• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS V PROGRAMA"

Copied!
135
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL – MESTRADO ACADÊMICO

EDSON PEREIRA DA SILVA

O PREÇO DA LIBERDADE: EXPERIÊNCIAS DE ESCRAVOS E LIBERTOS NA VILA DE INHAMBUPE – BAHIA (1870 – 1888).

SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA 2017

(2)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL – MESTRADO ACADÊMICO

EDSON PEREIRA DA SILVA

O PREÇO DA LIBERDADE: EXPERIÊNCIAS DE ESCRAVOS E LIBERTOS NA VILA DE INHAMBUPE – BAHIA (1870 – 1888).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Regional e Local, do Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de Mestrado em História Regional e Local.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edinelia Maria Oliveira Souza

SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA 2017

(3)

FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Silva, Edson Pereira da

O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na Vila de Inhambupe - Bahia (1870-1888) / Edson Pereira da Silva. – Santo Antônio de Jesus, 2017.

129f.

Orientador: Profº. Drª Ednélia Maria Oliveira Souza

Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus V. 2017

.

Contém referências.

1. História. 2. Escravidão. 3. Resistência. 3. Carta de Alforria. I. Silva, Paulo Santos. II. Universidade

do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas.

CDD: 981

(4)

O PREÇO DA LIBERDADE: EXPERIÊNCIAS DE ESCRAVOS E LIBERTOS NA VILA DE INHAMBUPE – BAHIA (1870 – 1888).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Regional e Local, do Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Programa de Mestrado em História Regional e Local.

Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Edinelia Maria Oliveira Souza - UNEB (Orientadora) _____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Novaes Pires - UFBA _____________________________________________

Prof. Dr. Robério Santos Souza - UNEB

_____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Sharyse Piroupo do Amaral – UEFS (suplente) ______________________________________________

Prof.ª Dr.ª Virgínia Queiroz Barreto – UNEB (suplente) ______________________________________________

SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA 2017

(5)
(6)

Sabendo que nenhum trabalho acadêmico é resultado do esforço de uma única pessoa, percebi que nessa longa e difícil caminhada, desde o início à conclusão do mestrado, só foi possível terminar essa empreitada, graças à colaboração de várias pessoas. Portanto, quero agradecer a todos que contribuíram, de alguma forma, com a construção desse trabalho. Primeiramente, quero agradecer a Deus pela força que me deu para chegar até aqui. Sou especialmente grato a quem primeiro acreditou e apostou que seria possível eu atingir esse objetivo, que foi a querida professora Carmélia Aparecida Silva Miranda, minha orientadora na especialização de História, Educação e Sociedade, realizada no Campus IV da Universidade Estadual da Bahia – UNEB, em Jacobina, Bahia, continuando como minha professora aqui nesse mestrado, na disciplina de História e Historiografia Afro-brasileira, sendo a pessoa que além do incentivo, acreditou que minha pesquisa tinha potencial para fazer parte desse programa, A você professora Carmélia, muito obrigado. Agradeço também aos professores daquela especialização realizada em Jacobina, especialmente a Jackson André da Silva Ferreira e José Carlos de Araújo Silva, que me deram contribuições significativas para que eu continuasse desenvolvendo a pesquisa.

Agradeço aos meus pais, José Pereira (Zezito) e Etelvina por terem compreendido o motivo da minha ausência em alguns momentos familiares. Estendo o mesmo agradecimento aos meus irmãos, Edivan, Jorge, Edivanilda e Edvânia por terem entendido que sem esse sacrifício seria pouco provável que eu tivesse alcançado os meus objetivos.

Agradeço aos funcionários do Arquivo Público do Estado da Bahia – APEB, por terem me ajudado na etapa de pesquisa. O mesmo agradecimento faço à Renata, funcionária do Laboratório Reitor Eugênio Veigas – LEV, da Universidade Católica de Salvador – UCSAL, onde precisei pesquisar a documentação eclesiástica de Inhambupe e fui muito bem atendido.

Um agradecimento especial aos meus professores do Programa do Mestrado em História Regional e Local, Suzana Maria de Sousa Santos Severs, Maria das Graças de Andrade Leal, Claudia Moraes Trindade, Josivaldo Pires de Oliveira, Carmélia Aparecida Silva Miranda e a coordenadora do programa, Sara Oliveira Farias, pela contribuição determinante para realização desse estudo. Agradeço também aos meus colegas de turma, particularmente à minha amiga Marcia Rita Silva Souza, companheira que esteve presente nos bons momentos e nos episódios mais difíceis dessa jornada, sempre disposta para ajudar a superar os obstáculos.

(7)

impagável. Sua contribuição me ajudando nas pesquisas no Arquivo Público do Estado da Bahia foi o que deu sustentação para que esse trabalho pudesse ser realizado. Sua disponibilidade, mesmo nos momentos mais apertados em que estava realizando seu estudo de mestrado, não terei como pagar. Sem contar que foi o meu maior incentivador para que eu não desistisse desse objetivo. Aliás, Marcelo foi o maior culpado, no bom sentido, para eu concluir essa jornada. A você meu amigo, muito obrigado.

Sou muito grato, também, à banca de qualificação, à professora Maria de Fátima Novaes Pires e ao professor Robério Santos Souza, pelas excelentes contribuições e sugestões determinantes para o melhoramento e conclusão do meu trabalho. A vocês, muito obrigado. Ao professor Robério, estendo o meu agradecimento por ter me dado a oportunidade de realizar a experiência do tirocínio com sua turma do terceiro semestre do curso de Graduação em História, no Campus II da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Alagoinhas, Bahia, com o componente curricular “Brasil Império: leituras sobre a escravidão no Brasil”.

Registro aqui também a minha eterna gratidão a Edinelia Maria Oliveira Souza, minha orientadora, por ter apostado em mim e na minha pesquisa. Por toda sua disponibilidade e paciência durante essa jornada, me auxiliando nos momentos de dúvidas e incentivando para continuar a caminhada até o final. A você Edinélia, carinhosamente, muito obrigado.

Por último, quero deixar meu agradecimento todo especial a minha esposa Maria José (Zezé), pela paciência, dedicação e compreensão que teve durante todo esse período. Sem o seu amor e companheirismo, nada disso seria possível. Concluo agradecendo também aos meus filhos, Yasmim, Ítalo e Gustavo, por terem compreendido a minha ausência em alguns momentos de suas vidas.

(8)

O presente estudo tem como principal objetivo analisar experiências de vida de escravos e libertos na Vila de Inhambupe – Bahia, no contexto social e econômico das últimas décadas da escravidão (1870-1888), buscando estabelecer comparações com outras regiões da Bahia e também com os estudos realizados em outros estados. Dessa forma, a problemática central da pesquisa é a identificação de caminhos e dificuldades enfrentados pelos escravos no processo de conquista de suas liberdades, bem como outras estratégias de resistência à escravidão. Nota-se que naquele cenário de escravidão em Inhambupe, a conquista da carta de alforria foi uma prática muito comum e, em alguns casos, os escravos recorreram ao crime como meio de alcançar o sonho da liberdade. Observa-se ainda, que havia uma maior disposição dos pequenos proprietários de escravos na concessão de alforrias.

(9)

The present study has as main objective to analyze life experiences of slaves and freedmen in the village of Inhambupe - Bahia, in the social and economic context of the last decades of slavery (1870-1888), seeking to establish comparisons with other regions of Bahia and also with the studies carried out in other states. Thus, the central problem of the research is the identification of the paths and difficulties faced by the slaves in the process of conquering their freedoms, as well as other strategies of resistance to slavery. Note that in that scenario of slavery in Inhambupe, the conquest of the liberty card was a very common practice and, in some cases, the slaves resorted to crime as a means to achieve the dream of freedom. It is also observed that there was a greater disposition of the small owners of slaves in the concession of manumission. KEYWORDS: Inhambupe; Slavery; Resistance; Manumission; Freedom.

(10)

ANPUH – Associação Nacional de História APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico EDUFBA – Editora da Universidade Federal da Bahia

FAPEB – Fundação de Apoio à Pesquisa na Educação Básica IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LEV – Laboratório Eugênio Veigas

SEPLAN – Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia UCSAL – Universidade Católica de Salvador

UFBA – Universidade Federal da Bahia UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UNEB – Universidade do Estado da Bahia. UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas USP – Universidade de São Paulo

(11)

Figura 1: Distância de Inhambupe às principais freguesias e vilas da região...31

Figura 2: Distância de Inhambupe para as principais localidades da região, detalhada em léguas, com os respectivos rumos, conforme a orientação dos pontos cardeais...33

Figura 3: Fotografia da família Coelho, uma das mais renomadas de Inhambupe, tirada na Fazenda Lagoa, propriedade da família, no final do século XIX, apresentando as quatro gerações, e tendo o patriarca Dr. Luiz Coelho sentado ao centro...53

Figura 4: Barragem no canal desviado do Rio Inhambupe, na Fazenda Coité...62

Figura 5: Esboço topográfico do município de Inhambupe, indicando suas principais propriedades rurais no ano de 1903...64

Figura 6: Bueiro do Engenho Frade...65

Gráfico 1: Concessão de alforrias por gênero na Vila de Inhambupe (1870 – 1888) ...118

Mapa 1: Mapa da Bahia, destacando a Vila de Inhambupe entre 1852 e 1872...34

Mapa 2: Litoral Norte e Agreste baiano...36

Quadro 1: Profissões liberais em Inhambupe – Censo de 1872...56

Quadro 2: Profissionais manuais ou mecânicos em Inhambupe – Censo de 1872...57

Tabela 1: Quadro geral da população da Paróquia do Divino Espírito Santo de Inhambupe…39 Tabela 2: Quadro geral da população da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Aporá.39 Tabela 3: Quadro geral da população da Paróquia de N. Senhora dos Prazeres de Entre Rios.40 Tabela 4: Quadro geral da população da Paróquia de Santo Antônio de Alagoinhas...41

Tabela 5: Quadro geral da população da Paróquia de Santo Antônio do Pilão Arcado...42

Tabela 6: Quantidade de escravos vendidos em Inhambupe (1870 – 1888) ...44

Tabela 7: Quantidade de escravos alforriados em Inhambupe (1870 – 1888) ...47

Tabela 8: Preço médio por idade média de escravos vendidos em Inhambupe (1870 – 1888) .66 Tabela 9: Escravos alforriados em Inhambupe por período (1870 – 1888) ...109

Tabela 10: Tipos de alforria em Inhambupe (1870 – 1888) ...110

Tabela 11: Percentual das alforrias em Inhambupe (1870 – 1888) ...112

(12)

INTRODUÇÃO...12

CAPÍTULO 1 - A VILA DE INHAMBUPE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: CONTEXTO DEMOGRÁFICO E SOCIOECONÔMICO...29

1.1 - A ESTRUTURA TERRITORIAL E DEMOGRÁFICA DA VILA...29

1.2 - ESCRAVOS E LIBERTOS NO QUADRO DEMOGRÁFICO...38

1.3 - UMA ANÁLISE SOCIAL E ECONÔMICA DE INHAMBUPE...50

CAPÍTULO 2 - CONFLITOS E NEGOCIAÇÕES...68

2.1 - RELAÇÕES DE TRABALHO E CONVIVÊNCIA ENTRE ESCRAVOS, LIBERTOS E SENHORES...68

2.2 - QUANDO AS NEGOCIAÇÕES CHEGAM AOS SEUS LIMITES...75

2.3 - FRAGMENTADAS, MAS SIGNIFICATIVAS CONQUISTAS...89

CAPÍTULO 3 - LIBERDADE SUADA E SOFRIDA ... ...107

3.1 - ALFORRIA E LIBERDADE EM INHAMBUPE (1870 – 1888) ...107

3.2 - LIBERDADE A QUALQUER PREÇO: O CASO DO ESCRAVO ÂNGELO...119

CONSIDERAÇÕES FINAIS...125

FONTES DOCUMENTAIS...128

FONTES IMPRESSAS...128

FONTES POR MEIO ELETRÔNICO...128

FONTES ORAIS...129

(13)

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade a liberdade foi uma expressão que ganhou diversos sentidos. Em cada época, em cada sociedade e contexto específico esse termo, de acordo com o sentido ao qual era destinado, atendeu a variados propósitos. Não é pretensão desse estudo fazer uma discussão do conceito de liberdade em todas as épocas e lugares, e sim, tentar entender as visões que se tinha de liberdade na sociedade baiana da segunda metade do século XIX e, particularmente, na sociedade escravocrata da Vila de Inhambupe nesse período.

O conceito de liberdade tem sido uma questão bastante discutida pela historiografia da escravidão no Brasil nas últimas décadas. Uma discussão necessária para uma nação que nasceu escravocrata, mantendo esse regime por quase quatro séculos, abolindo a escravidão a pouco mais de um século, sendo a última nação do continente americano a acabar com esse regime. Dessa forma, os reflexos da escravidão ainda permanecem vivos em nossa sociedade, tornando-se uma das maiores mazelas a tornando-ser cotidianamente enfrentada, visando reduzir a desigualdade social em que vivemos e erradicar o preconceito racial latente em nossa sociedade.

Nesse cenário de discussão e reflexão a pesquisa historiográfica tem desempenhado um papel imprescindível no sentido de nos indicar caminhos que possam dar respostas aos questionamentos promovidos. E dentro de um amplo grupo de historiadores, alguns se destacam em torno das reflexões sobre o conceito de liberdade para aquela sociedade do Brasil escravocrata. No caso em tela, porém, o diálogo se direciona aos pesquisadores que discutem o sentido de liberdade para o século XIX.

Entre vários historiadores que discutem o conceito, João José Reis, com diversos trabalhos sobre escravidão na Bahia, tem a compreensão de que liberdade, para escravos e libertos na Bahia do século XIX, era uma conquista sem garantias, algo muito frágil, fragmentado. Mesmo para aqueles que já tinham em mãos a carta de alforria, a liberdade tinha suas restrições condicionada aos costumes e prerrogativas da sociedade dominante. Para o autor, qualquer conquista de autonomia1 era significativa para os cativos. Então, conquistar o direito do trabalho autônomo para pagar o jornal ao senhor, por exemplo, tinha um sentido de

1 A noção de autonomia aplicada neste estudo está voltada para os escravos do interior da Província da Bahia, na segunda metade do século XIX, principalmente os indivíduos que viviam em contexto rural. Sendo que a ideia de autonomia poderia se traduzir em um pedaço de terra conquistado pelo escravo na propriedade do senhor, para produzir sua própria lavoura e/ou criar animais.

(14)

liberdade. Entretanto, ao se tornar liberto, continuaria submetido a algumas regras e restrições iguais a que viveu na escravidão. Em relação a esse grupo, João José Reis diz que:

O liberto vivia uma outra opressão, também inquietadora. Para ele a escravidão representava uma triste e recente memória, reativada cotidianamente pelo cativeiro a que estavam sujeitos amigos, mulheres, maridos, parentes, patrícios, líderes espirituais e parceiros de trabalhos.2 De acordo com o autor, mesmo o liberto conquistando sua alforria, ainda continuaria ligado em algumas amarras do mundo da escravidão. Pelo fato de ainda possuir algum ente querido na escravidão, o liberto por mais que quisesse se distanciar de tudo que viveu enquanto escravo, se submeteria a ficar preso a esse passado, na expectativa de encontrar uma solução para conquistar a liberdade dessas pessoas. Ao manter-se ligado ao passado escravo, muitas vezes, o liberto continuava envolto em uma relação de obediência e dependência com seu ex-senhor, mesmo porque, ao contrariar seu ex-ex-senhor, estaria correndo o risco de ter sua carta de alforria revogada.3 Sobre essa questão João José Reis diz que:

Cartas de alforria podiam ser legalmente revogadas como decorrência de um passo em falso dos forros na relação com seus ex-senhores – agora seus “patronos” -, sem contar que um número grande de alforrias era explicitamente condicional. Nesse caso a escravidão não era apenas uma lembrança para o liberto, mas um problema pessoal e, mais ainda, uma ameaça sempre presente.4

É importante notar que nos casos em que os escravos eram libertos condicionalmente, estes ficariam sujeitos a prestar serviços ao ex-senhor e/ou pessoas da família por algum tempo, ou acompanhar a pessoa determinada na carta até a morte. Foi o que aconteceu com a escrava Benta, alforriada “gratuitamente” com a condição de acompanhar seu ex-senhor, Luciano Cavalcante de Mello, até seus últimos dias de vida. Benta era uma crioula com idade de trinta e cinco anos, trabalhava nos serviços de casa e foi alforriada nesses termos, de ter que acompanhar o ex-senhor até a morte.5 Mesmo considerando que uma alforria nessas condições

2 REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. Edição revisada e ampliada. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003, p. 384.

3 Até ser promulgada a Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, Lei do Ventre Livre, as cartas de alforria poderiam ser revogadas, se assim os ex-senhores encontrassem um motivo. Entretanto, no parágrafo 9º do artigo 4º dessa referida lei fica abolido o direito do ex-senhor de revogar a alforria por ingratidão. 4 REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. Edição revisada e ampliada. São Paulo: Editora Companhia das Letras, p. 384 - 385.

5 APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de Notas do Tabelionato de Inhambupe, nº 15, fl. 78, 16/08/1870. Carta de Liberdade Condicional concedida a escrava Benta por seu senhor Luciano Cavalcante de Mello.

(15)

não tem significado de liberdade - pelo menos enquanto o liberto tivesse que prestar os serviços como se fosse ainda escravo, e por isso a alforria na prática não era gratuita - mas se analisarmos a situação legal do liberto após a morte do ex-senhor, a carta de alforria condicional garantiria sua liberdade, impedindo que os herdeiros reivindicassem pela propriedade escrava. Nesse aspecto, a liberdade condicional tem sentido para o liberto.

Para João José Reis, os libertos africanos era o grupo mais vulnerável, em que a liberdade se apresentava de forma mais fragmentada. Esses eram tratados pela elite social como seres inferiores, discriminados em várias situações e, mesmo libertos, não eram reconhecidos como cidadãos. Em variados aspectos não existia diferença para o africano em ser escravo ou liberto, pois em algumas situações, ambos estavam submetidos às mesmas condições. Segundo o autor:

Quando se tratava do africano, uma linha tênue dividia a condição de escravo daquela de liberto. Os libertos nascidos na África tiveram sua vida cotidiana limitada de muitas formas, e não apenas por professarem crenças diferentes das dos brancos. De nada valiam as palavras eloquentes que lemos nas cartas de alforria, segundo as quais os alforriados, africanos ou não, seriam a partir dali “livres como se de ventre livre tivessem nascidos”. Não surpreende, então, que eles buscassem proteção de seus ex-senhores, agora tratados como “patronos”, expressão corrente no Brasil escravista e com força legal inclusive. Embora raramente ocorresse, o liberto podia ter sua carta de alforria revogada e ser reconduzido à escravidão se faltasse com lealdade àquele que “patrocinara” sua liberdade.6

Fica evidente que ser africano em um Brasil do século XIX, seja escravo ou liberto, não importava qual a sua condição social, era uma empreitada desafiadora. Sobreviver sob o peso de tal rotulo naquele período, de acordo com os preconceitos que tinham que enfrentar daquela sociedade, era algo muito difícil, e mais difícil ainda era ascender socialmente carregando esse fardo. João José Reis ainda observa muito bem que o escravo após ser liberto sob condição, precisaria vigiar seus atos, procurando não contrariar quem lhe alforriou, para não correr o risco de ter sua alforria revogada. Com isso, podemos imaginar o quanto foi desolador para o africano Augusto, alforriado de forma condicional e ainda pagando 150$000 (cento e cinquenta mil réis), tendo que continuar mantendo os mesmos serviços que realizava antes para seu senhor, agora ex-senhor, mas sempre atento para não o desagradar e perder a carta de alforria. Augusto era escravo do Coronel Simão Gomes Ferreira, desempenhava a função de vaqueiro, que ao ser alforriado em vinte e seis de agosto de mil oitocentos e setenta e um, pagando um valor de 150$000 (cento e cinquenta mil réis), ficou ainda na condição de continuar prestando os

6 REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na

(16)

mesmos serviços de vaqueiro ao seu ex-senhor na Fazenda Serra, enquanto vivesse o Coronel Simão Gomes Ferreira. Portanto, pouca coisa mudou na vida do africano Augusto, tendo que continuar na mesma rotina que tinha antes e com cuidado para não desagradar seu ex-senhor e perder sua alforria.7 Esse suposto benefício era mais uma tática de controle dos senhores de escravos, do que uma atitude de boa vontade. Entretanto, como já foi colocado anteriormente, a alforria que condiciona o liberto a prestar serviços até a morte do ex-senhor, mesmo que na prática não tenha sentido de liberdade, seria a garantia legal do liberto após o tempo determinado pelo senhor ou senhora.

Sidney Chalhoub é outro historiador que tem uma linha de pensamento próxima ao que defende João José Reis sobre o significado ou significados de liberdade para o Brasil escravista do século XIX. Para Chalhoub, poder “viver sobre si” já significava liberdade para um escravo no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX. Esses passos rumo a liberdade poderiam se efetivar com a conquista de espaços de autonomia, a exemplo de poder viver fora da casa do senhor e trabalhar por conta própria, mesmo tendo que pagar um jornal ao senhor. Segundo o autor, com essas conquistas de espaços de autonomia, onde desenvolveria alguma atividade econômica, o escravo criava condições de formar o pecúlio e negociar a alforria. Entretanto, mesmo compreendendo que todo passo rumo à liberdade teria grande importância para o escravo, Chalhoub também entende que essa tão sonhada liberdade era algo frágil e fragmentado. Para o autor, em alguns aspectos, os libertos estavam submetidos às mesmas restrições que eram direcionadas aos escravos da Corte durante a segunda metade do século XIX. A mesma vigilância e preconceitos que eram destinados aos escravos, também eram aplicados aos libertos. Com relação a esses últimos, referindo-se a frágil liberdade em que viviam, sob pressão, sempre com receio de perder a alforria por algum deslize, Chalhoub diz que “a possibilidade de revogação seria um forte reforço à ideologia da relação entre senhores e escravos como caracterizada por paternalismo, dependência e subordinação, traços que não se esgotariam com a ocorrência da alforria”.8 Com a concessão da alforria, principalmente a condicional, o escravo continuaria preso ao ex-senhor por laços de dependência, vivendo sob vigilância. Dessa forma, a alforria condicional passava a ser um mecanismo estratégico de controle nas mãos dos senhores de escravos, em que, teoricamente, ao conceder esse tipo de

7 APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de Notas do Tabelionato de Inhambupe, nº 15, fl. 126, 26/08/1871. Carta de Liberdade Paga Condicional concedida ao escravo africano Augusto por seu senhor o Coronel Simão Gomes Ferreira.

8 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na

(17)

alforria, eles estavam fazendo um grande benefício ao escravo, se passando por bons senhores, quando na prática, era mais uma forma de continuar controlando e explorando o escravo. Na verdade, a alforrias não foi produto de dádiva do senhor, e sim, produto de conquista do escravo. Walter Fraga Filho, com pesquisas sobre escravidão e pós-abolição em Salvador e Recôncavo baiano entre 1870 e 1910, com relação ao significado de liberdade para os libertos, diz que:

Para os ex-escravos, a liberdade significava acesso à terra, direito de escolher livremente onde trabalhar, de circular livremente pelas cidades sem precisar de autorização de outra pessoa, de não ser importunado pela polícia, de cultuar deuses africanos, ou venerar à sua maneira os santos católicos, de não serem mais tratados como cativos e, sobretudo, direito de cidadania.9

Os estudos de Walter Fraga Filho sobre o Recôncavo baiano estão centrados no trabalho de escravos e libertos nos engenhos e fazendas dessa região. Dessa forma, ele entende que para aquele sujeito que passou parte de sua vida trabalhando nas fazendas e engenhos, plantando e colhendo, conquistar um pedaço de terra, quando liberto, para continuar lutando pela sobrevivência, é um sentido de liberdade. Também ter direito de transitar livremente sem ser incomodado pelas autoridades e poder cultuar sua religião de matriz africana, era outro significado de liberdade. Entretanto, os escravos libertos no 13 de maio de 1888 tiveram que enfrentar diversas barreiras impostas pela sociedade dominante, vários foram os obstáculos criados pelas autoridades para descriminar e classificar aqueles que estavam saindo da condição de escravo. Houve uma preocupação da elite naquela época em definir o lugar social dos libertos, como também, houve um temor das autoridades com a quebra da ordem. Afinal, uma população significativa de escravos estava prestes a ser inserida na sociedade, e agora como “cidadãos”. O medo das autoridades era que essa população recém-liberta trouxesse consigo os supostos vícios e comportamentos distorcidos, praticados no mundo da escravidão. E para conter e controlar essa população recém-liberta, foram criados regulamentos e leis nos municípios. Sobre essa questão, Walter Fraga Filho diz que:

O debate em torno da definição de lugares sociais dos ex-escravos na sociedade teve como desdobramento a adoção de políticas enérgicas de controle, não apenas dos egressos da escravidão, mas de toda a população negra das cidades e do campo. As leis municipais, chamadas posturas, adotadas pelas autoridades municipais e provinciais, após a abolição,

9 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na

(18)

apontaram para um crescente controle sobre vários aspectos da vida cotidiana da população negra.10

Segundo o autor, as medidas de controle implantadas não foram destinadas exclusivamente aos ex-escravos, e sim, para toda a população negra. Ser negro no Brasil naquele momento, após a abolição, na virada do século XIX para o XX, era um desafio, pois mesmo legalmente livres, essa população teria que enfrentar grandes embates sociais para garantir na prática o direito à liberdade. Naquele contexto, com o fim da escravidão, as elites baianas se utilizaram, de forma determinante, do conceito de raça como critério para classificar a população que se tornara livre e, de acordo com os critérios adotados para essa classificação, mesmo os ex-escravos se igualando em condição civil com os outros grupos sociais, estariam condenados a um tratamento diferenciado em virtude da classificação racial.11

Na Vila de Inhambupe também houve uma preocupação das autoridades com a população que foi liberta em 13 de maio de 1888. O delegado Justiniano Pinto de Meireles, no dia 28 de maio de 1888, escreveu ao chefe de polícia reivindicando aumento da força policial para garantir a segurança daquela localidade, em virtude, principalmente, dos acontecimentos após o 13 de maio. Segundo o delegado, era cada vez mais frequente na vila acontecer os conflitos gerados por indivíduos insubordinados, muitos deles libertos, que abusam da liberdade que ganharam, o que é um fato natural, principalmente nos primeiros momentos que se sucederam a abolição.12 Fica evidente que as autoridades da Vila de Inhambupe ficaram preocupados com os ânimos exaltados daqueles que foram libertos no 13 de maio. Além de evitar a quebra da ordem, o objetivo maior em reforçar a força policial da vila era para controlar e monitorar aquela população egressa da escravidão, e dessa forma, os libertos pela Lei Áurea passaram a ter uma liberdade vigiada e fragmentada.

Kátia M. de Queirós Mattoso, com seus clássicos trabalhos que discutem de forma abrangente a condição do escravo no Brasil, como também, a condição de vida do liberto. Destaca que:

Ele continua a pertencer ao mundo bem fechado gravitando em torno do seu antigo senhor, que continua a ser para ele um modelo de comportamento, um

10 Idem, ibidem, p. 350.

11 Cf. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no

Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Cf. SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Travessias e tramas: fragmentos da vida de africanos e afro-brasileiros no pós-abolição – Bahia (1888 – 1930).

Salvador: EDUNEB, 2016.

12 APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia, Delegados, 3.003 (1887 – 1889). Correspondência do delegado da Vila de Inhambupe, Justiniano Pinto de Meireles, para o chefe de polícia, em 28 de maio de 1888.

(19)

possível refúgio, uma espécie de boia à qual poderá sempre agarrar-se em caso de necessidade.13

Kátia Mattoso entende que o liberto, mesmo aquele alforriado incondicionalmente, continuou dependente das influências do seu ex-senhor, e caso decidisse cortar pela raiz esse laço de dependência, o ex-escravo teria que viver longe da propriedade do ex-senhor. Uma decisão muitas vezes difícil de ser tomada, pelo fato do liberto ter naturalmente construído, durante sua vida de cativo, algo que possa mantê-lo preso ao mundo da escravidão, como a aquisição de uma área de terra ou qualquer outro bem imóvel, como também, as relações afetivas que, eventualmente, eram constituídas dentro da comunidade escrava e que teria um peso relevante na hora do liberto decidir mudar para outra localidade. E no caso de o liberto ter que continuar vivendo na mesma propriedade que viveu enquanto escravo, ou nas proximidades, pelos motivos citados anteriormente, sua situação continua semelhante à dos escravos. Segundo a autora, diz que “ser libertado não é, pois, ser livre imediatamente... O comportamento do liberto continua a ser o mesmo de seu irmão escravo”.14

Com relação às alforrias condicionais, dentre essas, aquelas que são expressas como gratuitas, Katia Mattoso diz que de gratuita não tem nada, pois o liberto paga a alforria com os serviços a que é submetido dentro do prazo condicionado na carta de liberdade. Dessa forma, vivendo numa condição entre a escravidão e a liberdade, na expectativa de liberdade futura, mas ainda com direitos restritos até que se cumpra o tempo determinado, a autora define que “o alforriado sob condições situa-se acima da massa dos escravos, mas o senhor tem sobre ele um controle perfeito e a segurança de ser bem servido, em geral até a morte”.15 Foi o que aconteceu com a escrava Josefa, uma crioula de 62 anos de idade, alforriada por Mariana Maria de Jesus, com a condição de acompanhar a senhora até a morte.16 Nesses termos definidos na carta, a alforriada continuaria desenvolvendo os mesmos serviços que fazia antes de ser liberta e se apegaria no fio de esperança de não morrer primeiro que a ex-senhora - pois afinal de contas ela já tinha 62 anos - e assim ainda poder gozar algum tempo de vida livre.

Alforrias condicionais com clausula que determinava o liberto a servir o ex-senhor até seus últimos dias de vida era muito comum entre aqueles proprietários que tinham pequenos

13 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. Tradução de James Amado. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 203.

14 Idem, ibidem, p. 206. 15 Idem, ibidem, p. 209.

16 APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de Notas do Tabelionato de Inhambupe, nº 15, fl. 161, 13/04/1872. Carta de Liberdade Condicional concedida à escrava Josefa por sua senhora Mariana Maria de Jesus.

(20)

plantéis de escravos, pois a preocupação do senhor era garantir alguém para lhe assistir enquanto vivo fosse. E foi o que provavelmente aconteceu com Mariana Maria de Jesus, viúva de Lourenço Alves Pereira do Couto, que recebendo como herança a escrava Josefa, tratou de garantir seus serviços com a estratégica carta de alforria condicional. Infelizmente não foi possível evidenciar essas informações em outras fontes. Seria determinante para uma análise mais precisa ter encontrado o inventário de Mariana, para atestarmos se tinha mais de um escravo, se tinha filhos para deixar herança, pois na carta de alforria encontrada no livro de notas não tem essas informações. Mas, presumindo que ela não tivesse filhos e nem parentes próximos vivendo na mesma residência, morando somente com a cativa Josefa, a alforria condicional que deu a escrava era providencial, era a alternativa que tinha para garantir os serviços que necessitava até o fim da vida. Pois, imaginando que ela já fosse uma mulher idosa, que autoridade teria para manter a escrava ao seu lado se não por meio de uma promessa de liberdade? Entretanto, a escrava Josefa já tinha uma idade avançada, podendo morrer primeiro que Mariana, e dessa forma, não conseguindo viver a tão sonhada liberdade.17

Dentre os historiadores que discutem o conceito de liberdade, Marcus Joaquim Maciel de Carvalho, com pesquisa sobre escravidão em Pernambuco no século XIX, é aquele que tomo como base para discutir aqui os significados de liberdade. Não que eu discorde dos sentidos de liberdade empregados pelos autores comentados anteriormente, que, de um modo geral, percebem liberdade nas conquistas de autonomia, sendo que escravos e libertos teriam que manter uma luta constante para assegurar as autonomias conquistadas. Marcus J. M. de Carvalho além de compreender liberdade por essa linha conceitual, ele amplia esse significado quando entende que liberdade além da autonomia e espaço conquistado, só teria de fato sentido, para escravos e libertos no século XIX, se estes pudessem viver em comunidade, compartilhando convivência com seus iguais.

Para início de discussão sobre essa questão de viver em comunidade, o autor diz que:

Quando um estudioso se depara com o caso de algum escravo que fugiu para o mato, é comum considerar que houve então uma fuga para a “liberdade” como se o fugitivo pudesse se tornar um ser humano “livre”, a partir do momento em que largasse os laços de coerção direta e dependência pessoal ao senhor. É como se a liberdade fosse um dado absoluto, que existe ou não, de forma claramente delimitada. Todavia, basta uma observação mais cautelosa, para verificarmos que isso não é exato.18

17 Ibidem.

18 CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822 – 1850. 2ª edição. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2010, p. 213.

(21)

Segundo o autor, a liberdade não se concretiza simplesmente com a fuga do escravo para o mato ou qualquer outro lugar. É lógico que seria um passo importante em direção da liberdade, mesmo que ele tenha de se esconder das autoridades a partir dessa fuga. Mas a liberdade para esse escravo fugitivo só teria maior sentido se ele pudesse se inserir numa comunidade, num contexto onde ele compartilhasse experiências19com outras pessoas. Entretanto, se ele a partir da fuga passasse a viver isolado, a liberdade não faria tanto sentido.

Carvalho observa que a noção de liberdade é bastante complexa, não é simplesmente um termo oposto da não-liberdade, e precisa ser analisado dentro de uma situação histórica concreta. Dessa forma, ele diz que “se não for devidamente contextualizada no tempo, a liberdade corre o risco de tornar-se um sonho, ou quando muito uma abstração de uma condição do presente, imposta sobre o passado. ”20 O autor defende que é em função dessa historicidade, que o conceito de liberdade torna-se dinâmico, mutável com o tempo e espaço. Se analisarmos a noção de liberdade que temos hoje, veríamos que ela, de um modo geral, está intimamente ligada a noção de autonomia individual, principalmente no mundo ocidental. Mas se nos reportarmos para o século XIX do Brasil escravista, numa situação em que o escravo optou pela fuga para o mato e passa a viver isolado, sem contato até mesmo com companheiros da escravidão, será que esse escravo alcançou a liberdade? Evidentemente que essa liberdade não seria satisfatória para esse escravo fugitivo, pois mesmo conseguindo sair daquela situação de coerção frente ao seu senhor, isolado, sua vida continuaria muito difícil, seria outra forma de prisão, pois ele não teria liberdade social. Ainda segundo Carvalho:

A fuga para o mato era uma decisão extrema, que envolvia enormes riscos. O nosso personagem reuniu suas esperanças e partiu em busca de dias melhores, o que não implica em dizer que a sua vida seria fácil e abundante daí em diante. A construção de sua ideia de liberdade era baseada na sua experiência, e nas tradições de sua cultura. Isolado, estaria socialmente morto. Não haveria a liberdade social, que é o que nos interessa aqui. Para que esta fosse alcançada

19 De acordo com Edward Palmer Thompson, em seus estudos sobre A formação da classe operária inglesa, diz que o conceito de experiência desponta como um espaço, definido segundo relações produtivas específicas, no qual ações conscientes tomam lugar e são praticadas. Nesse caso, é a ação de constituição de uma classe que aparece como experiência. Esta definição de experiência pode perfeitamente ser empregada para os estudos sobre escravidão no Brasil, compreendendo que o sentido de experiência dentro do contexto da escravidão no Brasil seja o resultado das relações de convivência entre os escravos, de tudo aquilo construído e compartilhado entre esses sujeitos. THOMPSON, E. P. A

formação da classe operária inglesa 1: a árvore da liberdade. Tradução de Denise Bottmann. 6ª edição.

São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 12.

20 CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822 – 1850. 2ª edição.

(22)

no mato, era preciso que o fugitivo passasse a pertencer a uma comunidade alternativa: o quilombo.21

Portanto, de acordo com o que defende o autor, a fuga para o mato só faria sentido para o escravo se esse passasse a viver em um quilombo, onde pudesse compartilhar vivências com outras pessoas. Pois, ao fugir para o mato o escravo não estaria saindo do cativeiro direto para a liberdade. Estaria deixando uma vida marcada por extremas dificuldades, mas continuaria vivendo uma situação ainda muito difícil. Porém, livre das amarras da escravidão, ele teria maiores condições de ampliar seu horizonte de liberdade. Todavia, esse caminho rumo a liberdade não poderia se concretizar se o fugitivo passasse a viver isoladamente, fora do convívio com outros parceiros. Sua decisão de interrupção com o sistema só ganharia sentido se o escravo pudesse se integrar num quilombo, mesmo tendo que passar por um processo de aceitação e adaptação na comunidade. Assim:

Ao se inserir num grupo humano ao qual “pertencia”, o escravo dava um passo fundamental em direção a liberdade. A sua humanidade natural ele nunca perdera, mas ao pertencer a um grupo, readquiria a sua humanidade social – um passo largo, ou até mesmo um pré-requisito para andar em direção a liberdade.22

Dessa forma, na compreensão de Marcus J. M. de Carvalho, para um escravo africano, ou até mesmo crioulo, sobreviver e continuar sonhando com a liberdade, teria que se reinventar culturalmente durante ou após a escravidão. E fazer parte de uma comunidade era fundamental nessa caminhada para a liberdade, pois só conquistar espaços de autonomia não era garantia de realização da liberdade sonhada.

A partir dos estudos sobre escravidão desenvolvidos na década de 1980 sob a influência de historiografia estrangeira, principalmente a marxista britânica promovida por E. P. Thompson, foi possível analisar o escravo como o sujeito da sua própria história, como um ser ativo que resistia estrategicamente e de várias maneiras à um sistema violento que definia, entre outras questões, quem mandava e quem deveria obedecer, contrapondo à visão de uma relação relativamente harmoniosa entre senhores e escravos defendida por Gilberto Freire. De acordo com Thompson, o paternalismo longe de ser uma relação calorosa, familiar e transparente, era na verdade uma estratégia de dominação utilizada pelos senhores.23 Dentro

21 Idem, ibidem, p. 215.

22 Idem, ibidem, p. 219.

23 THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 62.

(23)

dessa mesma perspectiva, esse estudo tem como objetivo analisar o contexto social e econômico vivido por escravos e libertos na Vila de Inhambupe, entre 1870 e 1888, buscando estabelecer comparações com outras regiões da Bahia e também com os estudos realizados em outros estados. É bom notar que esse recorte de tempo – 1870 a 1888 – definiu como marco acontecimentos relevantes na História do Brasil, como a implementação da Lei 2.040, Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, lei extremamente importante no processo de desestruturação do regime escravo no Brasil, e a Abolição da Escravidão, em 13 de maio de 1888. Destacando também que dentro desse período o movimento abolicionista se intensificou na província baiana, exercendo papel determinante na defesa dos escravos. Este estudo aborda também as diferentes experiências vividas por escravos na tentativa de conquistar e manter suas liberdades, as relações que nessa caminhada tiveram que estabelecer com senhores, com seus parceiros escravos, libertos e com outras pessoas livres, como também, as estratégias utilizadas por esses escravos e libertos na expectativa da liberdade. Assim, este estudo se propõe a analisar o mundo vivido por esses sujeitos, transitando entre os sonhos expressos de liberdade e o cotidiano de luta dentro da escravidão.

Os estudos sobre escravidão no interior da Bahia vêm dando os seus primeiros passos. Diferente do que já tem acontecido na região de Salvador e Recôncavo que, mesmo tendo muito ainda para ser estudado, já possui diversos e bons trabalhos sobre o tema da escravidão, sendo que no interior as pesquisas estão se iniciando, se comparado com os estudos de Salvador e Recôncavo. Entretanto, bons estudos já surgiram em algumas regiões, como a pesquisa desenvolvida pela professora Maria de Fátima Novaes Pires, nas localidades de Rio de Contas e Caetité. A pesquisadora, entre os trabalhos que discutem escravidão naquela região, podemos destacar O crime na cor: escravos e forros no Alto Sertão da Bahia, (1830

– 1888), obra fruto da dissertação de mestrado em História Social, defendido pela autora no

Programa de Estudos de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, em 1999, no qual a historiadora, a partir de inventários e processos-crime, reconstitui as condições de vida e de trabalho de escravos e forros em Caetité e Rio de Contas. Outro estudo, mais recente, Fios da vida: tráfico interprovincial e alforrias nos

Sertoins de Sima – Ba (1860 – 1920), obra que resultou de sua tese de doutorado defendida

pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, em que a pesquisadora teve como base documental quatrocentos inventários para tratar dos modos de resistência, liberdade e sobrevivência de escravos e forros nas localidades de Caetité e Rio de Contas. Outra pesquisadora que apresentou recentemente um bom trabalho na região de Rio de Contas é Kátia Lorena Novais Almeida, com a obra Alforrias em Rio de Contas –

(24)

Bahia: século XIX, trabalho resultado da dissertação de mestrado defendido pela autora na

Universidade Federal da Bahia, em 2006, em que a autora a partir das cartas de alforrias encontradas nos livros de notas, sua principal documentação, discute a manumissão em suas variadas formas e meios para conquista-la.

Entre os estudos que merecem destaque sobre escravidão no interior baiano, poderemos incluir a pesquisa do professor Jackson André da Silva Ferreira. Uma tese de doutorado intitulada Gurgalha: um coronel e seus dependentes no sertão baiano, (Morro do Chapéu,

século XIX), defendida em 2014 no Programa de Pós-Graduação em História Social da

Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia – UFBA, na qual o historiador discute a relação de dependência entre senhores e seus dependentes na região do Morro do Chapéu no século XIX, utilizando-se de uma documentação variada: livro de notas, inventários, processos criminais, registros eclesiásticos (batismo, casamento e óbitos).

Na expectativa de alargar ainda mais a discussão sobre a temática da escravidão no interior baiano, o estudo aqui proposto, que está inserido no campo da história social, se coloca na responsabilidade de analisar experiências vividas por escravos e libertos na Vila de Inhambupe nos últimos dezoito anos antes da abolição. A partir da análise dessas experiências vivenciadas por escravos e libertos na referida vila, o trabalho propõe como problemática principal evidenciar as dificuldades que tiveram os escravos para conquistar a liberdade, os caminhos que percorreram até alcançar esse sonho, demonstrando que em algumas situações a opção que tinham para obter a alforria seria a prática de crimes, como o que aconteceu com o escravo Ângelo, que participou do crime de assassinato de sua senhora a mando de seu senhor, em troca da promessa de alforria. Reitero ainda que esse estudo traz também, como problemática secundária, a constatação de que os pequenos proprietários de escravos na Vila de Inhambupe, na segunda metade do século XIX, alforriaram mais que os proprietários classificados e considerados como médios e grandes, dentro daquele contexto.

Mesmo não tendo acesso aos inventários post-mortem e os testamentos referentes ao período proposto, pois não foram encontrados no Arquivo Público do Estado da Bahia – APEB, muito menos no Fórum de Inhambupe, nos quais seriam os documentos determinantes para se fazer uma análise quantitativa e qualitativa mais precisa sobre o patrimônio dos senhores de escravos, foi possível ter uma noção do padrão de planteis de escravos em Inhambupe, a partir da análise feita nos livros de notas, contabilizando as escrituras de compra e venda de escravos, como também, o número de alforrias. Para reforçar essa análise, eu me amparei no estudo realizado por Isabel Cristina Ferreira dos Reis, que ao analisar o Fundo de Emancipação

(25)

de Inhambupe, faz uma descrição da estrutura de posse dos proprietários de cativos da seguinte maneira:

Tomando como referência a forma como Bert Barickman classificou a estrutura de posse de cativos no Recôncavo baiano como pequena posse, de 1 a 4 cativos, como média, de 5 a 19 cativos, e como grandes proprietários aqueles que possuíam acima de 20 cativos, constatei que a lista de cativos a serem alforriados pelo Fundo de Emancipação no município de Inhambupe reuniu cativos de 453 diferentes proprietários e que, a maioria destes, 325 (71,74%) poderiam ser classificados com pequenos proprietários de cativos, 110 (24,28%) seriam médios e apenas 17 (3,75%) concentravam a grande propriedade de escravizados, ou seja, possuíam mais que 20 cativos.24 Acrescentando dados sobre esse mesmo demonstrativo, a autora em nota de rodapé diz que desses 453 proprietários, 166 tinham apenas 1 cativo listado. Essa informação reforça mais ainda a tese de que os pequenos proprietários alforriaram mais do que os médios e grandes senhores de escravos, pois se analisarmos o fato de proprietários com apenas um cativo se dispor a alforriar e outros proprietários com mais de 20 cativos alforriando apenas 2 ou 3, não há dúvidas de que, proporcionalmente, os pequenos se dispuseram ao processo de alforria mais do que os grandes proprietários.

Este estudo se configura a partir da análise de diversos documentos, fazendo o cruzamento de fontes na tentativa de traçar algumas trajetórias individuais, porque, como diz Carlo Ginzburg em O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido

pela Inquisição:

Alguns estudos biográficos mostraram que um indivíduo medíocre, destituído de interesse por si mesmo – e justamente por isso representativo -, pode ser pesquisado como se fosse um microcosmo de um estrato social inteiro num determinado período.25

Com o método indiciário de pesquisa sugerido por Ginzburg foi possível montar algumas trajetórias individuais para analisar as experiências vividas por escravos e libertos em Inhambupe na segunda metade do século XIX, compreendendo assim, a partir dessa microanálise, o contexto regional como um todo, mais ampliado. Ainda agregando para esse propósito, seguindo o pensamento de Marc Bloch quando diz que o bom historiador se parece

24 REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850 – 1888. (Tese de Doutorado). Campinas, SP: UNICAMP, 2007, p. 256.

25 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela

Inquisição. Tradução: Maria Betânia Amoroso; tradução dos poemas: José Paulo Paes. São Paulo:

(26)

com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça,26 “costurei a

cocha de retalho”, com histórias de sujeitos representando a “raia miúda” da sociedade, “uma história vinda de baixo”, a partir de processos-crime, processos-cíveis, livros de notas, correspondências de autoridades, livro de matrícula de escravos, assuntos de escravos, entre outros, que foram analisados nas questões e enredos referentes a escravos e libertos da Vila de Inhambupe e, evidentemente, fazendo uso dessa documentação de forma responsável, como diz Eric Hobsbawm evitando os usos e abusos da história, analisando as fontes o mais imparcial possível.27 Histórias de variados conflitos entre escravos, libertos e senhores, como os roubos de gado praticado por escravos e libertos, os crimes de assassinatos como reflexo da resistência escrava ao sistema, como também, as histórias de conquista de liberdade, como o caso da escrava Constança que se amparou na Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, Lei do Ventre, para conquistar sua liberdade.

Constança era uma escrava de 27 anos, cabra, pertencente a Umbelina Oliveira de Carvalho que, após ter sido matriculada, em cumprimento ao artigo oitavo da Lei do Ventre Livre, foi classificada para o Fundo de Emancipação de Inhambupe e avaliada pela junta classificadora no valor de 262$500 (duzentos e sessenta e dois mil e quinhentos réis), quando, em audiência marcada pelo juiz de órfão Arcênio d’Almeida Araújo Cavalcante para o dia 15 de agosto de 1884, recebe a sua carta judicial de liberdade.28 Demonstrando, dessa forma, que os escravos daquela localidade, como em outras regiões da província, utilizavam-se estrategicamente de todas as oportunidades para conquistarem a liberdade, inclusive por meio das brechas legais disponíveis.

Para construir esse trabalho utilizei diversas fontes que viabilizasse uma interação entre o quantitativo e o qualitativo. E apesar da precariedade de vários documentos encontrados no Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, foi possível pesquisar dentro do período de 1870 a 1888, processos-crime, processos-cíveis, correspondências de autoridades, livro de matrícula de escravos, postura municipal, livros de notas, que inclusive foi o documento mais utilizado nesse estudo. Infelizmente não encontrei inventários post-mortem e nem testamentos relacionados à Inhambupe nesse período, para poder analisar de forma mais ampla a questão

26 BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, o ofício do historiador. Apresentação à edição brasileira: Lilia Moritz Schwarcz. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Editora Zarar, 2001, p. 54.

27 HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Tradução: Cid Knipel Moreira. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2013, p. 7.

28 APEB - Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de Notas do Tabelionato de Inhambupe, nº 21, fl. 40, 15/08/1884.

(27)

patrimonial dos senhores de escravos na Vila de Inhambupe, entre outras questões que podem ser exploradas com essa documentação.

No arquivo do Laboratório Eugênio Veigas – LEV, da Universidade Católica de Salvador, pesquisei a documentação eclesiástica, tais como registros de batismo, casamento e óbitos, para complementar os documentos que já tinha pesquisado no site dos mormos, https://www.familysearch.org/, documentação imprescindível para se traçar trajetórias. Com relação a questão demográfica trabalhada nesse estudo, foi utilizado o censo de 1872, a partir do qual foi possível analisar, além do quantitativo populacional, questões como profissões, estado civil, nacionalidade, etc.

Este trabalho ficou dividido em três capítulos e para cada capítulo, as suas subdivisões respectivas. Sendo que no primeiro capitulo com o título de A Vila de Inhambupe na segunda

metade do século XIX: contexto demográfico e socioeconômico, procurei traçar um panorama

da demografia, principalmente de escravos e libertos, da economia e da sociedade de um modo geral na Vila de Inhambupe, dentro do período de estudo. A partir desse panorama, analisando a população de escravos e libertos, foi feito estudo comparativo com outras localidades da província baiana dentro do período pesquisado. Compreendendo que para essa análise se tornar possível foi necessário o uso de uma documentação específica, como o Censo Demográfico do Império de 1872; as cartas de alforrias contidas nos livros de notas, para contabilizar a população de alforriados; livro de matrícula de escravos; mapas; entre outros documentos que possuíam informações necessárias para as questões demográficas, econômicas e sociais, sempre objetivando evidenciar as dificuldades que tiveram os escravos para conquistar a liberdade, os caminhos que percorreram até alcançar esse sonho, destacando que em algumas situações optaram pela prática de crimes para obter a alforria.

Na primeira parte desse primeiro capítulo se discutiu o espaço territorial da vila com seus respectivos limites e as transformações sofridas ao longo do tempo em virtude de questões políticas e administrativas, como também, foi apresentado um panorama geral de sua demografia. Na segunda parte do capítulo, foi analisado de forma quantitativa e qualitativa a população de escravos e libertos dentro desse quadro demográfico, onde foi possível concluir que essa população negra (incluindo escravos, libertos e livres) foi a maioria absoluta naquela localidade, no período estudado. E na última parte desse primeiro capítulo foi feito uma análise social e econômica de Inhambupe dentro de um contexto regional, demonstrando como estavam distribuídos os grupos sociais, bem como as potencialidades produtivas da localidade e as possibilidades de sobrevivência da população mais vulnerável economicamente.

(28)

No segundo capítulo, que recebeu o título Conflitos e negociações, foi analisado os embates conflituosos entre escravos, libertos e senhores, os crimes de diversas naturezas como os roubos de gados, as tentativas de homicídios, os assassinatos, estupros, etc., como também, os arranjos e negociações realizados entre os referidos sujeitos citados anteriormente na Vila de Inhambupe da segunda metade do século XIX. Para essa discussão foram utilizados os processos-crime, processos-cíveis, livros de notas, livro de matrícula de escravos, correspondências de autoridades, assuntos de escravos e registros eclesiásticos (batismo, casamento e óbito) e bibliografia que discute o crime de escravos. Entretanto, a base documental do capítulo foram os processos-crime, de onde eu consegui extrai os casos conflituosos entre escravos, libertos e senhores. Tal capítulo foi dividido em três partes. Na primeira parte discutiu-se a relação de trabalho e convivência entre escravos, libertos e senhores, os trabalhos extras que escravos tiveram que fazer para adquirir recurso e formar pecúlio, área de terra que alguns escravos conquistaram na propriedade do senhor para produzir uma economia extra e as possíveis negociações entres as partes opostas do sistema, na expectativa de melhorar a relação de convivência entre ambos. Na segunda parte do capítulo foram analisados os crimes cometidos por escravos e libertos, na tentativa de compreender as possíveis motivações que levaram esses sujeitos a cometerem esses crimes, entendendo que dentre de um complexo contexto em que escravos viviam pressionados constantemente, a prática do crime seria uma “válvula de escape” e uma forma de resistir ao sistema. E para a última parte desse segundo capítulo, discutiu-se as leis criadas na segunda metade do século XIX que beneficiaram escravos e libertos para a conquista e manutenção da liberdade. Percebeu-se que nas poucas oportunidades que tiveram, os escravos utilizaram todos os meios legais disponíveis para conseguir a alforria, que muitas vezes era um processo em comum acordo com o senhor e, em outas situações, uma disputa acirrada na justiça.

Para o terceiro capítulo, com o título de Liberdade suada e sofrida, na primeira sessão foram analisados os vários tipos de alforrias praticados na Vila de Inhambupe dentro do período de 1870 a 1888, fazendo uma exposição quantitativa e qualificativa dessas alforrias, buscando, sempre que possível, um estudo comparativo das alforrias com as manumissões realizadas em outras localidades do interior baiano.

Na segunda e última parte do capítulo, analisamos o caso do escravo Ângelo, preso por ter sido acusado de ter assassinado sua senhora a mando do seu senhor. É uma análise de caso em que procurei extrair o máximo de informação da documentação disponível sobre a vida de Ângelo, montando uma trajetória desse sujeito dentro do período em que o processo-crime transcorreu, pelo fato de, infelizmente, não ser possível fazer a ligação desse nome em outras

(29)

fontes. O capítulo foi trabalhado com processos -crime, processos -cíveis, livros de notas, livro de matrículas de escravos, correspondências diversas de autoridades, assuntos de escravos, registros eclesiásticos e bibliografia específica.

Assim, a discussão sobre os difíceis caminhos trilhados por escravos e libertos para conquistar e manter a liberdade é o principal objeto desse estudo, percebendo quais estratégias utilizaram para resistir as durezas que o sistema lhes propuseram e como utilizaram dos mecanismos possíveis para alcançar a liberdade. Compreendendo, também, que além dos diversos casos de conquista e manutenção da liberdade que a pesquisa proporciona, foi possível fazer um levantamento das variadas formas de alforria ocorridas na Vila de Inhambupe, no período de 1870 a 1888, com sua análise quantitativa e qualitativa, possibilitando um estudo comparativo com outras regiões da Bahia e do Brasil.

(30)

CAPÍTULO 1 – A VILA DE INHAMBUPE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: CONTEXTO DEMOGRÁFICO E SOCIOECONÔMICO.

1.1 – A ESTRUTURA TERRITORIAL E DEMOGRÁFICA DA VILA

A vila de Inhambupe na segunda metade do século XIX se encontrava como uma das mais prósperas vilas do interior da província baiana, levando em consideração seus aspectos geográficos, econômicos e sociais. Uma localidade que em seu processo de desenvolvimento teve na atividade pecuária o seu principal elemento condutor. Considerando também que para desenvolver essa localidade no longínquo interior da província, o fator geográfico teve seu papel relevante, principalmente no que se refere ao vale do rio que deu nome à essa localidade. Pois, foi justamente no vale desse rio que se implantou e desenvolveu os currais para a criação do gado bovino, como também, aproveitou essas áreas de terras mais úmida e fértil para a atividade monocultora da cana de açúcar e outras culturas de subsistência.

Inhambupe está a uma distância de 132 quilômetros em linha reta de Salvador, não tão distante se comparado com outras localidades longínquas e de difícil acesso do norte, oeste ou sul do estado. É um município que está localizado entre o litoral e o sertão baiano, compondo a região do Litoral Norte do estado. E desde o período colonial já fazia parte da rota conhecida como “Estrada das boiadas”, que no passar dos anos tornou-se uma parada obrigatória dos vaqueiros que conduziam tropas de gado em direção ao sertão da Bahia, para regiões do norte da província, como Jacobina, Juazeiro, entre outras localidades que estavam nas margens do Rio São Francisco. Era uma estrada que chegava até a província de Pernambuco e Piauí, passando a ser ponto de descanso e abastecimento de água e comida desses condutores de gado, uma espécie de entreposto no caminho desses viajantes. Segundo Keite Maria Santos do Nascimento Lima:

Na província da Bahia, será a estrada dos bandeirantes nortistas, chamada de Estrada das Boiadas - caminhos de barro que ligavam a Bahia aos sertões do Piauí - que proporcionou a formação de pequenos povoados nos primeiros tempos de nossa colonização. Entre os núcleos que faziam parte da velha rota, encontramos Inhambupe.29

29 LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Entre a ferrovia e o comércio: urbanização e vida urbana

(31)

Por essa rota onde transportava o gado bovino, Inhambupe estabelecia o contato com as diversas localidades da região e com povoamentos mais distantes. Caminho por onde chegava as notícias da capital da província e de outras localidades, e por onde eram transportadas as correspondências oficiais, como também, por onde passava toda a transação comercial da região. Foi uma das mais importantes estradas no processo de conquista do sertão pela família Ávila, pois por essa via a Casa da Torre transportou muito gado para o interior das províncias do nordeste brasileiro. A partir dessa estrada, consequentemente, surgiram outros caminhos entre Inhambupe e outras localidades que foram se formando na região. Detalhe que pode ser observado nas informações cartográficas elaboradas pela Câmara Municipal de Inhambupe e enviadas ao presidente da província em 05 de fevereiro de 1872.

(32)

Figura 1: Distância entre Inhambupe e as principais freguesias e vilas da região. Correspondência da Câmara Municipal de Inhambupe enviada ao presidente de província da Bahia em 05 de fevereiro de 1872. Fonte: APEB. Seção de Arquivos Colonial e Provincial, maço nº 1320.

(33)

A partir desse traçado cartográfico, nota-se a centralidade da vila de Inhambupe com relação às demais localidades da região, com seus respectivos posicionamentos geográficos e distanciamentos. Observa-se nesta fonte que a noroeste está a Freguesia de Serrinha, com 20 léguas de distância, correspondendo 120 quilômetros, já que uma légua equivale a 6 quilômetros; ao nordeste de Inhambupe está a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Aporá, a uma distância de 7 léguas ou 42 quilômetros; Voltando-se desse ponto mais para o sudeste está a Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Entre Rios, com 7 léguas de distância de Inhambupe; Também ao sudeste está localizado a já então Vila de Alagoinhas, já emancipada da Vila de Inhambupe desde o ano de 1852, precisamente no dia 16 de junho desse ano. Alagoinhas está a uma distância de 8 léguas de Inhambupe, e por essa localidade também passava a conhecida Estrada das boiadas; Mais ao sul, de acordo com o traçado cartográfico desse documento, está localizada a Freguesia do Santíssimo Sagrado Coração de Maria, com uma distância de 14 léguas de Inhambupe; Também ao sul, na mesma rota, estão localizadas as freguesias de Ouriçangas e Pedrão, com 8 e 11 léguas de distância de Inhambupe respectivamente; e ao sudoeste está a Vila da Purificação dos Campos, a 11 léguas da Vila de Inhambupe. Sobre essa mesma questão, descrevendo a geografia da região e utilizando a mesma fonte documental, relata Antônio Hertes Gomes de Santana:

A distância do centro da vila para as paróquias era relativamente longe, o que indica a grandeza do município. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Aporá (no atual município do Aporá) ficava a sete léguas (cerca de 42 km) ao nordeste do centro da vila. Nessa mesma distância, ao sudeste, ficava a antiga Paróquia de Nossa Senhora dos Prazeres (no atual município de Entre Rios). Já a vila de Alagoinhas fica a oito léguas (cerca de 48 km) de distância de Inhambupe, no sentido sudeste.30

Acrescentando a essas informações, nesse outro documento também feito pela Câmara Municipal de Inhambupe, no mesmo período do documento anterior, além das distâncias medidas em léguas, observa-se os pontos cardeais referentes a cada localidade com relação à posição geográfica de Inhambupe.

30 SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em

Alagoinhas e Inhambupe (1860 – 1890). (Dissertação de Mestrado). Seropédica, RJ: UFRRJ, 2015, p.

(34)

Figura 2: Distância de Inhambupe para as principais localidades da região, detalhada em léguas, com os respectivos rumos, conforme a orientação dos pontos cardeais. Correspondência da Câmara Municipal de Inhambupe enviada ao presidente de província da Bahia em 05 de fevereiro de 1872. Fonte: APEB. Seção de Arquivos Colonial e Provincial, maço nº 1320.

Evidencia-se um certo interesse das autoridades de Inhambupe, e nesse caso, da câmara de vereadores, em informar ao presidente da província sobre o bom posicionamento da localidade diante das demais freguesias da região, compreendendo que a questão geográfica era um fator relevante para se destacar politicamente na região. Afinal, Inhambupe além de se encontrar na rota da Estrada das Boiadas, tornando-se um ponto de parada obrigatória para os condutores de gado, também está bem posicionado geograficamente em relação às demais localidades mais desenvolvidas na região, que ficam todas em seu entorno.

Na segunda metade do século XIX, mais especificamente, dentro do período desse estudo, 1870 a 1888, mesmo perdendo o território da Vila de Alagoinhas, pois essa localidade consegue seu desmembramento político e ganha o status de vila em 16 de junho de 1852, a Vila de Inhambupe, ainda assim, ficou com um grande território. De acordo com a documentação disponível e analisada para esse período, até o dia 03 de abril de 1872, a Vila de Inhambupe possuía três freguesias: a Freguesia do Divino Espírito Santo de Inhambupe, sede da vila; a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Aporá; e a Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Entre Rios. Porém, a partir da referida data (03 de abril de 1872) esta

(35)

última freguesia citada consegue também seu desmembramento político de Inhambupe, se elevando para a categoria de vila. Devido a um processo natural de reconfiguração dos limites políticos, situação comum e corriqueira naquela época, Inhambupe passa a ter um novo desenho no seu mapa. Antes de 03 de abril de 1872, ainda possuindo a Freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Entre Rios, o território de Inhambupe representava basicamente o espaço destacado no mapa da Bahia, como mostra no mapa1:

Mapa 1: Mapa da Bahia, destacando a Vila de Inhambupe entre 1852 e 1872. Fonte: Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Inhambupe#/media/File:Bahia_Municip_Inhambupe.svg. Adaptado pelo autor. Acesso em 18/12/2017.

Atualmente Inhambupe pertence a microrregião do Litoral Norte e Agreste Baiano, um território composto por vinte e dois municípios, que são: Acajutiba, Alagoinhas, Aporá, Araçás, Aramarí, Catu, Cardeal da Silva, Conde, Crisópolis, Entre Rios, Esplanada,

Referências

Documentos relacionados

canais da cidade, conhecida também como a “Veneza Russa” para apreciarmos a beleza de São Petersburgo por um ângulo surpreendente.. 7º Dia – 11 julho - domingo – SAN

O primeiro passo para otimizar a gestão de orçamento e garantir a redução de custos das operações logísticas é estabelecer uma separação entre os custos fixos e os

Contato com a pele: O contato prolongado e/ou repetido pode causar irritação e

More recently, the interest in SLNM for clinically N0 Papillary Thyroid Cancer (PTC) has increased due to the high rate of occult metastases in these

2. A licença de pesca é válida pelo período e para as operações de pesca e artes de pesca nela inscritos. O pedido de licença de pesca experimental, de investigação e de

XVII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas e XVIII Encontro Nacional de Perfuradores de Poços 1.. XVII CONGRESSO BRASILEIRO DE

ITEM TIPO DE POSTO QTD UND UNITÁRIO VALOR VALOR TOTAL MENSAL VALOR ANUAL 12 MESES.. 1 Serviços de vigilância

© ABNT 2007 Elevadores de passageiros – Requisitos de segurança para construção e instalação – Requisitos particulares para a acessibilidade das pessoas, incluindo