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Florestan Fernandes : imperialismo e luta de classes na era do capital monopolista

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Academic year: 2021

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MARIANA CONTI TAKAHASHI

FLORESTAN FERNANDES: Imperialismo e luta de classes na era do capital monopolista

CAMPINAS 2015

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MARIANA CONTI TAKAHASHI

FLORESTAN FERNANDES: Imperialismo e luta de classes na era do capital monopolista

ORIENTADOR: Prof. Dr. Silvio César Camargo

Dissertação apresentada à Pós-Graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de mestra em sociologia.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR MARIANA CONTI TAKAHASHI, ORIENTADA POR SILVIO CÉSAR CAMARGO E APROVADA EM 27/03/2015.

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iv CAMPINAS

2015

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Florestan Fernandes: imperialism and class struggle in the era of

monopoly capital

Palavras-chave em inglês:

Development and underdevelopment Imperialism

Revolutions

Área de concentração: Sociologia Titulação: Mestra em Sociologia Banca examinadora:

Silvio Cesar Camargo [Orientador] Maria Orlanda Pinassi

Michel Nicolau Netto

Data de defesa: 27-03-2015

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vii RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a questão do imperialismo na produção teórica de Florestan Fernandes no período que 1966-1975. Inserido no debate nacional das décadas de 50 e 60 sobre as condições, possibilidades e limitações para a superação do subdesenvolvimento no Brasil, Florestan Fernandes desenvolve uma crítica ao padrão de modernização próprio ao capitalismo dependente. Para ele, a dominação externa imperialista, que articula interesses econômicos e políticos entre as burguesias externas e internas, é um fator determinante para o tipo de ordem social burguesa que se monta na periferia: iníqua, autocrática e dependente. Assim, Florestan recusa a possibilidade do desenvolvimento capitalista independente e democrático como via possível de superação do subdesenvolvimento para os países dependentes da América Latina e passa a refletir sobre a emancipação dos pobres e oprimidos como um processo de revolução necessariamente anticapitalista e antiburguês.

Palavras chaves: Florestan Fernandes, desenvolvimento e subdesenvolvimento, imperialismo, revoluções

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ix ABSTRACT

This research work aims to analyze the issue associated to the imperialism as referred in the theoretical production of Florestan Fernandes in the period of 1966 to 1975. Florestan Fernandes presents a critique inserted on the national debate on the conditions, possibilities and limitations to overcome the underdevelopment in Brazil in which he considers the adopted modernization pattern to be a characteristic of dependent capitalism. The author emphasizes the foreign imperialist domination, which articulates economic and political interests between the external and internal bourgeoisie to be a determining factor for the kind of bourgeois social order generated on the periphery: wicked, autocratic as well as dependent. Thus, Florestan refuses the possibility of an independent and democratic capitalistic development as a possible means of overcoming underdevelopment for the dependent countries of Latin America, reflecting on the emancipation of the poor and oppressed as a revolution process exhibiting an obvious anticapitalistic as well as anti-bourgeois character.

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SUMÁRIO

Introdução ... 1

Capítulo 1 - Contextualização: crise do padrão de dominação burguesa ... 15

Capítulo 2 - A questão do imperialismo ... 47

2.1 A transição do imperialismo restrito para o imperialismo total ... 59

2.2 Contra-revolução burguesa ... 67

Capítulo 3 - Revolução e emancipação em Florestan Fernandes ... 79

Considerações finais ... 101

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Essa dissertação é dedicada à memória de dois velhos lutadores rebeldes: Marconi Costa Conti, meu avô, e Plínio de Arruda Sampaio.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração dessa dissertação, bem como todo o processo que envolveu a realização do Mestrado, certamente só foi possível devido ao companheirismo de pessoas muito especiais.

Agradeço ao meu orientador, o Prof. Dr. Silvio César Camargo, pela paciência e confiança demonstrada durante todo o curso. Nos momentos de maior dificuldade e desânimo essa demonstração de confiança se mostrou imprescindível. Agradeço aos professores que compuseram a banca avaliadora: a Profa. Dra. Maria Orlanda Pinassi pelo apoio e incentivo, desde o início, quando pude realizar o curso sobre Florestan Fernandes na UNESP de Araraquara e a ideia dessa dissertação foi ganhando contorno; e ao Prof. Dr. Michel Nicolau Netto pelos apontamentos bem construtivos feitos na qualificação e na defesa. Ao final de todo esse processo tenho certeza que o mais importante foi o aprendizado em fazer pesquisa sociológica, o que certamente só foi possível devido à orientação cuidadosa desses mestres.

Agradeço aos meus colegas funcionários do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e a todos os funcionários da UNICAMP que, com o seu trabalho cotidiano, muitas vezes não devidamente reconhecido, criam as condições para formação de milhares de estudantes nos cursos de graduação e pós-graduação. Como funcionária desta universidade pude conhecer o “outro lado” do processo de formação acadêmica e pude sentir o peso do elitismo dessa universidade que, na maioria das vezes, restringe aos seus trabalhadores os frutos do conhecimento do qual também são parte. Agradeço também à comunidade da FEAGRI – funcionários, professores e estudantes – pelo apoio prestado. Mas gostaria de agradecer especialmente à minha colega de trabalho Rosângela Gomes, cuja solidariedade e companheirismo foi essencial para que eu pudesse conciliar a rotina de trabalho e o mestrado. Sem essa solidariedade tudo seria muito mais difícil.

Agradeço a todas lutadoras e lutadores que ao longo desses anos de militância pude ter o prazer de compartilhar momentos de alegrias e tristezas, de vitórias e

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derrotas, sonhos e desilusões. Agradeço pelos ensinamentos de coragem, tenacidade e de esperança na humanidade.

Agradeço aos meus pais, aos meus irmãos e à toda minha família pelo apoio carinhoso e compreensão. Agradeço à minha mãe Mara e ao amigo Rodrigo que carinhosamente leram o texto da dissertação e fizeram sugestões de grande valia. Mais do que tudo, o entusiasmo com que receberam o texto final foi um alento em um dos momentos mais difíceis do processo. Agradeço, em especial, ao meu companheiro Amarildo pelo amor e carinho demonstrado nas pequenas e grandes coisas da vida, o que tornou essa caminhada muito mais prazerosa.

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En la lucha de classes todas las armas son buenas piedras noches poemas Paulo Leminski

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1 Introdução

Florestan Fernandes foi um dos mais renomados sociólogos brasileiros e uma das figuras públicas mais importantes do século XX no Brasil. Aluno na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH – USP), em meio aos mestres franceses e norte-americanos, Florestan fez parte da primeira geração de sociólogos formados no país e, como tal, carregava a influência da densa formação em teoria exigida pelos mestres e a tradição do diálogo interdisciplinar com a antropologia, a filosofia, a história, a psicologia social, entre outras. Empreendeu um trabalho científico cuja mola mestra era um constante exercício de “imaginação sociológica” e por isso foi capaz de criar um modo particular de “fazer a sociologia”, de transgredir teses até então consolidadas nos meios científicos e inovar os paradigmas de interpretação do Brasil. Uma das figuras mais importantes da ciência social brasileira, por sua significativa contribuição para o desenvolvimento da sociologia enquanto disciplina científica e por estabelecer um padrão de trabalho acadêmico até então pouco desenvolvido na universidade brasileira, ironicamente Florestan teve uma relação com a universidade revestida de tensões.

Nascido em São Paulo em 1920, de origem social pobre, filho de uma lavadeira portuguesa, Florestan começou a trabalhar muito cedo (foi engraxate, aprendiz de alfaiate, garçom, cozinheiro) e teve que largar os estudos no terceiro ano do curso primário para trabalhar. Só conseguiu concluir os estudos básicos aos 17 anos de idade, em um curso de madureza (o que atualmente corresponderia ao supletivo). Convencido de ingressar na Universidade, Florestan escolhe o curso de ciências sociais por ser de “meio período”, o que lhe possibilitava conciliar estudo e trabalho. Em 1941, ele ingressa então no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. A Universidade era um universo das elites, construída por elas e para elas. Florestan é claramente um “deslocado”, em meio a um ambiente avesso aos de sua classe. Talvez aí estejam as razões por que ele tenha se colocado uma disciplina rigorosa de estudos, pois sabia que apenas a excelência de seu trabalho poderia suplantar as desvastagens que sua origem social lhe colocava. Gabriel Cohn lhe atribuiu por isso “(...) uma posição plebeia perante o mundo: enérgica, intransigente, sobretudo insaciável no empenho de

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apreender (...) no pensamento e na ação tudo o que o novo mundo social lhe sonegava” (COHN, 2005, p. 247).

Superar as barreiras sociais da sua condição não significava, contudo, abandonar as suas raízes. Este era um esforço permanente de Florestan, alvo constante de suas preocupações e que ele conseguiu imprimir com maestria em sua produção teórica e na sua ação militante. Sobre a influência da experiência de convívio com os “de baixo” em sua produção teórica, Florestan diz:

Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a socialização pré e extra-escolar que recebi através das duras lições da vida. Para o bem ou para o mal – sem invocar-se a questão do ressentimento, que a crítica conservadora lançou contra mim – a minha formação acadêmica superpôs-se a uma formação humana que ela não conseguiu distorcer nem esterelizar. Portanto, ainda que pareça pouco ortodoxo e antiintelectualista, afirmo que iniciei minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto e penetrei, pela via da experiência concreta, no conhecimento do que é a convivência humana e a sociedade em uma cidade na qual não prevalecia a ordem de bicadas, mas a relação de presa, pela qual o homem se alimentava do homem¸ do mesmo modo que o tubarão come a sardinha ou o gavião devora os animais de pequeno porte. A criança estava perdida nesse mundo hostil e tinha de voltar-se para dentro de si mesma para procurar nas técnicas do corpo e nos ardis dos fracos os meios de autodefesa para sobrevivência. Eu não estava sozinho. Havia minha mãe. Porém a soma de duas fraquezas não compõe uma força. Éramos varridos pela tempestade da vida e o que nos salvou foi o nosso orgulho selvagem, que deitava raízes na concepção agreste do mundo rústico, imperante nas pequenas aldeias do norte de Portugal, onde as pessoas se mediam com o lobo e se defendiam a pau do animal ou do outro ser humano (FERNANDES, F. 1994, p.123).

Os sujeitos para os quais Florestan volta seus estudos transparecem esta postura ética e o compromisso intelectual com sua classe. O que, no fundo, pode ser considerada “uma postura ideológica”. Os sujeitos são aqueles que a história oficial considerou como “peso morto” e que ele costumava chamar de “os de baixo”, com os quais ele se identificava por sua origem social, por seu ímpeto de sobrevivência e de negação da ordem social. São eles: os índios tupinambás dizimados pela ação dos portugueses colonizadores; os negros escravizados, semi-escravos ou libertos em situação de extrema exclusão, a enfrentar o peso do preconceito racial e tendo que competir por classificação social com brancos europeus imigrantes, em uma situação de profunda desigualdade; os homens livres pobres, nativos ou imigrantes, engolfados vorazmente no processo de desenvolvimento capitalista brasileiro. Dessa forma, foi capaz de desenvolver pesquisas memoráveis e atrevidas. Como, por exemplo, o estudo

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dos tupinambás que contrariava as opiniões correntes da antropologia sobre a impossibilidade de reconstruir teoricamente os aspectos sociais de uma sociedade extinta – Florestan fez essa reconstrução através exclusivamente dos relatos dos viajantes colonizadores. Ou como a pesquisa sobre as relações raciais no Brasil, que revolucionou a compreensão acadêmica sobre essas relações e desconstruiu um paradigma amplamente aceito em todo o mundo sobre uma suposta “democracia racial” no Brasil. Florestan afirmou que o preconceito e a discriminação racial não só existiam como eram constitutivos da modernidade brasileira e definiam o padrão de relação entre as classes.

Como pensador, sempre teve como objetivo desvendar as especifidades da realidade brasileira e latino-americana, bem como o papel dessas sociedades nas relações de poder em âmbito mundial. Como socialista, tinha clareza de que o conhecimento dessa realidade deveria servir aos propósitos de transformação social. Por tudo isso, repisar sua obra é, em nosso entendimento, um pré-requisito para aqueles que visam compreender as tendências, contradições e dilemas da sociedade brasileira e latino-americana e, mais que isso, transformá-la.

Pode-se compreender a obra de Florestan Fernandes no conjunto da produção de pensadores brasileiros, predecessores ou contemporâneos ao autor, com grande interesse por desvendar a sociedade brasileira a partir das heranças históricas e culturais. No século XIX, desde as lutas pela Independência, mas principalmente depois do fim do estatuto de colônia portuguesa e sob o ímpeto de formação de uma nação moderna, pode-se identificar uma importante literatura cujo objeto era a “nação” (IANNI, 1992). Os chamados “intérpretes do Brasil” traziam essa ideia comum de conhecer os aspectos estruturais e históricos da sociedade brasileira, o caráter das transformações ligadas ao procesos de modernização, que tornariam possíveis desvendar a “natureza” da sociedade que se formou a partir do passado colonial. A busca da compreensão dos aspectos formativos da sociedade brasileira se pautava pela identificação dos traços que a diferenciavam dos “tipos clássicos” de transição para modernidade burguesa (RICUPERO, 2007).

Segundo Ianni (1992), embora a reflexão sobre a sociedade nacional seja contínua na história brasileira, nos momentos de crise e ruptura esta reflexão aparece de forma mais abrangente, suscitando novas interpretações que se utilizam das explicações

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anteriores, mas o fazem de maneira original. Assim, pós-Revolução de 1930, a crise na cafeicultura, o surto de industrialização, urbanização, a emergência de um proletariado ainda incipiente, mas com relativa força social, exigiu-se dos intelectuais a reflexão sobre as condições de modernização do país. Já naquele período, os sinais do “Brasil moderno” convivendo com elementos rústicos autoritários e de mandonismo, relações sociais cujos parâmetros pareciam localizados no passado, incompatívies com o futuro que se vislumbrava para a sociedade nacional, levaram intelectuais a se colocarem a questão da nação e da modernização como um “problema nacional” (IANNI, 1992, p. 27-28).

É nesse contexto em que as preocupações de explicação do social, que até então eram majoritariamente produzidas por ensaistas, permeadas de uma linguagem lírica e sem grandes preocupações metodológicas e empíricas, a partir da década de 30 ganham estatuto científico. Especialmente com a criação da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933, e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (FFCL-USP), em 1934, ambas localizadas na cidade de São Paulo, as ciências sociais ganhariam uma sistematicidade científica e linguagem especializada. Pela primeira vez no Brasil, a institucionalização da sociologia proporcionou as condições, pelo menos em âmbito formal, do exercício da disciplina em sua vertente acadêmica e profissional, fato que alterou de forma qualitativa a produção intelectual na sociologia - a partir deste momento moldada pelas exigências do fazer científico (ARRUDA, 1995, p. 120-122).

É nesse contexto que Florestan Fernandes constrói sua carreira acadêmica e por meio dela inegavelmente traz contribuições importantes para o desenvolvimento do campo científico da sociologia e para a própria afirmação da universidade enquanto um espaço de produção de conhecimento sobre o social. Mas Florestan foi além, ele entendia o seu papel intelectual como o de um “servidor”, aquele cujo trabalho deve servir a propósitos coletivos. Questão esta que percorre a vida de Florestan e ao longo dela assume contornos diferenciados. Antonio Candido, amigo e companheiro de trabalho durante vários anos quando eram assistentes de Fernando Azevedo na cadeira de Sociologia II na FFCL-USP, apresenta três momentos na carreira de Florestan: o primeiro, dos anos 40, é o da “construção do saber”. Um intelectual que ao construir o seu saber, fornece também a possibilidade de construção do saber dos outros. O segundo é o Florestan dos anos 50, que volta o saber construído para sua aplicação no mundo. É um momento em que já portador de uma sólida bagagem teórica, Florestan

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dirige esse acúmulo para a explicação de problemas da realidade social. O terceiro momento, nos anos 60, é quando já “(...) tendo aplicado o saber à compreensão do mundo, transforma-o numa arma de combate”. Cândido alerta para o sentido esquemático dessa divisão, pois essas questões se misturam na personalidade do autor ao longo das etapas apontadas, trata-se, segundo ele, de “predominâncias” (CANDIDO, 1987, p. 32-33). Embora esquemática (como assim o é todas as tentativas de periodização da vida de um grande autor como Florestan), essa divisão nos parece elucidativa, pois deixa transparecer que, em cada momento apontado, menos do que rupturas teóricas ou ideológicas, o que se altera na vida de Florestan é o ímpeto por meio do qual ele direciona sua atividade. E é claro que essas mudanças estão relacionadas diretamente às condições concretas e históricas do seu trabalho intelectual.

A força dessa teoria questionadora, marca de Florestan, é orientada para a explicação da realidade com objetivo intrínseco de desvendar as contradições que permeiam as relações sociais. Otávio Ianni (1987) diz que Florestan é o “fundador da Sociologia crítica no Brasil”, isto porque propõe uma teoria que a todo momento questiona a realidade social e o pensamento que se produz sobre ela. O real e o pensado ficam, assim, constatemente submetidos a uma reflexão crítica, o que lhe permite apanhar as desigualdades, diversidades e antagonismo que permeiam essa realidade. A sua paixão pela sociologia talvez esteja exatamente na capacidade dessa ciência em incorporar as tensões e contradições presentes na sociedade de classes. Fazendo referência a um texto teórico-metodológico escrito por Florestan Fernandes em 1980 (A natureza sociológica da sociologia), portanto já em um momento maduro de sua carreira, Ianni nos diz:

Foram as próprias condições sociais nas quais emergiram as Ciências Sociais que as levaram a se defrontar com as diversidades, desigualdades e antagonismos. A sociologia ‘se viu confrontada com as contradições da sociedade de classes em expansão’. Para poder ‘apanhar tais contradições em suas condições, causas e efeitos precisou adaptar suas técnicas de observação, análise e explicação a um padrão de objetividade que incorporasse a negação’ na ordem social (IANNI, 1987, p. 40-41).

Segundo este autor, Florestan retira e desenvolve o conteúdo crítico das teorias sociológicas, perspectiva esta que se torna mais efetiva a partir das sugestões do marxismo. Se nessas teorias as contradições e desigualdades são incorporadas devido à

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força da questão social, a qual elas não podem escapar, mas que em muitos momentos aparecem de forma moderada ou relativizada, no marxismo elas são o ponto de partida e o núcleo do seu poder explicativo. A dialética torna-se, portanto, o instrumental teórico fundamental de análise, pois permite apanhar a totalidade do real em suas múltiplas determinações (IANNI, 1987, p. 42).

O recurso às multíplas perspectivas oferecidas pelas diferentes correntes teóricas da sociologia clássica, com seus métodos e conceitos específicos, responde às necessidades que o próprio objeto de estudo lhes impõe. A compreensão de uma realidade social permeada de contradições, desigualdades e descontinuidades, como a sociedade brasileira e latino-americana, exige que se dê conta de heterogeneidades estruturais e dinâmicas. Incorporar criticamente recursos teóricos e metodológicos dos clássicos (fundamentalmente Durkheim, Marx e Weber) foi a saída encontrada por Florestan para conseguir uma teoria que abrangesse satisfatoriamente a diversidade do seu objeto. Sobre isso, Gabriel Cohn diz: “Acontece que, tanto quanto consigo ver, em Florestan o que importa fundamentalmente são os procedimentos de análise da realidade, os modos de enfrentar a realidade pela via do pensamento analítico. Interessa mais a ordem dos procedimentos para se dar conta da realidade do que a ordem dos conceitos na teoria internamente consistente (...) por que ângulos, por que vias é possível dar conta do objeto na sua diferenciação interna, na sua multiplicidade” (COHN, 1987, p. 49). Nessa perspectiva Cohn diz que Florestan teria uma visão “eclética”, mas não seria um “ecletismo” indiscriminado, “que distribui as possibilidades de aplicação dos diferentes enfoques do real indiferenciadamente”, seria por assim dizer um “ecletismo bem temperado”. Certo é que Florestan Fernandes se propunha à construção de uma teoria sociológica que pudesse interpretar a realidade brasileira e latino-americana de forma a transformar teoria e ciência em uma arma de combate contra as grandes iniquidades sociais que assolam tais sociedades. Para tanto, era necessário compreender a diversidade do social e desvendar as multiplas mediações que compunham e compõem os processos sociais.

Ainda nos anos de 1940, por intermédio do jornalista e amigo Hermínio Sachetta1, Florestan Fernandes participa de um pequeno partido político de origem

1 Hermínio Sacchetta era jornalista da Folha da Manhã, onde conhece Florestan Fernandes, “jovem

brilhante” da Faculdade de Filosofia, que passa a frequentar a redação do jornal e colaborar com ele (SACCHETTA, 1996, p. 51).

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trotskista, o Partido Socialista Revolucionário (PSR), seção brasileira da IV Internacional liderada por Leon Trotsky. Essa primeira militância na juventude durou cerca de uma década, de 1943 até o início dos anos 50. Nesse interregno, como tarefa de militância, Florestan faz a tradução para o português da Contribuição à Crítica da Economia Política, de Karl Marx, e escreve uma introdução memorável. O afastamento do partido se faz por conselho do próprio Sachetta, que o orienta a se dedicar integralmente à sua carreira universitária, pois o aprimoramento de seu talento intelectual seria de maior proveito para o movimento socialista do que sua atuação política limitada em um partido de pouca expressão. Florestan acata o conselho do amigo e passa a se dedicar então integralmente à Universidade, onde constrói rapidamente sua uma carreira acadêmica. Em 1947, defendeu o mestrado na ELSP com a Organização Social dos Tupinambás, sob orientação de Hebert Baldus. Em 1951, defendeu o doutoramento com A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, sob orientação de Fernando Azevedo. Depois, dedica-se a trabalhos de cunho metodológico sobre o uso da abordagem funcionalista na teoria sociológica. Em 1953, defende a tese de livre docência Ensaio sobre o Método de Interpretação Funcionalista na Sociologia e, logo depois, publica Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica, um tratado sobre a teoria e a pesquisa na sociologia.

Contudo, o descolamento entre teoria e prática foi sempre um dilema que o atormentou durante todo o período de construção de sua carreira acadêmica, como demonstra em diversos relatos pessoais sobre sua trajetória2. Frenquentemente ele se

questionava sobre as condições e possibilidades de articular o labor intelectual e a militância política em prol do socialismo. Articulação esta nem sempre bem sucedida no caso de Florestan. Além das opções pessoais, ele aponta razões histórico-sociais para o isolamento universitário. O intelectual socialista se vê obrigado à prática intelectualista, descolada de atividades políticas, devido à ausência de um movimento socialista suficientemente forte para lhe servir de apoio. Principalmente nos anos de 1940 e 1950, essa era uma realidade e, segundo seus relatos, influenciou decisivamente para que suas atividades se voltassem exclusivamente para o âmbito acadêmico. Por outro lado, uma vez delineada sua carreira universitária, a produção intelectual de Florestan adquire paulatinamente um caráter “engajado”. Sobre isso, Coggiola (1995) afirma que a

2 Antônio Candido (2010), como amigo e confidente, relata as “crises de consciência” do socialista

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questão da unidade entre teoria e prática se realiza em Florestan não somente da perspectiva do “engajamento” político propriamente dito, mas também pela ótica do intelectual comprometido com o desenvolvimento histórico real (COGGIOLA, 1995, p. 35)

Nos anos 50, Florestan dedica-se ao estudo das relações raciais no Brasil. A convite do professor Roger Bastide, ele integra uma pesquisa realizada pela UNESCO cujo objetivo era investigar o preconceito racial no Brasil. Esses estudos resultaram na publicação de Brancos e negros em São Paulo (1953), elaborado em conjunto com Roger Bastide. Mais tarde os dados obtidos na pesquisa serviram de base para a monografia A Integração do Negro na Sociedade de Classes, concluída em 1964 e apresentada como tese no concurso de cátedra de Sociologia I, concurso este que lhe deu a posição formal de catedrático na universidade. O estudo sobre o negro, além de representar um marco na compreensão das relações raciais no Brasil, antecipa sua tese sobre a Revolução Burguesa no Brasil. Em nosso entendimento, para além de um processo inconcluso levado a cabo por uma burguesia vacilante, como normalmente tem sido intepretado, o que caracteriza a Revolução Burguesa brasileira é o seu caráter reacionário. É exatamente nos processos que envolvem o regime escravocrata e a forma como se processou a transição para regime trabalho livre que podemos encontrar o gérmem desse caráter. Esse ponto de partida fundamental para sua teoria sobre a revolução burguesa tem origem nos estudos sobre as relações raciais.

A partir dos anos 50, a temática da “mudança social” ganha corpo. O processo de intensa industrialização pelo qual passou o Brasil nas décadas de 40 e 50 reforçou expectativas dos atores sociais acerca da consolidação da nação. Parecia que estavam colocadas as condições concretas e materiais de uma ruptura definitiva com o passado e sua herança. A despeito de inúmeras controvérsias intensamente debatidas no período, a questão do desenvolvimento e, portanto, a problemática do subdesenvolvimento, era um terreno comum. Cabia à intelectualidade o atributo de produzir cientificamente teorias que fundamentassem a ação racional dos agentes políticos, fundamentalmente do Estado, considerado, à época, promotor por excelência do desenvolvimento econômico. O tema da mudança social não é inaugurado por Florestan, mas este lhe dá um contorno autêntico. A preocupação é quanto à natureza da mudança social e às condições concretas em que ela se processa, os agentes envolvidos, suas relações e implicações de interesses, seja na dinamização da mudança social, seja na resistência a ela. Nesse

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contexto, já na direção da cadeira de Sociologia I, Florestan organiza junto com seus assistentes um projeto de pesquisa sobre a modernização no Brasil. Projeto este que ganhará relevo institucional com a consolidação do Centro de Sociologia Industrial (CESIT). A partir daí, Florestan e o grupo que ele orienta se inserem definitivamente no debate sobre as condições, possibilidades e limites do desenvolvimento capitalista no Brasil e na América Latina.

Na década de 60, em um contexto mundial de acirramento da guerra fria, de lutas por libertação nacional pelo mundo, de crescimento do sentimento antiimperialista e de uma série de episódios de rebeliões latino-americanas influenciadas pela Revolução Cubana, a situação política brasileira também passa por um acirramento. Em um cenário de crise econômica, irrompe uma grande efervescência social – grupos de pressão que reivindicavam as “reformas de base”, tal como a reforma agrária, universitária, urbana, política. Em suma, as reformas capitalistas “em atraso”, consideradas pré-requisito para a constituição de uma ordem social autônoma e para democratização da riqueza e do poder político. Tal efervescência alimentou (e em um curto período encerrou) esperanças sobre a mudança progressiva dentro da ordem. À essa época, Florestan, já tendo adquirido relevância no debate nacional, participa diretamente do movimento em curso, principalmente da discussão sobre a reforma universitária. O golpe militar de 1964 interrompe esse processo. Uma vez instaurado o regime militar, a universidade é colocada sob forte controle ideológico e um inquérito policial-militar é realizado dentro da Faculdade de Filosofia da USP para apurar atividades subversivas. Florestan protesta por escrito contra o inquérito, é preso e solto alguns dias depois.

Em 1968, o presidente-general Costa e Silva decreta o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que dava atribuições ao governo militar de expulsar “indesejáveis”, considerados subversivos, das instituições civis e militares. Assim, em 28 de abril de 1969, Florestan Fernandes é aposentado compulsoriamente do cargo de professor que ocupava na Universidade de São Paulo, juntamente com outros dois professores (Jaime Tiomno e João Villanova Artigas). Ao ser expulso da instituição universitária, “pequeno mundo” que ele havia construído como razão de ser de sua vida e para o qual ele havia trabalhado obstinadamente para arregimentar seus alicerces, Florestan vê-se marginalizado e prisioneiro de sua própria casa. Ele então escolhe o exílio político e aceita o convite para lecionar na Universidade de Montreal no Canadá, ainda em 1969. Sozinho, longe de sua família, o exílio foi uma dolorosa experiência, como relata sua

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filha Heloisa Fernandes: saudade da família, o clima frio, a necessidade de adaptação a uma outra língua e a outros valores, o peso de ter sido desterrado, expulso de sua terra e do seu mundo que era a Universidade, a sensação de impotência frente ao regime de opressão instalado no Brasil, tudo isso aparece nas inúmeras cartas enviadas pelo mestre à sua família durante sua estadia no Canadá (FERNANDES, H., 2006, p. 99-100). A carta endereçada a sua mulher Myriam Fernandes (15 de setembro de 1971) e publicada por sua filha, ilustra bem o sentimento de Florestan durante o exílio: “Bem, aqui estou de novo. Cheguei muito cansado (...) e cada vez custa-me mais a rotina de trabalho. Acho que atingi o limite de saturação; recomeçar todo o ano a ensinar novas turmas chega a ser interessante quando se é jovem e quando se ensina na própria língua, estudantes que compartilham as mesmas preocupações e esperanças. Aqui, estou tão distante de todos eles, quanto eles de mim. Decididamente, o sacrifício não paga a pena (...). Estou pensando em pedir demissão” (Apud FERNANDES, H., 2006, p. 101-102).

Embora doloroso, o período no exílio foi profícuo para Florestan retomar a leitura dos clássicos do marxismo e para trilhar a construção de um marxismo original vinculado à realidade brasileira e americana. Nesse período, a questão latino-americana ganha uma dimensão maior na teoria de Florestan, por meio dos estudos sobre os regimes autoritários instalados em diversos países (“fascismo latino-americano”) e sobre experiências de rebelião contra esses regimes. Poder e contrapoder na América Latina (1981) é publicado nesse período.

Florestan retorna do exílio três anos depois, mas permanece aprisionado no isolamento que o governo militar lhe impõe. Isolado do convívio familiar, a sua “bela prisão” como ele dizia, solitário, distante de seu trabalho como professor e pesquisador, sem possibilidade de alguma participação política, assim permanece até 1977. Recusa-se a solicitar reintegração à USP, retorna ao campus da universidade apenas a convite do Diretório Central dos Estudantes para ministrar um curso sobre a Revolução Cubana. Segundo Heloísa Fernandes, os fatos acima relatados (a aposentadoria compulsória, o exílio no Canadá, a marginalização que sofreu nos círculos universitários quando retorna ao Brasil) fazem “implodir” o scholar e trazem à tona o militante socialista. Conforme relatos da filha, igualmente impactante para essa mudança de postura foram as leituras dos clássicos do socialismo e da história das revoluções socialistas. Florestan utiliza o tempo livre no exílio para estudar as revoluções socialistas na Rússia, na China e em Cuba. Essas leituras contribuiram para, em suas palavras:

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liquidar as últimas hesitações e todas as esperanças: dentro do capitalismo só existem saídas, na América Latina, para as minorias ricas, para as multinacionais, para as nações capitalistas hegemônicas e sua superpotência, os Estados Unidos (...) a sociedade capitalista não oferece alternativas à maioria (...). Eu estava pronto para escrever a última parte de A Revolução Burguesa no Brasil (Apud FERNANDES, H, 2006, p. 104).

E assim o faz. Isolado em seu escritório, Florestan Fernandes escreve a sua obra “mais politicamente engajada”: terceira parte de A Revolução Burguesa no Brasil (1975), Circuito Fechado (1976), Da Guerrilha ao Socialismo: a revolução cubana (1979) e O que é Revolução (1981).

Na década de 80, Florestan refaz o “caminho inverso” que havia feito na juventude e retorna à militância política. Mesmo com a saúde combalida, Florestan aceita o convite da direção do PT para se integrar no partido e sair candidato a deputado nas eleições que elegeriam a Assembleia Nacional Constituinte. Eleito em 1986 como o segundo deputado mais votado do partido (o primeiro foi Luiz Inácio Lula da Silva), com o lema de campanha Contra as ideias da força, a força das ideias, participou da formulação da constituinte de 1988. Depois, em 1990, foi reeleito deputado com o lema Sem medo de ser socialista. Vladimir Saccheta (filho de Hermínio Sacchetta que havia o conduzido a sua primeira experiência de militância na juventude) relata: “O Florestan que emergiu aí – e pude testemunhar muito de perto esse marco em seu percurso, acompanhando-o até o final – não era mais aquele jovem dividido diante de duas opções, o PSR ou a Universidade. Tornara-se um homem-síntese, ainda mais radical que, aliando teoria à prática, personificava a ciência como instrumento transformador” (SACCHETTA, 1996, p. p. 51).

Nesse período a militância política vem à tona e a produção intelectual de Florestan Florestan assume um caráter imediatamente engajado, por meio de artigos em que ele discute e opina sobre questões concretas da conjuntura. Por meio deles aparece claramente a intenção da disputa de rumos e do poder político sob a ótica da classe trabalhadora. Esse é o período publicista de Florestan. Ele passa a escrever constantemente para jornais e revistas, participa de palestras e debates, principalemente aquelas realizadas pelos movimentos sociais, tem uma contribuição importante para as reflexões partidárias e discute com firmeza os rumos do PT.

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Coggiola sintetizou com precisão o papel da “teoria engajada” na vida de Florestan Fernandes: este seria, em si, “portador simultâneo (‘combinado’) da modernidade (burguesa) e da sua negação socialista”, pois sem a introdução da modernidade sociológica no pensamento brasileiro, este ficaria atrelado às visões de mundo patrimonialistas, próprias de uma modernidade burguesa ambígua e vacilante (COGGIOLA, 1995, p.34). Por outro lado, Florestan Fernandes compreendia a necessidade, social e histórica, da crítica à modernidade burguesa, para a qual a ciência, em especial a sociologia, cumpriria um papel importante desde que submetida à própria crítica. Esta provinha simultaneamente de um campo exterior à sociologia acadêmica, isto é, do marxismo, e de um campo interior a esta, como “manifestação da autoconsciência da crise sociológica”.

A perspectiva do intelectual engajado aparece claramente no prefácio de Em busca do socialismo (seu último livro, publicado em 1995). Nele Florestan Fernandes afirma que não existe neutralidade possível para o intelectual. Independentemente de sua vontade, na sua prática intelectual ele se relaciona com o poder, se não o detém diretamente pelo menos de alguma forma se relaciona com as “fontes e o exercício do poder”. Por isso, adotar uma postura de neutralidade significa o mesmo que disfarçadamente participar do poder e “exercê-lo hipocritamente”. O intelectual deve optar, portanto, entre o compromisso com os exploradores ou com os explorados (FERNANDES, 1995, p. 29-30).

Era um momento de transição da sociedade brasiliera. Depois de mais de trinta anos de governo militar, estava em gestação a Nova República. Florestan compreende a importância desse processo e não deixa de tecer duras críticas aos arranjos políticos tecidos entre as elites para garantir uma “transição lentra, gradual e segura”. Para Florestan, a transição à democracia foi uma transição transada. As classes dominantes puseram em prática aquele velho recurso em que tudo muda para que tudo permaneça igual. Florestan alerta para as ilusões construídas em torno da defesa da democracia. As velhas oligarquias latifundiárias e a burguesia industrial, modernizada e fortelecida pelos vínculos orgânicos com o grande capital monopolista, continuavam no poder. As classes trabalhadoras e suas organizações de classe deviam defender a democracia e lutar para levá-la às ultimas consequências, mas não deviam se deixar levar pelos encantos do discurso cínico daqueles “democratas de conveniência”, mais interessados em manter intactos seus privilégios seculares. As classes trabalhadoras haviam sido

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derrotadas, pois a transição fora um pacto entre elites. Cabia agora fincar trincheiras no regime democrático para fortalecer sua capacidade de luta e construir autonomia de classe na defesa do socialismo.

Neste estudo pretendemos discutir como Florestan Fernandes desenvolve suas teses sobre o domínio imperialista do capital monopolista na América Latina e, mais especificamente, no Brasil. Dada a extensão e a densidade da obra do nosso autor, não nos propomos a trabalhar a integralidade da obra e sim textos redigidos entre 1966 e 1975 (período que corresponde aproximadamente ao intervalo de redação e publicação do ensaio A Revolução Burguesa no Brasil). O período pós-64 nos interessa particularmente, pois é quando Florestan desenvolve conceitos e teses que se tornarão pilares para sua interpretação do particular processo de formação e desenvolvimento do capitalismo na periferia. É quando a temática da subordinação nacional aos centros hegemônicos e a situação crônica de exploração e de pobreza extremada dos povos trabalhadores latino-americanos é consistentemente desenvolvida. Em meio a acontecimentos políticos no Brasil e na América Latina, Florestan Fernandes reavalia suas posições teóricas sobre as possibilidades e os limites de uma mudança progressiva dentro da ordem, ou “revolução dentro da ordem”. Os efeitos da contrarrevolução institucionalizada gerariam marcas profundas no seu pensamento rebelde. Não pretendemos com isso esgotar o tema, mas organizar uma possível leitura que possa abrir caminhos para estudos posteriores.

No primeiro capítulo, buscamos reconstruir o contexto social e político do fim da década de 50 até meados da década de 60, e procuramos fazer um apanhado geral de teorias com as quais o autor estabelecia um diálogo crítico, seja explicita ou implicitamente. No segundo capítulo, apresentamos uma releitura de como o domínio imperialista ganha contornos na teoria de Florestan e passa a orientar sua visão do presente e os prognósticos futuros para os povos latino-americanos. No terceiro capítulo, tratamos da questão da revolução e emancipação em Florestan Fernandes - questão esta que, em nossa leitura, permeou todo o pensamento do autor. Se no início de sua carreira e de sua militância, a revolução aparecia como um ideal abstrato, fruto de sua experiência e da negação intuitiva de Florestan em relação à ordem capitalista, a partir das experiências políticas vividas e do percurso intelectual traçado pelo autor, esta ganha um caráter científico e indissociável da sua concepção de História.

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Capítulo 1 - Contextualização: crise do padrão de dominação burguesa

A compreensão da teoria de um autor exige sempre a contextualização de suas ideias. Para entender o significado de uma obra é necessário considerar os processos históricos aos quais seu autor está vinculado, as questões e os dilemas que a realidade suscitava no momento de sua produção, bem como o debate de ideias que predominava no período. O objetivo deste capítulo é estabelecer um panorama geral das questões debatidas nos principais círculos intelectuais e institucionais acerca das condições, possibilidades e entraves ao desenvolvimento econômico e social da sociedade brasileira nos anos de 1950 e 1960 e analisar os principais fatos sócio-históricos aos quais esse debate está relacionado. Ainda que considerado em seus aspectos gerais, esse panorama faz-se importante para localizar as formulações de Florestan Fernandes e, assim, elucidar seu conteúdo.

O fato mais marcante do período em questão é inegavelmente o golpe militar de 1964. O golpe militar fora uma reação violenta empreendida pela elite brasileira ao intenso processo que tornou mais agudas as contradições sociais latentes na sociedade brasileira, relativas à modernização e à implantação do capitalismo industrial desde os anos 30. O golpe deflagrado era uma saída burguesa à crise no pacto de poder “populista” que governara o país desde então. Se já demonstrava sinais de esgotamento desde meados dos anos 50, como o demonstra a crise política que culmina no suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, o pacto elitista em torno do populismo tornou-se incapaz de manter a estabilidade da ordem diante de uma conjuntura geopolítica mundial de polarização e depois do período de intensa modernização produtiva, industrialização pesada e complexificação da sociedade civil que se iniciou nos anos de 1940.

Esse momento de crise estrutural da sociedade brasileira reflete, do ponto de vista econômico, as transformações ligadas à transição de uma estrutura agrário-exportadora para uma estrutura de produção capitalista urbano-industrial e o acirramento de contradições relacionadas ao modelo de transição adotado. Do ponto de vista social, a industrialização trouxe à cena política novos agentes sociais, novas formas de socialibilidade, uma nova ambiência sociocultural e um novo estilo de vida ligado às atividades urbanas. Sociabilidade esta que alterou a dinâmica das relações

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entre as classes, colocando os conflitos e disputas sociais em um novo patamar (MARTINS, 2008).

Segundo Florestan Fernandes, o golpe escancarou a incapacidade da burguesia brasileira em lidar com o conflito subjacente às relações com as demais classes sociais, revelando a natureza social conservadora, autocrática e antinacional da nossa burguesia. Esta se utilizou do controle autocrático do poder estatal para, por meio da violenta repressão policial, esmagar o amplo movimento de uma vontade social transformadora que emergia na sociedade brasileira. À época, novos agentes sociais adentravam o cenário político e exigiam o poder de decisão dos rumos da sociedade nacional, poder que até então estivera sobre o monopólio exclusivo da elite. E se muito embora o conteúdo da mudança social não estivesse bem definido entre esses agentes sociais, é inegável que este amplo movimento refletia uma vontade social de democratização da riqueza e do poder político.

O golpe militar interrompeu também, no plano teórico e político, um amplo debate que havia sido construído entre os círculos intelectuais brasileiros sobre as possibilidades de um desenvolvimento capitalista nacionalista, autônomo e democratizante. As ciências sociais, em especial, haviam incorporado as questões suscitadas pela problemática da “transição para a modernidade” como objeto de estudo, o que fica evidente nos temas dos principais trabalhos desenvolvidos no âmbito dessas ciências nesse período. São recorrentes temas como a mudança social, a polarização atraso x moderno, a questão do desenvolvimento social e o subdesenvolvimento, a secularização e a racionalização das ações sociais, a polarização reforma e revolução social, imperialismo e nacionalismo, planejamento social (MARTINS, 2008, p.3).

Paralelamente ao trato dessas questões pelas instituições científicas e universitárias, observa-se a modernização das instituições estatais, que passam a incorporar trabalho desses intelectuais e se utilizar de algumas dessas teorias sobre o desenvolvimento como orientadoras de políticas ou, pelo menos, como legitimadoras delas. Em suma, medidas de centralização e racionalização administrativas, cultural e social criaram as bases para a constituição de um projeto político de desenvolvimento nacional a partir da intervenção racional do Estado – projeto este que esteve sob constante disputa, teórica e política, em diferentes momentos e de distintas formas pelos setores progressistas da sociedade. Tal projeto pressupunha necessariamente a

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incorporação do papel da ciência que se tornava instrumento indissociável do Estado. Segundo Tatiana Martins (2008),

Se, há centralidade da ideia de construção da nação, a noção de desenvolvimento nacional vai ganhando força e tomando diferentes expressões nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, a associação entre o papel intelectual e desenvolvimento adquirirá legitimidade, se não concretamente, pelo menos no discurso do considerado período “populista” no Brasil, ou seja, entre os anos de 1930-1964. Por isso, pode-se dizer que esses fatores dão impulso para os desdobramentos posteriores que caminham com o processo de modernização brasileiro (MARTINS, 2008, p.17).

O papel do intelectual emerge nesse contexto, embebido de reformismo e ligado à definição do papel do Estado na consolidação do capitalismo nacional. Esta associação, herdada progressivamente desde 1930, consolida-se com a criação de instituições que justificam o papel do intelectual no processo político, como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) o e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), e por meio de um debate teórico que abrange diversas correntes do pensamento progressista (autores vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, às Universidades Brasileiras, centros de pesquisa e de manifestação cultural) sobre os dilemas e possíveis caminhos para a modernização da sociedade brasileira.

Segundo Ridenti (2009-2010), o debate sobre o desenvolvimento nacional era o grande tema nos anos de 1950 e 1960. Por “desenvolvimentismo” entende-se uma denominação genérica para diferentes correntes do pensamento econômico e sociológico que se pautavam na ideia comum de superação do subdesenvolvimento econômico e social por meio da intensificação do crescimento econômico e da industrialização, tendo como suporte fundamental a ação estatal planejada. O Estado era considerado peça chave na coordenação de um plano de desenvolvimento nacional de unificação de diferentes classes sociais, mas com claro protagonismo da burguesia industrial. O papel atribuído às classes sociais e à dinâmica da relação entre interesse nacional e capital externo alteravam-se a depender da corrente teórica considerada. Referindo-se à classificação do pensamento econômico brasileiro dos anos 50 e 60 realizada por Bielschowsky (2000), Ridenti menciona três matrizes institucionais desenvolvimentistas que foram derrotadas com o golpe de 1964: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão diretamente ligado ao governo federal cuja função

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seria formular e disseminar uma concepção de desenvolvimento nacional que se tornasse elemento de mobilização e ganhasse o apoio das massas; a Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), organismo das Nações Unidas voltado para o desenvolvimento latino-americano; e o Partido Comunista Brasileiro (PCB), organização de esquerda que propunha a necessidade de uma etapa nacional e democrática no desencadeamento da revolução socialista (RIDENTI, 2009-2010, p. 52-53).

Uma análise mais acurada dessas três matrizes permite identificar diferenças não insignificantes no seu pensamento, mas ainda assim é possível dizer que as três matrizes institucionais mencionadas compartilhavam, além dos pressuspostos desenvolvimentistas apontados acima, uma mesma visão dualista da sociedade brasileira. A teoria dualista compreendia a sociedade brasileira como se esta fosse cindida em duas: um setor moderno e dinâmico representado pelas relações industriais, de caráter eminentemente capitalistas e em acelarado desenvolvimento na década de 50 e início da década de 60, mas cuja a eficácia e amplitude era limitada pelo setor arcaico. Já este setor identificado com o “atraso” era constituído por relações pré-capitalistas residuais originárias da colonização, fundamentalmente de bases agrárias, que se apresentava como um entrave à modernização. Em maior ou menor grau, estava presente também uma concepção linear do desenvolvimento econômico, pressuposto segundo o qual o desenvolvimento capitalista no Brasil, se não deveria trilhar os mesmos caminhos das nações consideradas avançadas no sistema econômico mundial, tinha o mesmo ponto de chegada. Essas eram consideradas “modelos” de sociedade nas quais vigorava o bem estar social. Em suma, as matrizes institucionais mencionadas partilhavam de uma concepção de “desenvolvimento” que significava industrialização, modernização do Estado e afirmação da nação, e exatamente por esse meio, a eliminação de relações e instituições arcaicas, de origem colonial, responsáveis pelas desigualdades regionais, pelas mazelas sociais que abatiam a sociedade brasileira e pelos entraves ao pleno desenvolvimento.

A partir de uma breve descrição das ideais predominantes nessas instituições é possível ilustrar o denominado “desenvolvimentismo” no Brasil na década de 50 e 60. Não que tais instituições encerrem a rica formulação teórica construída em torno dos pressupostos do desenvolvimento nacional, mas pelo peso político e institucional que adquiriram podem ser consideradas representativas dos paradigmas que influenciaram

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de forma determinante o conjunto de debate teórico e político da época. Este trabalho não se propõe a fazer uma análise sistemática dessas instituições, considerando divergências internas a cada uma delas, bem como mudanças teóricas que internamente tenham ocorrido de acordo com as alterações na conjuntura. O que se pretente é identificar de maneira geral as bases e os fundamentos do pensamento desenvolvimentista. Isto se faz importante pois os seus principais teóricos aparecem como interlocutores, implícitos ou explícitos, não apenas de Florestan Fernandes, mas do conjunto de intelectuais que se constituiu em torno de sua figura, a chamada “escola paulista de sociologia”3. Como veremos adiante, um dos elementos que unificou e

orientou a atividade intelectual de Florestan Fernandes e dos demais teóricos da escola paulista nos anos 60 foi exatamente a crítica aos pressupostos do desenvolvimentismo e a tentativa de construção de um novo paradigma teórico de explicação da realidade brasileira e de superação dos seus dilemas.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) foi um órgão governamental criado em 14 de julho de 1955 no Rio de Janeiro, pelo presidente João Café Filho, que assumira o governo depois do suicídio de Getúlio Vargas, em 19544. O ápice das

3 Arruda (1995) defende a denominação de “escola paulista” em referência ao grupo de intelectuais que se

constitui em torno de Florestan Fernandes no curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP). A autora afirma que a denominação “escola” carrega uma certa arbitrariedade, pois este grupo não detinha a exclusividade do trabalho sociológico na instituição, que contava com professores como Azis Simão, Antonio Candido de Mello e Souza, Ruy G. de Andrada Coelho e Maria Isaura Pereira Queiroz, entre outros. Contudo, a produção desses não se fez de maneira suficientemente articulada para que se possa considerar algum outro “grupo” teórico da FFCL-USP no período. A denominação “escola” se faz pela proximidade temática e de pressupostos teóricos desenvolvidos por Florestan Fernandes e seus assistentes, e, fundamentalmente, pela importância dos trabalhos desenvolvidos que marcaram o “fazer sociológico” da instituição, apresentando “(...) uma complexidade incomum para os padrões até então vigentes” (ARRUDA, 1995, p. 119-120). Neste trabalho faremos uso da denominação “escola paulista” no mesmo sentido. Salientamos que o atributo de “direção teórica” ao mestre Florestan Fernandes não exclui as particularidades no pensamento de cada um desses intelectuais e caminhos próprios trilhados por eles, não exclui também a relação conflituosa que se esboçou entre Florestan Fernandes e seus assistentes.

4 Segundo Toledo (1997), a ideia matriz que permitiu a criação do ISEB estava em gestação desde os

últimos anos do Governo Vargas, quando alguns intelectuais propuseram a criação de um grupo de assessores técnicos do governo federal, cuja função seria auxiliá-lo nas tarefas que hoje se atribui ao Estado moderno. Nascia assim, em 1953, o “Grupo de Itatiaia”, que posteriormente deu origem ao Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), sob a direção de Hélio Jaguaribe. Faziam parte desse instituto vários intelectuais que, mais tarde, viriam a compor o ISEB: Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré e Roldand Corbisier. Contudo, a fragilidade institucional do IBESP, cujo alcance político e teórico estava limitado à publicação da revista “Cadernos do Nosso Tempo” pressionou no sentido da criação de uma instituição de projeção nacional e juridicamente mais definida. Em 1955, o presidente Café Filho cria o ISEB. Segundo o Regulamento Geral do Instituto, este estava vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, subordinado ao ministro de Estado, embora dotado de “autonomia administrativa e plena liberdade de pesquisa, opinião e de cátedra”. Durante os nove anos que esteve em vigor, o ISEB promoveu cursos, conferências, seminários de estudos, pesquisas, entre outros, com a participação de autoridades estatais e funcionários públicos, inclusive de

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atividades intelectuais e políticas do órgão, bem como sua filiação mais direta e explícita ao nacional-desenvolvimentismo, ocorreu no quinquênio correspondente ao governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Embora os intelectuais que o formavam tivessem divergências consideráveis entre si, eles partilhavam de ideias comuns ligadas ao próprio sentido e razão de ser do instituto. Dentre elas, havia um diagnóstico crítico da situação de atraso da cultura brasileira, a qual estava associada a ideia de alienação, da recepção passiva e acrítica de uma cultura importada e descolada das necessidades concretas da nação. Em contrapartida, propunham a busca de um processo de autoconsciência, no qual se vislumbrava a produção cultural independente e autônoma, essa sim umbilicalmente ligada à realidade brasileira e à vontade nacional. Exercia forte influência no ISEB a tese de Roland Corbisier de “situação colonial”. Segundo essa concepção fortemente influenciada pela filosofia existencialista, o colonizado aparece como não detentor do seu próprio ser, como objeto do colonizador. A cultura brasileira era considera como produto da transplantação cultural, fruto da incapacidade dos intelectuais do passado em realizar interpretações originais a partir do conhecimento estrangeiro adquirido. Caberia à intelectualidade brasileira efetuar essa ruptura com o passado tradicional, produzindo e propagandeando uma cultura autêntica e voltada para a solução dos próprios problemas (MARTINS, 2008, p. 29-30). Em contraposição a esse pensamento alienado, os intelectuais no ISEB se colocavam o objetivo de construir uma “ideologia do desenvolvimento”, isto é, um pensamento autônomo capaz de responder às necessidades de desenvolvimento da sociedade brasileira e capaz de ser um elemento inspirador de mobilização das massas que deveriam sustentar politicamente esse projeto (TOLEDO, 1997).

Toledo (1997) identifica uma teoria das classes e de contradições sociais subjacente ao pensamento isebiano construída para fundamentar e legitimar a “prática ideológica nacional-desenvolvimentista”5. Para os isebianos, a contradição fundamental existente na formação social brasileira seria entre nação x antinação, isto é, entre polaridades que se localizariam entre estagnação e desenvolvimento, sendo que cada alto escalão, empresários industriais, líderes sindicais, parlamentares, professores e estudantes universitários (TOLEDO, 1997, p. 203-205).

5 Toledo (1997) aponta diferenças nas concepções dos principais autores isebianos, diferenças estas que

não inviabilizam a identificação de pressupostos comuns. Diz o autor: “Pode-se afirmar que o nacionalismo foi a ideologia hegêmonica no interior do ISEB, particularmente durante o período que correspondeu ao governo JK. Contudo, errôneo seria pensar que houvera uma unanimidade entre os isebianos quanto a conteúdo, limites e possibilidades da ideologia nacionalista. A rigor não teria existido uma única ideologia isebiana; várias, isto sim, foram as compreensões ideológicas do nacionalismo dentro dessa instituição” (TOLEDO, 1997, p. 143-144).

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uma dessas polaridades poderiam abrigar, como agentes sociais, parcelas da burguesia, da classe média e do proletariado. Parcelas diferentes destas três classes sociais fundamentais estariam identificadas com cada um dos polos, a depender da relação que elas mantinham com o processo de industrialização do país – favorecendo-o ou obstaculizando-o. Essas parcelas de classe assumiriam, então, o caráter “dinâmico e produtivo” ou “estático e parasitário”. Entre os setores modernos, considerados “dinâmicos e produtivos”, encontrariam-se a burguesia industrial, o proletariado urbano e rural e a classe média produtiva. A atividade econômica destes setores contribuiria para a promoção do desenvolvimento econômico e social e, portanto, para afirmação nacional e a desalienação da sociedade brasileira, sendo que o papel de liderança nesse processo era normalmente atribuído à burguesia industrial.

Em oposição ao polo modernizador, dentre os setores tradicionais, “estáticos e parasitários”, encontrariam-se a classe latifundiária beneficiada pelo sistema de plantation e pela perpetuação do país como centro exportador de bens extrativo-agrícolas; a burguesia mercantil ligada aos negócios de importação dos produtos europeus industrializados e também um setor da burguesia empresarial ligado a empreendimentos pouco produtivos e não-eficientes. Helio Jaguaribe apontava ainda como parte do setor “estático parasitário” a classe média parasitária composta por funcionários públicos, civis ou militares cuja atividade não correspondeia aos serviços exigidos pelo país; e uma parcela do proletariado urbano, devido à persistência das instituições de proteção ao trabalho formadas no período de subdesenvolvimento, quando a demanda pela força de trabalho industrial era menor do que a oferta (TOLEDO, 1997, p. 133-137).

Segundo o ISEB, a centralidade da contradição entre nação x antinação, correspondendo cada uma às polarizações atrasado x moderno, seria própria de uma sociedade em transição para o desenvolvimento. Para essa teoria, sob essa condição de transição para uma sociedade moderna, a contradição capital x trabalho teria uma importância apenas secundária e com pouco poder explicativo da realidade nacional. Tal contradição ganharia relevância apenas em sociedades capitalistas industriais cujo patamar de desenvolvimento já fora alcançado. Toledo (1997) critica a teoria das relações de classe isebiana apontando que esta aparecia de forma superficial e bastante esquemática entre os seus autores. Não se propondo a aprofundar pesquisas teóricas e empíricas sobre as classes sociais, suas frações e suas relações objetivas, os teóricos

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isebianos construíram uma teoria cujo papel era menos explicativo do que de legitimação do projeto nacional-desenvolvimentista encampado pela instituição (TOLEDO, 1997, p. 133-137).

Muito embora a crença na centralidade da contradição entre nação e antinação na formação social brasiliera era compartilhada por todos os teóricos isebianos, as diferenças entre eles ganharam maior relevância na definição do polo antinação. Segundo Toledo (1997), Alvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier e Nelson Werneck Sodré acreditavam que dentre os setores que se constituíam como obstáculo ao projeto nacional-desenvolvimentista, o principal agente era o imperialismo. Este aparece sempre como uma força social exclusivamente externa, nunca concebida em sua atuação desde o interior da nação subdesenvolvida. A única associação do imperialismo com os setores nacionais era atribuída àqueles cuja atividade econômica se voltavam para o exterior. Roland Corbisier aponta que os “setores parasitários” mencionados acima “aceitavam” o imperialismo, pois se beneficiavam imediatamente da situação de subdesenvolvimento da nação. Os isebianos não conseguiam conceber, portanto, uma afinidade de interesses entre o capital estrangeiro e o empresário industrial nacional. Como boa parte da esquerda progressista do período, o ISEB atribuía à burguesia industrial brasileira uma orientação nacional (e anti-imperialista) que depois se revelaria profundamente equivocada.

Guerreiro Ramos e Cândido Mendes assumiram uma posição intermediária, sem uma definição muito precisa do que denominavam “centros dominantes” ou “centros metropolitanos”, apontando-os como opositores ao desenvolvimento, mas sem nunca identificá-los com o conceito de imperialismo. Hélio Jaguaribe, por seu lado, nunca apontou o imperialismo como força antagônica ao desenvolvimento ou atribuiu ao investimento estrangeiro uma força espoliadora; pelo contrário, parecia ter uma postura até bastante favorável à ação do capital externo, como auxiliar do capital nacional no processo de desenvolvimento nacional (TOLEDO, 1997, p.137-140).

Como pode ser observado, o nacionalismo isebiano não significava a completa rejeição do capital estrangeiro. O ISEB não partilhava das teorias nacionalistas mais radicais que antepunham o desenvolvimento entre centro e periferia, considerando o subdesenvolvimento da última pré-condição necessária ao desenvolvimento da primeira. Para eles, era plenamente possível o desenvolvimento igualitário de todas as nações. No

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entanto, colocavam de maneira enfática a necessidade do reconhecimento de interesses não coincidentes e demandavam às nações subdesenvolvidas a encampação de um projeto e de uma estratégia de desenvolvimento nacional.

De maneira geral, os teóricos do ISEB concebiam a revolução capitalista dividida em duas etapas necessárias à consolidação da acumulação de capital e à incorporação sistemática de progresso técnico: a revolução comercial e a revolução industrial. A transição ao capitalismo nacional e autônomo só seria completada por uma revolução nacional que daria origem ao Estado nacional moderno como “instrumento de ação coletiva para uma estratégia de desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2005, p. 8). De uma maneira geral, nesse processo de revolução capitalista, o poder político deveria se concentrar na mão de empresários e burocratas estatais, cujo papel protagonista é bastante claro. Os trabalhadores assalariados teriam papel secundário embora crescente à medida que se consolidaria a democracia e os mecanismos institucionais de participação política. Podemos dizer, portanto, que o programa de revolução nacional proposto pelo ISEB, condizente com a teoria das classes sociais apresentada acima, pressupõe um regime de colaboração entre as classes. Isto significa que o projeto de nação por eles vislumbrado demandava a associação entre empresários, tecnoburocracia pública e privada e os trabalhadores assalariados rurais e urbanos, com o claro protagonismo dos primeiros.

A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), teve como documento fundacional o “Manifesto Latino-Americano”, elaborado pelo argentino Raúl Prebisch, em 1949. O primeiro diretor da CEPAL inaugura uma vertente crítica à teoria das vantagens comparativas, tributária do liberalismo econômico e que exerceu forte influência no pensamento latino-americano6. Segundo Raúl Prebsich, o suposto “senso de universalidade” presente nas teorias econômicas elaboradas nos países desenvolvidos carregaria não somente falsos pressupostos, como objetivamente atuariam para perpetuar a condição periférica, pois a falsa ilusão de uma difusão linear e equânime do progresso técnico em todos os países do sistema econômico escondia desvantagens estruturais dos países periféricos frente à divisão internacional do trabalho. Segundo este, nas relações comerciais entre nações do centro e da periferia do sistema capitalista,

6 Segundo Toledo (1997), é possível reconhecer a influência dos conceitos cepalinos acerca da polaridade

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