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O brilho sensível do espírito absoluto: a arte em Hegel

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO

O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A

ARTE EM HEGEL

João Pessoa – PB

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MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO

O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A

ARTE EM HEGEL

Trabalho dissertativo apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do prof. Dr. Edmilson Alves de Azevedo em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Filosofia.

João Pessoa – PB

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MARIA EVELINE RAMALHO RIBEIRO

O BRILHO SENSÍVEL DO ESPÍRITO ABSOLUTO: A ARTE EM HEGEL

Trabalho dissertativo aprovado pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do prof. Dr. Edmilson Alves de Azevedo em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Filosofia.

APROVADA EM:_____/______/_____

Prof. Dr. Edmilson de Azevedo (Orientador)

Prof. Dr. Oliver Toller (Membro Externo)

Prof. Dr. Bartolomeu Leite da Silva (Membro Interno)

João Pessoa – PB

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Socorro Ramalho, que com sua alma poética e apaixonada pela

beleza e pela sabedoria, desvendou em mim o anseio e a paixão pela arte e pela filosofia.

Dedico a alegria sentida por essa etapa realizada, no devir de minha existência à sua

memória, com a certeza de que acolherás em seu coração o mais sincero agradecimento e a

eterna declaração do meu amor.

Ao Espírito Absoluto, por sua fulgurante e inefável presença que tem me

fortalecido, iluminado e conduzido meus passos indicando o caminho a seguir.

À minha família, que com sua presença de amor e incentivo me ensina que o

mais valoroso na vida é aprender a viver intensamente cada momento junto aos que

amamos, pois eles são o nosso maior tesouro. Em especial, agradeço à minha irmãe Luzi

que tanto amo e que tem sido a minha fortaleza e exemplo a seguir.

Ao meu cunhado Ariosvaldo, pelo seu apoio e pelas lições de superação que

demonstra ao longo da sua trajetória de vida.

Ao meu pai que amo e admiro, porque em sua simplicidade nos revela uma

sabedoria de vida, encontrada em poucos filósofos!

Aos mestres, a minha gratidão por terem dividido conosco o seu saber ao

desvelar os nossos olhos o amor à sabedoria. E, de modo especial, o meu reconhecimento

ao meu orientador que considero um amigo, por sua competência, dedicação e

(5)

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RESUMO

Ao propormos uma reflexão sobre a temática arte e liberdade, segundo o pensamento

hegeliano, no que concerne ao primeiro volume dos Cursos de Estética, temos como

finalidade, lançar uma discussão a respeito do modo como Hegel afirma a arte enquanto

expressão da liberdade, já que por meio dela o Absoluto se manifesta na finitude. Ela

anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma, mediante a possibilidade

de unir essas duas dimensões no Conteúdo por ela expresso em suas produções artísticas.

Assim, mediante a contemplação do belo na arte o espírito finito encontra a possibilidade

de ascender à esfera do infinito e desvelar a consciência da liberdade, o saber que se sabe

livre. Sendo assim, o fio condutor de nossa investigação, versa sobre a problemática da

arte, compreendida como uma instância fronteiriça situada entre a finitude e o domínio do

infinito.

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ABSTRACT

By proposing a reflection upon art and liberty, by means of Hegel’s work, Lectures and

Aesthetics, we intend to discuss the way Hegel asserts art, which is, as an expression of

liberty whereby the Absolute is manifested in the finite sphere. It (art) announces the

reconciliation between spirit and nature, matter and form by means of the possibility of

uniting these pairs of dimensions into the Content expressed in artistic productions. Thus,

by means of the contemplation of beauty in art, the finite spirit comes to the possibility of

rising to the infinite sphere and of unfolding the consciousness of liberty, and the freedom

of knowledge. Therefore, the basis of our investigation entails the issue of art that is

understood as a borderline between the finite sphere and the infinite field.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena ...

Figura 2 – Deusa Atena ...

Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza... 14

40

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO DE HEGEL...

2.1 RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO...

2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA...

2.2.1 O pensamento de Kant...

2.2.2 O pensamento de Fichte...

2.2.3 O pensamento de Schelling...

2.3 O SISTEMA DE HEGEL...

3. HEGEL E A PROBLEMÁTICA DA ESTÉTICA...

3.1 HEGEL E O NASCIMENTO DA ESTÉTICA...

3.2 A ESTÉTICA NO SISTEMA FILOSÓFICO DE HEGEL...

3.3 A ARTE LIVRE COMO OBJETO DA ESTÉTICA...

4. A ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE...

4.1 A ARTE COMO REFLEXO DO ABSOLUTO...

4.2 O DOMÍNIO DAS NECESSIDADES FINITAS E A PREOCUPAÇÃO COM

A ARTE... 11

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19

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29

34

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52

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4.3 A ARTE LIVRE COMO RECONCILIAÇÃO ENTRE ESPÍRITO E

NATUREZA...

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...

REFERÊNCIAS. ... 82

89

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1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho dissertativo pretende lançar uma reflexão sobre a temática

arte eliberdade, tomando como referencial teórico Hegel, em sua obra Cursos de Estética,

especificamente o primeiro volume,ressaltando a análise que o autor faz da arte enquanto

primeiro modo pelo qual o absoluto se manifesta na esfera finita, como expressão da

liberdade. Um alçar vôo acima das querelas da existência finita e, portanto, imediatas, e

lançar-se no reino da contemplação do infinito. O que significa dizer que partiremos da

seguinte problemática: pensar a arte como um elo intermediário entre a finitude da

existência imediata e o infinito reino do pensamento conceitual.

Nossa pesquisa será norteada pelas seguintes hipóteses: poderíamos afirmar que a

relação arte-liberdade no pensamento hegeliano seria resultado do desenvolvimento

progressivo da consciência de liberdade ao longo da história da civilização, que, no que

concerne a esta investigação, centra-se na manifestação da arte enquanto expressão

primeira da ideia de liberdade na esfera finita, mediante a forma fenomênica do belo

artístico. Outra conjectura hipotética seria a compreensão de que a partir da evolução do

pensar que se sabe livre no século XVIII, é possível refletir sobre a discussão da

problemática da autonomia da arte a ser afirmada como arte livre e objeto de especulação

filosófica. Além disso, também é possível afirmar que o espírito finito por ter em si a

dualidade na natureza e do espírito, mesmo quando ainda está envolto nas necessidades

finitas, está inconscientemente em busca de sua liberdade. Com base nessas considerações,

nosso objetivo é apontar para a compreensão de que a estética hegeliana assinala, através

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uma visão da totalidade e universalidade da ideia de liberdade que é intrínseca ao Absoluto

e, por extensão, também o é ao espírito finito, já que nele reside a síntese entre a natureza e

o espírito.

O desenvolvimento do conceito de arte, no sistema de Hegel, está atrelado ao

desenvolvimento histórico e cultural do contexto da Alemanha do final do século XVIII,

pois é justamente nesse momento da história que a arte desponta enquanto estética

filosófica, nesse período, surge a necessidade da compreensão filosófica acerca da arte.

Não estamos a afirmar que antes a arte não teria sido objeto de atenção na filosofia, mas o

que se apresenta como novidade, no período acima citado, é o despertar para uma análise

da arte, vista como estética filosófica e, essa nova visão acerca desse objeto é o que confere

uma explicação fundada na filosofia e, assim, enquanto parte de sua totalidade. Assim, o

conceito de arte em Hegel compreende a consideração do fenômeno concreto e histórico

através do qual esse conceito se revela, pois a arte é um aparecer que não se restringe à

matéria exterior, mas que expressa o universal. O conceito de arte se desenvolve a partir de

uma dinâmica interna do Espírito que se dá a conhecer e se concretiza em suas

representações artísticas.

A arte livre anuncia a reconciliação entre espírito e natureza, matéria e forma,

mediante a possibilidade de unir essas duas dimensões no conteúdo por ela expresso, em

suas produções artísticas. Estas são engendradas pelo espírito, sendo, portanto, de natureza

espiritual. Destacamos que a relação arte-liberdade, segundo o pensamento hegeliano,

sugere a conexão de ambas de modo que uma se justifica a partir da outra. A arte, em sua

essência, por si só é essencialmente livre, não se vincula a interesses ou necessidades

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caráter utilitário. E a liberdade tem, em sua intrínseca constituição, o não atrelamento às

querelas finitas, é o livre desprendimento das necessidades e interesses que a possam

cercear. Deste modo se estabelece a relação entre elas como expressão da consciência de

liberdade que o espírito finito vai progressivamente adquirindo mediante o

desenvolvimento de sua racionalidade.

Assim sendo, pretendemos indicar que é através da contemplação da beleza que o

espírito finito vai se desprendendo da imediatez de sua existência e alça vôo rumo ao

infinito, ao mundo conceitual dos livres pensamentos. Por esta razão, importa dizer que o

amor pela sabedoria inerente à filosofia se estende à estética por meio da paixão pela

contemplação da beleza, através da sabedoria expressa na forma fenomênica da arte. É

assim que compreendemos a arte enquanto o brilho sensível do espírito absoluto.

Em nossa pesquisa situamos o contexto histórico no qual Hegel se insere, nos

séculos XVIII e XIX. Além disso, elencamos os pressupostos referentes à noção de sistema

nos precursores de Hegel, notadamente na filosofia de Kant, Fichte e Schelling, afim de

ilustrar os aspectos centrais debatidos por eles, que posteriormente foram retomados e

reformulados por Hegel em sua filosofia sistemática. Lembramos que não temos a

pretensão de nos alongar no diálogo sobre a filosofia dos autores apontados, mas somente

almejamos trazer à tona o que eles legaram de contribuição para o ulterior

desenvolvimento do sistema filosófico hegeliano, pois como nos adverte Hegel, devemos

filosofar a partir do universal que se manifesta e se dá a conhecer mediante o seu processo

de desvelamento histórico-conceitual.

Apresentamos a problemática da estética inserido-a na dinâmica do pensamento

(14)

afirmação enquanto arte livre. Essa discussão sobre o processo da progressiva emancipação

da arte como produção espiritual, perfaz um itinerário argumentativo que se inicia na Idade

Média e se estende ao século XVIII, momento de fundação da estética enquanto disciplina

filosófica, através do pensamento de Baumgarten.

Nesse sentido, dialogamos com pensadores que nos auxiliarão nessa gradual

reconstrução do caminho percorrido pela arte rumo à sua emancipação e autonomia. Tal

intento pretende reconstruir teoricamente os momentos históricos do desenvolvimento da

arte e a busca por uma definição teórica que a apresente enquanto disciplina filosófica,

posto que ela reflete o saber adquirido no decorrer da história e o desenvolvimento do

pensamento e/ou da racionalidade mediante o desvelamento de suas representações

artísticas.

Além disso, situamos o lugar da estética no contexto do sistema hegeliano como

parte desse todo. Apresentamos o sistema hegeliano em suas partes constitutivas: Ideia,

Natureza e Espírito, mas sem adentrarmos em uma análise pormenorizada, pois nosso

objetivo é situar o lugar que a estética ocupa na completude do sistema. Assim, a estética

seria produto do espírito e manifestação de sua imagem na esfera sensível, já que através

dela é possível contemplar o infinito. Por meio da arte se pode vislumbrar o brilho sensível

da Ideia.

Esse percurso argumentativo visa situar o momento em que Hegel se atém à

temática da estética que, para ele, é a “filosofia da arte”. Esse é o momento em que se

configura a emancipação da arte, concebida como um fenômeno que se realiza na história e

se afirma como disciplina filosófica da arte no século XVIII, em sua singularidade de

(15)

consciência da liberdade. Nesse processo de afirmação da arte em sua autonomia e

liberdade é que se localiza a obra Cursos de Estética, de Hegel, estando sua obra inserida

no contexto que lhe permite lançar uma discussão histórico-estética da arte. Dessa maneira,

o autor comunica em sua obra que a abertura para uma concepção filosófica e científica da

arte se funda em transformações históricas que viabilizaram a reflexão acerca da arte livre.

Apresentamos a arte e a liberdade correlacionadas enquanto âmbitos

reciprocamente imbricados na dinâmica da progressiva iluminação do espírito finito que se

desvela enquanto ser livre, ao longo da história. Nesta perspectiva, a arte é concebida como

reflexo do Absoluto. Na arte, o Espírito se desenvolve a partir de si mesmo como um

estranhamento rumo à sensibilidade para apreender-se e reconhecer-se em sua alienação,

sob a Forma fenomênica do belo artístico. Ele impregna de pensamento os seus produtos e

os transforma em parte de si.

Essa correlação entre a arte e a liberdade pertence ao domínio da evolução do

pensamento racional, o qual vai paulatinamente se compreendendo em sua dimensão

subjetiva enquanto razão que se desenvolve na história. É assim que a arte, em sua

configuração imagética, anuncia uma efetividade superior que significa através de si e

aponta para a dimensão do infinito. Nesses termos, ela poderia ser compreendida como

reflexo do Absoluto, posto que ilumina a esfera sensível com o seu brilho que é figurado

nas suas produções, visto que ela manifesta a Ideia.

Com efeito, através da preocupação com a arte é que o espírito finito vai se

desprendendo da finitude imediata e ascendendo em direção ao reino do pensamento

conceitual. Esse percurso atravessa diferentes esferas, que como degraus, vão conduzindo

(16)

consciência de si, produz na arte a representação desse Conteúdo, o ilustrando mediante

cores, formas e tons.

Entretanto, para chegar a esse estágio, o espírito finito percorre as esferas das

necessidades imediatas, tais como os impulsos, as inclinações, a ausência de satisfação

decorrentes da existência finita que se apresenta em suas carências, o levando a buscar

organizar sua existência através da criação da indústria, do comércio, da técnica, do direito,

da vida em família e do Estado. Imerso em inúmeras necessidades imediatas e perante a

insatisfação delas proveniente, o espírito busca formas que o ajude a suprir tais

necessidades, até o momento em que se apercebe de que a resolução da contradição entre

Espírito e Naturezadeve ser buscada no domínio que lhe comunique a satisfação no saber

e no conhecimento, pois aquele que não sabe não é livre.

Sua liberdade está vinculada à consciência de que ele, embora sendo natureza,

também é espírito, pois nele encontra-se a resolução da contradição por ele sentida

mediante suas insatisfações e exteriorizada em suas necessidades imediatas. Ele é um ser

espiritual, racional, mas também, dotado de natureza sensível, assim como a arte que tem

em sua constituição a Matéria da qual é produzida, mas também a Forma que lhe confere o

caráter de produção espiritual e reflexo do infinito.

Para chegar a essa universalidade e unidade em si e para si, o Espírito Absoluto

manifesta-se segundo três etapas: o espírito subjetivo que é identificado com as paixões

humanas, o espírito objetivo referente às instituições e, o espírito absoluto que corresponde

à forma mais perfeita, pois nele reside a identidade e o infinito. Desse modo, a arte surge

(17)

Esse trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, situaremos o

contexto histórico de Hegel, buscando elaborar um fio condutor das principais inflexões

elaboradas por ele em seus escritos, considerando também a contribuição de pensadores

como Kan, Fichte e Schelling para o ulterior desenvolvimento de sua filosofia sistemática.

No segundo capítulo, refletiremos sobre a problemática da estética, afim de situar o

momento em que a arte desponta no pensamento de Hegel enquanto preocupação filosófica

e como parte da totalidade do seu sistema, além de discutirmos acerca da progressiva

emancipação do espírito no seu desprendimento das querelas da finitude e conhecimento

de sua natureza espiritual. No terceiro capítulo, apresentamos a arte e a liberdade

correlacionadas enquanto âmbitos pertencentes ao infinito, ao domínio das necessidades

(18)

2. CONTEXTUALIZA

F

ZAÇÃO DO PENSAMENTO DE HEG

Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena.

EGEL

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2.1 - RECORTE HISTÓRICO DO PENSAMENTO HEGELIANO

Para pensarmos a problemática da relação arte-liberdade em Hegel, nos propomos nesse momento, elencar o contexto histórico no qual o autor se insere, a análise do momento em que a estética se coloca como questão a ser refletida por Hegel em seus escritos filosóficos, bem como, a consideração da arte que em sua própria constituição e autonomia, na modernidade, afirma-se enquanto arte livre. Ressaltamos que a consciência da liberdade é conseqüência da progressiva iluminação que o Absoluto vai desvelando ao longo da história, essa iluminação se dá a conhecer mediante a racionalidade “vista como aquilo que nos leva a descobrir, a estabelecer e a consolidar a verdade” (CASSIRER, 1992, p.32).

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão do século XVIII, nasceu em 1770 na cidade de Stuttgart. Foi influenciado pelas ideias iluministas de sua época1, contudo, percebeu as limitações desta corrente teórica e tentou recuperar a discussão sobre Deus, entendido por ele como o Absoluto. A compreensão sistemática da filosofia de Hegel teria possibilitado ao idealismo alemão2 chegar ao ápice da sua sistematização, pois o pensamento de Hegel é apontado como o ponto culminante do racionalismo (ZILLES, 1991, p.61).

Hegel é um dos principais expoentes do idealismo alemão. Sua ambição intelectual consistiu em expressar a unidade do Todo mediante uma síntese universal. A filosofia hegeliana pode ser descrita na realização do Espírito em suas manifestações, nas quais desenvolve a consciência de si através da dialética da lei universal do devir.

O contexto histórico no qual o autor se insere, os séculos XVIII e XIX, corresponde ao período do florescimento da filosofia moderna, momento em que o sujeito se coloca como objeto do conhecimento, ocupando-se do pensamento. Há nesta época uma

1 A época das Luzes, no tocante ao conteúdo de seu pensamento é dependente de séculos precedentes, como

movimento de idéias pelo qual o espírito adquire a consciência de si mesmo. O iluminismo buscou enfatizar a capacidade do homem de conhecer a realidade e interferir nela através do uso da razão, organizando-a racionalmente.

2 “Idealismo” para Hegel consiste na certeza da consciência de ser toda realidade, a afirmação de que tudo é

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predileção pelo pensamento conceitual, devido à maturidade da cultura reflexiva. A razão é compreendida como o ponto a partir do qual tudo é ordenado. Assim, a filosofia hegeliana funda-se na racionalidade e na concepção idealista.

Sua vida teórica pode ser entendida a partir dos dois momentos de sua produção intelectual, o da juventude e o de sua maturidade (cf. ZILLES, 1991, p. 61; ROVIGHI, 2000, p. 696). Na juventude, Hegel busca compreender o espiritual partindo das questões teológicas. Pretende fundamentar a religião a partir de uma atitude crítica e mediante princípios racionais. Nesta fase, foi influenciado sobremaneira pela educação familiar e religiosa, as quais seriam fundamentais para a sistematização do seu pensamento. Educado no cristianismo, de tradição protestante, que primava pelo aspecto racional e moral da religião, demonstrou interesse, desde cedo, pela dimensão religiosa, tanto que aos dezoito anos começou a estudar teologia em um seminário protestante.

Esta formação foi marcante em seus escritos da juventude que versavam sobre teologia. Assim, escreve obras como Religião popular e cristianismo; Vida de Jesus; A

positividade da religião cristã. Nesta fase, Hegel apresenta a sua concepção de Deus como unidade que se faz multiplicidade, por meio da oposição entre finito e infinito, o qual realiza o retorno à unidade primeira Dele consigo mesmo, no outro de si (ZILLES, 1991, p. 62). Ele pensa o Absoluto na elevação do pensamento religioso e o compreende como o

Uno: a vida criadora, aqui definida como Deus e que posteriormente será definida como

Espírito.

Nesta fase, o jovem Hegel coloca o dogma da Trindade no qual o Pai representa a totalidade divina; o Filho enquanto aquele que se encontra no seu eu finito; e o Espírito Santo, entendido como a superação da finitude e o retorno à totalidade. Esta dialética do dogma trinitário é um esboço do que será a dialética do Absoluto. Assim, em seus primeiros escritos, tendia a desprezar o rigor metodológico da compreensão conceitual. Só na maturidade é que ele iria desenvolver uma filosofia adequada à conceitualização do mundo como um todo, e especificamente do mundo moderno (INWOOD, 2000, p. 608).

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corresponde à consciência de sua liberdade. Este é o processo lógico da resolução da oposição finito-infinito, o processo dialético da unificação e reconciliação dos contrários, no Absoluto. Desse modo, Hegel desenvolve seu sistema filosófico, pois acredita que só é possível filosofar em continuidade, ou seja, acompanhando a história da filosofia em sua totalidade.

Assim, na Fenomenologia do Espírito, considerada por muitos como a sua obra mais genial, Hegel aponta o desenvolvimento cultural humano de acordo com as fases da história. Esta obra tem como objeto de estudo a consciência como saber concreto imerso na exterioridade: “obra concebida como introdução à filosofia, que para Hegel, é saber absoluto” (ROVIGHI, 2000, p. 716). Nela Hegel apresenta os postulados do idealismo alemão: o Absoluto em seus três momentos, o em-si, o por-si e o em-si-e-por-si, na dialética do devir,3 em que cada momento consiste na superação do anterior.

Podemos citar ainda outras obras como a Ciência da Lógica, na qual apresenta as partes de seu sistema: Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do Espírito, fazendo um exame das determinações do pensamento para a compreensão sistemática do mundo. E, ainda, a Filosofia do Espírito onde começa a articular a distinção entre arte, religião e filosofia, que virá a ser posteriormente elaborada nas Lições de Estética. Filosofia do

Direito e Enciclopédia das Ciências Filosóficas.

A primeira edição da Enciclopédia mantém a concepção tratada na

Fenomenologia de que apenas a arte grega é digna de consideração, mas aparece na terminologia de Hegel o Espírito Absoluto. O primeiro capítulo é dedicado a estética e intitula-se Religião e arte. Em seguida, Hegel apresenta a religião e a filosofia. “Já surge, pois, o conjunto da divisão tricotômica que terá seu pleno desenvolvimento no posterior e clássico sistema hegeliano” (LUKÁCS, 2009, p. 51). A segunda edição passa por algumas transformações de modo que o antigo título: Religião e arte é nomeado apenas como Arte, refletindo uma mudança de conteúdo e de método. Surge a periodização fundamental da estética hegeliana, a caracterização dos períodos artísticos simbólico, clássico e romântico.

3 Esse termo foi empregado por Heráclito de Éfeso para designar o movimento perpétuo do mundo, o fluxo e

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Na Propedêutica Filosófica, Hegel estuda os estilos artísticos: antigo, que considera como plástico e objetivo e, moderno, tido por ele como romântico e subjetivo. Apesar disso, em suas análises posteriores ainda dedica-se ao estilo antigo, porque sua estética contempla a Antiguidade como o período próprio da autêntica arte. Um dos grandes méritos da estética hegeliana seria a consideração das contradições dialéticas características desses períodos da arte. Ele delineia a linha do processo histórico, necessário à correta avaliação histórica e estética dos fenômenos particulares.

Além de obras póstumas resultantes de sua atividade como professor em Berlim, tais como: Filosofia da Religião, Estética e as Lições de Estética, e também a História da

Filosofia (VERCELLONE, 2001, p. 28). Essas obras póstumas foram organizadas por alunos que participaram de cursos por ele ministrados em Berlim, de 1818 a 1831, ano do seu falecimento, vítima de cólera. Dentre elas destacamos o primeiro volume das Lições de

Estética, objeto de nosso estudo. Assim, em linhas gerais podemos afirmar que:

Hegel criou um grande e importante sistema filosófico, abrangendo metafísica, epistemologia, e lógica; ética, filosofia política, social e do direito; estética, religião e a natureza da própria filosofia. Ele se ocupou principalmente com a racionalidade, a liberdade e a autoconsciência, mas via-as como fenômenos históricos, desenvolvendo-as através de uma sucessão inteligível de formas, movidas pelo espírito e estruturadas pela dialética (INWOOD, 2002, p. 23).

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2.2 A CONCEPÇÃO DE SISTEMA

Iniciamos nossa pesquisa a partir da análise do contexto histórico no qual Hegel se insere, ressaltando a relevância de considerarmos a dialética inerente ao pensamento do autor e à constituição de seu sistema filosófico. Nesse momento, refletiremos sobre a ideia de sistema4 presente em Kant, Fichte e Schelling, de modo a estabelecer um nexo histórico e sistemático nas filosofias e compreensões desses autores acerca da noção que cada um deles desenvolveu de sistema no cerne de suas teorias filosóficas. Estas teorias filosóficas foram denominadas por Hösle como principais estações do desenvolvimento do idealismo alemão5. Segundo Hösle, “a filosofia de Hegel surgiu na discussão imanente com as filosofias transcendentais finitas de Kant e Fichte, cuja problematização ela quer levar adiante” (2007, p. 27). Para tal finalidade, contaremos com a indispensável orientação da seguinte obra filosófica de Hegel: Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de

Schelling, traduzida por Morujão (2003). E, no tocante à leitura do pensamento de Kant, analisaremos os escritos de alguns comentadores, além da Crítica da Razão Pura e de comentários elaborados por Hegel no primeiro volume dos Cursos de Estética.

O escrito sobre a Diferença afirma-se, segundo o tradutor, como um divisor de águas em filosofia, pela audácia e segurança do jovem Hegel, que na época estava com 31 anos. De acordo com Morujão, neste primeiro escrito de Hegel, transparece uma análise da cultura alemã e do romantismo e, a intenção de colocar a filosofia no contexto das manifestações espirituais de seu tempo, enquanto expressão do desenvolvimento histórico da humanidade. O contexto em que Hegel escreveu a obra indica a efervescência do debate entre o público filosófico acerca das discussões sobre o pensamento de Fichte e de

4 Segundo Inwood (1997) o termo Sistema provém do grego systema; um todo orgânico composto por

diferentes partes, assim o objeto da filosofia, a ideia ou o Absoluto, forma ele próprio um sistema, pois em Hegel a Verdade é concreta, ela se desdobra em si mesma, mantendo, desse modo a sua unidade.

5 A filosofia idealista se fundamenta no pensamento de Kant, pois ele seria o primeiro filósofo a buscar

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Schelling. Nesse sentido, convém sabermos quais eram as diferenças vistas por Hegel entre os dois autores, acima mencionados, e em seus sistemas filosóficos.

Cada sistema filosófico se situa em uma época e busca responder às suas necessidades, esse desenvolvimento do pensar impulsiona para a totalidade, ou seja, para a completude dos conhecimentos, pois todos eles surgem a partir de uma dada situação histórica. De tal modo, segundo Hegel, a filosofia poderia ser compreendida como “uma espécie de arte manual, que se deixaria aperfeiçoar através de novos procedimentos técnicos incessantemente descobertos.” (HEGEL, 2003, p. 34).

É possível perceber na metáfora hegeliana que se trata do processo através do qual a filosofia, em seu constante devir, vai se revelando em sua potencialidade de iluminar, ou seja, de revelar a sua essência de acordo com o desenvolvimento cultural da história. Não se trata de melhoramentos constantes e nem de pontos de vistas próprios, já que o racional não poderia ser visto como uma coisa própria. O que ocorre é a atividade exercida pela razão, atividade universal sobre si mesma, pois o filosofar, segundo Hegel, surge da necessidade de produzir uma totalidade do saber, um sistema que contemple a totalidade de suas manifestações.

2.2.1 O pensamento de Kant

Kant inicia o prefácio, da segunda edição, da Crítica da Razão Pura, esclarecendo que na elaboração de uma ciência que se fundamente nos conhecimentos pertencentes ao domínio da razão, se deve julgar os resultados, para assim, chegar ao caminho mais seguro. Desse modo, o autor analisa o caminho seguido pela Lógica, pela Matemática, pela Física, pela Ciência Natural e pela Metafísica.

(25)

priori. A Ciência da Natureza, nas palavras de Kant, se desenvolveu mais lentamente no caminho da ciência, tendo em vista que ela se funda em princípios empíricos.

Kant afirma que pensadores como Galileu, Torricelli e Stahl “compreenderam que a razão só vê o que ela mesma produz segundo seu projeto, que ela deve ir à frente com princípios dos seus juízos segundo leis constantes” (KANT, 1974, p. 11). E, apresenta a Metafísica vista como um conhecimento especulativo da razão, o qual se eleva acima do ensinamento da experiência, pois nela a razão é aluna de si própria e, desse modo, a razão sempre emperra em si mesma. Dessa forma, segundo Kant, o procedimento da Metafísica se constitui como um mero tatear, como simples conceitos.

Tendo apresentado os aspectos, acima citados, Kant expõe o objetivo da sua obra: Crítica da razão pura especulativa, a saber: a “tentativa de mudar o procedimento tradicional da Metafísica e promover assim uma completa revolução nela” (KANT, 1974, p. 14). Essa obra teria o encargo de delinear o esboço do sistema de uma nova Metafísica, posto que a ela caberia a felicidade de ser conduzida por essa Crítica em direção ao caminho seguro de uma ciência. Tal incumbência da Metafísica é denominada como um tesouro, esse tesouro é descrito por Ferry (2009), como a inversão completa de perspectiva, a qual consiste no fato de Kant pensar:

Inicialmente a finitude, portanto, a sensibilidade e o corpo situados no espaço e no tempo, e somente em seguida o Absoluto ou a divisão intemporal. Tal é a razão pela qual a primeira parte da Crítica da razão pura chama-se Estética, do grego aisthesis, que

significa sensibilidade (FERRY, 2009, p. 23).

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conhecimento puro e o conhecimento empírico, pois este se principia com a experiência através dos objetos que afetam os nossos sentidos e que dão origem a representações operadas pelo entendimento; aquele independe da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Assim, os conhecimentos a priori, são definidos como aqueles que se realizam independentemente da experiência, sendo denominados como conhecimentos puros, os quais são proposições necessárias e não derivadas, já que neles há uma rigorosa universalidade.

A diferença entre o conhecimento puro ou a priori e o conhecimento empírico ou

a posteriori também é discutida em relação ao juízo analítico e ao juízo sintético. Kant explica que no juízo analítico a conexão do predicado com o sujeito é pensada por identidade e, no juízo sintético, essa conexão é pensada sem identidade, ou seja, enquanto o primeiro é um juízo de explicação, o segundo é um juízo de extensão. Sobre essa diferença entre os juízos analíticos e sintéticos podemos observar o seguinte exemplo explicativo, na leitura de Kant:

Se eu, por exemplo, digo: todos os corpos são extensos, então é este um juízo analítico. De fato, não necessito ir além do conceito que ligo com a palavra corpo para encontrar a extensão enquanto conexa com tal conceito, mas necessito apenas desmembrar aquele conceito, quer dizer, tornar-me consciente do múltiplo, que penso sempre nele, para encontrar ai este predicado; é, pois um juízo analítico. Do contrário, quando digo: todos os corpos são pesados, então é o predicado algo bem diverso do que penso no mero conceito de um corpo em geral. O acréscimo de um tal predicado fornece, portanto, um juízo sintético (KANT, 1974, p. 27).

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transcendental6 pretende “fornecer a pedra de toque que decide sobre o valor ou desvalor de todos os conhecimentos a priori” (KANT, 1974, p. 33). Nesse sentido, ela pretende superar a dicotomia entre o racionalismo o empirismo, examinado as condições de possibilidade do conhecimento.

A partir do pensamento de Kant, Hegel pretende descobrir como as categorias kantianas poderiam influir na vida dos homens, trazendo essa reflexão para o plano prático, no campo da religião e do direito. Hegel estaria deslocando a problemática da unidade sintética, situada em Kant no domínio do conhecimento puro, para o âmbito da vida espiritual concreta, sob as esferas das manifestações artísticas, religiosas e políticas.

De acordo com Hegel, Kant entende a matéria como o objetivo oposto ao Eu, compreendendo-a como supérflua ou ideal, sendo assim, os fenômenos seriam desprovidos de qualquer necessidade, pois a construção de suas sínteses, por meio das categorias, não teria a sua comprovação na natureza, tendo em vista que ela apenas oferece esquemas contingentes (HEGEL, 2003, p. 101). A razão teria se colocado a si mesma como reflexão mediante a oposição ao objeto.

Nessa ótica, Nóbrega indica que o pensamento de Kant se atém ao problema do conhecimento, mediante a distinção entre as categorias sensíveis e as categorias a priori, posto que ele defende que existam categorias provindas da experiência: as chamadas categorias sensitivas, tais como cor, som, odor e, outras que, segundo o autor, não seriam provenientes da experiência sensitiva, como por exemplo: totalidade, unidade e pluralidade. Estas últimas estariam no indivíduo de modo a priori, ou seja, estariam presentes nele, mesmo antes da vivência possibilitada pela experiência sensível, enquanto categorias que independem da sensibilidade imediata. Assim, Nóbrega afirma que, segundo a filosofia de Kant, a mente,

tem determinadas estruturas sob as quais percebe o Universo: são as categorias a priori [...] Como uma pessoa que coloca óculos azuis e vê

tudo azulado, também a mente já traz em si, anterior a qualquer

6 Segundo Ferry (2009) as três partes que compõem a Crítica da razão pura são a estética transcendental

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experiência, estas categorias, pelas quais percebe o mundo (NÓBREGA, 2005, p. 24).

Nesses termos, o indivíduo é que projeta a partir de si, através dessas categorias, a imagem do que é observado por ele. Logo, as categorias a priori são identificadas como os primeiros princípios do conhecimento, pois é a partir delas que o conhecimento se constitui. Em virtude do exposto, é possível destacar a significativa contribuição do pensamento kantiano, por meio da sua busca pelos princípios do conhecer, através das categorias, pois a Crítica da Razão Pura pretende justificar as proposições sintéticas, as quais seriam pensadas como necessárias, já que não poderiam ser demonstradas em casos experimentados, restando à filosofia realizar a determinação dos princípios, bem como, fundamentar o âmbito do conhecimento sintético a priori, afim de garantir a sua necessidade.

Após essas considerações preliminares, cabe-nos investigar os limites presentes na concepção kantiana. De acordo com Kant, conhecemos o fenômeno e não a coisa em si, assim, a unidade entre eles só pôde ser desenvolvida na filosofia de Hegel, mediante a unidade dos opostos: a identidade que contém em si também a multiplicidade. Segundo Hösle, o princípio que enfraquece a filosofia transcendental de Kant se justifica pelo fato dele não conseguir fundamentar as proposições sem recair numa constante regressão infinita, posto que,

não é apenas a fundamentação das proposições transcendentais de Kant que depende de pressupostos não provados [...] não se vislumbra como Kant poderia fundamentar irreflexivamente tais proposições sem cair na regressão infinita (HÖSLE, 2007, p. 34).

Hösle salienta que é preciso romper esse dualismo kantiano entre conceito e intuição7, tendo em vista que tais princípios tidos como irredutíveis um ao outro, são, na verdade, idênticos segundo a consideração de que ambos são definidos como princípios, apesar de suas especificidades. Impõe-se, assim, que “conceito e intuição são ambos

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conceitos, e isso significa que a intuição não pode ser algo totalmente diferente do conceito, porque existe dela mesma um conceito” (HÖSLE, 2007, p. 36).

Não obstante a esse limite apresentado por Hösle, Hegel, no primeiro volume dos

Cursos de Estética, atribui a Kant o mérito de ter transformado “em fundamento a racionalidade que se refere a si, a liberdade e a autoconsciência que se encontra e se reconhece infinitamente em si mesma” (HEGEL, 2001, p. 74). Esse seria o caráter absoluto da razão em si mesma. Tal consideração, segundo Hegel, representa o ponto de partida a ser reconhecido em Kant.

Hegel, no entanto, indica que Kant teria proferido a unidade somente através de ideias subjetivas da razão, as quais não poderiam ser demonstradas em sua efetividade. Hegel, por sua vez, estaria sustentando que o pensamento, assim como a razão, não podem ser cerceados por limites à sua atividade e mesmo que existissem tais limites, o pensamento, em Hegel, seria sempre capaz de traspô-los, de superá-los e de transcendê-los em seu desenvolvimento.

Além disso, de acordo com a perspectiva de Hegel, Kant teria se restringido à contraposição entre subjetivo e objetivo, mesmo quando ele pretende indicar a solução de tal contradição através de uma reconciliação subjetiva e não em algo em si e para si verdadeiro e efetivo. É assim que o juízo estético de Kant afirma-se como proveniente do jogo do entendimento e da imaginação e não do entendimento enquanto tal, pois em Kant “o belo deve ser aquilo que é representado sem conceito, isto é, sem categorias do entendimento, pois ele seria resultado do comprazimento, uma questão mais referente ao gosto” (HEGEL, 2001, p. 76).

2.2.2 O pensamento de Fichte

O pensamento de Fichte8 é visto por Hegel, na sua obra: Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e de Schelling (2003), como um idealismo subjetivo, pois, segundo ele, Fichte defende que a harmonia entre o sujeito e o objeto e entre a liberdade e

8 Para uma melhor compreensão dessa discussão, conferir a Doutrina da Ciência de Fichte (1794). O

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a natureza, está apenas idealmente contida no Eu, o qual se configura como o princípio supremo da filosofia9 e, desse modo, essa harmonia contida no Eu, não poderá se tornar completamente objetiva, por que se assim o fizesse, estaria se negando a si mesma e ameaçando a sua própria liberdade. Hegel pondera que essa característica do sistema de Fichte representa a sua nulidade teórica, pois o sistema fichteano, assim compreendido, estaria restrito somente ao ponto de vista da reflexão, restando à natureza a dimensão do sempre já posto, que como tal é desprovido da dimensão espiritual. Desse modo, nas palavras de Hegel “a intuição transcendental que permite ao Eu aceder à posse de si mesmo nunca se transforma na auto-intuição do absoluto, permanecendo fixada na sua própria subjetividade” (HEGEL, 2003, p. 12).

O princípio do sistema de Fichte, expresso na proposição Eu=Eu, ou A=A, exprime apenas a unidade do subjetivo e do objetivo no âmbito do sujeito que se toma como objeto, ou seja, representa uma unidade lógica, não aplicada a matéria, restando à multiplicidade dos fenômenos naturais ser oposta a unidade transcendental. Isso porque, o sujeito-objeto é compreendido como o sujeito-objeto subjetivo, captado apenas pela reflexão filosófica. Sendo assim, essa filosofia é vista por Hegel como uma filosofia da reflexão, já que nela a cisão entre o sujeito e o objeto é apenas superada subjetivamente e o não-Eu, ou seja, a multiplicidade empírica é desprovida de espírito. Para uma melhor compreensão dessa crítica de Hegel à filosofia de Fichte, analisemos os princípios nos quais Fichte fundamenta a sua Doutrina da Ciência, conforme as palavras de Luft:

Lembremos aqui os princípios em que está assentada a Doutrina da Ciência: 1) o eu produz a si mesmo; 2) ao eu é oposto, sem mais, um não-eu; 3) o eu produz em si mesmo uma divisão entre sujeito (eu) e objeto (não-eu), ambos mutuamente limitados. Sem o postulado expresso na segunda proposição, ou seja, sem essa contraposição primeira de um não-eu, mesmo que este apareça inicialmente como negatividade pura, a construção da existência não seria possível. Ora, enquanto essa oposição é originária, ela

9 O conceito de filosofia em Fichte se remete à compreensão de que cabe ao pensamento explicar a realidade,

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não pode ser superada no interior do próprio sistema – entendo superar como a possibilidade de provar um dado elemento como constituído pela própria subjetividade e somente por ela condicionado (LUFT, 2001, p. 106).

Assim, segundo a leitura de Hegel, a filosofia de Fichte, centrada na subjetividade do Eu, não estaria respondendo às necessidades da época que buscava a unificação do sujeito e do objeto, do homem e da natureza. Desse modo, a filosofia de Fichte apresentava-se como um idealismo meramente subjetivo, por não alcançar a unidade sistemática exigida a todo autêntico filosofar. Destarte, o princípio supremo da filosofia de Fichte, se atém ao absoluto, visto como algo de superior e oposto aos contrários cindidos, por considerá-los como algo intrinsecamente contraditório. Essa afirmação de Hegel é melhor compreendida quando consideramos que nas palavras dele “a filosofia é amor a sabedoria, mas tal amor é já saber efetivo. Se o não fosse, seria um formalismo vazio de qualquer conteúdo” (HEGEL, 2003, p. 14).

Poderíamos assim pontuar o cerne da crítica de Hegel à filosofia de Fichte a partir do que ele chama “idealismo do dever”, ou seja, o fato de Fichte transformar o absoluto apenas em um produto da reflexão e entender o racional como algo que se restringe ao entendimento, o que nos permite dizer que, em Fichte o sujeito e o objeto permanecem sempre como opostos e, essa cisão entre eles nunca poderia ser resolvida. Acerca dessa cisão, Ferrer nos esclarece que o “eu absoluto fichteano com a sua diferença e posterior determinação é uma ligação exterior, e não determinada a partir do próprio princípio absoluto. O eu absoluto concebido por Fichte é essencialmente abstrato” (FERRER, 2006, p. 24). Desse modo, em Fichte se evidencia a impossibilidade da constituição de um sistema, pois a realidade ou o conteúdo não poderá se reconhecer como saber efetivo, posto que o absoluto fichteano é essencialmente abstrato.

Acompanhemos o modo como Hegel expõe o sistema de Fichte em sua obra

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ou seja, a objetividade, nesse sentido, a intuição transcendental afirma-se como objeto da reflexão filosófica, a identidade originária, assim, essa intuição afigura-se como busca pela totalidade do ser idêntico.

Segundo Hegel (2003), Fichte expõe o seu sistema a partir de três proposições-de-fundo, a primeira afirma o absoluto pôr-se a si mesmo do Eu, a segunda apresenta a oposição absoluta do finito visto como não-Eu e, a terceira, indica a unificação das duas proposições anteriores, as três proposições são vistas como três atos do Eu. Esses atos absolutos do Eu solicitam uma unificação transcendental que construa uma síntese. Entretanto, essa síntese apresenta o Eu objetivo: o não-Eu, como diferente do Eu subjetivo: o Eu=Eu, gerando assim uma incompletude na síntese em sua idealidade, visto que o não-Eu tem em si o caráter negativo, enquanto o não-Eu=não-Eu afirma-se como o positivo. Nesse sentido, Hegel indica que a identidade entre o sujeito e o objeto e entre o finito e o infinito, não é afirmada na filosofia de Fichte, já que:

O Eu igual a Eu transforma-se em: Eu deve ser igual a Eu; o resultado do sistema não regressa ao seu começo [...] a intuição transcendental, da qual parte o sistema, era algo de subjetivo sob a forma da reflexão filosófica, que se eleva ao puro pensamento de si própria por meio da abstração absoluta; para ter a intuição transcendental na verdadeira ausência de forma [...] permanece um sujeito = objeto subjetivo, para o qual o aparecimento é algo de absolutamente estranho e que não consegue instituir-se a si mesmo no seu aparecimento (HEGEL, 2003, p. 74).

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enquanto princípio absoluto do saber, da razão e do conhecimento, visto como negação de toda particularidade, determinação e conteúdo. Todavia, segundo Hegel, esse eu, assim compreendido, tende a sucumbir nessa sua unidade abstrata, em sua forma vazia, por ser fundada num eu abstrato.

Acrescentamos a interpretação de Hösle no tocante ao pensamento de Fichte, a qual sugere que a teoria de Fichte assinala a relevância de se retirar as determinações de um conteúdo da consciência até chegar ao limite daquilo de que nada mais se pode abstrair, a saber, o Eu que se põe a si mesmo: a razão, vista como o princípio último e absoluto. A partir desse princípio, Fichte investiga as estruturas fundamentais do mundo, a fim de afirmar a filosofia como a suprema ciência. A esta altura, é possível atentarmos para o fato de que esses princípios fichteanos foram paulatinamente concretizados por Schelling e Hegel, pois eles teriam partido do pensamento fichteano, afim de ultrapassá-lo.

Assim, a filosofia ao ser considerada como uma ciência requer o esclarecimento do que seja o conceito de ciência, de modo a buscar elucidar o conteúdo que a fundamente e a forma que confere legitimidade ao seu método. Afim de resolver esse pré-requisito, aparece a exigência de uma ciência própria: a ciência da ciência enquanto tal, ou a doutrina da ciência. Caberia a ela:

Provar os princípios das ciências particulares [...] assim como [...] fundamentar a forma sistemática da dedução que faz uma ciência ser ciência. Em segundo lugar, porém, a doutrina da ciência seria ela mesma uma ciência. Por isso ela mesma deveria ter um princípio, o qual, no entanto, não poderia mais ser, ele mesmo, provado, devendo ser antes o fundamento de todo saber e ser pressuposto por todo saber. A própria doutrina da ciência tem de possuir também a forma sistemática (HÖSLE, 2007, p. 40).

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desenvolvimento da filosofia, pois seu pensamento contribuiu significamente para o desenvolvimento do pensamento de Schelling e de Hegel, os quais “foram marcados do modo mais decisivo pelo conceito fichteano de filosofia” (HÖSLE, 2007, p. 44).

2.2.3 O pensamento de Schelling

De acordo com Hegel (2003), a compreensão do sujeito-objeto schellinguiano entendido como algo objetivo, abarca tanto a filosofia transcendental (a inteligência) quanto à filosofia da natureza e fornece o acabamento do seu próprio sistema. Assim, essa compreensão de Schelling, traz a possibilidade de recuperar a unidade entre o finito e o infinito, a harmonia que permeava a vida social da cidade-estado grega e que teria se ausentado da vida moderna. Esse seria o momento em que a filosofia poderia recuperar a compreensão das determinações opostas como momentos do seu ser-posto.

Tal compreensão remete ao fato de Schelling conceber a multiplicidade dos fenômenos naturais como a manifestação da atividade sintética do espírito, o qual estaria se encaminhando para a consciência de si. Desse modo, segundo Hegel, o sistema filosófico schellinguiano aponta a importância de chegar a uma “comprovação material do idealismo, que mostrasse de que modo a natureza pode ser deduzida do Eu, não, obviamente, do eu subjetivo do filósofo, mas sim do Eu objetivo” (2003, p. 18).

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Desse modo, a filosofia transcendental é então entendida como uma ciência do absoluto, já que o sujeito é sujeito-objeto, é razão que se põe a si mesma.

A partir de Schelling, segundo Hegel (2001), a ciência teria alcançado seu ponto de vista absoluto, além disso, ele teria vislumbrado o conceito da arte e a sua posição científica. A filosofia de Schelling se propôs a buscar o saber mediante a unidade entre subjetividade e objetividade, embasando-se na noção de que a filosofia da natureza e a filosofia transcendental deveriam avançar uma em direção à outra, de modo que tanto a natureza transite para a ideia, quanto esta, transite em direção àquela. No entanto, Schelling não teria conseguido esclarecer de que modo a inteligência produz ou constitui a natureza e nem tampouco, como a natureza transita para a inteligência, gerando essa lacuna em seu pensamento.

Essa lacuna conduziria à falta de desenvolvimento lógico do absoluto, assim como o compreende Schelling, posto que o autor não teria conseguido fundamentar a filosofia da realidade de modo consistente e, por esta razão, segundo Hösle, é que se justifica a relevância da contribuição do pensamento de Hegel, através da concretização do princípio absoluto, entendido por ele como a mais importante descoberta de Hegel (HÖSLE, 2007, p. 60).

De outro modo, podemos perceber uma aproximação entre as filosofias de Schelling e de Hegel, no tocante a reflexão sobre a arte, pois segundo Machado (2006), a arte é concebida por ambos como uma revelação ontológica e, assim, ela tem uma função especulativa, apesar dessa aproximação, não poderíamos esquecer que ainda existe um ponto que diferencia esses autores, que, segundo Machado, diz respeito a relação hierárquica entre a arte e a filosofia, Schelling afirma a superioridade da arte em relação à filosofia e Hegel acredita na superioridade da filosofia em face da arte. E assim, Machado esclarece que,

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Nesse sentido, em Hegel, a arte é uma encarnação da Ideia, tendo em vista que ela a expõe na forma sensível, o que significa dizer que o conteúdo figurado nas representações artísticas é a Ideia. Além disso, é importante pontuar que em Hegel a realidade e o verdadeiro são concebidos enquanto sujeito e espírito, e enquanto tal é atividade, processo, movimento e automovimento. Nesse aspecto, Hegel difere tanto de Fichte quanto de Schelling, pois:

O eu fichteano não alcança o seu termo, visto que o limite é removido e afastado ao infinito, mas nunca inteiramente superado [...] conseqüentemente [...] Fichte não consegue mais restaurar a situação do Eu e não-eu, sujeito e objeto, infinito e finito. Portanto, permanece nele uma oposição ou antítese estrutural não superada, que, porém, deve ser superada. Uma tentativa de superar essas cisões já a fizera Schelling com sua filosofia da identidade [...] mas a concepção da realidade como identidade originária de Eu e não-eu, sujeito e objeto, infinito e finito, como Schelling a defendia, logo pareceu a Hegel vazia e artificiosa, porque na realidade não deduzia nem justificava os seus conteúdos, que já pressupunha como dados (REALE, 1991, p. 101).

Desse modo, a novidade do sistema de Hegel é o fato dele estabelecer que o

Espírito se autogera a partir de sua determinação, pois ele é sempre ativo e, sendo assim, sempre está realizando-se através da finitude, porém também está sempre superando essa finitude e retornando a si própria. Esse movimento é o que constitui a essência desse manifestar-se, desse autogerar-se, o qual é comparável a um círculo que percorre todos os pontos e tende sempre a retornar à identidade perfeita consigo mesmo, pois em Hegel o infinito é descrito como o positivo que se realiza em sua negação, em sua determinação.

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é o movimento do refletir-se em si mesmo, o qual abarca em si os três seguintes períodos da reflexão triática: o ser em si, que corresponde ao momento da ideia, estudada pela lógica; o ser fora de si, referente à filosofia da natureza, e o ser em si e por si, que é concernente à filosofia do espírito.

O sistema de Hegel implica a compreensão da unidade sintética do múltiplo no âmbito do universal, que não existe sem o particular, enquanto particularização do universal. O que nos conduz à concepção do real como auto-movimento da razão. Hegel “pretende como Platão, Parmênides e Heráclito juntos, compreender Ser e movimento como uma única coisa. Daí não ser o absoluto repouso, mas resultado do seu próprio processo” (CESARINO, 1991, p. 45). Desta feita, segundo Cesarino, o Uno se torna realidade através do múltiplo, ele concilia o universal e o particular, por meio do movimento dialético que possibilita ao universal se particularizar. Esse movimento é impulsionado pela dialética, concebida como “o movimento mesmo do Ser, o pulsar do

Absoluto onde todas as coisas ganham vida” (CESARINO, 1991, p. 46). Ela é inerente ao real, e também o é ao procedimento do pensar filosófico, no sentido de que, tanto a realidade quanto o pensamento filosófico é devir e dinamismo.

Ao falar sobre dialética10, convém esclarecer as respectivas ponderações acerca da dialética clássica e da dialética hegeliana, pois esta guarda algumas especificidades. A dialética nasceu no cerne da filosofia eleática e atingiu seu ponto culminante com Platão, sendo na modernidade retomada por Kant e, por fim, reelaborada e redefinida por Hegel. Segundo Reale (1991), apesar da dialética clássica ter buscado elevar o particular ao universal, notadamente em Platão, na sua busca pela elevação ao mundo das ideias, e em Aristóteles, em sua intenção de relacionar o particular ao conceito universal, porém, é em Hegel que se pode encontrar a reformulação da dialética enquanto movimento, sendo este definido como o seu coração, capaz de transformar os puros pensamentos em conceitos.

A dialética hegeliana perpassa a concepção da mediação, e afirma-se por ser o método utilizado por Hegel para a elaboração do seu sistema, o qual visa garantir o

10 Inwood nos esclarece que etimologicamente a dialética se remete à arte da conversação e diálogo, todavia,

em Hegel ela é afirmada como o movimento dialético do Espírito que em sua manifestação, reflete sobre si

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conhecimento em sua totalidade. Sendo assim, a dialética hegeliana é movida pelo ritmo triático da tese, também denominada por Hegel como o lado abstrato ou intelectivo; a antítese ou o lado dialético; e a síntese: o lado especulativo, positivamente racional. A tese consiste na capacidade intelectiva de abstração no tocante a universalidade, capaz de elevar o particular ao universal. Entretanto, é primordial que o pensamento filosófico ultrapasse os limites do intelecto, caso contrário, ficaria restrito ao abstrato em si cristalizado. Daí a necessidade do segundo momento: a antítese, que se coloca como o momento da negação e da contradição antes sufocadas pela rigidez do intelecto. Já o momento especulativo, ou seja, a síntese é visto como o que confere unidade às determinações encontradas na antítese, agrupando-as como partes do todo.

Ao chegarmos ao final dessa exposição referente às filosofias de Kant, de Fichte e de Schelling, a partir das interlocuções da leitura de Hegel, feitas ao longo de nossa discussão, antes de adentrarmos na apresentação do sistema de Hegel, pretendemos construir uma visão geral dos aspectos discutidos em suas filosofias, os quais são destacamos por Luft (2001), de modo a que possamos concluir a discussão acerca da influência e, da contribuição, desses autores para o desenvolvimento do sistema hegeliano.

Os filósofos do idealismo alemão seguiram o fundamento encontrado por Descartes como a possibilidade da atividade crítica universal da Nova Metafísica11, vista como o princípio da Ontologia, entendido, segundo Luft, como o núcleo fundador da ordem do cosmos e não mais como elemento externo à atividade do conhecimento, pois ela é compreendida como a própria subjetividade e sua capacidade legisladora. Nessa Nova Metafísica, o processo de esclarecimento da razão é delineado por ela mesma, essa característica a torna uma metafísica crítica, pois ela entende o sujeito como um ser cognoscente. Nesse sentido, os juízos sintéticos a priori são possíveis devido aos conceitos universais e a sua estrutura lógica, pois eles se sustentam em elementos transcendentes pressupostos através dos conceitos de espaço e tempo, como condições de possibilidade do

11 A metafísica é a ciência primeira e, como tal, a ela cabe a hierarquia do saber, pois ela estuda o ente

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conhecimento puro. Já a experiência resulta da sensibilidade e, sendo assim, cabe à razão afirmar-se como a reguladora desses conhecimentos, pois ele se inicia na recepção sensível: a percepção que será, em seguida, trabalhada pelo entendimento que produz os juízos, esses juízos são então produzidos pelo entendimento.

Fichte, em certa medida, pode ser afirmado como um seguidor de Kant, pois segundo Luft, ele defende em sua filosofia que “o mundo experienciado por cada um de nós, a totalidade dos objetos, é uma realidade construída pelo próprio sujeito cognoscente” (LUFT, 2001, p. 87). Entretanto, o autor afirma que, Fichte teria criticado Kant por acreditar que em sua filosofia restariam indícios do dogmatismo, já que não seria possível conhecer a coisa-em-si. Na verdade esse crítica resultaria do fato de que para Fichte o sujeito conhece a si mesmo, devido ao fato dele ser autoconsciente, ou seja, o eu não conhece o mundo porque é afetado pela experiencia dele, mas o conhece porque ele é uma autoconsciência. Assim, a realidade é produzida pela subjetividade, pois o eu ao intuir a si mesmo como autoconsciente, desenvolve as suas experiências.

Esse desenvolvimento de suas intuições poderia ser exemplificado na compreensão do procedimento utilizado por Fichte em sua filosofia, segundo Luft (2001), o autor utiliza o procedimento analítico, de modo que a partir de elementos mutuamente condicionados, tais como eu e não-eu, ele pressupõe a unidade sintética que torna possível constituir a oposição do condicionado e do condicionante. A síntese desse processo, do eu e do não-eu, seria o eu divisível que contem a subjetividade e a objetividade.

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Em Schelling percebemos que existe uma tendência a estabelecer a compreensão de que a filosofia deve se elevar além do dualismo, acima discutido, pois se não é possível encontrar o conhecimento sem contrapor-se ao mundo dos objetos, nesse sentido, Luft aponta que, seria preciso “encontrar um lugar em que essas próprias proposições entre eu e não-eu, sujeito e objeto, finito e infinito percam seu sentido. Esse lugar é o ponto [...] do saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 100). Desse modo, a intuição intelectual seria então aquilo que permite o acesso ao absoluto e que eliminaria a oscilação entre dois procedimentos12, herdados da filosofia de Kant e, ainda presentes, na filosofia de Fichte. Desse modo, a filosofia da Identidade de Schelling pretende eliminar a oposição entre o método e a coisa: a forma e o conteúdo, a qual é desenvolvida por ele na sua maturidade enquanto o procedimento metológico de sua filosofia. Esse método, posteriormente seria adotado por Hegel no desenvolvimento da Ideia.

2.3 O SISTEMA DE HEGEL

“O sistema de Hegel é incontestavelmente um dos mais coesos projetos de pensamento da história da filosofia” (HOSLE, 2007, p. 17).

Na epígrafe acima, Hösle destaca que o traço mais importante do pensamento de Hegel é a tentativa de sistematizar o pensamento na história da filosofia, o que se manifesta na estrutura rigorosa e na amplitude das análises contempladas. É um todo orgânico que abarca em si toda uma conjuntura de temas que engendram uma dialeticidade e uma completude, próprias ao movimento do pensamento hegeliano, culminando em uma análise cíclica e consideravelmente fascinante.

O sistema hegeliano é o universal que se constitui no seu desenvolvimento, no qual cada uma de suas partes é um modo pelo qual o espírito se reconhece a si mesmo no outro de si. O sistema se divide em três partes: a Ideia, a Natureza e o Espírito, sendo composto pela Fenomenologia do Espírito, a introdução ao sistema da ciência; pela

12

Tais procedimentos são, explicados por Luft (2001) como o regressivo-crítico e o progressivo-dogmático.

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Ciência da Lógica, a ciência da ideia em si e para si; pela Filosofia da Natureza, ciência da ideia em seu ser-outro, e pela Filosofia do Espírito, a ideia que em seu ser-outro retorna a si. Esse edifício filosófico é constituído através da dialética, o que implica dizer que o sistema está presente em toda a obra de Hegel. O movimento dialético perpassa todas as tríades do sistema, do mais abstrato ao cada vez mais concreto, dando origem a algo novo. A primeira série de tríades é a Ideia, a segunda é a Natureza e a terceira é o Espírito (cf. NÓBREGA, 2005; FERRER, 2006).

Lembramos que não é nossa pretensão, nesse trabalho, apresentar pormenorizadamente cada parte que compõe o todo do sistema, mas apenas apresentar em linhas gerais essas partes constitutivas, na intenção de situar a estética como pertencente à totalidade desse sistema filosófico.

A Fenomenologia do Espírito é uma espécie de introdução ou propedêutica à filosofia, e se constitui como um momento do caminho que conduz a consciência finita ao

Saber Absoluto ou infinito, o reencontrar-se em-si do ser-outro, por meio da dialética. Luft nos indica que essa obra de Hegel se propõe a narrar a história do desenvolvimento do saber humano do seguinte modo: “não como a caminhada serena de quem desde sempre possui a verdade, mas como desbravamento tenso da única via correta entre os caminhos e descaminhos da consciência na busca do saber absoluto” (LUFT, 2001, p. 112). Essa obra é descria por Hegel como sendo a primeira parte de seu Sistema da Ciência, ela começa pela analise na consciência imediata, a mais simples manifestação do espírito e, se encaminha para a consciência filosófica. Tal fenomenologia remete à significação de ciência do aparecer, do manifestar-se, pois segundo Hegel:

O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta [...] porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz deles momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo (HEGEL, 1997, p. 22).

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No contexto do sistema, a Fenomenologia do Espírito afirma-se como mediação entre a fenomenologia e a lógica, porque ela afigura-se como o elo que conduz a consciência ao mais alto grau a que se possa chegar, a saber, à lógica. Assim sendo, a

Fenomenologia indica que “os progressos da consciência ou do espírito humano constituiriam ao mesmo tempo um exemplo do devir em geral” (TIMMERMANS, 2005, p. 76). Desse modo, a Fenomenologia do Espírito, apresenta o vir-a-ser da ciência ou do saber, assim, importa conduzir o espírito finito, do estado inculto para o saber, afim de que ele atinja a consciente-de-si mediante a sua formação histórico-cultural. O que nos conduz a percepção de que se trata do progresso do desenvolvimento do espírito no mundo, conforme as palavras de Hegel: “a meta final desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber” (HEGEL, 1997, p. 36).

Destarte, iniciamos considerando o período de Jena, contexto em que escreveu a

Fenomenologia do Espírito. Nesse momento ele “concebe a arte como parte da evolução religiosa, como transição entre a pura religião natural e a religião revelada, ou seja, o cristianismo” (LUKÁCS, 2009, p. 49). Isso nos permite inferir que essa obra conserva traços dos seus ideais juvenis. Os capítulos estéticos versam sobre a escultura grega, as epopéias homéricas, a Antígona de Sófocles e a comédia grega. Tais considerações são muito relevantes por indicarem o modo como Hegel relaciona, em suas análises estéticas, a origem dos gêneros, sua sucessão e sua desaparição com a evolução da sociedade grega, apresentando os fundamentos da dialética histórica das categorias estéticas.

No primeiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas Hegel apresenta a Ciência da Lógica e, inicia seu escrito afirmando que a filosofia não pode pressupor seus objetos como imediatamente dados, assim como fazem as demais ciências, já que o seu objeto é de ordem espiritual, pois ela procura a verdade, por isso, filosofia precisa mostrar a necessidade de seu objeto. Ela é a consideração pensante de seus objetos e se efetua através do pensar, conforme Hegel nos esclarece:

Imagem

Figura 1 – Paternon: Templo da Deusa Atena.
Figura 2 – Deusa Atena.
Figura 3 – Afrodite, a Deusa da Beleza.

Referências

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