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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06A1875

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06A1875

Relator: URBANO DIAS Sessão: 27 Junho 2006

Número: SJ200606270018751 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.

EMBARGOS DE EXECUTADO LETRA DE CÂMBIO

RELAÇÕES MEDIATAS PERSONALIDADE JURÍDICA

Sumário

No domínio das relações mediatas, apenas é lícito à pessoa accionada por virtude de uma letra de câmbio opor excepções ao seu portador se este tiver, ao adquiri-la, procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Não há que confundir a responsabilidade dos sócios de uma sociedade com a responsabilidade da própria sociedade.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I -

"AA" deduziu embargos à execução que lhe foi movida por Empresa-A Alegou, em suma:

- Nunca ter sido devedor daquela e que a letra dada à execução apenas foi por si aceite em resultado de negócio que lhe foi proposto por BB, sócio-gerente da exequente e Presidente da Associação Naval 1º de Maio, para que ele pudesse receber parte da verba que a associação desportiva lhe devia por ter sido treinador da sua equipa de futebol, na quantia de 4.200.000$00.

- Que aquele descontaria junto de um banco, pagando o respectivo montante ao embargante e, enquanto presidente daquela agremiação desportiva,

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entidade bancária.

- Que a actuação da embargada foi consciente e em seu detrimento, sendo-lhe, por isso, oponíveis as excepções fundadas nas suas relações pessoais com o sacador, peticionando a procedência dos presentes embargos e a consequente extinção da execução, bem como a condenação da embargada como litigante de má-fé.

A exequente-embargada contestou, pedindo a improcedência dos embargos, alegando a existência de um empréstimo efectuado por BB ao executado-embargante, em face das dificuldades económicas da Associação Naval 1º de Maio em pagar a este, tendo entretanto a letra sofrido algumas reformas, que alega terem sido pagas por BB, e ter recebido a referida letra por endosso deste, concluindo estar de boa-fé e não ter agido com a consciência de

prejudicar o embargante, não lhe sendo oponíveis as excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador.

O processo seguiu para julgamento, vindo, afinal a ser julgados improcedentes os embargos deduzidos.

Com esta decisão não se conformou o embargante que apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo esta proferido decisão revogando a da 1ª

Instância e julgando, pois, os embargos procedentes.

Foi a vez da exequente-embargada recorrer para este STJ, pedindo revista do acórdão proferido, tendo, para o efeito, apresentado as respectivas alegações que concluiu do seguinte modo:

- A sentença proferida em 1ª Instância deve ser integralmente confirmada, decidindo-se pela improcedência dos embargos de executado.

- A letra é um título cambiário que obedece aos princípios da literalidade, abstracção e autonomia, sendo inoponíveis ao portador mediato as excepções decorrentes das relações pessoais entre o devedor aceitante e o sacador ou anteriores portadores, cf. decorre do art. 17° da LULL.

- A matéria de facto foi assente em 1ª Instância e dela não podem conhecer as instâncias superiores.

- Desde logo, o devedor não logrou provar a inexistência de um direito cartular subjacente ao próprio título, pelo que ele existe tal e qual como está

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conformado no título, não provando o embargante executado que foi «forçado» a aceitar a letra.

- Ainda que assim se não entendesse ao embargante executado competiria provar os pressupostos constitutivos do seu direito e in casu os pressupostos do preenchimento da excepção à inoponibilidade prevista no artigo 17°

- O embargante não provou que a recorrente, portadora mediata e exequente, tenha procedido, ao adquirir a letra, conscientemente em detrimento do

devedor. Ficando-se por uma mera conclusão de que pretenderia obviar à utilização dos seus meios de defesa face ao sacador, não alicerçada em quaisquer factos, maxime na inexistência de um direito de crédito da Recorrente sobre o BB.

- O acórdão recorrido violou, assim, o art. 17° da LULL.

- O acórdão recorrido não respeitou a separação entre a pessoa jurídica da recorrente e o seu sócio gerente BB, fazendo um quase levantamento da personalidade jurídica daquela primeira, sem qualquer fundamentação. O recorrido, em contra-alegações, defendeu a manutenção do acórdão impugnado.

II -

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1 - Na letra junta aos autos principais consta, nomeadamente, como local e data de emissão, Figueira da Foz, 04/06/1999, vencimento, 04/09/1999,

importância, 4.500.000$00, e no local do sacador está o nome BB e assinatura do mesmo, e no local do aceite está a assinatura de AA, o ora embargante. 2 - No verso de tal documento antecedido da assinatura de BB, consta o carimbo da gerência da ora embargada Empresa-A, seguido de uma assinatura.

3 - "BB" é o Presidente da Associação Naval 1º de Maio. 4 - "BB" é sócio gerente da Empresa-A, ora embargada.

5 - O embargante foi treinador da associação desportiva Associação Naval 1º de Maio entre sensivelmente a segunda quinzena de Março e Agosto de 1999. 6 - Conforme a cláusula VII do acordo escrito subscrito pelo ora embargante e a Associação Naval 1º de Maio, junto a fls. 8 a 11, intitulado "contrato de trabalho", o ora embargante, na qualidade de treinador da equipa de futebol sénior da Associação Naval 1º de Maio, teria a receber desta, no mês de Junho

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de 1999, a quantia de 4.200.000$00, a acrescer ao seu vencimento.

7 - Em Junho de 1999, a Associação Naval 1º de Maio, pela pessoa de seu presidente, BB, comunicou ao ora embargante que não tinha disponibilidade financeira para lhe pagar directamente a referida quantia de 4.200.000$00. 8 - Mais lhe comunicou que para que o ora embargante pudesse receber a referida quantia monetária, teria que subscrever, como aceitante, uma letra de câmbio sacada por BB.

9 Tendo, assim, vindo o ora embargante e o BB a subscrever o documento -letra de câmbio - referido supra.

10 - Tal letra veio depois a ser apresentada a pagamento junto de uma

instituição bancária, e recebido desta o correspondente valor, o BB, entregou ao ora embargante a quantia de 4.250.000$00.

11 - Na data de vencimento da letra aludida supra, o ora embargante subscreveu como aceitante uma outra letra de montante inferior, a fim de proceder à substituição daquela primeira, tendo-se essa operação repetido por diversas vezes.

12 - Nunca foram entregues ao ora embargante os originais da letra aludida supra, nem das letras subscritas para substituir aquela.

13 - Em 27 de Outubro de 1999, o ora embargante intentou no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, acção declarativa de processo comum ordinário, contra a "Associação Naval 1º de Maio" para cobrança de créditos que lhe eram devidos em virtude da supra aludida relação de trabalho, tendo a mesma terminado por transacção, celebrada em data anterior à da entrada em juízo da execução a que os presentes embargos se encontram apensos, sendo que na cláusula 3ª dessa transacção, pelas aí partes foi consignado que "se

encontra paga a totalidade da letra referida nos artigos 13º e 14º da petição inicial".

14 - A letra referenciada nessa transacção é a referida supra.

15 - O BB não recebeu qualquer quantia monetária da "Associação Naval 1º de Maio", referente à letra aludida supra.

III -

Quid iuris?

Cumpre-nos apreciar o mérito do recurso, limitado o conhecimento do mesmo pelas respectivas conclusões, tal como preceituam os arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC.

As conclusões indicam, de forma sintética, as razões de discordância do recorrente em relação à decisão impugnada.

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recorrente não manifestam nenhuma discordância em relação ao aresto da Relação de Coimbra aqui em apreciação.

De facto, sabe-se que a letra é um título cambiário e que, enquanto tal, goza das características da literalidade, da abstracção e da autonomia.

Isso não foi posto em causa, nem podia ter sido, pelo Tribunal recorrido. Na linha do já explanado na decisão da 1ª Instância a respeito do

enquadramento teórico dos regimes dos títulos de crédito (cfr. fls. 128 a 131), o Tribunal da Relação não deixou de sublinhar, antes de se debruçar sobre a factualidade dada colmo provada, sobre tais características (cfr. fls. 197). Não há, assim, que discutir, nesta sede de recurso, as características da letra de câmbio.

De igual modo, ninguém pôs em crise a matéria de facto apurada e nem a Relação considerou a mesma como passível de censura no âmbito dos seus poderes de apreciação consignados na 1ª parte da al. a), da al. b), do nº 1 e dos nºs 2 e 4 do art. 712º do CPC.

Tão-pouco se nos antolha, à partida, que, atenta a excepcionalidade da

circunstância prevista no nº 2 do art. 729º do mesmo diploma adjectivo, seja o caso dos presentes autos sujeito a alteração de matéria de facto.

Ou seja, em relação às 2º e 3ª "conclusões" da recorrente nada há a dizer pela singela razão de que, a respeito do seu conteúdo, nada foi posto em crise. Já no que toca à 1ª conclusão, saber se a decisão proferida deve ser

integralmente confirmada, teremos de dizer que esse é o cerne do problema que nos ocupa.

Se, eventualmente, chegarmos à conclusão que o acórdão da Relação de Coimbra deve ser censurado, naturalmente que se nos coloca a questão de saber se aquela decisão será, ao cabo e ao resto, para subsistir.

A ver vamos...

Passemos, pois, à abordagem das questões postas à nossa consideração pela recorrente, a saber:

1ª - Saber se o devedor não logrou provar a inexistência de um direito cartular subjacente ao próprio título.

2ª - Da obrigação do embargante de provar os pressupostos constitutivos do seu direito e in casu os pressupostos do preenchimento da excepção à

inoponibilidade prevista no art. 17º da L.U.

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conscientemente em detrimento de devedor.

4ª - Do desrespeito pelo princípio da separação entre a personalidade jurídica da recorrente e de seu sócio gerente BB.

Ora bem.

Prescreve o art. 17º da L.U.:

"As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor."

Daqui surge a normal conclusão de que no domínio das relações mediatas -como é o caso dos presentes autos, em que a exequente é titular da letra ajuizada por virtude de endosso e o executado é o aceitante -, só é possível à pessoa accionada opor excepções desde que o portador tenha ao adquirir a letra procedido conscientemente em detrimento do devedor.

Lógico, assim, que nos preocupe, desde já, saber se ficou apurado pelas instâncias matéria de facto suficiente que nos permita concluir pela verificação deste requisito.

Sendo certo que é ao embargante que cabe a prova dos factos impeditivos do direito reclamado pelo exequente, temos, deste modo, que saber se aquele alegou e provou a factualidade relativa a tal matéria excepcional.

Mas, antes de procurarmos responder à pergunta que nos angustia, é bom sabermos o que é que o legislador pretende significar ao falar em "tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor".

Debruçando-se concretamente sobre este ponto, Ferrer Correia deixou dito que "proceder conscientemente em detrimento" não é simplesmente ter agido de má fé, antes se exige, "além do simples conhecimento, que o portador tenha agido, ao adquiri-la, com a consciência de causar um prejuízo ao devedor".

E, interrogando-se sobre quando se verifica a consciência de causar este prejuízo, respondeu, com a dúvida dos Mestres: "Ao que parece, quando o portador «tenha tido conhecimento da existência e legitimidade das excepções que o devedor poderia opor ao endossante" (in Lições de Direito Comercial -Vol. 3, Letra de Câmbio -, pág. 68 e 69).

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Paulo Sendin, a respeito de se saber quando é que um transmitente pode sofrer detrimento com a aquisição da letra por ulterior adquirente mediato, explica-se do seguinte modo:

"O transmitente é mediato face ao adquirente com a consciência de o

prejudicar. Ora, o adquirente recebe a letra do seu endossante e é a ele que realiza o seu valor patrimonial actual com a aquisição, sendo destinatário directo, também, do valor patrimonial formado pelo transmitente anterior, mediato.

Quando o endossado, ao adquirir o título, sabe que o seu endossante, a quem satisfez o valor patrimonial actual, só lho pode transmitir porque o endosso pelo qual, por sua vez, adquiriu a letra ainda não anulada - não só tem, assim, esse transmitente direito a anulá-lo, como sem dúvida o faria se ele entretanto não adquirisse a letra -, então, ao adquiri-la, procede conscientemente em detrimento desse mediato transmitente" (in Letra de Câmbio, Vol. II, pág. 710).

Aqui chegados, há que perguntar, desde já, se o embargante alegou e provou factos que permitam concluir que a exequente tinha conhecimento, no

momento de aquisição da letra, da possibilidade de o executado opor ao endossante excepções fundadas sobre as relações pessoais.

Em relação ao elemento que estamos a apreciar, o embargante alegou apenas o seguinte:

"A Empresa-A sempre soube, por intermédio daquele seu sócio gerente, que a letra em causa não titulava qualquer verdadeiro e real débito do ora

embargante para com o sacador da letra, BB"; e

"O mesmo é dizer que quer o endossante (BB) quer a endossada (aqui

embargada) tinham conhecimento que não existia qualquer relação causal (ou negócio) relativamente a tal letra".

Foi com base nestes dois factos que o embargante acabou por concluir que "..., ao adquirir a letra e ao tentar com ela cobrar créditos que sabia não existirem, a embargada procedeu conscientemente em detrimento do ora embargante" -cfr. art. 36º da petição de embargos.

Esta matéria foi considerada impugnada (a embargada limitou-se a dizer que estava de boa fé, e "não agindo com a consciência de prejudicar o

embargante" - cfr. art. 21º da contestação) e daí que tivesse merecido acolhimento na base instrutória, mas foi dada como não provada.

Independentemente de se poder discutir se a matéria referida era, de per se, suficiente para caracterizar a hipótese legal, o certo é que a mesma não ficou

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provada.

Ou seja, não conseguiu o embargante fazer a prova dos factos por si alegados com vista a alcançar a conclusão de que a exequente procedeu em seu

detrimento.

Obtida resposta para a 3ª questão elencada, poderíamos dizer que nada mais era necessário para justificar o naufrágio da tese avançada pela Relação de Coimbra, repondo, desta forma, o julgado em 1ª Instância.

Só que, o Mº juiz do Tribunal judicial da Figueira da Foz seguiu metodologia diferente para chegar ao mesmo resultado: começou por apreciar as

excepções arguidas pelo embargante, julgando-as improcedentes para, em face de tal consideração, considerar prejudicado o conhecimento desta questão do "detrimento".

Por isso mesmo, não olvidando o disposto no nº 2 do art. 660º do CPC, que obriga o juiz a resolver todas as questões que tenha sido submetidos à sua apreciação, excepção feita àquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras, entendemos dever apreciar, malgrado o já exposto e decisivo para a sorte da lide, as restantes questões colocadas à nossa

apreciação de modo a ficar, de vez, tudo esclarecido.

O embargante alegou, em defesa da sua tese, toda uma série de relações negociais entre si, a Naval 1º de Maio e entre esta e a exequente (cfr. arts. 8º a 16º da petição de embargos), concluindo ter sido forçado por força das circunstâncias alegadas a subscrever a letra dada à execução e, ainda, pela inexistência de qualquer débito entre ele e o sacador da letra (sócio gerente da exequente e presidente da Naval 1º de Maio).

Parte desses factos, porque impugnados, foram levados à base instrutória (cfr. quesitos 1º a 6º), mas todos eles receberam respostas negativas (cfr. fls. 54 e 55).

Por isso mesmo, o julgador da 1ª Instância considerou - e bem - como não provada a matéria integrada das excepções invocadas:

"...não se provou, designadamente, que o embargante foi forçado a subscrever como aceitante a letra de câmbio para receber tal quantia...nada se provou quanto aos vícios alegados relativamente à convenção executiva, causa próxima do negócio cambiário".

E, em relação ao negócio causal, disse o seguinte:

"... a causa remota do negócio cambiário, ficou apenas provado o

incumprimento pela Associação Naval 1º de Maio das quantias referentes ao contrato laboral desportivo de que o embargante era credor, o que não pode

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considerar-se, atenta a factualidade provada, como um verdadeiro negócio causal da emissão da letra, atento o teor da convenção executiva expressa na letra, porquanto naquele o embargante assume a veste de credor e na letra por si subscrita assume a veste de devedor".

E, por força destes considerandos, concluiu pela inexistência de causa debendi.

O embargante, na ânsia de provar a todo o custo a sua tese, veio mesmo dizer que "o que queria era receber o que lhe era devido; se com isso tinha que «assinar» uma letra, pouco lhe importava que essa assinatura figurasse como sacador ou aceitante (aliás, o cidadão comum, não habituado a este tipo de transacções, não faz a menor ideia de quais sejam as diferentes consequências entre figurar como sacador ou como aceitante)".

Com todo o devido respeito - e é todo - não podemos aceitar esta argumentação.

Desde logo porque, nos dias que correm o vulgar cidadão, infelizmente, sabe perfeitamente o que é uma letra e o que representa ser aceitante, sacador, sacado ou até avalista.

E, depois, porque, todos o sabemos, não é indiferente figurar no título como sacador ou como aceitante: ali é credor, aqui surge como devedor.

Mais disse que "olhados os factos provados, nenhuma relação jurídica se

encontra em que em que o recorrido (aceitante da letra) seja devedor, nenhum facto há que aponte para existência de qualquer débito ou obrigação por parte do recorrido".

Sendo certo que era a ele - enquanto embargante - que competia provar tal asserção (vertida, aliás, no art. 34º da petição de embargos), a verdade é que não conseguiu fazer tal prova, como resulta da resposta negativa dada ao quesito 6º.

E, na linha argumentativa já apresentada ao Tribunal da Relação de Coimbra, insistiu na ideia de que o que os factos constantes dos pontos 7, 8 e 9 supra mencionados são suficientes para permitir a conclusão que " a relação subjacente (ou causa remota) da emissão da letra é o contrato de trabalho desportivo celebrado entre a Associação Naval 1º de Maio e o aqui recorrido e a daí decorrente obrigação daquela em pagar a este os falados 4.200.000$00". Mas, pelo que já ficou dito, forçoso é concluir pela irrelevância de tais factos para a decisão do pleito: é, aliás, de todo incompreensível que alguém

julgando-se credor de uma determinada importância, afirme solenemente que é devedor.

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Que algo se deve ter passado entre a pessoa do sacador da letra, a Naval 1º de Maio, a exequente (sendo certo que o 1º é sócio gerente da 2ª e presidente da 3ª) e o executado, não será difícil de perscrutar.

Mas, aos tribunais só compete a apreciação e o julgamento dos factos que as partes ponham à sua consideração (cfr. art. 264º, nºs 1 e 2 do CPC) ...

Em suma, a decisão proferida pelo Mº juiz da Concelho-A não sofre de qualquer erro na apreciação das questões que as partes puseram à sua consideração.

Não merecia, pois, a revogação do Tribunal da Relação de Coimbra.

Desta forma, pelo que já ficou referido, não podemos aceitar como boa tal decisão.

Desde logo, a Relação de Coimbra assentou numa conclusão, a nosso ver errada, como resulta:

"...temos de concluir que se encontra provado que o embargante, ao aceitar a letra, fê-lo para poder receber a quantia de 4.200.000$00 que lhe era devida pela «Associação Naval 1º de Maio», de que o sacador BB era presidente. E, nessa qualidade, comunicou ao ora embargante que aquela Associação não tinha disponibilidade financeira para lhe pagar directamente (...) a quantia monetária e que, para o ora embargante poder receber a aludida quantia teria de subscrever uma letra de câmbio sacada pelo BB.

Verifica-se, assim, com toda a evidência, que na base da subscrição da letra de câmbio está apenas o crédito laboral detido pelo ora embargante sobre a sua entidade patronal «Associação Naval 1º de Maio», e que o BB não era credor do embargante, visto não ter sido celebrado entre eles qualquer negócio que justificasse o aceite, pelo embargante, da referida letra de câmbio".

Ou seja, para o Tribunal da Relação de Coimbra é de todo indiferente que uma pessoa subscreva uma letra como aceitante (devedor) ou como sacador

(credor): não pode ser!

Acresce que a última afirmação - não prova de qualquer negócio a justificar o aceite - não foi feita, como resulta cristalinamente da resposta ao já referido quesito 6º.

Da má análise das excepções, partiu a Relação para exame do requisito

exigido pela parte final do art. 17º para que o portador mediato possa invocar aquelas, o "detrimento".

E, a este propósito, disse o seguinte:

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sócio-gerente da endossada «Empresa-A», tem de se concluir que esta tinha

conhecimento de que não existia qualquer obrigação causal e que, ao adquirir a letra, tinha consciência de estar a prejudicar o devedor, ora embargante, mais não pretendendo, como invoca este na sua alegação do recurso, obviar à possibilidade de defesa por parte do mesmo embargante, mediante a

invocação das supra referidas excepções.

A corroborar tal entendimento está o factualismo constante das als. N e O dos factos assentes, segundo o qual, em 27/10/1999, o ora embargante intentou no Tribunal de Trabalho da Figueira da Foz uma acção contra a «Associação

Naval 1º de Maio» para cobrança de créditos laborais que lhe eram devidos por essa mesma Associação, tendo a acção terminado por transacção,

celebrada em data anterior à da entrada em juízo da execução a que os presentes embargos se encontram apensos, tendo as partes consignado, na cláusula 3ª dessa transacção, que «se encontrava paga a totalidade da letra referida nos arts. 13ºe 14º da petição inicial (que é a letra em causa nos presentes autos)".

Para além destas considerações nada terem a ver com o que se exige para, à luz dos ensinamentos doutrinais que colhemos, a verificação do tal

"detrimento", o certo é que o Tribunal da Relação de Coimbra fez tábua rasa de tudo o que se apurou, melhor, não se apurou no julgamento da matéria de facto.

Mas, mais: acabou por confundir a personalidade jurídica do sacador com a da exequente e até com a da Associação 1º de Maio.

Ora, como sabemos, as pessoas colectivas são juridicamente autónomas em relação às pessoas dos seus membros; como assim, os actos e situações

jurídicas imputadas a uma ou outra pessoa jurídicas não podem ser imputadas aos seus membros: é o que resulta do princípio da separação sempre

coenvolvido pela personalidade colectiva.

É claro que, como sublinha Pedro Pais de Vasconcelos, "a autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas é susceptível de ser abusada", sendo que o Direito está atento, como não podia deixar de estar, à realidade hodierna de uma determinada pessoa "criar" uma determinada sociedade ou outra pessoa jurídica de carácter colectivo, para alcançar determinados fins.

Quando tal acontece - e todos sabemos que acontece - estamos perante a chamada desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva (ela "ocorra quando, não obstante a separação entre as esferas jurídicas da pessoa colectiva e dos respectivos sócios, inerente à personalidade colectiva, o

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colectiva, ou vice-versa, como se no caso concreto, personalidade colectiva não houvesse, sem que por isso, a existência e a personalidade da pessoa colectiva seja denegadas").

A desconsideração terá, pois, de ser sempre pensada no quadro da fraude à lei, como acaba por reconhecer o A. citado: "quando se verifiquem os

pressupostos da fraude à lei, nas suas modalidades subjectiva e objectiva, poderá ser desconsiderada a personalidade colectiva" (vide, Teoria Geral do Direito Civil - 2ª edição -, pág. 180 e ss.).

Mas estas considerações a propósito da desconsideração da personalidade colectiva servem apenas para demonstrar a da confusão que a Relação de Coimbra fez entre o sacador da letra, a portadora e o invocador credor do executado, Associação Naval 1º de Maio.

Que se saiba, o sacador não é o sócio-gerente, nem a Naval o seu presidente: injustificadas, a todos títulos, as razões invocadas no acórdão recorrido para justificar a conclusão da verificação do "detrimento", o mesmo é dizer, para legitimar a invocação de excepções.

Em conclusão:

Não ficou provado que o embargante tivesse provado que o endossante da letra ajuizada tivesse procedido conscientemente em seu detrimento, razão de sobra para, desde logo, os embargos serem julgados improcedentes.

Outrossim, não ficaram provadas também as alegadas excepções que eventualmente pudessem responsabilizar a portadora legítima do título. Como assim, teremos de, mais uma vez, dizer que a decisão da 1ª Instância está certa e que não era merecedora da censura que o Tribunal da Relação de Coimbra lhe fez.

IV -

Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, concede-se a revista e mantém-se a decisão da 1ª Instância. Custas pelo recorrido.

Lisboa, 27 de Junho de 2006 Urbano Dias

Paulo Sá Borges Soeiro

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