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Orçamento participativo e movimento hip hop: duas formas distintas de protagonismo sócio-espacial 1. A geograficidade do social

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Orçamento participativo e movimento hip hop: duas formas distintas de protagonismo sócio-espacial

Glauco Bruce Rodrigues1 1. A geograficidade do social

A Geografia fez um fundamental avanço teórico na medida em que entende o espaço geográfico como um produto e uma condição para o desenvolvimento, consolidação e reprodução de uma sociedade (SOUZA, 1988, 1997, 2000; SOJA, 1993; SANTOS, 1996; GONÇALVES, 1999, 2002).

Ainda assim, o diálogo da Geografia com as demais ciências sociais encontra-se limitado, por um lado, por uma negligência da própria teoria social crítica em relação à geograficidade do social, em outras palavras, da importância de compreender o espaço como um elemento constituinte da sociedade e por outro, pelas próprias limitações da Geografia (sejam teóricas, metodológicas, pela falta de visibilidade da produção geográfica).

Nesse sentido, diversos autores chamam, criticamente, a atenção para o descaso na teoria social crítica para com o espaço (SOJA, op. cit. SANTOS, op.cit; SOUZA, op. cit.; OSLENDER, 2002). Ora o espaço é utilizado como uma metáfora sem que tenha maiores implicações para a compreensão das práticas humanas; ora o espaço é entendido como um produto social ou como um reflexo da sociedade. Outros, ainda, embalados pela ideologia da globalização neoliberal, como Manuel Castells (1999), vaticinam que o espaço estaria perdendo sua importância explicativa, uma vez que estaríamos vivendo em uma “sociedade em rede”, onde os fluxos são mais importantes do que as continuidades espaciais e que o espaço teria sido superado pela velocidade das técnicas de informação e transportes.

Parte desta negligência para com o espaço está ligada ao fato de se tomá-lo, quase sempre, como sinônimo de distância que, superada pela velocidade, acabaria com o espaço. Todavia, a distância não é o único atributo do espaço. Michel Foucault (1998a e 1998b) já insistira que o espaço é antes de tudo uma

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categoria política. Demarcar o território, distribuir estruturas produtivas, fixar limites, organizar pessoas, são práticas de poder que se expressam e constituem qualquer sociedade humana. Espaço e poder são indissociáveis (SOUZA, 1995).

Sustentamos que não existe sociedade a-geográfica assim como não existe espaço geográfico a-histórico. Assim como todo o espaço geográfico está impregnado de historicidade, a história está, sempre, impregnada de geograficidade. A geograficidade é uma condição para a própria história, uma vez que o fazer histórico, o devir social implica em construir uma geografia, organizar o espaço, instituir territórios.

Nestas condições, o espaço geográfico é ao mesmo tempo um produto social e uma condição para a realização e reprodução da própria sociedade. Nessas condições, o espaço geográfico possui, ao mesmo tempo, o atributo da materialidade (a relação entre objetos, seres e fenômenos) e o atributo do imaginário, da subjetividade e do simbólico.

Nesta perspectiva, SOUZA (1988), faz uma dura crítica ao pensamento que tenta separar espaço e sociedade e dar um estatuto ontológico próprio ao espaço, concedendo-lhe autonomia em relação ao mundo social. O autor afirma, categoricamente, que “Espaço e Sociedade não podem ser vistos como dois elementos autônomos de um conjunto, dois entes separáveis” (p. 26). Mais adiante, o autor continua: “Erigir, portanto, em objeto epistemologicamente autônomo o palco [o espaço] é tão despido de sentido quanto não considerar os atores em conexão com o seu palco concreto (...)” (p.27).

Sem dúvida essas formulações são cruciais para a produção de uma geografia teoricamente consistente e politicamente atuante. No entanto, ainda existem certas limitações teóricas, metodológicas, temáticas e políticas que dificultam aprofundar e qualificar a análise das práticas sociais.

Nesse sentido, a preocupação teórica, metodológica e política da Geografia para com os homens e mulheres de carne e osso (THOMPSON, 1998) que constróem, vivenciam e experimentam o espaço tem sido, historicamente, reduzida. Apesar dos avanços teóricos, metodológicos e temáticos realizados pela

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Geografia crítica ou radical, que politizara a análise do espaço geográfico, a maioria desses trabalhos dedicou-se ao estudo e análise do funcionamento, das estratégias, mecanismos e práticas de dominação. O foco principal de análise eram as estruturas sociais, principalmente a estrutura econômica e em menor escala a política. Em outras palavras, o avanço realizado tem ficado bastante circunscrito à análise das estratégias de reprodução do capital e o papel do Estado como um agente facilitador dessa reprodução. A ações e práticas de resistência a essas dinâmicas tiveram, comparativamente, pouca atenção.

Nossa proposta, neste trabalho, é a de somar esforços a geógrafos que se dedicam ao estudo dessas formas de resistência, que são os movimentos sociais ou de forma mais ampla, com o protagonismo social (SOUZA, 1988b, 2003; GONÇALVES, 1998, 2001; ROGRIGUES e GONÇALVES, 2002; FERNANDES, 2000a, 2000b e 2001). Nesse sentido, escolhemos duas formas de protagonismo social para mostrar como existem várias maneiras das pessoas se organizarem para se apropriar do espaço urbano e se colocar como protagonista efetivos, diretos, no que diz respeito à gestão dos recursos públicos, nos debates sobre direitos e deveres, na participação no planejamento urbano, segurança pública, enfim, na instituição de novas relações sócio-espaciais: o movimento hip hop e a experiência do orçamento participativo.

2. O protagonismo sócio-espacial

Protagonista é aquele que busca se colocar como principal sujeito de uma ação, aquele que se coloca em movimento. O protagonismo social é a ação de um grupo, classe ou segmento da sociedade que se coloca como principal sujeito na dinâmica social, é a forma de se colocar e se afirmar como produtores da história e do devir social. O protagonismo social significa que as pessoas tomam para si próprias o controle de suas vidas, constróem estratégias de ação coletiva para se colocarem como sujeitos políticos efetivos, amenizando e buscando superar os limites da democracia representativa e, principalmente, colocando-se como

Desenvolvimento Sócio-Espacial, vinculado ao Departamento de Geografia da UFRJ

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portadores de novos direitos políticos, culturais, econômicos, estéticos, sexuais, etc. O protagonismo social implica um complexo processo de construção social de uma identidade coletiva, de um imaginário social, uma subjetividade, formas de organização, manifestação, possibilidades concretas de organização, margem política e econômica de manobra e, por fim, o interesse em superar determinada condição social.

Esse complexo processo de construção dos protagonistas sociais nos leva a recusar completamente qualquer análise reducionista que pretende explicar os movimentos sociais somente pela análise das condições objetivas de existência (que podemos chamar das condições concretas pelas quais as pessoas são exploradas pelo capital), assim como as análises subjetivistas que preconizam compreender a dinâmica dos protagonistas sociais valendo-se apenas dos aspectos simbólicos, subjetivos e identitários, como se estes não possuíssem nenhuma relação com o mundo concreto.

SADER (1988), faz uma brilhante crítica às duas formas de se pensar e explicar os movimentos sociais. O autor chama a atenção para o perigo político e analítico de se pretender explicar o protagonismo social por determinações estruturais políticas e econômicas à revelia das experiências concretas das pessoas. O esquema teórico herdado (por exemplo, CASTELLS, 1976 e 2000; GOHN, 1985) buscava explicar os movimentos sociais como uma “resposta” às contradições da sociedade capitalista, são movidos pelas próprias estruturas político-econômicas tornando secundária a mediação cultural e simbólica entre sujeitos e estruturas. Em outras palavras, cada movimento social pode ser entendido como uma expressão das contradições geradas pelo capitalismo em determinadas condições particulares. Os movimentos sociais urbanos, por exemplo, são entendidos como uma resposta às carências e desigualdades estruturais do capitalismo responsáveis pela segregação sócio-espacial, concentração de equipamentos coletivos em áreas ricas e de classe média, etc. As lutas urbanas podem ser reduzidas, dessa forma, como lutas de diversos setores da classe trabalhadora para melhorar suas condições de reprodução, ou

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seja, os movimentos sociais são uma forma de defesa das condições de reprodução da força de trabalho dentro da estrutura de reprodução do capital.

Dentro deste esquema teórico, são as condições objetivas gerais, estruturais, que são, em última análise, os elementos que engendram o processo de luta. Esse procedimento não nos permite apreender o que existe de singular em cada movimento social, ou seja, dentro de um esquema teórico onde as estruturas são definidoras a priori das ações dos protagonistas (processos de luta contra a reprodução do capital, em linhas gerais, podendo ser revolucionários, reformistas ou reivindicativos) não há espaço para a análise das construções imaginárias, culturais e simbólicas de cada coletividade, o que impossibilita e identificação do que existe de singular em cada tipo de protagonista social, do que o torna especial.

Na verdade é sempre possível relacionar os processos sociais a características ‘estruturais’, só que esse procedimento não adiciona uma vírgula à compreensão do fenômenos. Apenas dá a aparência de segurança teórica, ao situar um caso particular num esquema interpretativo consagrado (SADER, 1988:38)

A crítica sobre o caráter reducionista da análise do protagonismo social à luz essencialmente das condições objetivas de existência também pode ser feita ao conjunto teórico que as elimina da análise e preconiza exclusivamente os aspectos subjetivos, simbólicos e culturais dos protagonistas como se essas não tivessem relação alguma com o mundo concreto, ou em outras palavras, com as condições objetivas de existência.

Esse procedimento também opera por reducionismo, uma vez que toda a multiplicidade e diversidade dos processos sociais fiquem circunscritos aos aspectos simbólicos, subjetivos, culturais. A construção da identidade, dos aspectos simbólicos são analisados quase que de forma independente das condições objetivas, como se eles, por si só pudessem elucidar o processo de construção do protagonismo social.

O pano de fundo da questão é a relação entre sujeito e estrutura social. Como se dá a mediação entre ambos, até que ponto existe uma independência ou

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determinação de um sobre o outro. Assim como outros autores (CASTORIADIS, 1982; SADER, op. cit.; GUATTARI e NEGRI, 1987) o que sugerimos é a necessidade de se superar a falsa dicotomia existente entre sujeito e estrutura, entre condições objetivas e subjetividade. A construção do mundo social se dá nessa relação indissociável entre o concreto e o simbólico. Nesse sentido,

se considerarmos que a ’realidade objetiva’ não é exterior aos homens, mas está impregnada dos significados das ações sociais que a constituíram enquanto realidade social, temos que considerar os homens não como soberanos indeterminados, mas como produtos sociais (SADER, 1988:45).

Vamos pensar os movimentos sociais enquanto uma modalidade específica de protagonismo social. Entendemos os movimentos sociais como uma coletividade que se constitui dentro de um processo de luta em um determinado contexto sócio-espacial. A constituição de uma coletividade está condicionada a um processo de conformação de subjetividade coletiva e individual (GUATTARI e ROLNIK, 1986) que vai sedimentar as identidades coletivas, os interesses compartilhados, as práticas sociais instituídas pelo grupo, as estratégias de ação política, a cultura, a estética, identidade étnica, de gênero, a construção de um imaginário, símbolos, códigos e linguagens singulares.

A conformação dessa subjetividade coletiva se dá no processo de luta, ou seja, os movimentos sociais se constituem em um processo de luta concreta em um determinado contexto sócio-espacial.

De acordo com GONÇALVES (1999),

a expressão movimento social ganha, assim, para nossa compreensão das identidades coletivas um sentido geográfico muito preciso: é que o vemos como aquele processo através do qual um determinado segmento social recusa o lugar que , numa determinada circunstância espaço-temporal, outros segmentos sociais melhor situados no espaço social pelos capitais (Bourdieu) que já dispõem tentam lhe impor e, rompendo a inércia relativa em que se encontravam, se mobilizam movimentando-se em busca da afirmação das qualidades que acreditam justificarem sua existência (p. 69).

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Os movimentos sociais indicam, rigorosamente, mudança (movimento) de lugar (social), sempre recusando o lugar social que lhes são impostos por uma ordem sócio-espacial hegemônica (GONÇALVES, op. cit.).

3. Movimento hip hop e orçamento participativo

Nesta perspectiva, o hip hop pode ser considerado como um movimento político-cultural, produzido por pessoas que moram em periferias, favelas e conjuntos habitacionais que através da arte vão construir uma série de práticas e discursos que se apropriam do espaço urbano em uma relação conflituosa com a ordem hegemônica.

O hip hop é um movimento social que nasce nos bairros negros das grandes cidades americanas, na década de 70, sendo que podemos localizar sua gênese em Nova Iorque. Neste momento, o hip hop faz parte de uma conjuntura que se caracteriza por uma série de lutas por direitos civis e políticos por parte dos negros americanos contra um sistema de segregação social, étnica e espacial. A partir dos EUA, o hip hop se difunde pelo mundo, mas sempre surgindo de bairros pobres e miseráveis das cidades onde se desenvolve. Fica evidente a relação entre o hip hop e o lugar de onde ele surge: periferias, guetos e favelas.

Dessa forma, podemos pensar o hip hop como um movimento social pois ele é uma forma de organização popular, em níveis diferentes, que constrói uma subjetividade coletiva e individual e se estrutura em práticas políticas, econômicas e artísticas que têm como objetivo fundar novas relações sociais. A construção das suas práticas e da subjetividade coletiva e individual é indissociável dos territórios construídos pelo movimento, ou seja, dos lugares de onde ele vai emergir, que são as periferias sociais das cidades do mundo.

A dinâmica de constituição dos protagonistas e movimentos sociais – a relação e mediação das estruturas e dos sujeitos, a experiência das condições objetivas, a construção de valores, significados, cultura – se dá em uma relação indissociável com o lugar (socialmente constituído) de onde os protagonistas emergem. A constituição de sujeitos sociais se dá a partir de determinados lugares sociais instituídos pela dinâmica social e desses lugares emergem dinâmicas

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próprias, discursos e práticas singulares, modos de agir e se organizar específicos, objetivos particulares. Assim como apenas a análise da estrutura social ou do sujeito em si, alienado das estruturas sociais, não nos permitem apreender a singularidade de cada protagonista, uma análise dos protagonistas que não considere o lugar social que os constituem e que são constituídos por eles, torna-se insuficiente.

É a partir do lugar que se constróem os discursos e práticas que vão sustentar e dar consistência ao movimento social. No caso do hip hop, a sua rede discursiva é formada por elementos que constituem o lugar de onde ele emerge: violência policial, racismo, desigualdades, pobreza, miséria e ao mesmo tempo, alegria, prazer, esperança, luta, imaginação e criação. É impossível pensar o hip hop dissociado do lugar de onde emerge, que são favelas, periferias, conjuntos habitacionais. A trama do urbano constitui este movimento, ao mesmo tempo em que este movimento se inscreve no urbano se apropriando de suas formas e de seus conteúdos através das suas práticas para criar algo novo na cidade: são os grafites que colorem e dão outro significado à paisagem, são os grupos de break, que através da dança mudam o ritmo da vida, são as letras dos raps que resignificam as periferias e favelas.

Essa resignificação do urbano, da cidade pela cultura deve ser percebida ao mesmo tempo como uma resignificação política da cidade. Enquanto no discurso e nas representações hegemônicas as favelas e periferias são lugares de criminosos, do caos, da barbárie, onde não existem leis, normas, e por isso mesmo devem ser alvo de políticas repressivas, autoritárias e violentas – como os cercamentos e remoções de favelas, ações policiais violentas, projetos de urbanização feitos à revelia da população -, no discurso do hip hop, as favelas e periferias são lugares de luta, de resistência contra opressões, descasos e violências; são lugares onde moram trabalhadores, pessoas honestas, artistas que reinventam suas vidas a todo momento em busca alegrias, para superar dificuldades, etc. Existe claramente um conflito de discursos e é neste conflito que podemos observar a construção efetiva do movimento hip hop. Quando ele constrói um discurso que faz uma crítica contundente à segregação

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sócio-espacial, ao racismo, á violência policial, às diversas formas de discriminações e de desigualdades, ele se coloca no plano da luta política e deve ser visto como um dos “agentes produtores do espaço urbano”.

Daí a necessidade da Geografia incorporar os movimentos sociais às suas preocupações, pois o que o movimento hip hop propõe é construir novas territorialidades, novas “geografias” distintas das que aí estão. O que temos é uma determinada ordem, uma determinada “ordem geográfica” consagrada e mantida por poderes hegemônicos que buscam sufocar e impedir a construção dessas novas territorialidades.

Além do hip hop, também vamos apresentar o orçamento participativo como uma forma de protagonismo social.

O orçamento participativo é uma experiência que se construiu a partir de uma série de contribuições distintas (movimentos sociais, partidos políticos, ONGs), mas que só pôde se constituir efetivamente a partir da ação do Estado, que ao criar o orçamento participativo, criou um canal institucional oficial de participação da sociedade civil na formulação e gestão do orçamento público.

O orçamento participativo é uma experiência com amplas possibilidades e potencialidades de instituir novas relações sócio-espaciais, que dizem respeito à discussão, formulação e gestão de parte ou da totalidade do orçamento público e do planejamento e gestão urbanos de um município pela sociedade civil junto com o Estado. Nesta perspectiva, o orçamento participativo pode funcionar como uma importante experiência de protagonismo social a partir de uma nova forma institucional de organização, apropriação e gestão do espaço urbano. SOUZA (2003), afirma que

Na sua essência, o orçamento participativo consiste em uma abertura do aparelho de Estado à possibilidade de a população (de um município ou mesmo de unidades territoriais administrativas supralocais) participar, diretamente, das decisões a respeito dos objetivos dos investimentos públicos (p. 344)

Além de instigar e institucionalizar elementos da democracia direta, o que consideramos crucial para o desenvolvimento de uma sociedade efetivamente

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democrática, o orçamento participativo oferece uma oportunidade de romper com formas de planejamento e gestão que são elitistas, tecnocráticas e, por isso mesmo, são autoritárias e discriminatórias. O pressuposto hegemônico do planejamento e da gestão urbanos convencionais é que estes cabem aos políticos profissionais (“representantes do povo” e que por isso teriam legitimidade para definir as políticas públicas, os orçamentos, etc.) e aos técnicos, pois estes possuiriam o saber “científico”, “racional”, “neutro” e que por isso mesmo os capacita para tomarem as melhores e mais justas posições. Romper com essa prática significa fazer com que a população possa participar efetiva e diretamente da gestão e do planejamento urbanos, cabendo a ela decidir como será feita a distribuição dos recursos, as prioridades, os projetos e as melhorias que devem ser realizadas.

Essa forma de participação direta representa um avanço significativo na organização da sociedade civil, que no caso do orçamento participativo deve se dar de forma a mais autônoma possível, ou seja, livre de práticas clientelistas, populistas e de cooptação por parte de grupos políticos específicos e pelo próprio aparelho de Estado.

Estamos cientes de que o orçamento participativo não é em si mesmo uma garantia de uma participação efetivamente democrática, pois assim como outros canais institucionais, ele depende de uma série de fatores para ter êxito. Dentre eles, podemos destacar a conformação de forças e as margens de manobra política são decisivos para o sucesso desta experiência.

A conformação de forças, a criação de um arco de alianças políticas e a existência de uma margem de manobra são elementos que variam de lugar para lugar, o que significa que o êxito da experiência do orçamento participativo está condicionado ao lugar em que ele é estabelecido. Além de variar nos lugares, devemos considerar a escala em que está sendo implementada esta experiência. A mudança de escala leva a diferenças qualitativas nos elementos que constituem o orçamento participativo. Nessa perspectiva, dependendo da escala (bairro, município, estado, região ou país) as correlações de forças são distintas, as alianças políticas são outras e as margens de manobra diferentes.

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Novamente chamamos a atenção para a necessidade da Geografia incorporar a discussão do protagonismo social e sua geograficidade, uma vez que o orçamento participativo é uma experiência em que as relações de poder, a organização do território via planejamento e gestão de um orçamento público são constitutivas do processo de organização sócio-espacial. Temos outro exemplo de como sociedade e espaço não podem ser analisados como ente separados de um conjunto, mas sim fazendo parte do mesmo movimento de constituição, criação e reprodução sócio-espacial.

4. Conclusão

Finalizando, podemos perceber que este trabalho possui dois objetivos básicos. O primeiro é salientar a importância das experiências de organização da sociedade civil para se colocar como protagonista política no que se refere ao uso, apropriação, gestão, planejamento e organização do espaço urbano. O segundo é demonstrar de forma empírica duas formas de protagonismo social distintos. O hip hop é uma forma não institucionalizada, uma auto-organização independente do Estado para se reproduzir. Suas práticas são político-culturais fundadas em um discurso crítico da segregação sócio-espacial, do racismo, da violência policial, da pobreza e da miséria. Enquanto isso, o orçamento participativo é uma forma de protagonismo social institucionalizada, que em certa medida depende da iniciativa do Estado. A forma de atuação dos protagonistas se dá através de mecanismos institucionais e oficiais e lidam diretamente com bens e recursos públicos, logo, a forma de atuação e organização é totalmente diferente do hip hop.

Seria uma forma “melhor” ou “mais adequada” do que a outra? Não nos parece. A nosso ver, são inserções/movimentos/canais distintos, que exploram distintas arenas políticas e diferentes possibilidades.

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