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P.º n.º R.P. 102/2011 SJC-CT Testamento. Interpretação. Lapso quanto à identificação do objecto legado. Título para registo.

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P.º n.º R.P. 102/2011 SJC-CT Testamento. Interpretação. Lapso quanto à identificação do objecto legado. Título para registo.

PARECER

1. A coberto da ap. ..., de …/…/…, foi pedido o registo de aquisição do prédio n.º …,

freguesia e concelho de ..., a favor de ..., …, … e … (1/4 sem determinação de parte ou direito, em representação do legatário ..., falecido em 4 de Agosto de 2008), e de ... (1/4), ... (1/4) e ... (1/4), por legado.

1.1. Para prova do facto aquisitivo foi junta certidão do testamento cerrado de ...,

titular inscrito do prédio objecto mediato do registo, de que se extrai, com relevância para a qualificação, que a ..., …, … e ... é deixado «o prédio urbano sito na Rua ..., …, no ..., da freguesia de ..., Concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...».

1.2. Mais se retira, da aludida certidão, que o testador faleceu em 5 de Dezembro de 2010, no estado de viúvo de ..., e que o seu testamento foi aprovado por

instrumento notarial e apresentado para abertura no dia 10 de Dezembro de 2010, lavrando-se o competente acto notarial.

1.3. Junto ao pedido de registo constam ainda prova do cumprimento das

obrigações fiscais, certificado notarial relativo ao nome de ..., por que também é conhecido o legatário ..., e a habilitação de herdeiros de ...

1.4. Em declarações complementares, além da identificação completa dos

legatários, é salientado o lapso quanto à situação matricial do prédio, dizendo-se que a este corresponde o n.º ... da matriz urbana e não o n.º ... referido no testamento, que respeita a prédio com outra localização e que não pertence, nem nunca pertenceu, ao testador.

2. No despacho de qualificação, a cargo da notária afectada ao serviço de registo, é

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Predial (CRP), aduzindo-se como fundamento a divergência entre o número de matriz que consta do documento apresentado e o que é indicado no pedido.

3. Tempestivamente, vem o apresentante interpor recurso hierárquico, alegando,

em síntese, que ao prédio legado corresponde efectivamente o artigo matricial n.º ...; que só por lapso de escrita ficou a constar do testamento um número de matriz diferente, o qual se comprova corresponder a prédio com outra localização e com outro titular; e que do artigo 2187.º/2 do CC se infere a admissibilidade de prova complementar no âmbito da interpretação do testamento1.

4. A sustentação da recusa surge sob a forma de ofício dirigido à entidade ad quem, em vez de se apresentar, como devia, como despacho a notificar ao

recorrente, nos termos do artigo 142.º-A/1 do Código do Registo Predial (CRP), mas não deixa de consistir no desenvolvimento dos fundamentos do despacho inicial tendo em conta os argumentos expendidos pelo recorrente, acentuando-se essencialmente que não compete à Conservatória, mas ao tribunal, fazer a interpretação dos testamentos ou indagar a vontade dos testadores.

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Vistas sumariamente as posições em confronto, não havendo questões prejudiciais que obstem à apreciação do presente recurso, cumpre emitir parecer.

Fundamentação

1 Ao requerimento são juntos documentos que, naturalmente, não serão atendidos em sede de

apreciação do recurso, por um lado, porque o que directamente está em causa é a decisão tomada no serviço de registo perante um determinado pedido e não a reponderação do pedido de registo (ainda que, por força do disposto no artigo 148.º/4 do CRP, deva ser a decisão de procedência do recurso a suportar a feitura do registo), e, por outro lado, porque os documentos que alicerçam o registo devem estar cobertos pela apresentação respectiva ou integrar o processo de registo (artigo 73.º do CRP), pois só assim se respeita a prioridade, princípio enformador fundamental do sistema de registo (artigo 6.º do CRP) que supõe a existência de terceiros e actua no sentido da exclusão dos direitos incompatíveis posteriormente registados ou da graduação dos direitos instrumentais, garantindo a preferência do direito primeiramente registado.

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1. Tendo em conta os termos da disposição testamentária em causa, começamos

por dizer que, para nós, é clara e inequívoca a vontade do testador no sentido de deixar a ..., …, … e ... o prédio situado na Rua ..., n.º …, no ..., freguesia e concelho de …, e que parece inegável ser este prédio, onde o testador residia à data da feitura e da aprovação do testamento, e não outro, o objecto da deixa testamentária2.

1.1. Donde se afigura que a indicação do número de matriz aposta no testamento

não constitui o elemento distintivo da coisa legada, senão mais uma menção tendente à sua fixação, podendo acontecer que exista lapso ou inexactidão quanto a este elemento sem que daí resultem dúvidas acerca do objecto do chamamento sucessório.

1.2. No caso em apreço, o prédio legado foi identificado como estando inscrito na

matriz sob o artigo …, contudo, comprova-se, em face do registo e da matriz, que este artigo corresponde a parte do prédio urbano situado na Rua ..., nºs ..., … e …, descrito sob o n.º ...e registado a favor de pessoa diversa do testador.

1.3. Logo, porque o prédio legado se situa noutra rua e tem outro número de

polícia, com relativa facilidade se reconhece um erro na declaração que não é de molde a pôr em dúvida o conteúdo negocial e que apenas exige ser corrigido mediante prova do artigo matricial que efectivamente pertence ao prédio situado na Rua ..., n.º …

1.4. Ponto é que se apure a exacta situação matricial do prédio legado e, desse

modo, se chegue ao prédio descrito sob o n.º …, indicado no pedido, carreando para o processo de registo prova complementar que permita fazer essa

2 Naturalmente, o que se afirma no texto é já compreensão do sentido e alcance da vontade do

testador, por isso, é já o resultado de uma actividade imprescindível à determinação do conteúdo do acto; de uma operação intelectual sujeita a determinadas regras que o conservador não pode declinar, a pretexto de que deve ser outro o intérprete (o tribunal), como parece pretender a recorrida. Verificar a legalidade do acto (artigo 68.º do CRP) é, antes de mais, conhecer o conteúdo negocial e apurar a vontade das partes, ainda que a última palavra, em sede de interpretação negocial, caiba ao juiz e que, por via disso, o acertamento jurídico feito em sede de qualificação registal possa vir a ceder em face de uma decisão transitada em julgado que dê outro sentido e alcance ao facto registado.

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correspondência, já que nem a matriz, nem a descrição, referem o número de polícia atribuído ao prédio.

1.5. A nosso ver, o problema dos autos não radica em compreender a vontade real

e contemporânea do testador, pois, como já dissemos, parece-nos que a cláusula testamentária em causa se insere no grupo das cláusulas com um sentido inequívoco e manifesto, face à letra e ao contexto do testamento;

1.6. O que está em causa é antes uma divergência não intencional entre a vontade

e a declaração, aqui consubstanciada em erro de escrita que pode ser revelado por via de prova complementar e correctivamente superado em benefício da vontade testatória real (artigo 2203.º do CC) 3.

1.7. No entanto, não bastará dizer, em declarações complementares, que o artigo

de matriz correcto é o …4; importará, sim, demonstrar que este artigo respeita ao prédio da Rua ..., com o n.º ... de polícia, anteriormente designado por lote ... (como consta da matriz), designadamente, através de certidão camarária que estabeleça a relação entre este lote e aquele número de polícia5.

3 Castro Mendes, Interpretação de testamento: prova complementar; competência do Supremo Tribunal

de Justiça, em RDES, Janeiro/Setembro de 1977, apud Paulo Sobral Soares do Nascimento, anotação ao Ac. do STJ de 13.3.2007, Cadernos de Direito Privado, 19, p. 42.

4A prova complementar a que alude o artigo 2187.º/2 do CC não pode confundir-se, aqui, com a mera

declaração dos beneficiários da liberalidade (normalmente admitida para completa identificação dos sujeitos, para menção dos elementos que integrem a descrição ou para esclarecimento de alterações supervenientes, mas não para «correcção» do título), até porque ninguém pode fazer prova a seu

próprio favor (neste sentido, processo R.P. 112/97 DSJ-CT, BRN 3/98), nem parece compaginar-se com

o disposto no artigo 46.º/2 do CRP, fazendo intervir os herdeiros, quando existam, dado que só através da interpretação do testamento (apuramento da vontade do testador, conforme o contexto do testamento, e recurso a prova complementar) se consente a superação correctiva do erro-obstáculo do testador (artigo 2203.º do CC).

Com efeito, uma intervenção dos legatários e dos herdeiros, a confirmar a identificação do objecto legado, permite garantir a ausência de conflito quanto ao sentido e alcance do testamento e, dessa forma, estabilizar a interpretação do negócio jurídico trazido a registo, mas, por si só, não permite fixar a real intenção do testador.

5Importa notar, em face do que dispõe o artigo 43.º do CRP, que a prova complementar admitida para

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1.8. Enquanto isso, o registo poderá ser feito como provisório por dúvidas, quanto

a ¾, dado que alguma correspondência se encontra, ainda que imperfeitamente expressa, entre o que consta do testamento e a descrição n.º …, no que concerne à natureza e à situação do prédio.

2. Cremos, todavia, que relativamente a parte do pedido (1/4 a favor de ..., …, … e

..., em comum e sem determinação de parte ou direito) cabe efectivamente a recusa, não por causa da desconformidade entre o título e o registo quanto ao artigo matricial, que já vimos não ser de molde a suscitar incerteza ou total indeterminação do objecto, mas porque a aquisição pretendida não está, realmente, titulada nos documentos apresentados (artigo 69.º/1/b) do CRP).

2.1. É que, na falta de disposição testamentária em contrário, à posição de ...,

falecido antes do testador, apenas são chamados os seus descendentes, ou seja, os seus três filhos, ..., … e ...

2.2. Isto por via do direito de representação a que alude o artigo 2039.º do CC e

que, no caso da sucessão testamentária, expressamente se prevê para os descendentes daquele que faleceu antes do testador, se não houver outra causa de caducidade da vocação sucessória ou disposição legal ou testamentária em contrário (artigo 2041.º do CC).

2.3. Ao contrário da transmissão do direito de suceder (artigo 2058.º do CC), em

que há uma vocação efectiva antes do falecimento do chamado, e com a sucessão já aberta, que se transmite aos seus sucessores, quaisquer que eles sejam, e existem duas transmissões (o transmissário, para receber o direito de suceder, tem

de preencher os pressupostos da vocação quanto ao transmitente e de aceitar a sucessão deste), o direito de representação consubstancia uma vocação indirecta,

em que o representante não tem de aceitar a sucessão do representado, porquanto

ele sucede é ao autor da sucessão de que o representado era sucessível e é em relação àquele que devem verificar-se os requisitos da vocação6-7.

interpretação do testamento for de outra natureza, designadamente testemunhal, aí sim, só por via de uma decisão judicial que fixe o sentido e alcance do testamento se logrará obter a inscrição no registo.

6Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, 2.ª edição, pp. 196/197 .

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2.4. Acresce que o chamamento simultâneo dos descendentes do sucessível que

não pôde ou não quis aceitar o legado não modifica a espécie dos sucessores: os descendentes são também legatários, recebendo bens determinados directamente do de cuius (neste caso, em compropriedade com os demais legatários instituídos em relação ao mesmo prédio), embora à estirpe caiba aquilo em que sucederia o ascendente respectivo (artigo 2044.º do CC), aqui, ¼ do prédio a dividir per capita.

2.5. Daí a falta de título, quer para demonstrar que o cônjuge do sucessível

falecido antes do testador é também legatário, quer para permitir a feitura do registo de aquisição de ¼ sem determinação de parte ou direito (comunhão hereditária), a tornar inevitável a recusa da inscrição quanto a esta parte do pedido8.

3. Consideramos, assim, que o registo deve ser recusado quanto à aquisição de ¼,

em comum e sem determinação de parte ou direito, e efectuado como provisório por dúvidas quanto à aquisição de ¾9, atenta a divisibilidade do pedido respectivo (artigo 99.º/1/a) a contrario do CRP).

7 O direito de transmissão pressupõe, assim, que o sucessível tenha falecido e que este falecimento se

dê após a abertura da sucessão do de cuius sem que o chamado tenha exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, ao invés do direito de representação, que postula estar o sucessível impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado (Capelo de Sousa, Lições de Direito das

Sucessões, vol. I, p. 316).

8 Em regra, não cabe no âmbito do recurso criar decisões sobre matéria nova ou tornar pior a posição

do recorrente, contudo, tem-se dito que este princípio deve ceder sempre que a omissão de pronúncia sobre questões não suscitadas possa conduzir à realização de registos nulos» (Conclusão I do parecer proferido no processo n.º2/96 RP 4, publicado no BRN 5/96), como seria o registo em apreço (artigo 16.º/b) do CRP) se tivéssemos de ignorar este novo fundamento de recusa.

9 Cumpre notar que à fixação do estatuto de titularidade dos bens adquiridos por legado e sua

publicitação importa o estado civil do sujeito activo (legatário), designadamente de forma a saber se no momento da aquisição existe, ou não, alguma comunhão conjugal a que deva pertencer o bem recebido, e que, para efeitos de aquisição por sucessão, releva o estado civil do herdeiro ou legatário à data da abertura da sucessão e não o que existe aquando do testamento, pois, uma vez aceita a herança ou o legado, é naquele momento que se verifica a transferência do domínio dos bens para a titularidade do sucessível chamado (artigos 2050.º e 2249.º do CC). Logo, o registo de aquisição que apenas tenha por base o testamento (cfr. artigo 88.º do Código do Notariado) não tem como dispensar a competente prova do registo civil quanto ao estado civil do legatário à data da abertura da sucessão (artigo

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***

Em conformidade, propomos o provimento parcial do recurso e formulamos as seguintes

CONCLUSÕES

I- Em face do disposto no artigo 68.º do Código do Registo Predial, a apreciação da viabilidade do pedido de registo envolve a verificação da validade dos actos contidos nos títulos apresentados e, por isso, também o apuramento do sentido e alcance das declarações neles vertidas.

II – Assim, a qualificação do pedido de registo com base em testamento implica a aplicação do regime de interpretação a que se refere o artigo 2187.º do Código Civil e o conhecimento de prova complementar que resulte de documento (artigo 43.º do Código do Registo Predial) e que permita determinar um sentido ajustado à vontade do testador, que tenha, no contexto do testamento, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, ou corrigir o erro na declaração previsto no artigo 2203.º do Código Civil.

46.º/1/a), in fine, do CRP e artigos 3.º e 4.º do Código do Registo Civil), ou, quando possível, a verificação deste elemento de identificação através de acesso oficioso à base de dados do registo civil (artigo 73.º/1 do CRP).

No caso em apreço, apesar de não ter sido apresentada qualquer prova do registo civil atinente à identificação (estado civil) dos sujeitos activos do facto, o acesso oficioso à base de dados do registo civil permite confirmar os dados indicados pelo apresentante, superando-se, assim, estoutra deficiência do processo (artigo 73.º/1 do CRP).

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III – Deve ser recusado, por falta de título, o registo de aquisição a favor dos herdeiros do sucessível que faleceu antes do testador, dado que, se não houver outra causa de caducidade da vocação sucessória ou não ocorrer uma das situações previstas no artigo 2041.º/2 do Código Civil, à posição daquele que, por pré-falecimento, não pôde aceitar o legado apenas são chamados os seus descendentes (artigos 2039.º e 2041.º do Código Civil).

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 28.07.2011.

Maria Madalena Rodrigues Teixeira, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, António Manuel Fernandes Lopes, João Guimarães Gomes Bastos.

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FICHA – P.º R.P. 102/2011 SJC-CT

SÚMULA DAS QUESTÕES TRATADAS

1. Interpretação do testamento

Âmbito da qualificação registal

2. Erro na identificação do objecto legado

• Sua superação

3. Direito de representação na sucessão testamentária

• Recusa do registo a favor dos herdeiros do sucessível que não pôde aceitar o legado em virtude de pré-falecimento.

4. Identificação completa dos legatários certos e determinados

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