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WILSON, G. A. (ed.). A Companion to Henry of Ghent. Leiden/Boston: Brill, 2011, xi p. (Brill s Companions to the Christian Tradition 23).

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(1)

Tradition 23).

Gustavo Barreto Vilhena de Paiva*

___________________________________________

I.

Na contracapa do volume ora resenhado, lemos que “não houve síntese” das posições de Henrique de Gand (a. 1240 – 1293) “desde o trabalho de 1878 de Karl Werner, Heinrich von Gent als Repräsentant des christlichen Platonismus im

dreizehnten Jahrhundert”. Já em nosso Brill’s Companion, os “18 (NB: de fato, são

14) capítulos escritos por especialistas no campo oferecem: um resumo [overview] crítico da pesquisa atual, os principais temas da vida e dos escritos de Henrique e análises de como seu pensamento está sendo interpretado no começo do século XXI”.1 Essa observação soa muito interessante, uma vez que ela põe um problema, sem entretanto resolvê-lo. De fato, o último trabalho de síntese do pensamento do Doutor Solene pode ser creditado a Werner, porém a obra A Companion to Henry of Ghent, editada por Gordon A. Wilson, não nos oferece de maneira alguma uma nova síntese. Pelo contrário, o que ela nos oferta é uma descrição do estado da arte da pesquisa sobre Henrique de Gand, no que diz respeito [i] ao trabalho de edição crítica de sua obra, [ii] à recepção historiográfica de sua teologia e filosofia, [iii] à sua atividade universitária enquanto mestre de teologia na Universidade de Paris entre 1276-1292/3, bem como à sua atividade eclesiástica enquanto secular e [iv] à sua recepção na escolástica do século XIV e no renascimento do século XV.

* Doutorando no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo e bolsista da CAPES. 1 “(...) there has been no synthesis of his positions since Karl Werner’s work of 1878, Heinrich von

Gent als Repräsentant des christlichen Platonismus im dreizehnten Jahrhundert. The 18 chapters written by experts in the field offer: a critical overview of current research, the major themes in Henry’s life and writings, and analyses of how his thought is being interpreted at the start of the 21st century”.

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Veremos mais atentamente o conteúdo do volume adiante, no item II., antes de apresentarmos algumas conclusões gerais à resenha (item III.). Por ora, o que almejo é retornar à comparação proposta na contracapa do Companion e buscar uma melhor contextualização da obra no conjunto dos estudos sobre Henrique de Gand.

Excetuando as obras medievais, renascentistas e modernas sobre o Doutor Solene (as quais não possuem o caráter historiográfico que nos interessa), o primeiro grande texto sobre seu pensamento é o trabalho de síntese de François Huet, publicado em 1838.2 Como notamos, quarenta anos depois ele é seguido pela já citada obra de Karl Werner.3 Ambos são esforços de síntese do pensamento de Henrique, os quais (como se nota com respeito a este último, em particular, na contracapa do Companion) não tiveram sucessão por outros estudiosos – e isso, por boas razões.

A partir de 1885, um cuidadoso estudo de Franz Ehrle4 redefine a datação dos trabalhos de Henrique de Gand deslocando seu período de atividade universitária como mestre de teologia para o último quarto do século XIII. Desde então, o que encontramos a respeito do gandavense são estudos pontuais, cada vez mais especializados, a respeito [i] de suas posições teológicas e filosóficas e [ii] de sua atividade universitária e eclesiástica, a começar pelos

Études sur Henri de Gand, de Maurice de Wulf.5 Assim, lemos em Chossat (já

tendo por base a nova cronologia proposta por Ehrle) a hipótese da ocorrência

2 HUET, F. Recherches historiques et critiques sur la vie, les ouvrages et la doctrine de Henri de Gand.

Gand. Paris: De Leroux/Paulin, 1838.

3 WERNER, K. Heinrich von Gent als Repräsentant des christlichen Platonismus in dreizehnten

Jahrhundert. Wien: Carl Gerold’s Sohn, 1878.

4 EHRLE, F. “Beiträge zu den Biographien berühmter Scholastiker. 1. Heinrich von Gent”. Archiv

für Litteratur- und Kirchegeschichte des Mittelalters 1 (1885), pp. 365-401; “Nachtrag zur Biographie Heinrichs von Gent”, pp. 507-508 [trad. francesa: Recherches critiques sur la biographie de Henri de Gand, dit le docteur solennel. Trad. par J. Raskop. Tournai: Casterman, 1887].

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de um debate entre Henrique de Gand e Egídio Romano,6 a qual teria profundo impacto para a historiografia sobre a filosofia e a teologia de fins do século XIII.7

Por outro lado, o primeiro estudo de grande fôlego sobre a metafísica de Henrique de Gand surge em 1938, com a tese de doutorado de Jean Paulus, orientada por Étienne Gilson.8 Ela foi seguida vinte anos depois pela monografia de José Gómez-Caffarena9 e encontrou ressonâncias, mais recentemente, no volume escrito por Martin Pickavé10 sob forte influência de trabalhos de Jan Aertsen.11 De 1968 em diante, os trabalhos de Raymond Macken começam a dar as bases da edição crítica dos Opera omnia de Henrique12, cujo primeiro volume surge publicado em 1979, junto a Bibliotheca manuscripta organizada por Macken, isto é, dois volumes que elencam todos os manuscritos e dados disponíveis à época a respeito da tradição manuscrita das obras do Doutor Solene.13 Desde então, mantêm-se contínuos os trabalhos de edição crítica de suas obras completas.

Paralelamente, a partir de meados do século XX, começam a ser publicados inúmeros artigos acerca de elementos precisos do pensamento e/ou da atividade institucional de Henrique de Gand. Esse enorme conjunto de artigos, unido ao esforço de edição crítica dos Opera omnia, culminou, a meu ver, no

6 CHOSSAT, M. “Dieu (sa nature selon les scolastiques)”. In: Dictionnaire de Théologie Catholique.

Tome 4. Paris: Letouzey e Ané Éditeurs, 1911, cols. 1152-1243 [cf. esp. cols. 1180-1].

7 Cf., neste mesmo número da Translatio, a resenha de “CORDONIER, V., SUAREZ-NANI, T.

(éds.). L’aristotélisme exposé. Aspects du débat philosophique entre Henri de Gand et Gilles de Rome. Fribourg: Academic Press Fribourg/Editions Saint-Paul, 2014, 266 p. (Dokimion 38)”.

8 PAULUS, J. Henri de Gand. Essai sur les tendances de sa métaphysique. Paris: Vrin, 1938.

9 CAFFARENA, J. G. Ser participado y ser subsistente en la metafísica de Enrique de Gante. Romae:

apud Aedes Universitatis Gregorianae, 1958.

10 PICKAVÉ, M. Heinrich von Gent über Metaphysik als erste Wissenschaft. Studien zu einem

Metaphysikentwurf aus dem letzten Viertel des 13. Jahrhunderts. Leiden/Boston: Brill, 2007.

11 Principalmente, no que diz respeito aos estudos acerca dos transcendentais produzidos por

este último – no caso de Henrique de Gand, por exemplo o artigo AERTSEN, J. A. “Transcendental Thought in Henry of Ghent”. In: VANHAMEL, W. (ed.) Henry of Ghent. Proceedings of the International Colloquium on the occasion of the 700th anniversary of his death (1293). Leuven: Leuven University Press, 1996, pp. 1-18.

12 MACKEN, R. [S.]. Hendrik van Gent’s “Quodlibet I”. Tekstkritische uitgave. Weerlegging van een

mogelijke eeuwigheid der wereld. 2 delen. Proefschrift tot het behalen van de graad van Doctor in de Wijsbegeerte. Leuven: Katholieke Universiteit Leuven, 1968.

13 Cf. HENRICUS DE GANDAVO. Quodlibet I. Ed. R. Macken. Leuven – Leiden: Leuven University

Press – Brill, 1979 (Opera omnia Henrici de Gandavo 5); e MACKEN, R. Bibliotheca Manuscripta Henrici de Gandavo. I. Introduction. Catalogue A-P. II. Q-Z. Répertoire. 2 vols. Leuven: Leuven University Press, 1979.

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Internaal Colloquium Hendrik van Gent, realizado pelo Centro De Wulf-Mansion da Katholiek Universiteit Leuven (KUL) entre 15 e 17 de setembro de 1993, por

ocasião dos 700 anos da morte do autor14 – tal encontro deu origem a um inestimável volume de artigos publicado em 1996.15 Mais alguns anos de pesquisa sobre o autor irão possibilitar a organização na mesma instituição, entre os dias 12 e 16 de setembro de 2001, do colóquio Between Aquinas and Scotus: Henry of

Ghent’s Contribution to the Transformation of Scholastic Thought,16 que irá originar

mais um volume de artigos em 2003.17 Juntos, os volumes de 1996 e 2003 reúnem os principais estudiosos da obra de Henrique de Gand, cristalizando o estado da pesquisa de então acerca do nosso mestre de teologia. Como vemos, essas não são obras de síntese – muito pelo contrário. Elas apontam com muita propriedade aquilo que foi objeto de estudo nos textos do Doutor Solene (inclusive a necessidade de estabelecimento de uma bibliografia acerca dele, uma vez que em fins do século XX os estudos sobre seu pensamento já haviam atingido uma proporção considerável), mas também deixam de lado elementos de sua carreira (por exemplo, os documentos relativos à sua atividade como arcediago de Tournai). A meu ver, A Companion to Henry of Ghent se coloca na tradição destas duas últimas coletâneas – ele oferece um resumo do estado da arte, não uma síntese. Como diz Gordon Wilson no prefácio à obra aqui resenhada, “[o]s artigos contidos neste volume pretendem ser uma introdução ao pensamento de Henrique e, enquanto introdução, o volume não pode ser e não é exaustivo. Pode-se facilmente apontar tópicos importantes para os quais não foi dedicado explicitamente um artigo (...)” (p. x).18 Mais do que isso, esses conjuntos de artigos não demonstram (de maneira salutar, me parece) qualquer

14 Cf. CARVALHO, M. A. S. de. “Colóquio internacional sobre o pensamento e a obra de

Henrique de Gand”. Revista Filosófica de Coimbra 3 (1994), pp. 197-207.

15 VANHAMEL, W. (ed.) Henry of Ghent. Proceedings of the International Colloquium on the occasion

of the 700th anniversary of his death (1293). Leuven: Leuven University Press, 1996, já citado acima, na nota 11.

16 Cf. CARVALHO, M. A. S. de. “A transformação do pensamento escolástico. Colóquio

internacional sobre Henrique de Gand”. Revista Filosófica de Coimbra 20 (2001), pp. 461-72.

17 GULDENTOPS, G., STELL, C. (eds.). Henry of Ghent and the Transformation of Scholastic Thought.

Leuven: Leuven University Press, 2003.

18 “The articles contained in this volume are intended to be an introduction to Henry’s thought,

and as an introduction the volume cannot be and is not exhaustive. One could easily point to important topics for which an article was not explicitly dedicated (…)”.

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intenção de unificação sistemática dos resultados obtidos nas pesquisas neles apresentadas – pelo contrário, cada tema abordado por cada comentador é sempre tratado por si mesmo, de maneira independente (salvo pequenas remissões) dos outros textos do volume. Ou seja, estamos nas antípodas do que víamos em Huet ou Werner.

Pois bem, se o volume ora resenhado é organizado por Gordon Wilson da University of North Carolina at Asheville e não mais pela KUL, isso reflete o fato de que a organização dos Opera omnia de Henrique de Gand atravessou o Atlântico – algo como uma translatio studii Henrici ad Americas. Além disso, tal volume não é resultado de um congresso, mas antes surge como componente da coleção Brill’s Companions to the Christian Philosophy Tradition. Essas diferenças não excluem, contudo, a clara aproximação entre nosso Companion to Henry of Ghent e os volumes de 1996 e 2003 citados há pouco. Como dito, mais do que sínteses do pensamento do Doutor Solene, o que encontramos nesses três conjuntos de artigos é o estado da arte dos estudos sobre Henrique de Gand, respectivamente, no início da década de 1990, de 2000 e de 2010. Se em sua contracapa, lemos que o Companion ora resenhado nos mostra como o pensamento do gandavense está sendo interpretado no começo do século XXI, o grande volume de trabalhos recentemente produzidos sobre ele permite ser mais preciso: temos aqui uma amostra do estado da arte da pesquisa acerca do Doutor Solene na passagem da primeira para a segunda década do século XXI.

Parece-me, portanto, que o volume ora resenhado é mais bem compreendido se o aproximarmos dos conjuntos de artigos provenientes dos dois congressos organizados pela KUL do que de obras de síntese sistemática, como aquelas de Huet ou Werner – esta última, em particular, citada na contracapa do Companion em uma tentativa de aproximação, como vimos. Dito isso, o que pretendo agora é oferecer ao leitor um resumo dos capítulos presentes no volume – como veremos, ao fim não possuímos qualquer sistema ou síntese, mas um apanhado de capítulos independentes que, juntos, representam (ou buscam representar) o status quo das pesquisas sobre o gandavense nas mais diversas áreas do estudo de suas obras.

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II.

Em seu curto e já citado prefácio ao Companion, Gordon Wilson (pp. vii-xi) – editor da obra, como vimos – resume em poucas páginas o conteúdo dos artigos que compõem o volume. Entretanto, há dois ponto fundamentais nesse prefácio: [i] a já mencionada ressalva acerca da incompletude inerente à apresentação introdutória da obra de Henrique de Gand;19 e [ii] a organização temática por meio da qual são apresentadas as contribuições ao volume. Essa organização tem por base a distinção de quatro tópicos, sendo o terceiro dividido em três sub-tópicos, assim:

“Perspectivas históricas” [Historical Perspectives]

“A teologia de Henrique de Gand” [Henry of Ghent’s Theology] “A filosofia de Henrique de Gand” [Henry of Ghent’s Philosophy]

“A. Metafísica” [A. Metaphysics] “B. Epistemologia” [B. Epistemology] “C. Filosofia moral” [C. Moral Philosophy]

“A influência de Henrique de Gand” [Henry of Ghent’s Influence]

Tais divisões são claramente indicadas no índice da obra (pp. v-vi), junto aos artigos que compõem cada etapa. Decerto, a nomenclatura utilizada aqui pode ser discutida – principalmente, o uso de ‘Epistemology’ nesse contexto parece arriscado ou, pelo menos, parece ser tomado em um sentido bem amplo (ao menos, ele mereceria alguma explicação, uma vez que autores como Richard Rorty considerariam a epistemologia justamente como uma reflexão sobre o conhecimento necessariamente posterior à escolástica tardo-medieval);20 em todo

19 Cf. a nota precedente.

20 RORTY, R. Philosophy and the Mirror of Nature. With a new introduction by Michael Williams, a

new afterword by David Bromwich, and the previously unpublished essay “The Philosopher as Expert”. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 20092 [1979], pp. 131-9.

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caso, há que se admitir que essa tem sido uma utilização comum do vocábulo.21 Ademais, tal divisão mostra um claro viés de abordagem da obra de Henrique de Gand – entre filosofia e teologia, o interesse do organizador parece pender claramente para a primeira. Com efeito, enquanto somente dois artigos do volume são voltados para temas teológicos, o triplo tem por interesse temáticas filosóficas.

*

No primeiro bloco, encontram-se quatro artigos. Eles se voltam para as obras de Henrique de Gand, para sua atividade institucional (particularmente, sua relação com as condenações parisienses de 1277) e seu papel na recepção de autores árabes no mundo latino.

Sendo assim, o primeiro artigo (pp. 3-23), “Henry of Ghent’s Written

Legacy”, de autoria do próprio Gordon Wilson (que, como mencionado, dirige

atualmente o projeto de estabelecimento crítico dos Opera omnia do Doutor Solene), faz um apanhado dos principais resultados do esforço de edição crítica da obra de Henrique de Gand que vem se desenvolvendo nas últimas décadas. Ele reserva especial atenção às três principais obras atribuídas unanimemente ao gandavense: os seus quinze conjuntos de Questões quodlibetais (pp. 4-13), a Suma

das questões ordinárias (pp. 13-7) e o Tractatus super facto praelatorum et fratrum

(pp. 17-8). Em seguida, fala-se um pouco sobre as demais obras aceitas como textos autênticos de Henrique, algumas sobreviventes outras perdidas, e os textos de atribuição apenas provável, inconclusiva ou já descartada (pp. 18-23).

Em seguida, no capítulo 2, Robert Wielockx discorre sobre “Henry of

Ghent and the Events of 1277” (pp. 25-61). Nessa contribuição, ele argumenta que

Henrique de Gand é uma das testemunhas privilegiadas do conturbado ano de 1277, que viu as famosas condenações de Paris (pp. 25-6) – lembremos que ele é o único integrante hoje nominalmente conhecido da comissão formada pelo

21 Temos, para citar um único exemplo de enorme importância, o clássico TACHAU, K. H. Vision

and Certitude in the Age of Ockham. Optics, Epistemology and the Foundations of Semantics, 1250-1345. Leiden/New York/København/Köln: Brill, 1988.

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bispo Estêvão Tempier para seleção dos artigos condenados.22 Além disso, Henrique igualmente testemunhou os processos contra Egídio Romano (pp. 26-30) – tanto em 1277-1279 (quando foi recusada a licentia docendi de Egídio), como em 1285 (quando ele recebeu permissão para ensinar em Paris). Por fim, Henrique também fornece informações sobre o lado institucional da disputa, candente nesse período, sobre a pluralidade das formas no homem (pp. 30-2) e acerca do processo instaurado contra certas posições de Tomás de Aquino e, eventualmente, finalizado em 1285 (pp. 32-4). Wielockx destaca, em seguida, certos temas nos quais a consideração desses evento se mostra particularmente importante, como a individuação (pp. 35-6) e a localização (pp. 36-8) das substâncias espirituais, a relação entre intelecto e vontade (pp. 38-41), a multiplicidade da forma humana (pp. 41-50) e a própria noção de criação (pp. 50-5). Por fim, Wielokcx nos oferece, como apêndice, um excerto em que Godofredo de Fontaines responde, no ms. Paris, BnF lat. 15350, a argumentos de Henrique em defesa da dupla forma no composto humano (pp. 58-61).23

Os dois artigos posteriores (capítulos III e IV), de Jules Janssens – “Henry

of Ghent and Avicenna” (pp. 63-83) e “Henry of Ghent and Averroes” (pp. 85-99) –,

mostram o débito de nosso mestre de teologia para com a filosofia produzida em língua árabe (decerto, por meio de traduções arabo-latinas). No capítulo 3, após um histórico dos comentários acerca da relação entre Henrique e Avicena (pp. 63-5), Janssens propõe uma tipologia das citações de Avicena pelo Doutor Solene que culmina na observação acerca da necessidade de se identificar a que tradição manuscrita pertenceria a fonte de Henrique para a obra de Avicena – o

22 Cf. PORRO, P. “Posibilità ed esse essentia in Enrico di Gand”. In: VANHAMEL, W. (ed.). Henry

of Ghent, 1996, pp. 211-53 (esp. p. 252).

23 Robert Wielockx produziu, junto com Andrea Aiello, o principal estudo sobre os manuscritos

de Godofredo de Fontaines legados à Sorbonne: AIELLO, A., WIELOCKX, R. Goffredo di Fontaines aspirante baccelliere sentenziario. Le autografe “Notule de scientia theologiae” e la cronologia del ms. Paris BnF lat. 16297. Turnhout: Brepols, 2008. Mais informações sobre o tema podem ser encontradas no artigo WIELOCKX, R. “Henri de Gand et Gilles de Rome à la lumière de la bibliothèque de Godefroid de Fontaines”. In: CORDONIER, V., SUAREZ-NANI, T. (éds.). L’aristotélisme exposé. Aspects du débat philosophique entre Henri de Gand et Gilles de Rome. Fribourg: Academic Press Fribourg/Editions Saint-Paul, 2014, pp. 181-259. Como já mencionado na nota 7, acima, este último volume é resenhado no presente número de Translatio.

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que ainda não se pôde fazer (pp. 65-7).24 No que tange a questões doutrinais, o colaborador destaca como influências de Avicena sobre Henrique as discussões metafísicas acerca [i] da noção de ‘ser’ (being), [ii] da distinção entre esse

essentiae e esse existentiae (pp. 67-73), [iii] da possibilidade de uma prova da

existência de Deus (pp. 73-7), [iv] da noção de relação (relation) no contexto do debate sobre a potência de Deus (pp. 77-9) e [v] da noção de res (pp. 79-81) no contexto da elaboração da doutrina dos transcendentais (transcendentals). Como conclusão, Janssens alerta para o fato de que, embora a recepção de Avicena por Henrique tenha sido amplamente estudada no que diz respeito à metafísica, o mesmo não ocorreu no caso das “ideias psicológicas (psychological ideas)” desenvolvidas pelo gandavense, onde noções como, entre outras, aquela de ‘distinção intencional’ poderiam remeter a Avicena (pp. 81-2); o mesmo, aliás, ocorre no caso da noção de ‘mal’ (pp. 82-3).

O capítulo 4 começa pela observação de que, muito embora Henrique tenha sido principalmente relacionado pela historiografia recente a Avicena, ele igualmente muito se utilizou das obras de Averróis e das traduções arabo-latinas de Aristóteles acompanhadas pelo comentários do pensador andaluz (pp. 85-6). No que diz respeito a aspectos doutrinários, Janssens sublinha os temas nos quais Henrique teria sido influenciado positivamente por Averróis (pp. 87-92) e aqueles nos quais essa influência teria sido negativa – isto é, os casos em que Henrique teria sido levado a discutir o pensador andaluz por dele discordar completa ou parcialmente (pp. 92-8). Ao fim, resta que o “débito de Henrique para com Averróis (...) não pode ser avaliado de uma maneira simples”25 (p. 98), mesmo porque, na obra do Doutor Solene, “a enorme maioria das citações derivadas de trabalhos de Averróis possui somente um significado limitado, isto

24 O comentário acerca de um outro estudo mais aprofundado sobre tipologia de citações

escolásticas pode ser encontrado na resenha: PAZOS DE OLIVEIRA, M. B. “Resenha de: CALMA, D. Le poids de la citation: étude sur les sources arabes et grecques dans l'oeuvre de Dietrich de Freiberg, Fribourg CH: Academic Press Fribourg, 2010, 386 p”. Translatio. Caderno de Resenhas do GT História da Filosofia Medieval e a Recepção da Filosofia Antiga 6 (2014), pp. 1-7.

25 “Regarding Henry’s indebtedness to Averroes, it seems that it cannot be evaluated in a simple

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é, elas não possuem – ou possuem muito pouco – impacto nos posicionamentos (insights) mais profundos de Henrique”26 (p. 87).

*

Como visto, o segundo bloco de contribuições diz respeito às posições teológicas defendidas por Henrique de Gand em sua obra. Essa etapa se compõe somente por dois artigos. Um primeiro de caráter geral e um segundo no qual se estuda a noção de trindade elaborada pelo Doutor Solene.

O primeiro desses artigos (capítulo 5) – “The Theologian Henry of Ghent” (pp. 103-34) –, elaborado por Ludwig Hödl e traduzido do alemão para o inglês por W. Duba e O. Ribordy (p. xi), enumera diversos temas teológicos de maneira a formar um quadro geral das posições adotadas por Henrique de Gand em sua teologia. Após uma rápida introdução aos aspectos básicos da divisão de temas da Suma das questões ordinárias (pp. 105-7) e a localização desta última no contexto das discussões de fins do século XIII acerca dos limites entre filosofia e teologia que animaram a Universidade de Paris (pp. 107-8), Hödl discute a caracterização de Deus por Henrique de Gand (pp. 108-16). A isso se segue a enumeração de alguns temas cristológicos e eclesiológicos que se podem ler nos

Quodlibeta (pp. 116-25) e (no caso dos temas eclesiológicos), também, no Tractatus super facto praelatorum et fratrum (pp. 125-32). Seu artigo termina com

uma menção aos gandavistae (pp. 132-4), isto é, aqueles autores que, em inícios do século XIV, ainda se mostravam como seguidores de Henrique de Gand – esse tema, aliás, já foi explorado por Hödl em outras oportunidades.27

De sua parte, na etapa seguinte – capítulo 6, “Henry of Ghent on the Trinity” (pp. 135-50) –, Juan Carlos Flores discorre sobre a noção de trindade de

26 “The vast majority of quotations derived from works of Averroes have only a limited

significance, i.e., they had no, or very little impact on Henry’s deepest insights”.

27 Cf. HÖDL, L. “Die Unterscheidungslehren des Heinrich von Gent in der Auseinandersetzung

des Johannes de Polliaco mit den Gandavistae”. In: GULDENTOPS, G., STEEL, C. (eds.), Henry of Ghent..., 2003, pp. 371-86; e “Die Opposition des Johannes de Polliaco gegen die Schüle der Gandavistae”. Bochumer Philosophisches Jahrbuch für Antike und Mittelalter 9 (2004), pp. 115-77 – este último artigo é citado pelo próprio Hödl, no livro ora resenhado (p. 133, nota 108).

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Henrique de Gand que, como ele próprio nos lembra, foi por ele estudada profundamente em uma dissertação dedicada exclusivamente ao tema (cf. p. 135, nota 2).28 Basicamente, o estudo se divide [i] em uma apresentação do pano de fundo histórico da discussão sobre teologia trinitária (pp. 136-9), [ii] na consideração das pessoas divinas e dos recursos filosóficos utilizados por Henrique para explicitar a distinção e unidade entre elas (pp. 139-47) e [iii] na análise da influência da teologia trinitária sobre a metafísica de Henrique, principalmente no que diz respeito à noção de ‘relação’ (pp. 148-9). Particularmente interessante, é a defesa de Flores do caráter fundamental da noção de trindade para a concepção de criação desenvolvida pelo Doutor Solene (cf. pp. 145-7).

*

O bloco seguinte do volume é dedicado ao estudo da filosofia de Henrique de Gand e, como já notado aqui, ele compõe a maior parte do Companion. Esse passo é divido em três subitens – metafísica, epistemologia e filosofia moral –, cada um dos quais composto por dois capítulos. Desses, nos dois primeiros subitens, o primeiro possui caráter mais geral e o segundo expõe algum(ns) elemento(s) típico(s) da filosofia do nosso mestre de Gand.

Os dois artigos sobre metafísica são de autoria de Martin Pickavé (autor de um dos mais importantes trabalhos recentes sobre a metafísica do Doutor Solene).29 O primeiro (capítulo 7) é algo como uma introdução à metafísica de Henrique de Gand: “Henry of Ghent on Metaphysics” (pp. 153-79). O tema tratado de início é a relação entre física e metafísica, profundamente associada à discussão sobre a superioridade da metafísica como ciência (pp. 154-9). A ele, segue-se um estudo da temática de Deus como primeiro conhecido (primum

cognitum) – tema recorrente na historiografia sobre o Doutor Solene (pp.

159-

28 FLORES, J. C. Henry of Ghent: Metaphysics and the Trinity. With a critical edition of question six

of article fifty-five of the Summa Quaestionum Ordinariarum. Leuven: Leuven University Press, 2006.

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66). São considerados também o ser (being) e os “princípios, partes e propriedade do ser (Principles, Parts, and Properties of Being)” (pp. 166-71; para a expressão citada, cf. p. 166), bem como o campo de especulação filosófica sobre Deus, parte da metafísica e que Pickavé denomina (anacronicamente, a meu ver) como “Philosophical Theology” (pp. 171-9) – esta última etapa consiste basicamente em uma consideração das diferentes provas da existência de Deus propostas por Henrique de Gand.

O segundo artigo voltado para metafísica, o capítulo 8, é intitulado “Henry

of Ghent on Individuation, Essence, and Being” (pp. 181-209). No trecho do artigo

sobre a individuação (pp. 182-9), mostra-se como é complicado conciliar as diversas referências, que encontramos em Henrique, à individuação como elemento negativo e como elemento positivo na constituição do indivíduo; isso leva à consideração tematicamente contígua da distinção entre essência e existência (pp. 189-96) e da consequente distinção entre ‘ser de essência’ e ‘ser de existência (pp. 196-201). A isso, se segue um estudo mais aprofundado da própria noção de ‘ser de essência’ e sua posição basilar para a compreensão de ‘categoria’ (praedicamentum) desenvolvida pelo gandavense (pp. 201-4). Ao fim, Pickavé extrai, ao modo de conclusão, algumas observações gerais sobre o que foi visto (pp. 204-7) e esboça uma consideração acerca da influência de Henrique em outros autores do fim do século XIII (pp. 207-9).

*

O conjunto seguinte de estudos sobre a filosofia de Henrique de Gand é dedicado àquilo que o Companion denomina como sua ‘epistemologia’. Mais uma vez, os dois artigos apresentados aqui distinguem-se pelo primeiro possuir uma maior abrangência e o segundo se dedicar a um tema mais preciso.

No nono capítulo do volume – “Henry of Ghent’s Epistemology” (pp. 213-39) –, Steven Marrone, já responsável por dois importantes estudos acerca da noção

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de conhecimento do Doutor Solene,30 considera o desenvolvimento da doutrina da intelecção de Henrique, respeitando a cronologia da produção de suas obras. Assim, ao estudo das primeiras questões da Suma (pp. 213-28), Marrone pospõe um estudo de obras mais tardias, como Suma, art. 34 e Quodl. 4 (pp. 229-36). O artigo encerra-se por um curto estudo de Quodl. 9, q. 15 (pp. 236-9). Para Marrone, a sequência cronológica dessas obras é suficiente para mostrar que, “à luz de sua cada vez mais elaborada metafísica da essência, parece que seus (sc. de Henrique) dois níveis de conhecimento da verdade iniciais (sc. em suas obras iniciais), um mais aristotelizante e o segundo mais agostiniano, efetivamente colapsaram em um único” em suas obras mais tardias (p. 239).31 Em outras palavras, Marrone vê como ponto fulcral do desenvolvimento da doutrina da intelecção de Henrique a tentativa de solução da tensão entre a noção de abstração (associada àquela de ciência silogística) e a de iluminação.

Em seguida, na décima contribuição ao volume – “Henry of Ghent on the verbum mentis” (pp. 241-72) –, Bernd Goehring desenvolve alguns dos temas que já apresentou mais pausadamente em sua tese de doutorado e em artigos que, em parte, dela derivaram.32 Após uma introdução à origem filosófica da noção de verbum (pp. 241-3) que se refletirá em um excurso sobre a noção de

verbum no De trinitate de Agostinho (pp. 252-5), ele mostra como a descrição de

conhecimento como ‘verbo’ coloca em jogo tanto a necessidade de uma narrativa da formação desse verbo enquanto conhecimento intelectual (pp.

243-

30 MARRONE, S. P. Truth and Scientific Knowledge in the Thought of Henry of Ghent. Cambridge: The

Medieval Academy of America Press, 1985; e The Light of Thy Countenance. Science and Knowledge of God in the Thirteenth Century. 2 vols. Leiden/Boston/Köln: Brill, 2001, pp. 259-388.

31 “For in the light of his increasingly elaborate understanding of the metaphysics of essence, it

would appear that his two early levels for knowing the truth, one more Aristotelianizing and the second more Augustinian, had effectively collapsed into one. Knowing the truth as adequate to the requirements of Aristotle’s science entailed, on an objective plane, being open to conditions of existence revealed by and at work in Augustine’s paradigm for the shining of God’s intelligible light on the mind. To this way of seeing things, an Aristotelianizing philosophy of knowledge resonated with Augustine’s vision of God’s intimacy to all acts of human understanding”.

32 Cf. GOEHRING, B. Henry of Ghent on cognition and mental representation. A dissertation

presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University in partial fulfillment of the requirement for the Degree of Doctor of Philosophy. August, 2006; “[...] intelligit se intelligere rem intellectam. Henry of Ghent on Thought and Reflexivity”. Quaestio 10 (2010), pp. 111-133; e “Henry of Ghent on Human Knowledge and Its Limits”. Quaestio 12 (2012), pp. 589-613. O próprio Goehring remete à sua tese de doutorado (p. 241, nota 2).

(14)

8), como também a necessidade de uma discussão sobre o caráter de objeto intelectual que algo assume ao ser concebido como verbo intelectual (pp. 249-52). Entretanto, o termo ‘verbo’ não somente é utilizado por Henrique para nomear o conceito simples, mas também tem por uso mais especializado a nomeação do conhecimento proposicional definitório de um conceito (pp. 255-60), o que pressupõe a possibilidade de uma passagem de um conhecimento conceitual para aquele discursivo (pp. 261-4) e, destarte, uma noção de discurso lógico racional – isto é, silogístico (pp. 264-7). Goehring encerra seu estudo [i] pela leitura do resumo da discussão sobre o verbo apresentado pelo próprio Henrique em Suma, art. 40, q. 7, onde este enumera as seis característica daquilo que se nomeia como verbo (pp. 267-9) e [ii] por uma rápida consideração da relação entre ‘verbo’ e ‘reflexão’ na doutrina da intelecção do gandavense (pp. 269-72). No fim, o autor parece ver como fruto dessa discussão a ênfase emprestada por Henrique à atividade do intelecto na formação do conhecimento: “Henrique percebe que são as habilidades ativas e construtivas do agente que permitem a formação de conceitos que sejam mais distintos e explanatórios do que os conceitos iniciais abstraídos do conteúdo representacional nos fantasmas” (p. 272).33

*

Os artigos que se seguem são voltados para a discussão sobre a filosofia moral de Henrique de Gand. O primeiro é, novamente, um estudo geral acerca do tema. No entanto, agora, o segundo, mais do que uma análise de um tema particular da ética do Doutor Solene, talvez seja melhor compreendido como um estudo dos pressupostos dessa ética (um estudo meta-ético?), pois se volta para a vontade enquanto potência divina e faculdade da alma humana.

Sendo assim, o capítulo 11 do livro intitula-se “Moral Philosophy in Henry of

Ghent” (pp. 275-314) e é assinado por Marialucrezia Leone, autora mais

33 “But Henry realizes that it is the agent’s active, constructive abilities that allow for the

formation of concepts that are more distinct and explanatory than initial concepts abstracted from representational content in phantasms”.

(15)

recentemente de um volume sobre o mesmo tema.34 Em sua contribuição ao Companion, Leone começa por notar que Henrique não dedicou um trabalho

exclusivamente à ética, de maneira que se mostra necessário buscar na Suma e nos Quodlibeta fontes textuais para tal estudo. Isso, porém, não significa que ele não possua uma ética própria; pelo contrário ela considera que sua ética possui traços característicos e originais. Tal ética possui dois elementos principais: [i] o confronto entre a ética aristotélica e a fé cristã e [ii] a defesa do teólogo como principal baluarte da ética, uma vez que toda lei se reduz, de uma maneira ou outra, à lei divina ou natural (pp. 275-8). Com base nessas primeiras observações, Leone se volta para a ética do Doutor Solene, estudando: a relação entre vida ativa e vida contemplativa (pp. 278-81), a noção de ‘virtude’ (pp. 282-301), alguns exemplos de estudos produzidos pelo gandavense sobre atos morais precisos (pp. 302-10) e, finalmente, o próprio teólogo como garantia da ética em Henrique (pp. 310-3). A autora encerra seu estudo enfatizando o caráter “voluntarístico” (“voluntaristic”, termo que ela própria coloca entre aspas nas pp. 277 e 313) da ética de Henrique de Gand, embora a razão seja fundamental para a ação virtuosa (pp. 313-4).

O segundo artigo sobre a filosofia moral de Henrique é de autoria de Roland J. Teske e se intitula “Henry of Ghent on Freedom of the Human Will” (pp. 315-35).35 Nesse texto, o autor busca compreender a noção de vontade produzida pelo Doutor Solene não a partir da especulação sobre a vontade enquanto potência da alma humana, mas acompanhando o texto de Suma, art. 45, onde o gandavense especula acerca da vontade de Deus. Decerto, o estudo da vontade de Deus em Henrique redunda na consideração de diversos elementos fundamentais para a compressão da vontade humana. Ainda assim, Teske utiliza sempre como fio condutor de sua exposição a discussão sobre a

34 LEONE, M. Filosofia e teologia della vita activa. La sfera dell’agire pratico in Enrico di Gand. Bari:

Edizioni di Pagina, 2014.

35 Esse artigo foi reproduzido como o capítulo 9 de TESKE, R. J. Essays on the Philosophy of Henry

of Ghent. Milwaukee: Marquette University Press, 2012, pp. 199-220. Cf. nossa resenha deste volume: PAIVA, G. B. V. de. “Resenha de: TESKE, R. J. Essays on the Philosophy of Henry of Ghent. Milwaukee: Marquette University Press, 2012, 275 p. (Marquette Studies in Philosophy 76)”. Translatio. Caderno de Resenhas do GT História da Filosofia Medieval e a Recepção da Filosofia Antiga 6 (2014), pp. 19-30.

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vontade divina, de maneira que o vemos, por grande parte de sua contribuição, seguir Henrique de perto nas quatro questões que compõem o citado artigo 45 da Suma (pp. 315-29). Com base nessa discussão, Teske se volta para o tema da superioridade da vontade com respeito ao intelecto na obra de Henrique (pp. 329-34), concluindo ao enfatizar que a vontade (divina ou enquanto potência de cada ser criado intelectual) é sempre concebida pelo Doutor Solene inserida em uma hierarquia dos seres apetitivos, que os direciona para Deus, o qual, embora possua uma vontade, se confunde com o próprio bem (pp. 334-5).

*

A última etapa do livro é voltada para algumas considerações sobre a influência que Henrique de Gand teria exercido sobre pensadores posteriores. Num primeiro artigo, continuamos ainda em um período próximo àquele da vida de Henrique, pois é estudada sua relação com João Duns Escoto. Já em um segundo momento, considera-se a repercussão da filosofia do Doutor Solene em um autor bem mais tardio, a saber, Giovanni Pico della Mirandola.

No capítulo 13 do volume – “Henry of Ghent’s Influence on John Duns

Scotus’s Metaphysics” (pp. 339-67) –, Tobias Hoffmann estuda não somente a

influência negativa de Henrique de Gand sobre Duns Escoto (isto é, aqueles pontos doutrinários nos quais este último se afasta daquele primeiro), mas igualmente como, por meio dessa própria relação negativa, o Doutor Solene termina exercendo uma influência positiva sobre as posições elaboradas pelo Doutor Sutil: “é razoavelmente raro que Escoto siga Henrique sem mais, porém mesmo quando ele critica a posição de Henrique o mais severamente, as visões do Doutor Solene geralmente deixam traços significativos nas soluções do próprio Escoto” (p. 339).36 Sendo centrado em temas metafísicos, o artigo se volta para o papel de Henrique de Gand nas discussões de Duns Escoto sobre a relação entre analogia e univocidade do conceito de ente (pp. 341-51) e sobre

36 “It is rather rare for Scotus to follow Henry unqualifiedly, but even where he criticizes Henry’s

position most severely, the Solemn Doctor’s views usually leave significant traces in Scotus’s own solutions”.

(17)

temas associados a este, como o subiectum da metafísica enquanto ciência (pp. 351-9), a possibilidade de uma prova metafísica da existência de Deus (pp. 359-62) e a predicabilidade quiditativa do conceito de ente (pp. 362-6). No fim, Hoffmann parece considerar que Henrique e Duns Escoto se aproximam por ambos elaborarem uma filosofia na qual o conhecimento intelectual como um todo, a metafísica, o discurso sobre Deus e a predicação são centrados no ‘ser’ enquanto conceito intelectual, muito embora cada autor o faça diferentemente (pp. 366-7).

No décimo quarto e último capítulo, intitulado “Henry of Ghent and Giovanni

Pico della Mirandola: a Chapter on the Reception and Influence of Scholasticism in the Renaissance”, Amos Edelheit disserta sobre a complexa relação entre o nosso

Doutor Solene e Giovanni Pico. Após notar que a relação entre os escolásticos e os humanistas é bem pouco estudada – as análises existentes limitando-se, em geral, aos autores mais centrais como Tomás de Aquino e Duns Escoto (p. 369) –, Edelheit afirma que, em sua contribuição, busca compreender a influência do Doutor Solene sobre Pico a partir das 13 teses daquele que este enumera em suas 900 teses37 (p. 370). Com efeito, após notar a admiração que Pico nutria pela escolástica (pp. 370-4) e enumerar as ditas 13 teses (pp. 374-5), o autor busca mapear quais seriam as fontes de Pico no estabelecimento de tal listagem, o que toma a maior parte do artigo (pp. 375-88). A isso se segue uma leitura dos momentos em que Henrique de Gand surge citado por Pico na Apologia (pp. 388-96). Como conclusão, Edelheit sublinha que um estudo mais acurado de outras obras produzidas no Renascimento pode levar a uma maior aproximação entre escolástica e humanismo, em particular no que diz respeito à influência que o Doutor Solene teria exercido sobre este último (p. 397).

37 Cf. IOANNIS PICUS MIRANDULAE. “Conclusiones DCCCC quas olim Romae disputandae

exhibuit” In: _________. Opera omnia Ioanni Pici Mirandulae. Basileae, 1557, pp. 63-113 [cf. pp. 66-7 – “[Conclusiones] Secundum Henricum Gandavensem XIII”].

(18)

III.

Como vemos por esse resumo das contribuições que compõem A Companion to

Henry of Ghent, podemos perceber que, de fato, não estamos em presença de

uma síntese, mas antes de uma descrição do estado da arte da pesquisa sobre Henrique de Gand. Aliás, note-se que, juntos, os volumes Henry of Ghent de 1996, Henry of Ghent and the Transformation of Scholastic Thought de 200338 e o livro ora resenhado formam um claro panorama dos estudos desenvolvidos sobre o Doutor Solene nas últimas três décadas. Por outro lado, há que lamentar o fato de que no Companion não se tenha dado continuidade ao estabelecimento da bibliografia sobre Henrique de Gand, que havia sido iniciada na coletânea de 1996 e continuada naquela de 2003.39 No mais, só podemos esperar que o esforço se repita na próxima década, pois esses volumes, para além de apresentar o gandavense a novos leitores, também permitem aos que já leem sua obra manterem-se a par dos últimos avanços na pesquisa acerca dela: tanto no que diz respeito ao estabelecimento crítico desta obra, como no que tange ao estudo histórico-filosófico de seu conteúdo filosófico e teológico.

38 Cf. notas 15 e 17.

39 A bibliografia do volume resenhado abrange somente os textos nele citados e não tem por

objetivo atualizar os dados bibliográficos sobre Henrique de Gand já reunidos por outros estudiosos recentes. Para bibliografias recentes sobre Henrique, cf. : PORRO, P. “Bibliography” [até 1994]. In: VANHAMEL, W. (ed.). Henry of Ghent, 1996, pp. 405-34; e PORRO, P. “Bibliography on Henry of Ghent (1994-2002)”. In: GULDENTOPS, G., STEEL, C. (eds.), Henry of Ghent..., 2003, pp. 409-26. Além disso, é mantida online uma “Working Bibliography on Henry of Ghent”. Henry of Ghent Series website (endereço online: https://philosophy.unca.edu/sites /default/files/documents/HenryBibliographyWeb2015.pdf) [consultada em 19/12/2015].

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