LEITURA
ATRIBUIÇÃO DE SENTIDOS E
INTERAÇÃO
José De Nicola
REFERENTE
MENSAGEM
CÓDIGO CANAL
EMISSOR RECEPTOR
CXXXV - Otelo
Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamenteOtelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço, — um simples lenço! — e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo.
Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há e valem só as camisas. Tais eram as idéias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira; não queria expor-me a encontrar algum conhecido. As senhoras ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar. Então eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham outras incoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
— E era inocente, vinha eu dizendo rua abaixo; — que faria o público, se ela deveras fosse culpada, tão culpada como Capitu? E que morte lhe daria o mouro? Um travesseiro não bastaria; era preciso sangue e fogo, um fogo intenso e vasto, que a consumisse de todo, e a reduzisse a pó, e o pó seria lançado ao vento, como eterna extinção...
LER É ATRIBUIR SENTIDOS
Atribuir sentido ao texto verbal implica a ativação de:
- conhecimento lingüístico - conhecimento de mundo - leituras prévias
- reflexão - inferência
LER É INTERAGIR
- levantamento de informações sobre o texto (configuração textual, autor, época, veículo ou suporte)
- criação de expectativas, formulação de hipóteses,
ativação de estratégias
ESTRATÉGIAS DE LEITURA
- identificação do gênero textual - verificação de campo semântico - reconhecimento das vozes do texto
- construção de pontes de intertextualidade
“Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e transformação de um outro texto.”
(Júlia Kristeva)
“Um discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação ao qual toma posição.”
(Dominique Maingueneau)
As meninas, Velázquez, 1656
O Rei Filipe IV da Espanha e sua rainha
refletidos no espelho
As meninas, As meninas segundo Velázquez, Velázquez, 1656 Picasso, 1957
As meninas, Los Velázquez,
Velázquez, 1656 Waltercio Caldas, 1994
Vênus de Urbino, Ticiano, 1538
Olimpia, Édouard Manet, 1863
O balcão, Édouard Manet, 1868-69
Perspectiva II: O balcão de Manet,
Décio Pignatari b e b a c o c a c o l a
b a b e c o l a
b e b a c o c a
b a b e c o l a c a c o c a c o
c o l a
c l o a c a
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
tinha um pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada, E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo.
OLAVO BILAC
Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura ché la diritta via era smarrita.
Primeiro terceto do poema A divina comédia, de Dante Alighieri
Tradução literal
No meio do caminho de nossa vida me reencontrei numa selva escura já que o caminho certo havia perdido
PORQUINHO-DA-ÍNDIA
Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-Índia Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos Ele não gostava:
Queria estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
O meu porquinho-da-Índia foi a minha primeira namorada.
Manuel Bandeira
PROFUNDAMENTE
Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala.
Vozes cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei Não ouvi mais vozes nem risos Apenas balões
Passavam errantes Silenciosamente
Apenas de vez em quando O ruído de um bonde Cortava o silêncio Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco Dançavam
Cantavam E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
Estavam todos deitados Dormindo
Profundamente
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
Estão todos dormindo Estão todos deitados Dormindo
Profundamente.
ESTRELA DA MANHÃ Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte
Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida
Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
(...)
Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar (...)
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro, Passa e torna a ficar branco.
Meu São Paulo da garoa,
Londres das neblinas finas
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre, Passa e torna a ficar rico.
Garoa do meu São Paulo,
Costureira de malditos
Vem um rico, vem um branco, São sempre brancos e ricos...
Garoa, sai dos meus olhos.
Mário de Andrade
José Paulo Paes
Anatomia do monólogo
ser ou não ser?
er ou não er?
r ou não r?
ou não?
onã?
onanismo
[Do antr. Onã, de um personagem bíblico que praticava coitos interrompidos, + -ismo.]
S. m.
1. Automasturbação manual masculina; quiromania. [Cf.
masturbação.]
2. No conceito bíblico, coito interrompido no instante da ejaculação para evitar a fecundação.
Dicionário Aurélio
Judáse encontrava em Kezib, e ele tomou para Er, seu primogênito, uma mulher de nome Tamar. Er, primogênito de Judá, desagradou ao Senhor, que o fez morrer.
Judádisse então a Onan: "Vai deitar-te com a mulher de teu irmão.
Cumpre com ela o teu dever de parente próximo do falecido e suscita uma descendência a teu irmão".
Mas Onan sabia que a descendência não seria sua;
quando se deitava com a mulher de seu irmão, deixava o sêmen perder-se na terra para não dar descendência a seu irmão. O que ele fazia desagradou ao Senhor, que o fez morrer também a ele.
(Gênesis, 38, 6-10. In: Bíblia - Tradução Ecumênica - Edições Loyola )