a um sentido comum interpretativo para ser e, pois, ser compreensível; existe um sentido original, e apenas a compreensão permite as derivações terrestres. O símbolo seria, então, produto de uma construção mental autônoma” (LEGROS; MONNEYRON; RENARD; TACUSSEL, 2007, p. 113).

A apreensão do sentido simbólico colocou-me diante de três dimensões

concretas (a cósmica, a onírica e a dimensão poética) e da sua epifania32. Cósmica

no sentido do símbolo figurar-se a partir do mundo que nos rodeia; onírica ao enraizar-se na biografia mais íntima do ser humano, contemplando as lembranças, os gestos que emergem dos sonhos/devaneios e poética ao apelar para a linguagem. A epifania como um emergir súbito de uma imagem simbólica, que se revela pregnante e formadora.

Assim, a interpretação do gesto contemplou os aspectos que envolvem o ser humano e a maneira que ele interage no mundo, como resultado de uma somatória de inscrições corporais decorrentes das experiências vividas no decurso de sua vida, a partir de um processo de interpretação dos diferentes níveis de sentido.

Com o intuito de fazer emergir os sentidos latentes, a partir da perspectiva simbólica, propus um exercício de biografização corporal pela improvisação teatral. A pesquisa foi registrada em vídeo por mim, e no Diário da Experiência por elas (acadêmicas). Mediante o que foi desenvolvido, fiz dois procedimentos: 1) descrevi o exercício de biografização, a partir dos registros de vídeo. Após a descrição selecionei os gestos que considerei pregnantes em cada cena. Busquei no gesto apreender o seu sentido, em um processo de desvelar o indizível subsumido no gestual, valorizando a transfiguração da representação concreta, de significado manifesto e imediato, ao aparecimento de um sentido abstrato, secreto, misterioso; 2) selecionei na escrita do Diário da Experiência de cada estudante as imagens simbólicas associadas a relação Imaginário e Corpo Biográfico, com o objetivo de encontrar indícios a contribuir no estudo sobre as memórias que ficaram inscritas no corpo. Esse direcionamento contemplou os aspectos que elenquei como fundadores

Desempenham um papel unificador e motor considerável na evolução da personalidade. Apresenta forma dinâmica, estruturando-se pela organização de imagens. (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2009).

32

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