Empresarial - aula 1
Humberto Moreira
1 Introdução
1.1 Breve histórico
• Economia: campo que pretende entender o processo pelo
qual recursos escassos são alocados de forma mais eficiente; mecanismos típicos: mercados ou simples atividades de trocas de bens e serviços.
• Caixa de Edgeworth: representação clássica (décadas de 40 e
30).
• Arrow (64) e Debreu (59): atividades de trocas mais
complexas (alocação e compartilhamento de risco) através do conceito de bens “estado-contingente” e preferências representadas por “escolha sob incerteza” do tipo von-Neumann e Morgenstern (44).
• Economia da informação ou teoria dos incentivos (décadas 60 e 70): introdução dos conceitos “informação privada” e
“ação oculta” nas relações contratuais. Noções: compatibili-dade de incentivos e “truth-telling”. Novas ferramentas para teoria da firma, finanças corporativas, regulação, taxação, etc.
• Contratos dinâmicos (décadas 80 e 90): renegociação
contratual, contratos relacionais e contratos incompletos. Ferramentas para analisar “propriedade” e “direitos de controle”.
1.2 Noções básicas
• O que é um contrato?
– Definição legal (de acordo com a lei dos EUA): “Um
contrato é uma promessa ou um conjunto de promessas para a ruptura de que a lei dá um remédio, ou o desempenho de que a lei reconhece de uma certa maneira como um dever.”
– Definição econômica: “Um contrato é um acordo sobre o
comportamento que é pretendido se fazer cumprir” (Watson, 2002).
• O que é uma organização?
– Definição sociológica: “As organizações são estruturas
sociais criadas por indivíduos para suportar a perseguição colaboradora de objetivos específicos” (Scott, 1992).
– Definição econômica: “As organizações econômicas
são entidades criadas dentro e através das quais pessoas interagem umas com as outras para alcançar objetivos econômicos individuais e coletivos” (MR, cap. 2).
– A economia como um todo (de um país ou mesmo do
mundo) é uma organização. O sistema econômico é uma invenção humana. A performance de diferentes sistemas (e.g., capitalismo vs. socialismo) pode ser comparada, assim como a de outras organizações.
– Organizações formais: corporações (S.A.), parcerias (Ltda),
– “As organizações são mais prováveis do que outros grupos
sociais de ter um objetivo de sobrevivência e de auto-perpetuação, ter fronteiras mais claramente definidas, delimitadas, e defendidas, e frequentemente (embora não invariável) ter algum relacionamento formal com o Estado que reconhece sua existência como entidades sociais
distintas” (Pfeffer, 1997).
– A organização pode ser entendida como um conjunto de
contratos (no sentido econômico) entre seus membros.
– A definição legal de uma organização não será
necessaria-mente igual à sua definição econômica.
– Mas, o estudo de contratos e o de organizações estão
intimamente relacionados neste curso.
• O que é a teoria (econômica) dos contratos?
– Relações multilaterais envolvendo provisão de incentivos
dado que as partes envolvidas têm interesses divergentes.
– Tipicamente modelos de Principal-Agente. Ex. relação
entre empregador e empregado; gerente × trabalhador; fazendeiro×arrendatário da terra; CEO × gerentes.
• O que é a teoria (econômica) das organizações?
– Relações multilaterais envolvendo provisão de incentivos
e a coordenação de atividades visando à obtenção de um certo objetivo, dado que as partes envolvidas têm interesses divergentes.
– Uma organização é um conjunto de contratos (implícitos
ou explícitos) e um sistema de transmissão de informações entre seus membros, construídos de tal forma a facilitar a obtenção de certos objetivos individuais ou coletivos.
• Eficiência ex-post: Uma organização é eficiente ex-post
se não existe nenhuma outra organização que produza resultados nunca inferiores (e às vezes superiores) para todos os indivíduos afetados pelo comportamento dessas organizações.
• Eficiência ex-ante: Uma organização é eficiente ex-ante se
não existe nenhuma outra organização que produza resultados “na média” nunca inferiores (e às vezes superiores) para todos os indivíduos afetados pelo comportamento dessas organizações.
• Dois problemas cruciais para um organização: como motivar seus membros? Como coordenar as atividades de seus
membros?
• Referências:
– MR, capítulos 1 & 2
– Watson, J., Strategy: An Introduction to Game Theory, New
York: W.W. Norton and Company (2002).
– Scott, W. Richard. Organizations: Rational, natural, and
open systems. 3rd ed. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall (1992).
– Pfeffer, J. New Directions for Organization Theory:
problems and prospects. Oxford. Oxford University Press (1997).
1.3 Situando a Teoria dos Contratos
• Pense (pelo menos) três tipos de arcabouços de modelagem: (1) Mercados competitivos: grande número de jogadores
→ Teoria de Equilíbrio Geral; neste caso, incentivos e coordenação não são relevante;
(2) Situações estratégicas: pequeno número de jogadores →
Teoria de Jogos;
(3) Pequeno número com “desenho”→ Teoria de Contratos e Desenho de Mecanismo; não toma o jogo como dado; ferramenta para entender instituições;
1.4 Tipos de questões 1.4.1 Seguros
• 2 partes: A e B;
• A enfrenta risco - digamos sobre sua riqueza YA =
$0, $100, $200 com probabilidades iguais a 1/3 cada e é avesso ao risco;
• B é neutro ao risco;
• Se A tivesse todo poder de barganha, o contrato de compartil-hamento de risco é “B pagar A $100”;
• Mas não vemos seguro total no mundo real;
– Moral hazard (A pode influenciar as probabilidades);
– Seleção adversa (existe uma população de A’s com
difer-entes probabilidades e eles conhecem o seus tipos);
1.4.2 Relação entre tomador e emprestador
• 2 partes: A e B;
• A tem um projeto, B tem dinheiro;
• Há ganhos de troca;
• Digamos que o retorno é f (e, θ), onde e é esforço e θ é o estado do mundo;
• B vê apenas f, não e ou θ;
• “Residual claimancy” não funciona por causa de responsabili-dade limitada (poderíamos ter aversão ao risco também);
• Não há como evitar o trade-off entre risco e retorno;
1.4.3 Investimentos específicos na relação
• A é uma planta geradora de energia elétrica (móvel);
• Se A se localiza próximo a B (para economizar em custos de transporte), eles podem ficar vulneráveis;
• Digamos que a planta custa (afundado) 100;
• “Amanhã” a receita de A é 180 se há carvão, 0 caso contrário;
• Custo de fornecimento de B é 20;
• Taxa de juros é 0;
• NPV é 180 − 100 − 20 = 60;
• Digamos que as partes são ingênuas e vão para o período 2 despreparadas;
• Barganha de Nash simples leva ao preço 100; • πA = (180 − 100) − 100 = −20;
• Uma ilustração do problema de hold-up;
• Podemos escrever um contrato de longo prazo: limitado entre
20 e 80 devido aos preços de lucro zero para A e B, pode ser
50;
• Mas o que então se os contratos são incompletos? Talvez o contrato seja próximo a não ter nenhum contrato ao invés de um totalmente pré-especificado;
1.5 Contratos e Teoria da Firma
• O que é uma firma? O conceito de “caixa preta” é extrema-mente pobre para capturar a sua essência.
• Por que existem firmas?
• Quais as diferenças entre transações que ocorrem dentro da firma e transações que ocorrem via mercado?
• O que são custos de transação?
• O Teorema de Coase e a irrelevância da estrutura de pro-priedade para a eficiência econômica.
• O que acontece quando as condições do Teorema de Coase não são observadas?
1.6 Contratos completos × contratos incompletos
• Por que certos tipos de contratos contingentes não são observados na prática?
• Quais são os custos de escrever contratos?
• Investimentos específicos, hold up, barganha e direitos de propriedade.
• Estudaremos a Teoria Econômica dos Direitos de Propriedade para entender o conceito de firma.
• Por que firmas se integram verticalmente?
• Estudaremos a teoria de Hart/Grossman/Moore, na qual a alocação de direitos de propriedade sobre ativos físicos é uma forma de atenuar of problema de hold up que ocorre quando as partes envolvidas fazem investimentos específicos à relação econômica em questão.
• Estruturas de Propriedade, Teorema de Coase e Custos de Transação.
• A teoria de Williamson (1975) e as causas da integração vertical.
• Referências: MR, capítulos 5 e 9; Hart, capítulos 1 e 2.
2 Organização Econômica e Eficiência
2.1 O Teorema de Coase
• “Direitos de propriedade iniciais não afetam a eficiência alocativa na ausência de custos de transação.” Esta fato é conhecido como um famoso resultado da teoria econômica conhecido como o “Teorema de (Ronald) Coase”.
2.1.1 Exemplo
• Considere o seguinte problema: duas firmas estão localizadas lado a lado. A quantidade de resíduo industrial que a firma 1 gera afeta negativamente a receita da firma 2 (por exemplo, a firma 1 pode ser uma indústria química que joga lixo num rio e a firma 2 pode ser uma cooperativa de pescadores).
• Seja X a quantidade de lixo gerado pela firma 1.
• Suponha que a receita da firma 1 depende do lixo gerado da seguinte forma:
R (X) = 6X
e o custo de produzir lixo é
C (X) = X
2
2 .
• Suponha que a receita da firma 2 é decrescente na quantidade de lixo:
r (X) = 100 − X2.
• A quantidade de lixo que maximiza o bem-estar conjunto é:
X∗ = arg max X 6X − X 2 2 + 100 − X 2 .
A condição de primeira ordem é:
6 − 2X − X = 0
o que implica X∗ = 2.
• Se a firma 1 maximiza lucro sem se importar com a firma 2, temos que Xi = arg max X 6X − X 2 2 .
A condição de primeira ordem é:
6 − X = 0
o que implica Xi = 6, isto é, a produção de lixo é ineficiente (gera externalidades).
• O lucro da firma 1 é 6 (6) − 622 = 36 − 18 = 18. • O lucro da firma 2 é 100 − 62 = 64.
• Suponha agora que a firma 1 possa vender para a firma 2 o direito de exigir que a firma 1 reduza sua produção de lixo.
• Seja t a transferência monetária da firma 2 para a firma 1. O problema de maximização da firma 1 passa a ser
max X,t 6X − X 2 2 + t sujeito a 100 − X2 − t ≥ 64.
• Se a firma 1 extrair todo o execedente da firma 2, temos que
t = 100 − 64 − X2
e o problema passa a ser
max X 6X − X 2 2 + 36 − X 2 .
A condição de primeira ordem é:
o que implica X1 = 2, isto é, a quantidade eficiente de lixo é produzida.
• Suponha agora que a firma 2 possa vender para a firma 1 o direito de produzir lixo.
• Seja t a transferência monetária da firma 1 para a firma 2. O problema de maximização da firma 2 passa a ser
max X 100 − X2 + t sujeito a 6X − X 2 2 − t ≥ 18.
• Se a firma 2 extrair todo o execedente da firma 1, temos que
t = 6X − X
2
2 − 18
e o problema passa a ser
max X 100 − X2 + 6X − X 2 2 − 18 .
A condição de primeira ordem é:
−2X + 6 − X = 0
o que implica X2 = 2, isto é, a quantidade eficiente de lixo é produzida.
O Teorema de Coase (fraco): “Se não há custos de
transação, o resultado de um contrato, barganha ou negociação é sempre eficiente, independentemente da distribuição inicial de direitos de propriedade”.
• Ausência de efeito-renda: utilidadade quase-linear
U (x, m) = v (x) + m
O Teorema de Coase (forte): “Se não há efeito renda
e se não há custos de transação, o resultado de um contrato, barganha ou negociação é sempre o mesmo, independentemente da distribuição inicial de direitos de propriedade, e é eficiente”.
• O Teorema de Coase nos diz que se os custos de atingir e manter um acordo eficiente são relativamente baixos, os recursos serão alocados eficientemente, mesmo se os mercados não são competitivos. Além disso, a distribuição de direitos de propriedade ou de poder de barganha não são importantes para a eficiência alocativa.
2.2 O Problema de recursos comuns ou free-riding
• Considere uma cooperativa de N trabalhadores.
• A receita dessa cooperativa é Y.
• O esforço do trabalhador i é ei.
• A receita total depende do esforço individual:
• O custo individual do esforço é ei
2
• Cada trabalhador recebe N1 do lucro.
• O esforço ei só é observado por i (moral hazard).
• O nível de esforço eficiente é dado por
max (e1,...,eN) e1 + e2 + ... + eN − e21 2 − e22 2 − ... − e2N 2 . • A condição de primeira ordem é
1 − ei = 0
para todo i = 1, ...N. Portanto, o nível eficiente de esforço é
e∗
i = 1.
• O problema do trabalhador i é dado por
max ei 1 N (e1 + e2 + ... + eN) − e2i 2 . • A condição de primeira ordem é
1
N − ei = 0
o que implica efi = N1 < 1.
• Como resolver o problema? Suponha que a empresa passe a ser propriedade do capitalista C. Considere o seguinte contrato: o capitalista oferece um salário fixo de 34 para cada trabalhador se a receita final for N. Se a receita for menor do que N, todos
os trabalhadores são demitidos.
• Se todos os trabalhadores escolhem eC1 = 1, a receita final é
N. Nesse caso, cada trabalhador ganha
3 4 − 1 2 = 1 4
que é melhor do que ser demitido (e ganhar zero). Se um trabalhador decidir trabalhar um pouco menos (ei < 1) , a receita será menor que N e ele será demitido, então para cada trabalhador é individualmente racional escolher ei = 1.
• Nesse caso, o nível eficiente de produção é atingido.
2.3 Custos de transação
• Custos de transação são custos que impedem a elaboração de contratos completos. Ex: racionalidade limitada, seleção adversa, moral hazard, regulação e leis.
• Quando há custos de transação, a alocação de direitos de propriedade é crucial para a eficiência alocativa.
• A propriedade afeta incentivos. • Exemplo: privatizações.
• Privatizações são feitas com o objetivo de aumentar os incentivos e reduzir ineficiências.
• Críticos de processos de privatização normalmente confundem dois argumentos diferentes: o primeiro tem a ver com como,
para quem e a que preço uma empresa estatal deve ser vendida e o segundo discute o mérito da hipótese de supremacia da propriedade privada sobre a propriedade estatal.
• Em princípio, não há nenhuma correlação entre os dois pontos.
• Exemplo: patentes.
• Patentes existem porque é quase sempre muito difícil escrever contratos que criem recompensas para aqueles que inventam novos processos ou bens.
• Patentes geram um problema de monopólio ex-post: o detentor da patente pode cobrar um preço alto pelo produto.
• Patentes geram incentivos a investimentos não contratáveis ex-ante: a quantidade e a qualidade da pesquisa não são facilmente observáveis.
2.4 Características das transações e a propriedade de ativos
• As características das transações: especificidade, frequência, duração, complexidade, incerteza, dificuldade em medir resultados, sinergia.
• Uma transação é mais específica se os ativos envolvidos são específicos à transação. Em particular, quando dois ativos são especializados um ao outros, são chamados de ativos
co-especializados.
(ex.: integração vertical)
• Relações longas tendem a ser mais complexas e a envolver contingências mais difíceis de serem previstas. Isso tende a levar à integração vertical. Por outro lado, transações
muito longas e frequentes facilitam a sustentação de contratos relacionais. Nesse caso, contratos de longo prazo podem ser ótimos.
• Mesmo diante de ativos específicos, na ausência de incerteza ou em contextos pouco complexos, contratos podem evitar problemas de hold up. Portanto, a integração vertical tende a ocorrer em situações de maior incerteza e em transações mais complexas.
• Quando a performance é fácil de ser mensurada, contratos de incentivos substituem à propriedade de ativos. Ex: franchising.
• Sinergia: quando transações são complementares, existe um problema adicional ao problema de motivação: a coordenação de diferentes transações. Transações complementares levam à integração vertical ou a associações de longo prazo.
2.4.1 A corporação moderna
• Quem possui direitos residuais de controle: acionistas, diretores, gerentes ou trabalhadores?
• A quais interesses a corporação deve servir: stockholders (acionistas) vs. stakeholders (partes interessadas)?