Poder Judiciário da Paraíba Tribunal de Justiça
Gabinete da Desembargadora Maria das Neves do Egito de A. D. Ferreira
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CÍVEL No 001.2010.024808-5/001 - CAMPINA GRANDE
RELATOR: Juiz Marcos William de Oliveira, convocado, em substituição à Desembargadora Maria das Neves do Egito de A. D. Ferreira
APELANTE: Estado da Paraíba, representado por seu Procurador, Francisco Glauberto Bezerra Júnior
APELADA: Maria do Carmo Silva Batista DEFENSOR: Paulo Fernando Torreão
PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO OU CONGÊNERE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REJEIÇÃO.
—STF: "Fornecimento de medicamentos a paciente hipossuficiente. Obrigação do Estado. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita. Obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes." (AI 604.949-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-10-06, DJ de 24-11- 06). No mesmo sentido: AI 649.057-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-07, DJ de 17-8-07. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEMANDANTE PORTADORA DE SÍNDROME DA APNÉIA
E
HIPOPNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO. DIREITO
FUNDAMENTAL À SAÚDE. FORNECIMENTO DE
APARELHO. OBRIGAÇÃO DO ESTADO.
INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. ITEM NÃO INCLUÍDO EM LISTA DO
SUS. PRECEITOS CONS lii UCIONAIS QUE DEVEM
PREVALECER. DESPROVIMENTO.
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- "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." (art. 196 da Constituição Federal de 1988).
- A alegação do Estado de que o aparelho requerido pela apelada não consta na Portaria no 1.318/02 não impede sua concessão, pois as normas e princípios constitucionais são hierarquicamente superiores às demais normas (infraconstitucionais e infralegais) do sistema jurídico.
✓ ISTOS, relatados e discutidos estes autos.
ACORDA a Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, à unanimidade, rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva adcausam e, no mérito, negar provimento ao apelo.
O ESTADO DA PARAÍBA interpôs apelação cível, inconformado com a sentença (fls. 39/44) do Juízo de Direito da ia Vara da Fazenda Pública de Campina Grande, que julgou procedente o pedido formulado na ação ordinária de obrigação de fazer, ajuizada por MARIA DO CARMO SILVA BATISTA, condenando-o ao fornecimento do aparelho CPAP do tipo AUTO A-FLEX, com máscara do tipo CONFORT Gel, da marca RESPIRONICS, nos moldes requeridos na exordial, até o término do tratamento, sob pena de multa.
O apelante alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva
ad causam, sob o fundamento de que é do Município de Campina Grande a
obrigação de fornecer o tratamento solicitado.
No mérito, fez menção à cláusula da reserva do possível, no sentido de que nenhum serviço pode ser criado sem a correspondente fonte de custeio, e que o Estado não possui disponibilidade financeira para o fornecimento do aparelho; que o Poder Judiciário não pode intervir no juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública, sob pena de caracterizar afronta ao princípio da separação dos poderes.
Nas suas contrarrazões (fls. 59/61), a apelada pugnou pelo desprovimento do recurso, considerando que os fatos narrados nos autos estão suficientemente provados e que é patente a necessidade do tratamento indicado.
compreendidos os três níveis da federação, devem agir simultaneamente, possibilitando a realização das ações e serviços de saúde.
Por esse motivo, o Estado, no âmbito de sua atuação, ou seja, dentro de seu território, deve garantir o direito à saúde, previsto pela Constituição da República, adotando as providências cabíveis para manter em condições de atendimento as unidades de saúde sob seu comando e direção, sem a necessidade de chamamento ao processo de outro ente federado.
Com essas considerações, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam.
Passo à análise do mérito recursal.
Sendo a saúde pública de responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, qualquer um deles poderá ser acionado judicialmente na garantia do direito à vida e à saúde, como no caso presente, em que a apelada busca o fornecimento de aparelho adequado ao tratamento da doença de que é portadora, conclusão a que se chega da leitura do art. 196 da Constituição Federal, In verbis.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O Estado da Paraíba tem, portanto, a obrigação de fornecer o aparelho de forma gratuita aos carentes, aos necessitados, que não têm condições financeiras de suprir o tratamento adequado. Se não o faz, ofende a disposição constante da norma supracitada, gerando o direito de buscar no Judiciário seu recebimento, pois, como um direito de segunda geração, não se exige a inércia do Estado, mas uma atividade positiva, a fim de garantir sua efetivação.
A jurisprudência pátria já decidiu a esse respeito, nos termos a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA DOS ENTES FEDERADOS. TRATAMENTO DOMICILIAR. APARELHO (CPAP). NECESSIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR PÚBLICO. I - Os Municípios, Estados e a União são solidariamente responsáveis pela prestação do serviço de saúde. II - Constatada a necessidade do aparelho pleiteado (CPAP) para garantia da saúde do paciente, bem como sua hipossuficiência diante do alto custo do referido equipamento, a procedência do pedido é medida que se
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impiie. III - O Defensor Público, quando atua contra Fazenda Pública diversa daquela que mantém a respectiva Defensoria Pública, faz jus aos honorários advocatícios. IV - Deve ser mantida a quantia fixada pelo juiz, a título de honorários, quando se apresenta razoável diante das circunstâncias do caso concreto.'
APELAÇÕES CÍVEIS. FORNECIMENTO DE APARELHO CPAP, SÍNDROME DE APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO SEVERA, DEVER DO ESTADO. - Ausência de interesse recursal quanto à condenação ao pagamento de honorários à Defensoria Pública, uma vez que a autora está representada por advogado constituído. - Aos entes da Federação cabe o dever de fornecer gratuitamente tratamento médico a pacientes necessitados (artigos 6 0 e 196 da Constituição Federal). - Até prova em contrário, o medicamento receitado ao paciente por seu médico é o que melhor atende ao tratamento da patologia que lhe acomete. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. - Com o advento da Lei Estadual no 13.471/2010, fica isenta a Fazenda Pública do pagamento das custas processuais e dos emolumentos. Isenção que não se aplica às despesas judiciais, diante da decisão liminar proferida nos autos da ADI no 70038755864. CONHECERAM EM PARTE DAS APELAÇÕES, NEGARAM PROVIMENTO À DO MUNICÍPIO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À DO ESTAD0. 2
Desse modo, resta configurada a necessidade de a promovente ter seu pleito atendido, uma vez que o direito lhe é assegurado de forma constitucional e infraconstitucional, não havendo como ser negada a pretensão de exigir o cumprimento da referida prestação pelo Estado.
Não se trata, aqui, de violação à separação dos poderes, pois o Judiciário não está adentrando no mérito administrativo da questão, atingindo a conveniência e oportunidade da Administração, pois, tratando-se de direito social, a saúde pública deve assegurar o mínimo existencial aos cidadãos.
As regras constitucionais não são meros ideais, mas normas programáticas e, como tais, devem ser postas em prática por meio de programas que reflitam os anseios da Carta Magna. O Poder Judiciário pode intervir na formulação das políticas públicas para assegurar a garantia do mínimo existencial, a menor porção necessária para manter-se a dignidade da pessoa humana através
I TJMG - Apelação Cível N° 1.0112.09.088528-9/001, 8a câmara cível, Relator: Des. Bitencourt Marcondes, Data do
Julgamento: 04/08/2011 Data da Publicação: 05/10/2011.
2 DRS - Apelação Cível No 70039351143, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Mala,
das prestações estatais.
Igualmente, não prevalece a alegação da reserva do possível. É certo que a viabilização dos direitos sociais, através da execução de políticas públicas, está condicionada à existência de recursos materiais disponíveis para tanto, sendo que o Estado, apesar de obrigado a cumprir as normas asseguradoras de prestações sociais, poderá escusar-se da obrigação em virtude de impossibilidades materiais devidamente comprovadas.
Mas este não é o caso. Primeiro, porque o Estado apelante não se desincumbiu desse onus probandi, apenas afirmando a falta de recursos. Segundo, porque, apesar de a efetivação dos direitos sociais estar vinculada à reserva do possível, a parcela mínima necessária à garantia da dignidade humana jamais poderá ser esquivada, cabendo ao Judiciário, mediante provocação, corrigir eventuais distorções que atentem contra a razoabilidade e a proporcionalidade.
Quanto ao argumento de que aparelho requerido não estaria inserido no rol da Portaria no 1.318/02 do Ministério da Saúde, o desiderato recursal cai por terra, especialmente porque, não custa lembrar, as normas e princípios constitucionais são hierarquicamente superiores às demais normas (infraconstitucionais e infralegais) do sistema jurídico.
Por isso, entendo que o direito à saúde, constitucionalmente assegurado, suplanta a aludida portaria. Há que se privilegiar o direito à vida em detrimento de escusas construções burocráticas, servíveis, apenas e tão somente, para que o Estado se exima de sua obrigação legal de promover o bem de todos. Trilha nesse sentido a jurisprudência, conforme o seguinte precedente:
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO À SAÚDE. APNÉIA. FORNECIMENTO DE CPAP - APARELHO DE PRESSÃO POSMVA CONTÍNUA. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. O aparelho necessário ao tratamento do autor só foi fornecido após a concessão da antecipação de tutela, o que afasta a pretensão de reconhecimento de perda do objeto da ação. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. O Estado é parte legítima para figurar no pólo passivo de demanda que tem por finalidade o fornecimento de aparelho para controle de apnéia. Comprovada a necessidade do tratamento e a carência financeira para adquiri-lo, é dever dos entes públicos o fornecimento, garantindo as condições de saúde e sobrevivência dignas, com amparo nos artigos 196 e 197 da Constituição Federal. NÃO INCLUSÃO NAS LISTAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. O fato de não constar o equipamento das listagens do Ministério da Saúde não exime os réus de fornecê-lo a usuário que não dispõe de recursos para custeá-lo e dele
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necessita. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. São devidos honorários pelo Município ao FADEP. Precedente do ST3 em recurso repetitivo (RESP no 1.108.013/R3, processado na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil) e verbete no 421 da Súmula daquela Corte, a contrário senso. CUSTAS. É a Fazenda Pública isenta do pagamento de custas, como estipula o art. 11 do Regimento de Custas, Lei no 8.121/85, com a redação dada pela Lei no 13.471/2010. APELAÇÕES DO MUNICÍPIO PARCIALMENTE PROVIDA E DO
ESTADO DESPROVIDA. 3
Portanto, conclui-se, de forma veemente, que o direito da apelada de receber o aparelho descrito na exordial encontra respaldo nos dispositivos citados, não cabendo ao Estado suprimi-lo, com argumentações inócuas e desprovidas de qualquer sustentáculo legal.
Ante o exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, no mérito, nego provimento à apelação.
É como voto.
Presidiu a Sessão a Excelentíssima Desembargadora MARIA DE FÁTIMA MORAES BEZERRA CAVALCANTI (Revisora), que participou do julgamento com ESTE RELATOR (Juiz de Direito Convocado, com jurisdição
limitada, para substituir a Excelentíssima Desembargadora MARIA DAS NEVES DO EGITO DE A. D. FERREIRA) e com o Excelentíssimo Desembargador MARCOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE.
Presente à Sessão o Excelentíssimo Doutor FRANCISCO ANTÔNIO SARMENTO VIEIRA, Promotor de Justiça Convocado.
Sala de Sessões d'aN\ Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, ,em Jo o Pessoa/PB, 10 de abril de 2012.
Juiz MA M DE OLIVEIRA
Re ator
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Apelação Cível No 70042581843, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Almir Porto da Rocha Filho, Julgado em 10/08/2011.
TRIBUNAL DE JUS flO Diretoria Judiciária Regie,trado e .