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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ricardo Monteiro Guedes de Almeida

A ESTABILIZAÇÃO PSICÓTICA E O

SINTHOMA

JOYCIANO:

um nó, uma invenção

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Ricardo Monteiro Guedes de Almeida

A ESTABILIZAÇÃO PSICÓTICA E O

SINTHOMA

JOYCIANO:

um nó, uma invenção

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social, sob orientação do Prof. Doutor Raul Albino Pacheco Filho.

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Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura_________________________________________________ Abril/2012

e-mail. ricardopsi@gmail.com

A447

Almeida, Ricardo Monteiro Guedes de.

A estabilização psicótica e o sinthoma joyciano: um nó, uma invenção / Ricardo Monteiro Guedes de Almeida. - São Paulo: s.n., 2012.

97 p.; il. color; 30 cm. Referências: 95-97

Orientador: Prof. Doutor Raul Albino Pacheco Filho. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós- Graduação Psicologia Social, 2012.

1. Psicose. 2. Psicanálise. 3. Delírio. I. Pacheco Filho, Raul Albino. II. Título

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ALMEIDA, Ricardo Monteiro Guedes de. A estabilização psicótica e o sinthoma joyciano:

um nó, uma invenção. 2012. 98 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

Banca examinadora:

____________________________________________

____________________________________________

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Drª. Severina Monteiro Guedes de Almeida, pelo apoio e por garantir os meus estudos durante toda a minha vida, herança que ninguém pode tirar.

À minha querida amiga, Drª. Maria Dolores Fortes Alves, por suas preciosas orientações, paciência e conversas agradáveis.

Ao meu orientador, Prof. Doutor Raul Albino Pacheco Filho, pelas orientações e confiança.

Ao meu irmão, Rodrigo Monteiro Guedes de Almeida, que contribuiu como pôde para a realização deste trabalho.

À Banca Examinadora pela atenção e disposição.

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“Ninguém presta à sua geração maior serviço do que aquele que, seja pela sua arte, seja pela sua existência, lhe proporciona a dádiva de uma certeza.”

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RESUMO

O objetivo da presente pesquisa é trazer à discussão a contribuição que o sinthoma joyciano

representou para a psicanálise, no que diz respeito às estabilizações psicóticas. No contexto da saúde mental, as soluções singulares que os sujeitos psicóticos nos apresentam exigem uma compreensão teórica da clínica das psicoses que vão além de uma clínica da metáfora, sem necessariamente abandoná-la, mas incluindo uma noção de suplência que não esteja restrita à metáfora delirante. Para tal efeito, revisamos as principais estratégias de estabilização abordadas por Lacan, dando ênfase ao sinthoma e ao caso paradigmático de Joyce. Esta pesquisa constituir-se-á em um trabalho teórico que não visa uma reflexão literária da obra do escritor irlandês, James Joyce. Apesar de abordarmos a escrita de Joyce, com seus enigmas e suas inusitadas epifanias, nosso foco continuará sendo o sinthoma joyciano como um exemplo de escritura que faz nó borromeano, sustentando, assim, a união dos três registros: o real, o simbólico e o imaginário. Em nosso percurso, chegamos à conclusão de que o

sinthoma joyciano, representa uma solução de sua falha paterna, uma suplência singular de sua forclusão de fato em um período anterior ao próprio desencadeamento psicótico. O que representava na clínica da psicose, e ainda representa um exemplo de suplência, que apesar de exercer a mesma função do Nome-do-Pai, não diz respeito ao significante do Nome-do-Pai, assim como, uma prova incontestável de que para além da metáfora delirante haveria uma multiplicidade de soluções singulares que o sujeito psicótico poderia apresentar.

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ALMEIDA, Ricardo Monteiro Guedes de. The psichotic stabilization and sinthome

joyciano: a node, an inventation. 2012. 97 p. Dissertation (Master in Social Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

ABSTRACT

The goal of this present research is to bring to the discussion what contribution the sinthome joyciano represented to psychoanalysis, as regards psychotic stabilizations. In the context of mental health, the unique solutions that the psychotic subjects present us requires clinic theoretical understanding of psychoses that go beyond a clinic of the metaphor, without necessarily abandon it, but including a notion of substitution that is not restricted to the delusional metaphor. To this end, we review the major stabilisation strategies addressed by Lacan, giving emphasis to the sinthome and the paradigmatic case of Joyce. This research will be a theoretical Job that is not intended to create a literary reflection of the work of the Irish writer, James Joyce. Although we approach the writing of Joyce, with their puzzles and their unusual epiphanies, our focus will continue to be the sinthome joyciano as an example of Scripture that makes, sustaining, so node Borromean knot, the Union of the three registers: the real, the symbolic and the imaginary.On our journey, we came to the conclusion that the sinthome joyciano, represents a solution of his paternal failure, a natural necessity of his foraclusão in fact in an earlier period to trigger psychotic himself.Represented in the clinic of psychosis, and still represents an alternate example, that although exercise the same function of the name-of-the-father, does not concern the significant Parent-name, as well as undeniable evidence of that, beyond the metaphor would be delusional a multiplicity of natural solutions that the psychotic subject could present.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1: Modelo teórico saussuriano ... 38

Ilustração 2: O nó borromeano de três anéis ... 63

Ilustração 3: Nó levógiro, figura planificada do nó borromeano de três anéis ... 64

Ilustração 4: Nó de trevo ... 67

Ilustração 5: Nó borromeano com quatro nós de trevo ... 68

Ilustração 6: O nó borromeano com quatro anéis ... 70

Ilustração 7: O nó que rateia ... 89

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 AS ESTABILIZAÇÕES PSICÓTICAS ... 18

1.1 O DESENCADEAMENTO E AS ESTABILIZAÇÕES ... 18

1.1.1 A suplência ... 23

1.1.2 O objeto a no bolso ... 25

1.2 SCHREBER E JOYCE NA PERSPECTIVA DO CAMPO DO GOZO ... 28

2 A LETRA E A ESCRITA A-NÃO-SE-LER ... 34

2.1 A INSTÂNCIA DA LETRA ... 34

2.2 A LETRA LIXO ... 41

2.2.1 A carta significante... 42

2.2.2 A carta letra de gozo... 44

2.3 ESCRITA A-NÃO-SE-LER ... 51

3 A TOPOLOGIA DO NÓ BORROMEANO ... 59

3.1 LACAN E A TOPOLOGIA DO NÓ ... 59

3.2 O NÓ BORROMEANO DE TRÊS ... 61

3.2.1 O quarto anel ... 65

4 JOYCE, O SINTHOMA ... 71

4.1 “MAS ISSO NÃO”: Singularidade do sinthoma ... 71

4.2 SINTHOMA MASDIAQUINO ... 75

4.3 A ESCRITA DO EGO ... 78

4.3.1 Um corpo que cai ... 79

4.3.2 A carência paterna em Joyce e o fazer-se um nome ... 83

4.3.3 Da epifania ao ego particularíssimo de Joyce ... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 92

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INTRODUÇÃO

Lacan, em 1966, ao apresentar a tradução das Memórias do Presidente Schreber, prestou homenagens a Freud, já que este havia introduzido o conceito de sujeito na consideração da loucura, em vez de pensar esse tema sob a perspectiva de déficit e de dissociações das funções. Nós aqui também poderíamos prestar nossa homenagem a Freud pelo fato dele, em um período anterior à publicação do texto A Interpretação dos sonhos

(FREUD, 1900/1996), ou seja, antes mesmo da própria fundação da psicanálise, já ter demonstrado uma tentativa de dar conta da psicose através dos textos: “As neuropsicoses de

defesa” (1894/1996) e “Observações adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa”

(1896/1996). Incluindo, assim, desde cedo, a psicose entre os assuntos relevantes da psicanálise.

Relevância esta que ainda persiste, sobretudo, em nossa prática clínica. Principalmente quando levamos em consideração a recomendação lacaniana de que não devemos retroceder diante da psicose e nem diante dos problemas que ela apresenta à clínica.

O tema da psicose também esteve presente desde o início do percurso teórico de Lacan na psicanálise. De fato, o que o levou aos confins da psiquiatria tradicional e o que proporcional a sua introdução no estudo das obras de Freud, foi a defesa, realizada em 1932, de uma tese de doutorado intitulada: “A Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade”. Lacan veio a escrever: “como aconteceu conosco quando um primeiro estudo da paranóia, trinta anos atrás levou-nos ao limiar da psicanálise” (LACAN, 1966/1998, p. 543).

Grande foi a sua produção teórica, apesar dos constantes e marcantes conflitos na história de sua trajetória na psicanálise, a exemplo de sua “excomunhão maior” (1964/2008, p. 11)1 da Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Mas ele pôde inspirar muitos trabalhos e conquistar discípulos. Em seu percurso teórico se destacou por trazer uma nova perspectiva à psicanálise tradicional, com sua proposta de retorno a Freud, ele pôde contribuir para a psicanálise com maior precisão e rigor através de suas interpretações, muitas vezes

1Termo este utilizado por Lacan no Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, com o qual

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singulares, do conhecimento de áreas como o estruturalismo, linguística e antropologia, além da filosofia e das matemáticas.

O ensino de Lacan, juntamente com sua clínica da psicose, pode vir a ser pensado com base no campo da linguagem e no campo do gozo, todavia, devemos lembrar que esses dois campos não dizem respeito a dois momentos da teoria lacaniana que se excluem, ou seja, não devemos pensar que o segundo veio para anular o primeiro. Não se trata disso e não é essa a postura que adotamos aqui. Dito isso, naquele que poderia ser denominado como o primeiro campo, o da linguagem, Lacan ao abordar os fenômenos psicóticos tinha como ênfase as anomalias da significação e da identificação imaginária. Enquanto que no campo do gozo, o psicanalista francês passa a enfatizar os fenômenos de gozo diretamente ligados ao significante, num curto circuito sobre o imaginário (QUINET, 2006).

Quem mais inspirou Lacan neste campo do gozo não foi o caso de psicose tão conhecido de Schreber, mas o caso de James Joyce que com sua prática de escrita e sua encarnação do sinthoma, que o psicanalista irá abordar principalmente no Seminário 23, O sinthoma2(LACAN, 1975-1976/2007). Assim, o caso de Joyce é o que melhor exemplifica a teoria do sinthoma, de modo que, se levarmos em consideração que o sintoma passa a ser visto como uma função da letra que fixa o gozo fora da linguagem. Então, Joyce com seu

sinthoma se destaca porque sua escrita consegue transformar todo o “gozo-sentido” que a literatura habitualmente veicula num gozo da letra, fora do sentido.

É nesse ponto que o meu interesse de estudo converge no tema do sinthoma joyciano. Interesse que teve origem ainda na graduação, mais especificamente quando, ao iniciar o estágio junto ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), fui encaminhado pela coordenadora para realizar um trabalho de escuta de uma jovem com diagnóstico de paranóia. Ao consultar a ficha de prontuário, tomei conhecimento de que a escrita tinha um papel importante na constituição do caso, uma vez que a paciente andava sempre com uma bolsa, contendo vários livros escritos e confeccionados por ela mesma. Eram 13 livros, cujo conteúdo variava entre relatos do seu dia a dia, ou contos sobre o amor perdido. Como concluí, tratava-se de um caso

2Lacan irá lançar mão de uma forma de grafia antiga da palavra sintoma (symptôme): Referenciem-se pelo Bloch

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de psicose cuja estabilização não era resultado de uma elaboração delirante, mas, sim, de um trabalho de criação escrita.

Aqui devemos esclarecer desde já, que há uma diferenciação entre aquilo que diz respeito a um texto escrito e aquilo que é da ordem da escritura de um nó. Para compreendermos melhor esse ponto, um salto até o final do Seminário 23 pode se fazer necessário, mais precisamente na última aula deste seminário dedicado a Joyce, na qual Lacan apresentou uma distância entre a escrita e a psicanálise. Como ele afirma, “A psicanálise é outra coisa.” (LACAN, 1975-1976/2007, p. 143), ela passa por certo número de enunciados e não há nada nela que leve necessariamente o sujeito a escrever. Em Joyce, Lacan encontra uma invenção que faz ponto de amarração dos três registros e que passa pela escrita, mas isso não quer dizer que toda a invenção de um Sinthoma deva passar necessariamente por essa via. Pois, o texto strictu sensu, como veremos, não diz respeito aos conceitos psicanalíticos, que Lacan abordou sobre a denominação de letra e escritura.

Certamente, não queremos propor em nossa dissertação que o objetivo de uma análise seja transformar o analisante em um escritor. Não almejamos, muito menos, propor a escrita na clínica da psicose de acordo com os moldes de uma ludo terapia. Longe disso, pretendemos abordar o sinthoma em Joyce, que apesar de estar relacionado com uma escrita literária, diz respeito à escritura de um nó, de um enodamento dos três registros.

À luz do ensino de Lacan, a estrutura psicótica, mesmo que não se encontre fora da linguagem, se encontra estruturalmente fora-do-discurso. Como veremos no decorrer desta dissertação, a psicose é marcada por uma forclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro e o fracasso da metáfora paterna. Pela não inscrição do significante paterno, o psicótico se encontra sujeito a uma desestruturação, e à impossibilidade de um laço social fundamentado na metáfora paterna. Com isso, não queremos dizer que o psicótico não pode vir a fazer laço social.

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Sendo assim, nesta dissertação nos focaremos em uma clínica da psicose que não se encontra mais restrita ao delírio como uma tentativa de cura do psicótico, pois é o que encontramos em casos como os de Arthur Bispo do Rosário3 e James Joyce. Desta forma, no campo do gozo lacaniano, o sintoma passa a ser visto como uma função não mais da metáfora, que fixa o significado no significante, mas na função da letra que fixa o gozo, sem Outro.

Em nossa experiência clínica na saúde mental, podemos presenciar casos em que as soluções singulares dos sujeitos psicóticos não seguiam necessariamente o mesmo perfil que a solução de Schreber. Em outras palavras, quando muito, se apresentava uma elaboração delirante, muitas vezes, ela era acompanhada de um trabalho de criação, seja como uma forma do sujeito psicótico de promover uma separação do objeto a e, assim, localizar o gozo aterrador do Outro em algo fora de seu próprio corpo, seja como forma de estabilização ou, então, até mesmo como forma de suplência.

Dito isso, nessa dissertação, nossas indagações podem ser resumidas na seguinte questão: Penso no estudo do sinthoma joyciano como contribuição para a melhor compreensão das diversas soluções que os sujeitos psicóticos podem vir a apresentar. Assim, especificamente nossa pergunta se faz: de que forma a concepção lacaniana do sinthoma, formulada na última parte da sua obra, a partir de suas reflexões sobre a topologia do nó borromeano, e embasada em sua investigação do caso paradigmático de Joyce, pode possibilitar ultrapassar uma concepção da clínica com psicóticos limitada à noção de metáfora delirante?

A partir do estudo da obra lacaniana, objetivamos trazer à discussão a contribuição que o sinthoma joyciano representou para a psicanálise, no que diz respeito às estabilizações psicóticas. A partir disto, buscamos oferecer uma possibilidade para que o psicanalista lide com aquilo que possa representar ao sujeito psicótico uma solução singular que visa suportar o gozo aterrador do Outro, ou, até mesmo, a suplência.

A relevância científica e social deste trabalho deve-se primeiramente, ao fato de que pretendemos abordar o sinthoma na psicose sob a prerrogativa da singularidade de cada caso.

3Caso relativamente famoso de psicose, tanto no Brasil quanto fora. Bispo produziu uma obra com mais de 800

peças, principalmente, no período em que passou internado em instituições psiquiátricas por mais de meio século. Apesar de não ter recebido nenhuma formação de artes, sua obra é vista por Marta Dantas como: “de uma contemporaneidade incontestável, está em sintonia com o que há de mais radical e criativo em algumas

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Para além de uma mera visão standard das classificações, iremos pensar a singularidade do sintoma. Além disso, nosso interesse de estudo surge atrelado à necessidade de uma compreensão teórica da clínica das psicoses que transcenda os limites de uma clínica da metáfora delirante, uma vez que esta não se revelava suficiente para dar conta das exigências que nos eram impostas pelas soluções singulares que os sujeitos psicóticos nos apresentavam. Havendo, assim, a necessidade que nós psicanalistas voltemos nossa atenção, também, para o último ensino lacaniano, abarcando, dessa forma, conceitos como: letra e escrita do nó. Frente a essa perspectiva, o segundo ponto de relevância de nossa investigação é que pretendemos oferecer subsídios para que os psicanalistas possam refletir sobre as soluções singulares que os sujeitos psicóticos possam apresentar.

Sendo assim, esta dissertação irá se constituir em um trabalho teórico voltado para os psicanalistas que atuam na área da saúde mental, no qual não iremos discutir um caso específico de nossa clínica, mas ao invés disso, iremos abordar aquilo que Lacan propôs por meio do caso de Joyce.

No primeiro capítulo, far-se-á uma breve introdução às principais estratégias de estabilização psicóticas estudadas por Lacan: a metáfora delirante e o sinthoma. Percorremos, inicialmente, a perspectiva estrutural da psicose adotada por ele, tendo como ênfase as consequências da não inscrição do Nome-do-Pai, em seguida, visando o tema da estabilização psicótica, abordaremos a questão da suplência e do objeto a na psicose. Por fim, tendo como base o campo do gozo, promoveremos uma diferenciação entre o caso do Presidente Schreber, como forma de construção de metáfora delirante que proporcionou um restabelecimento do sujeito, e o caso de James Joyce que por meio de sua identificação com o sinthoma veio a apresentar uma espécie de autoprevenção que o livrou de um possível desencadeamento da psicose.

Posteriormente, no segundo capítulo, abordar-se-á, primeiramente, o percurso do conceito de letra no ensino de Lacan, dando ênfase à distinção que o psicanalista irá propor entre a letra e o significante. Assim, versaremos sobre a letra, como Lacan propõe em 1957, no texto A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, no sentido de: “suporte

material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem” (LACAN, 1966/1998, p.

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Lacan, como ele mesmo pontua, porque, muito antes dele, foi Joyce quem introduziu o escrito como não-a-ler.

Com base na topologia do nó borromeano, Lacan irá articular de forma inovadora, a imbricação dos três registros da experiência: Real, Simbólico e Imaginário. Sendo assim, no terceiro capítulo, abordaremos o trabalho de Lacan com a topologia do nó borromeano, partindo da perspectiva de que o uso desse instrumento conceitual, pela psicanálise lacaniana, não deve ser compreendido apenas como uma metáfora ou alegoria. Em seguida, versaremos sobre a constituição do nó borromeano de três de acordo com o Seminário 22, R. S. I., para posteriormente entrarmos na questão que tanto nos interessa a compreensão do sinthoma joyciano, ou seja, a aceitação e trabalho de Lacan com o nó borromeano de quatro anéis. Pois, como veremos, o psicanalista vai questionar a capacidade do nó borromeano de três de sustentar aquilo que é da ordem do sujeito, o que representou em seu ensino a necessidade de um quarto elemento que enoda os três registros, sendo que esse último foi denominado por Lacan de sinthoma.

Por fim, no último capítulo, abordaremos o sinthoma propriamente dito. Para tanto, primeiramente, a exemplo de Lacan, versaremos sobre a visão do Éden joyciano e o “mais

isso não” com o propósito de introduzirmos uma das notas fundamentais sobre o sinthoma, a saber: a singularidade. Em seguida, discutiremos sobre o sinthoma masdiaquino, termo este forjado por Lacan e que mantém uma homofonia com saint homme (sant‟homem) e Saint

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1 AS ESTABILIZAÇÕES PSICÓTICAS

Freud nos deixou um legado de questionamentos frente aos obstáculos que a psicose oferecia à clínica, sobretudo, no âmbito da transferência. Apesar disso, é no texto deste, que encontramos o aforismo em que, com base nos escritos autobiográficos, “Memórias de um doente de nervos”, de Daniel Paul Schreber (1995), também conhecido como Presidente Schreber, o delírio é apontado como uma tentativa de cura. Tal proposição é de fundamental importância, pois, certamente, representa uma primeira e grande contribuição que nos permite trabalhar hoje, que veremos com base em Lacan, o delírio como uma tentativa de elaboração do psicótico em direção a uma estabilização. Porém, como pretendemos enfatizar em nossa dissertação, a elaboração delirante, tal como em Schreber, não consiste na única tentativa de solução apresentada pelos sujeitos psicóticos na clínica.

Neste capítulo, realizaremos uma breve introdução às principais estratégias de estabilização psicóticas estudadas por Lacan: a metáfora delirante e o sinthoma. A perspectiva estrutural da psicose adotada por Lacan e as consequências da não inscrição do Nome-do-Pai serão os primeiros pontos que iremos abordar. Em seguida, versaremos sobre a questão da suplência e do objeto a na psicose, tendo como objetivo o tema da estabilização na psicose. Ao final deste capítulo realizaremos uma diferenciação entre o caso do Presidente Schreber e o caso de James Joyce.

1.1 O DESENCADEAMENTO E AS ESTABILIZAÇÕES

A psicanálise lacaniana adota uma perspectiva estrutural da psicose. No texto intitulado “De uma questão preliminar a todo tratamento possível na psicose” (LACAN, 1966/1998) Lacan constrói a sua primeira doutrina da estrutura da psicose, e a inscreve em sua tese do inconsciente estruturada como linguagem. Nesse mesmo texto, ele afirma: “...que

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Pois bem, pensar a psicose a partir de uma perspectiva estrutural implica em uma série de consequências, inclusive na possibilidade de se conceber a psicose em um período anterior às crises e às manifestações tradicionalmente associadas a ela, tais como: os delírios e as alucinações. Estamos, por conseguinte, tocando em uma questão complexa, mas fundamental para o entendimento da estrutura psicótica, a saber: o diagnóstico da psicose em meio à ausência dos fenômenos tradicionais. O que, segundo Calligaris (1989), em uma clínica estrutural torna-se possível.

Certamente, não queremos aqui, diminuir a importância que a crise, o desencadeamento da psicose, exerce no diagnóstico da psicose. Principalmente, porque, por meio dela, somos levados a refletir sobre a forclusão como condição essencial da psicose. Sem dúvida, no episódio de desencadeamento é possível identificar um apelo que não foi atendido e que, como veremos a seguir, diz respeito a uma não inscrição.

Porém, antes de entrarmos neste ponto, devemos ressaltar que em uma psicose não desencadeada, não apenas fora da crise, mas anterior a qualquer encontro desastroso com a função paterna, uma questão se faz presente: o que sustentaria o sujeito até o momento da crise? De acordo com Soler (2007), em 1956, para Lacan, a resposta se encontraria em uma identificação imaginária, na qual o sujeito assume o desejo da mãe. Sendo que na psicose, quando essa identificação é abalada, uma dissolução imaginária acontece.

Dito isso, voltemos agora nossa atenção aos casos de psicoses desencadeadas. Já que representam para nós um campo fértil para se pensar naquilo que falha em se inscrever na psicose e mantém profunda relação com o episódio da crise, o desencadeamento.

Neste viés, tomemos o Seminário 3 - As psicoses (LACAN, 1955-56/2008), no qual Lacan afirma, em uma aula intitulada “O fenômeno psicótico e seu mecanismo”: “Na relação

do sujeito com o símbolo, há a possibilidade de uma Verwerfung primitiva, ou seja, que alguma coisa não seja simbolizada, que vai se manifestar no real.” (ibid, p. 100). Para compreendermos esse fato, devemos antes lembrar que em se tratando de realidade para o psicótico, Lacan irá associar uma falha estrutural, um buraco, que diz respeito a uma

“verwerfung” da lei paterna. Este termo, que alguns comentadores traduzem como foraclusão, enquanto que outros traduzem como forclusão, foi primeiro tomado por Freud no sentido de recusa, tal como a recusa da diferença entre o eu e o isso ou, então, entre os sexos.

Mas, Lacan irá associar a esse termo um sentido que será fundamental para a compreensão da estrutura psicótica, a saber: o sentido de uma falha na inscrição da metáfora paterna. Todavia, devemos lembrar que apesar de Lacan utilizar termos tais como “falha” e

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relação à neurose. O psicanalista em nenhum momento vai propor uma hierarquia, na qual a psicose se encontraria abaixo da neurose. Pelo contrário, ele vai pensar a neurose e a psicose como estruturas distintas da personalidade, de modo que, enquanto a psicose vai se submeter a uma “Bejahung” (LACAN, 1955-56/2008), uma “afirmação”, que Lacan também vai associar com a “simbolização primitiva” (ibid), ao submeter-se a esta simbolização o sujeito terá uma série de destinos. Por outro lado, a psicose, não vai submeter-se a esta simbolização e vai cair “sob o golpe da Verwerfung primitiva” (ibid), o que resultará em um destino diferente do primeiro.

Estamos entrando na temática do Complexo de Édipo. Assim vejamos uma outra passagem de Lacan do Seminário 3:

O complexo de Édipo quer dizer que a relação imaginária, conflituosa, incestuosa nela mesma, está destinada ao conflito e à ruína. Para que o ser humano possa estabelecer a relação mais natural, aquela do macho com a fêmea, é preciso que intervenha um terceiro, que seja a imagem de alguma coisa de bem-sucedido, o modelo de uma harmonia. Não é demais dizer – é preciso aí uma lei, uma cadeia, uma ordem simbólica, a intervenção da ordem da palavra, isto é, do pai. Não o pai natural, mas do que se chama pai. A ordem que impede a colisão e o rebentar da situação no conjunto está fundada na existência desse nome do Pai. (ibid, p. 118)

Aqui vemos Lacan ressaltando a necessidade de que um terceiro venha intervir. No entanto, este terceiro não diz respeito a um pai natural, a um pai real, mas, sim, àquele que exercer a função de pai. Dessa forma, o psicanalista francês irá situar essa função paterna na estrutura do sujeito, através de um significante primordial, o significante do Nome-do-pai. Significante esse que deve ser pensado com base na ordem do mito, pois, quando Lacan questiona: “O que quer dizer o significante primordial?” (ibid, 179), ressalta que esse significante tem todas as características do mito. Para Lacan não havia em parte alguma um momento específico em que o sujeito adquire este significante primordial.

De qualquer maneira, o Édipo vai ser compreendido com base numa substituição metafórica em que o significante do Nome-do-Pai vai substituir o significante do desejo da mãe. Segundo Colette Soler, o que dá sentido ao ser do sujeito, ao ser do vivente, vai ser essa significação fálica que a metáfora promove, tal como ela afirma “o Nome-do-Pai que

substitui o Desejo da Mãe faz surgir no lugar do significante a significação do falo”

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Vemos aqui, por meio do conceito de forclusão, a introdução por parte de Lacan, de uma concepção descontinuista, na qual não se concebe a passagem de uma estrutura para outra; em outras palavras, ou há inscrição do significante paterno ou não há.

Pela não inscrição do significante primordial, o psicótico se encontra sujeito a uma desestruturação, ocasionando uma problemática em relação a situar-se na partilha dos sexos, de modo que acarreta aquilo que, para Lacan, é a marca essencial da psicose: os distúrbios da linguagem e a alucinação.

Veem-se bem aí os momentos da crise, mas, como afirmamos, existe um momento anterior à desestabilização em que o sujeito psicótico se sustenta. Abordamos essa questão, de acordo com Soler (2007), com base no sentido lacaniano de identificação imaginária com a mãe. Agora, encontramos em Lacan os conceitos que nos permitem explicar melhor esta questão. Porque, no entendimento de que na psicose, em função da forclusão do Nome-do-pai, haveria uma falta de referência simbólica, nos permite compreender melhor o fato de que o psicótico mantém uma relação especial com o registro do imaginário.

Com isso queremos dizer que a relação do sujeito psicótico com o outro, não vai se fundamentar em uma mediação simbólica, ao invés disso, o que podemos notar é uma relação dual com o duplo imaginário, na qual o psicótico toma o outro para espelho e modelo. Essa identificação imediata nos permite pensar, justamente, o período anterior às crises, já que o sujeito psicótico pode vir a encontrar uma frágil compensação através de uma identificação imaginária com a mãe. No entanto, devemos deixar claro que essa compensação não ocorre apenas com relação à figura da mãe, podendo, também, acontecer por meio de uma outra figura, com a qual o sujeito possa identificar-se. Por exemplo, no caso de um psicótico masculino a compensação pode acontecer através de uma identificação com o pai. Nas palavras de Lacan:

Suponhamos que essa situação comporte precisamente para o sujeito a impossibilidade de assumir a realização do significante pai ao nível simbólico. O que lhe resta? Resta-lhe a imagem a que se reduz a função paterna. É uma imagem que não se inscreve em nenhuma dialética triangular, mas cuja função de modelo, de alienação espetacular, dá ainda assim ao sujeito um ponto de enganchamento, e lhe permite aprender-se no plano imaginário. (LACAN, 1955-56/2008, p. 239)

Todavia, como afirmamos, essa compensação é frágil. Por este motivo, Lacan irá comparar o momento anterior ao desencadeamento com um banquinho de três pernas, o escabelo4, cuja instabilidade resultaria da ausência de uma quarta perna, enquanto que a compensação identificatória seria comparada a “muletas imaginárias”, que no momento do desencadeamento se revelam insuficientes.

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De acordo com Soler (2007), devemos lembrar que a forclusão não deve ser concebida como causa da psicose e, sim, como condição essencial. A justificativa para tal afirmação se encontra no fato de que é necessária uma “causa adjunta”, termo que foi utilizado por Freud “No relato do caso de doente dos nervos” (FREUD, 1911/1996). Segundo a autora, para

Lacan, essa “causa adjunta” consiste em um apelo ao Nome-do-Pai que ocorre quando há um

encontro do sujeito com a função paterna, ou seja, no fracasso do ponto de basta, tal como ele cita nos Escritos: “pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamento

do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário” (LACAN, 1966/1998, p. 584). Como consequência da não inscrição paterna na psicose, o registro simbólico se constitui como uma totalidade sem furo, sem falta, que se manifesta como Outro absoluto, que faz do sujeito um objeto que é “invadido por um gozo, sob a forma de sofrimento, de

angústia, de despedaçamento do corpo, de vozes e outros fenômenos da ordem do

insuportável” (QUINET, 2003, p. 220).

A estabilização na psicose é um termo e não de um conceito lacaniano. Em um primeiro momento, em 1932, Lacan irá abordar em sua tese de doutorado a passagem ao ato de Aimée. Nesse caso, é interessante notar que esta passagem ao ato configura uma interrupção no movimento de significação. Sendo assim, Aimée não chega a se envolver em um trabalho de significação até uma metáfora delirante. Em “As psicoses” (LACAN, 1955-1956/2008), podemos articular o termo estabilização psicótica sob a luz da metáfora delirante. No último ensino lacaniano, a estabilização pode ser pensada com base na ênfase dada pela via do Sinthoma, de acordo com o caso paradigmático de James Joyce.

Naquela que pode ser considerada a primeira clínica de Lacan, a metáfora delirante se encontra no centro de todo tratamento possível da psicose, uma vez que essa metáfora era considerada o “ponto de chegada” da construção subjetiva delirante, estabilizadora do sujeito. Na releitura de Freud, que encontramos no início do terceiro seminário As psicoses

(LACAN, 1955-1956/2008), juntamente com o escrito “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, éque Lacan irá trabalhar a questão da metáfora delirante na psicose.

Não há dúvida de que podemos encontrar no caso paradigmático do presidente Schreber, o melhor exemplo para a proposição freudiana de que “A formação delirante, que

presumimos ser produto patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, uma

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nova raça de homens encontra-se uma solução delirante em que o Outro não barrado de Schreber é reinterpretado, de uma maneira em que o delirante pode ocupar o lugar de sujeito.

Entretanto, Tenório (2001) afirma que o delírio pode não ser uma tentativa bem-sucedida. Ou, como acrescentamos, ela pode vir a não ser duradoura. Tomemos como exemplo o próprio caso de Schreber, já que por mais que o delírio tenha trazido estabilização ao sujeito, após um curto período de tempo ele voltou a ser internado novamente e assim permaneceu durante os seus últimos dias de vida.

1.1.1 A suplência

Inicialmente, quando Lacan aborda a questão da metáfora delirante, ele não o faz com base na perspectiva de um complemento, ou, então, de suplemento. Sua ênfase se encontra inicialmente em um processo metafórico substituto que dá conta de uma falta da metáfora paterna, a forclusão do Nome-do-Pai. Assim, apesar do Seminário 3 já apresentar uma indicação de que esta falta poderia ser compensada, até então, Lacan não havia apresentado ainda a noção de suplência. Lacan vai falar de suplência pela primeira vez no Seminário 4 - A relação de objeto. O que é curioso observar é que ele o fará, não com relação a um caso de psicose, mas sim, no caso de fobia do pequeno Hans. Dessa forma, ele aborda a suplência pela primeira vez para falar de uma compensação de carência paterna em um caso de neurose. Décadas após a realização desse seminário, Lacan, no Seminário R. S. I., volta a abordar a noção de suplência, mais especificamente no momento em que ele passa a questionar se o enodamento dos três registros – Imaginário, Simbólico e Real – necessitaria de uma ação suplementar (GUERRA, 2007).

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Assim, Lacan vai tomar a realidade psíquica, proposta por Freud, como um quarto termo suplementar aos três registros, e vai mais além ao associar o complexo de Édipo com o nome que a realität receberia. Dessa maneira, vemos Lacan tomando o complexo de Édipo como um quarto termo que sustenta os três registros, pelo menos no que diz respeito à neurose. Mas, o que nos interessa em nossa dissertação é destacar que em um momento anterior ao Seminário R. S. I. Lacan já tinha a noção de que o próprio Nome-do-pai era um elemento suplementar. Tal como afirma Soler (2007), essa ideia já estava presente no caso do Pequeno Hans, no qual o sintoma fóbico é associado, por Lacan, a uma construção que resultou em uma compensação de carência paterna.

No caso de Hans, encontramos apenas um exemplo de complemento à metáfora paterna, pois, tratava-se de um caso de neurose, mas o que nos interessa em nossa pesquisa é a possibilidade de que na psicose o buraco da forclusão paterna venha a ser preenchido por algo que apesar de exercer a mesma função do Nome-do-Pai, não vem a ser o significante do Nome-do-Pai propriamente dito. O que estamos abordando aqui é a possibilidade de que outros significantes ocupem a mesma função do Nome-do-Pai, em outras palavras, “a função

de basteamento do imaginário e do simbólico” (SOLER, 2007, p. 205). O que levou Lacan a promover uma pluralização deste e passar a falar de Nomes-do-Pai.

Lacan vai associar esse plural, tal como fez no Seminário R. S. I., com a suplência do Nome-do-Pai. Na verdade, o próprio significante do Nome-do-Pai vai passar a ser concebido como um elemento suplementar, o que implica na generalização do conceito de suplência, pois, não diz respeito apenas à psicose, mas, também, à própria neurose.

Entretanto, devemos esclarecer aqui, que a suplência só será concebida por Lacan, como um quarto termo que enoda os três registros a partir do Seminário 22 e 23, em especial nesse último, já que nele, Lacan vai abordar o caso de Joyce, sobre a perspectiva de que este tenha conseguido suplenciar a falha paterna em um período anterior ao próprio desencadeamento psicótico, como veremos mais detalhadamente no último capítulo.

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1.1.2 O objeto

a

no bolso

Freud deixa a indicação de que o sujeito deve ser buscado na sua produção psicótica, enquanto a formalização lacaniana, a partir da ideia da forclusão, indica que o sujeito psicótico deve ser localizado e produzido na resposta que ele pode dar ao gozo avassalador do Outro que o invade, cabendo a cada sujeito indicar o caminho de sua solução, sempre singular. Em suma, a forclusão pode ser compensada em seus efeitos por vias diferentes da metáfora delirante (SOLER, 2007).

A psicanálise apresenta uma atitude diferenciada com relação ao sintoma, uma atitude que vai contra ao furor sanandi, ao desejo de curar, ou, então, de exigir a qualquer custo a suspensão do sintoma. Lacan, em “Televisão”, definiu a ética da psicanálise em bem dizer o sintoma, uma vez que lá onde está o sintoma, está o sujeito (QUINET, 2008). Entretanto, a definição de sintoma como metáfora não cabe na psicose. Isso não quer dizer que os sintomas da psicose não estejam articulados na estrutura da linguagem, pelo contrário, em nenhum outro lugar o sintoma tem estrutura de linguagem como na psicose (SOLER, 2007). O sintoma na psicose vai se constituir como um significante no real, um significante fora da cadeia. No caso de Schreber, podemos encontrar o Luder como exemplo de significante no real. Da mesma forma, o significante Porca, do caso paradigmático apresentado por Lacan no seminário As psicoses (LACAN, 1955-1956/2008) serve de exemplo de significante externo à cadeia.

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com um quarto termo chamado de sinthoma e cuja função é reparadora do nó (BENETI, 2009)5.

A arte pode servir de sinthoma e exercer a função reparadora do nó que amarra e organiza a experiência subjetiva. No caso de Arthur Bispo do Rosário, encontramos um exemplo de tal amarração. Ele permaneceu internado durante 40 anos na Colônia Juliano Moreira, e lá construiu uma imensa obra, e por meio dela, representou e reproduziu para Deus tudo o que havia no mundo. Nesse caso, vemos que o delírio não foi suficiente e por isso ele recorreu ao “trabalho concreto de escrever com agulha e linha o nome de coisas, de reuni-las e reproduzi-las” (TENÓRIO, 2001, p. 127), exemplificando também a criação artística como um meio de produzir um objeto de gozo separado do corpo.

Tanto o delírio como a arte, na psicose, pertence à ordem da criação. Aqui é adotado o termo criação ao invés de produção porque, segundo Lacan, no seminário “A ética da psicanálise” (1959-1960/2008), toda criação se faz a partir do nada (ex-nihilo), o que implica em uma novidade de objeto com relação ao que existia antes. Entretanto, essa criação na psicose não passa pela ordem estabelecida pela cultura, já que a mesma é estruturada pela ordem do pai simbólico.

A arte da cultura, ou seja, do registro da neurose, teve na clínica freudiana uma relação com as fantasias do sujeito neurótico, e seu produto se constituía em uma formação do inconsciente do sujeito que poderia ser lida e interpretada (ALVARENGA, 1999). Assim, vemos em Freud a arte ser articulada com o conceito de sublimação da pulsão sexual. A arte sustentada pelo Nome-do-Pai:se organiza em torno do vazio da Coisa esvaziada de seu gozo, povoando esse vazio com os objetos imaginários que tanto satisfazem nossos devaneios

(QUINET, 2003, p. 221).

Enquanto na neurose a criação do objeto se fundamenta na operação da metáfora paterna, na psicose, a criação se fundamenta justamente na sua ausência, o que resulta no não esvaziamento da Coisa de seu gozo pela castração. Frente a isso, o sujeito utiliza-se da criação delirante ou da arte como meio de barrar o gozo da Coisa. Por isso, é de se esperar que a arte na psicose não tenha como endereço o Outro da cultura, tal como acontece na neurose, tendo em vista, que segundo Lacan, “O Louco é o homem livre por excelência; ele não precisa do Outro para causar seu desejo, pois leva o objeto a no bolso” (LACAN apud QUINET, 2006, p. 26). Sendo assim, vejamos agora como o psicótico se relaciona com o objeto a e quais são

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as implicações disso para as soluções que este possa vir a apresentar diante da forclusão do Nome-do-Pai.

O objeto a foi formulado por Lacan a partir do conceito freudiano de dasding, a Coisa ao lado do gozo e do objeto álgama da transferência. Tal conceituação vai se revelar fundamental para a constituição do campo do gozo e a teoria dos discursos como laços sociais (QUINET, 2006). Mas, para que possamos abordar a relação de um sujeito psicótico com o objeto a devemos nos voltar primeiramente para a questão levantada por Freud em

“Introdução ao narcisismo” de que na psicose a libido se volta para o eu, ao invés de se voltar para um objeto normal. Essa é uma questão a que Lacan vai retornar ao propor que o objeto a na psicose não se encontra separado, ou, então, perdido e marcado pela falta. Ao contrário disso, ele se encontra ao lado do sujeito louco, em seu bolso.

Na neurose os objetos, tais como os objetos da pulsão, vão se constituir perdidos e extraídos do campo da realidade graças à marca da castração. Tendo em vista que o psicótico é marcado pela forclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, inferimos que os objetos não recebem a marca da castração, o que resulta na tendência deles retornarem no campo da realidade. Explicando melhor, de acordo com Quinet (2003), na neurose o Édipo serve de anteparo que impede que objetos como a voz e olhar retornem ao campo da realidade, já que:

“A lei do pai marca esses objetos como impossíveis de serem reencontrados.” (ibid, p.66). Enquanto que na psicose, o objeto a, por não estar excluído da linguagem por meio da inscrição da Lei da castração no Outro, emerge no campo da realidade na forma do olhar ou voz, o que se revela fundamental quando se trata do diagnóstico da psicose.

Como já afirmamos anteriormente, esse Outro não castrado da psicose se apresenta ao sujeito como que absoluto, fazendo deste seu objeto de gozo, assim as soluções psicóticas como o delírio e as obras de arte podem ser consideradas como tentativas de impor uma separação do objeto a, que se encontra ao lado do sujeito psicótico, para que desta forma o gozo do Outro aterrador passe para um objeto separado de seu corpo (ibid). Com relação a esse fato, podemos pensar nos casos de Schreber e Arthur Bispo do Rosário, já no caso de James Joyce, foco de nossa dissertação, uma pergunta se faz presente: como essa questão é apresentada?

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Como versaremos no último capítulo, por meio de seu sinthoma, Joyce vai encontrar uma forma de lidar com esse aspecto de imposição das palavras. Sendo assim, não podemos concluir que o sinthoma de Joyce possa ser compreendido com base no mesmo sentido que a solução de Bispo, pelo menos no que diz respeito à tentativa de separar o objeto a do corpo.

1.2 SCHREBER E JOYCE NA PERSPECTIVA DO CAMPO DO GOZO

Vimos até aqui duas possibilidades de suplência subjetiva que o sujeito psicótico pode recorrer na busca de sua estabilização. A primeira, através da metáfora delirante, que é uma formação imaginária; e a segunda, pela via da emergência do sinthome, em que há uma conjunção do Simbólico com o Real. Mas, é preciso lembrar que, conforme afirma Alvarenga (1999), a clínica tem demonstrado que uma solução não descarta a outra, ou seja, existem casos em que é possível constatar a construção de uma metáfora delirante, por um lado; e uma produção de sinthoma, por outro. Como o exemplo, do caso de Bispo que, em seu trabalho de estabilização, apresentou as duas vertentes: a atividade criativa e atividade delirante.

Colette Soler (2007) em sua obra intitulada de “Inconsciente a céu aberto da psicose” questiona a abordagem da psicose, frente à tese da forclusão, tendo em vista que, em determinado momento, Lacan vai abordar a estrutura não mais como sendo exclusivamente da linguagem, mas a partir de uma compreensão da estrutura como sendo do discurso, que inclui um elemento heterogêneo ao significante. Enfim, trata-se de um questionamento que corrobora a proposta de nossa dissertação, já que essa passagem de Lacan, para uma compreensão do sujeito que não está restrita ao simbólico, representa um ponto fundamental para o nosso entender da teoria do sinthoma, além das possibilidades que essa teoria representa para a clínica da psicose.

No caso de Schreber, vemos que em sua elaboração delirante, ele faz uso do significante de tal forma que, apesar de lhe fornecer estabilização, não representa uma separação do Outro. Dessa forma ele permanece à mercê de um gozo do Outro ainda mais intensificado. Aqui somos remetidos à abordagem das suplências dos Nomes-do-Pai.

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se trata de um único significante capaz de exercer essa função suplementar do caráter nodal dos elementos simbólicos, reais e imaginários, mas de uma variedade de possibilidades que Lacan veio a representar como Nomes-do-Pai. Todavia, o que importa é que nesse escrito já havia a ideia de que a falta da metáfora paterna poderia ser compensada e a prova disso estaria no próprio fato de que o sujeito psicótico pode permanecer por um longo período de tempo sem que a psicose se desencadeie. Isso não quer dizer que o sujeito não era anteriormente psicótico, pelo contrário, isso apenas indica que o sujeito apresentava uma identificação que lhe permitia manter seu equilíbrio antes do desencadeamento.

A partir de então, a clínica não estará mais restrita ao delírio como uma tentativa de cura do psicótico, pois é o que podemos encontrar nos casos paradigmáticos, tais como os casos de Arthur Bispo do Rosário, e James Joyce. Porém, entre todos esses casos, o que mais vai exemplificar a teoria do sinthoma será o de Joyce que, com sua arte, conseguiu tapar o buraco da forclusão paterna em um período anterior ao próprio desencadeamento. Se Lacan estiver correto, Joyce foi um psicótico não desencadeado (SOLER, 2007).

Na teoria lacaniana, é possível diferenciar dois campos: o campo da linguagem e o campo do gozo. No primeiro campo, a ênfase dada aos fenômenos psicóticos se encontra nas anomalias da significação e da identificação imaginária, enquanto que, no segundo campo, a ênfase se encontra nos fenômenos de gozo diretamente ligados ao significante, num curto circuito sobre o imaginário. Entretanto, é importante repudiar toda perspectiva de que um campo surge para anular o outro; de forma alguma, o que vemos é uma tendência de complementação (QUINET, 2006). Assim, se faz necessário esclarecer que ao adotarmos esse critério de divisão, não significa que corroboramos com uma leitura linear da obra do psicanalista francês. Leitura essa que, com base numa perspectiva de avanço teórico, segue uma sequência lógica que culmina no abandono de um antes em favor de um depois, ou, então, de uma primeira clínica em favor de uma segunda. Essa não é a posição que adotamos. Pelo contrário, compreendemos a trajetória de seu ensino não na perspectiva de evoluções, mas, sim, com base em complexificações que nos permitem trabalhar tanto o mais derradeiro ensino, quanto o primeiro.

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entropia, ou seja, na perda produzida pelo funcionamento do aparelho. Tal perda representa uma recuperação de mais-valia de gozo (QUINET, 2006).

Sob a forma de gozo, a pulsão de morte não simbolizada pode retornar ao laço social, e traz consigo as impossibilidades nos laços entre os homens. Sendo assim, somos remetidos ao real, no campo do gozo, como aquilo que é impossível de ser escrito e suportado. Os discursos dizem respeito, justamente, a esse âmbito do gozo dos impossíveis e os laços sociais dos quatros discursos se constituem como possibilidades diante da impossibilidade da relação sexual.

Voltamo-nos ao texto Radiofonia, dos Outros escritos (LACAN, 2001/2003), em que o psicanalista faz menção ao termo francês pas, que pode ter um duplo sentido: não e passo. Com isso ele apresenta a passagem em giro de um discurso a outro como consequência de uma impossibilidade, como consequência de um não. Na verdade, os laços sociais se estruturam com base nas impossibilidades que Freud já havia designado: governar, educar e psicanalisar, as quais Lacan acrescentou o fazer desejar como uma quarta impossibilidade. Lacan distingue os quatros discursos, a saber: o discurso do mestre, o discurso do universitário, o discurso da histérica e o discurso do analista.

Assim, cada discurso, como laço social, irá se sustentar em uma impossibilidade específica de real, ou seja, um não/passo de real (p. 444). Nas palavras de Lacan:

Note-se que esse não, ele o estabelece pelo próprio ato com que o propõe; e que é ao real de que esse não exerce a função que ele submete os discursos que põe no passo [pas] da sincronia do dito.

Instalando-se pelo não que ele produz, essa sincronia não tem outra origem senão sua emergência. Ela limita o número dos discursos que sujeita, como fiz, da maneira mais sumária, ao estruturá-los em número de quatro, por uma revolução não permutativa de sua posição em quatro termos, sendo o não/passo de real que se sustenta neles, por conseguinte, unívoco em sua progressão e em sua regressão (LACAN, 2001/2003, p. 444)

A ausência de limites do gozo não quer dizer que o campo do gozo não seja estruturado, pelo contrário, ele se estrutura pela linguagem por meio de seus aparelhos, ou seja, dos discursos. De fato, de acordo com Quinet (2006), são aparelhos de tratamento de gozo nos laços sociais.

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O próprio caso de Schreber exemplifica essa tendência de impor limites ao gozo, porque é possível perceber um percurso, uma mudança na posição do sujeito perante o gozo. No início de sua elaboração delirante, Schreber se encontrava imerso no gozoque o assaltava por todos os lados. Na verdade, tratava-se de um gozo avassalador e nada atraente. Após a elaboração delirante, ele consegue localizar o gozo no âmbito da fantasia de copular com Deus. A partir de então, o gozo que outrora o assaltava, passou a se localizar, concretamente, nos momentos de solidão, nos momentos em que ele não tinha mais nada para fazer e ficava diante do espelho contemplando sua imagem feminina. De acordo com Soler (2007), Schreber passa a contemplar a si mesmo com os olhos de Deus. O caso de Joyce também representa uma localização do gozo, promovida não por meio do delírio, mas por meio de uma arte. Entretanto, não se trata de uma arte qualquer, porque, tal como afirma Doris Rinaldi: “A arte

de Joyce substancializa em sua consistência e em sua existência o quarto termo essencial ao nó, aproximando-se dele o mais possível.” (RINALDI, 2006) 6.

Em Schreber, é possível encontrar uma limitação do gozo avassalador do Outro, entretanto, por se tratar de uma tentativa de cura delirante, o sujeito, mesmo após a estabilização, ainda se encontra à mercê dos caprichos do grande Outro. Se tomarmos o exemplo de Schreber, é possível perceber que, em seu delírio, ele pode ser situado de duas maneiras. Primeiro, ele se encontra na posição daquilo que dá significação às vozes de Deus, já que ele é quem tem que completar as vozes interrompidas e provenientes da massa das almas incluídas em Deus. Em suma, todas as vozes divinas representam o S1 e convergem para Schreber, que na posição de S2, completa a significação delas. Ele se encontra na posição que é ocupada pelo escravo no discurso do mestre e é forçado ao trabalho do pensamento ininterrupto (SOLER, 2007).

A outra posição em que ele é situado, em seu delírio, diz respeito ao gozo do Outro, por conseguinte, Schreber faz com que Deus goze na medida em que se encontra na posição de significante que dá significação a todas as vozes divinas. Por fim, com base na afirmação de Soler: “... poderíamos escrever o fora-do-discurso schreberiano: o significante não representa o sujeito e não há barreira para o gozo, e, entre Deus e Schreber, quase

poderíamos evocar uma relação sexual.”(SOLER, 2007, p. 65)

Poderíamos afirmar que Schreber também se encontra na posição de objeto (a), já que ele trabalha no gozo de Deus. No momento da aproximação de Deus, ambos gozam, porque o gozo de um é o gozo de outro, no entanto, quando Deus se afasta, produz-se o grito do

6

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“milagre do urro” e Schreber torna-se um texto rasgado, decaído como objeto, não de gozo, mas de resto. De qualquer forma, o delírio de Schreber trata-se de um restabelecimento do sujeito. Enquanto que a criação de Joyce vai significar uma autoprevenção da desestabilização, já que antes do desencadeamento ele se identifica com o sintoma7.

Conforme Miller (2007) afirma, o que inspirou Lacan em sua derradeira lição não foi Freud, pelo contrário, já que esse último momento representou a fase em que Lacan mais criticou Freud. Dessa forma, quem veio a inspirá-lo nesse derradeiro ensino, foi James Joyce com sua prática de escrita e sua encarnação do sintoma. Assim, o caso de Joyce é o que melhor exemplifica a teoria do sinthoma, de modo que, se levarmos em consideração que o sintoma passa a ser visto como uma função da letra que fixa o gozo fora da linguagem, então o sintoma Joyce se destaca porque sua escrita consegue transformar todo o “gozo-sentido” que a literatura habitualmente veicula num gozo da letra, fora do sentido.

Joyce queria que seus leitores se ocupassem dele por um longo período de tempo. Na verdade, ele chega a afirmar de forma deliberada: “Quero que os universitários se ocupem de

mim por trezentos anos” (LACAN, 1975-1976/2007, p. 17). Isso não é difícil de imaginar quando percebemos na escrita de Joyce, especialmente em Ulisses, uma forma, tal como Lacan descreve, de picar as frases. O que na verdade se constituía em um processo de dar um outro uso à língua em que se escreve.

A escrita de Joyce destrói a linguagem e, em contrapartida, dá vida à língua. Para tanto, ele lança mão do enigma, que consiste na conversão do vazio de significação em seu contrário, ou seja, de certeza de revelação. As experiências enigmáticas aparecem com clareza nos fenômenos que ele descreveu como epifanias, cujos fragmentos realmente ouvidos em situações quaisquer, eram separados do contexto e cuidadosamente guardados como o mais precioso de sua obra. Curiosamente, veio a acontecer em momentos em que nem mesmo havia uma obra, mas isso não foi empecilho para que posteriormente tais epifanias fossem inseridas de forma oculta em sua obra. Note-se que esses fenômenos, ao serem retirados de seu contexto, representavam uma abolição da significação e, consequentemente, da linguagem.

7

Na transcrição da conferência de Lacan, intitulada Joyce, o sintoma, podemos notar que em determinados momentos é usado o termo “sintoma” (symptôme) com a grafia atual e em outros momentos o termo

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As epifanias representavam um fragmento estritamente análogo ao significante fora-do-sentido que Lacan observou no caso de Schreber. No entanto, não se tratava de uma elaboração delirante, pelo contrário, até porque a tarefa de significação, que normalmente cabe ao delírio, no sintoma de Joyce, é transferida para o público, mais precisamente para os comentadores.

No contexto analítico, uma tendência que observamos é que o analisando fala para o Outro, mas, segundo Miller, pode haver um momento raro e mais profundo em que o analisando fala para si, o que promove satisfação. Um circuito de satisfação que também pode ser considerado como pulsão, o que remete à fórmula de Freud na qual a pulsão oral é ilustrada com a imagem de uma boca que beija a si mesma. No capitulo 11 do Seminário 23, Lacan nos apresenta Joyce como um paradoxo, um sujeito sem o Outro, que fala para si. Segundo Miller (2007):

Se tentarmos abordar o de que se trata aqui, talvez pudéssemos dizer que esse capítulo nos apresenta – ao longo da vida de Joyce, da análise de decomposição do discurso de Joyce e de sua posição – o paradoxo de um sujeito sem Outro, que fala para si e onde tudo o que decorre do Outro é suspeito de ser apenas – a palavra está em seu capitulo – fabricação. (ibid, p.77)

Este falar para si, em Joyce, não impediu a resposta maciça do discurso universitário e do seu saber, para tentar lidar com o traumatismo que a escrita singular deste autor promoveu na língua inglesa. Por outro lado, esta tentativa de transformar o discurso de Joyce em saber acabou por revelar que, no fundo, James Joyce era não interpretável (id, 2007).

No lugar exceção, Joyce não delira e goza solitariamente. Para tanto, ele conseguiu promover uma transferência do simbólico para o real, além de restabelecer o seu laço social através de uma literatura estranha e fora do discurso. Aqui nos deparamos com um paradoxo do sintoma de Joyce, uma vez que ele restabelece o vínculo social por meio de uma escrita que abole justamente este vínculo (SOLER, 2007).

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2 A LETRA E A ESCRITA A-NÃO-SE-LER

O que despertou o fascínio de Lacan por Joyce foi a tentativa desse escritor irlandês de ir além da literatura, por meio de um processo de quebra das palavras e dissolução da própria linguagem. Na verdade, apesar de ter dedicado o Seminário 23 a Joyce, seu interesse principal não era a literatura, e sim, a letra. Com isso vemos a necessidade de ressaltar logo de antemão a distinção entre a letra e um texto strictu sensu, pois, esse primeiro trata de uma escrita que está no Real e que não diz respeito necessariamente a uma mera produção literária.Dito isso, neste capítulo promoveremos um breve percurso em torno da letra. Porém, não temos a pretensão de esgotar tal conceito, tarefa impossível para qualquer autor, já que os enunciados de Lacan, tal como ele declara em uma entrevista com A. Riffet-Lemaire: [meus]

enunciados nada têm de comum com um exposto teórico que se justifica por um fechamento”

(LACAN apud NANCY, 1991, p. 21, grifo nosso). Assim, chegar a uma definição última de um conceito, mesmo que esta fosse a nossa intenção, estaria fora de cogitação neste momento. Também, abordaremos neste capítulo a escrita a-não-se-ler. Ponto esse que nos servirá de base para a posterior compreensão do sinthoma joyciano. Desse modo, primeiramente versaremos sobre a letra como Lacan propõe em 1957 no texto A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, no sentido de: “suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem” (LACAN, 1966/1998, p. 498). Posteriormente, nos aprofundaremos na distinção entre significante e letra, tendo como foco principal o

Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante, sobretudo no que diz respeito à aula intitulada de Lição sobre Lituraterra. Por fim, discutiremos a hipótese lacaniana de que o escrito não é para ser lido.

2.1 A INSTÂNCIA DA LETRA

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para uma plateia formada pelo grupo de filosofia da Federação dos Estudantes de Letras. Período esse em que o trabalho de Lacan foi profundamente marcado pela ruptura no campo da prática e da instituição psicanalítica, como resultado de exclusões sucessivas das sociedades de psicanálise (NANCY, 1991).

Assim, neste período de sua produção, é interessante ressaltar que o psicanalista já não se dirigia mais apenas aos técnicos da análise, sua fala agora era dirigida a um grupo de estudantes universitários marcados por uma “generalidade necessária”(LACAN, 1966/1998, p. 497). Uma generalidade combinada com um caráter extraordinário. Lacan vai encontrar nesses estudantes uma acomodação propícia para a sua exposição, sobretudo, por causa da qualificação que os membros do grupo tinham em comum, a literária. Nessa passagem é possível perceber como ele, a exemplo de Freud, compreende a importância dessa qualificação na formação de analistas.

Segundo Lacan, como é possível perceber no próprio título deste escrito, a descoberta da experiência da psicanálise no inconsciente se encontra na estrutura da linguagem, em um lugar para-além da fala. Dessa forma, fica claro o valor que Lacan vai associar nesse texto à letra, sobretudo com o uso do conceito “instância”.

O termo instância, de acordo com Nancy (1991), que originalmente era utilizado no sentido de uma insistente solicitação de argumento, ou de processo, posteriormente, fixou-se na língua clássica no sentido de “autoridade judiciária”. No francês moderno o termo

instânce é usado como autoridade tendo o poder de decisão. Em suma, esse comentador conclui que a instância é utilizada no título para designar a autoridade da letra. A posição dominante da letra: “o lugar de destaque que ela ocupa, de onde tem poder de decisão e exerce autoridade, de onde, em outras palavras, rege e legisla” (ibid, p. 32). Todavia, este mesmo autor não descarta a possibilidade de o termo ser utilizado também no sentido de insistência da letra, uma vez que, esse termo lhe parece ser um conceito lacaniano importante:

[...] é o conceito pelo qual é marcada a especificidade da cadeia significante como, para dizê-lo rapidamente, a iminência, isto é, o reportar indefinido do sentido que está no principio do automatismo de repetição, do Wiederholungszwang de Freud. (ibid, p. 32)

Por fim, a segunda parte do título: “ou a razão desde Freud”, enfatiza que após a ruptura operada por Freud, a razão passa a ter um outro sentido no inconsciente, o da instância da letra.

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Nancy apresenta uma tentativa de definir o conceito de letra. Para tanto adota como ponto de partida, a proposta de que “a letra designa a estrutura da linguagem na medida em que o sujeito nela está implicado” (NANCY, 1991, p. 35). Tal implicação deve-se à relação do sujeito com a letra, no sentido de que este também deve ser tomado ao pé da letra. Uma

literalização do sujeito, já que conforme afirma Lacan, “a linguagem, com sua estrutura, pré-existe à entrada de cada sujeito num momento de seu desenvolvimento mental” (LACAN, 1966/1998, p.498). Com efeito, ele vai se remeter à análise linguística das afasias realizada por Roman Jakobson, para destacar que, apesar destas serem resultados de lesões anatômicas, a distribuição dos déficits ocorre de acordo com a estrutura da linguagem. Tratar-se-á, pois, de ver o sujeito como semelhante a um servo da linguagem, sobretudo do discurso, cujo lugar “já está inscrito em seu nascimento, nem que seja sob a forma de seu nome próprio”(idem).

Segundo Nancy (1991) esta literalização também está relacionada ao fato de o sujeito encontrar o suporte material do seu discurso na estrutura da linguagem, conforme a citada passagem de Lacan.

No parágrafo dos Escritos em que Lacan se refere à letra como “suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem” (LACAN, 1966/1998, p. 498), dois conceitos se destacam: discurso concreto e suporte material. O primeiro, para Nancy (1991), diz respeito ao elemento comum resultante da relação simultânea entre a linguagem enquanto estrutura e a fala, que é adotada no sentido saussuriano de execução individual da língua. No que diz respeito ao conceito de suporte material, este comentador observa que no escrito o

Seminário sobre “A carta roubada” (LACAN, 1966/1998), o psicanalista destaca, que na novela de Poe, a carta não era encontrada justamente por estar localizada em um lugar evidente. Essa relação do significante com o lugar, Lacan chamou de materialidade do significante:

É evidente que (a little tôo self evident) que a carta, de fato, mantém com o lugar relações para as quais nenhuma palavra francesa tem todo o seu alcance do qualificativo em inglês odd. Bizarre, como Baudelaire costuma traduzi-la, é apenas aproximativo. Digamos que essas relações são singulares, pois são justamente essas que o significante mantém com o lugar (ibid, p.26).

Referências

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