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RBDU. Revista Brasileira de DIREITO URBANÍSTICO

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ano 5 - n. 8 | janeiro/junho - 2019 Belo Horizonte | p. 1-234 | ISSN 2447-2026

R. Bras. de Dir. Urbanístico – RBDU

Revista Brasileira de

DIREITO URBANÍSTICO

RBDU

(2)

Impressa no Brasil / Printed in Brazil / Distribuída em todo o Território Nacional

Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Coordenação editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo Capa: Igor Jamur

Projeto gráfico: Walter Santos

Luís Cláudio Rodrigues Ferreira

Presidente e Editor

Av. Afonso Pena, 2770 – 15º andar – Savassi – CEP 30130-012 – Belo Horizonte/MG – Brasil – Tel.: 0800 704 3737 www.editoraforum.com.br / E-mail: editoraforum@editoraforum.com.br

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Revista Brasileira de Direito Urbanístico – RBDU

R454 Revista Brasileira de Direito Urbanístico: RBDU. – ano 1, n. 1, (jul./dez. 2015) – Belo Horizonte: Fórum, 2015 Semestral

ISSN 2447-2026

1. Direito urbano. 2. Direito público. I. Fórum. CDD: 347.81 CDU: 349.44

Conselho Editorial Dra. Adriana Nogueira Vieira Lima (UEFS)

http://lattes.cnpq.br/1797614329766910 Dr. Alex Ferreira Magalhães (UFRJ) http://lattes.cnpq.br/9383871504452656 Dr. Álvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla, Espanha)

http://lattes.cnpq.br/5084987763906138 Dra. Betânia de Moraes Alfonsin (PUC/RS) http://lattes.cnpq.br/2759534639224252 Dr. Claudio Oliveira de Carvalho (UESB) http://lattes.cnpq.br/8313743261334435

Dr. Daniel Gaio (UFMG) http://lattes.cnpq.br/3860243568106899

Dra. Daniela Campos Libório (PUC/SP) http://lattes.cnpq.br/7582517839705764

Dr. Edésio Fernandes (University College London, Reino Unido) http://lattes.cnpq.br/8715939045729830

Dr. Emerson Gabardo (UFPR e PUC/PR) http://lattes.cnpq.br/3091904591160385

Dra. Marinella Machado Araújo (PUC/MG) http://lattes.cnpq.br/9567055202539882

Dra. Marise Costa de Souza Duarte (UFRN) http://lattes.cnpq.br/8614705824393576

Dr. Nelson Saule Junior (PUC/SP) http://lattes.cnpq.br/7226929140345329 Dr. Paulo Afonso Cavichioli Carmona (UNICEUB)

http://lattes.cnpq.br/0471763465230262 Dr. Thiago Marrara de Matos (USP) http://lattes.cnpq.br/5001783167154079

Comitê de Pareceristas desta Edição

Caroline Muller Bitencourt; Clarissa Freitas; Fernanda Carolina Costa; Henrique Frota; João Alfredo Telles Melo; João Bazzoli; Mariana Levy Piza; Mariana Mencio; Patrício Melo; Talden Farias; Thiago Marrara

Coordenadora-Geral Lígia Maria Silva Melo de Casimiro

Coordenador Adjunto Rodrigo Iacovinni

(3)

Sumário

Los derechos sociales y su defensa

Luis Gerardo Rodríguez Lozano ...7

1 Introducción...7

2 Aspectos generales ...8

3 Historia de los derechos sociales ...11

4 Sentido de los derechos sociales ...16

5 Acceso a los derechos sociales ...21

6 Reflexiones finales ...22

Referencias ...23

Lei Federal nº 13.465/2017: regularização fundiária urbana ou política de registro de propriedade em massa Alice Nohl Vianna ...25

1 A Lei Federal nº 13.465/2017 ...25

2 A dimensão jurídica do registro de propriedade como centralidade na Lei Federal nº 13.465/2017 ...31

3 A Lei Federal nº 13.465/2017 e o procedimento de registro da regularização fundiária urbana ...40

4 Política de regularização fundiária urbana ou registro da propriedade em massa? ...44

5 Conclusão ...57

Referências ...59

Fretamento colaborativo: uso de plataformas digitais para o serviço de transporte de passageiros Antonio Rafael Marchezan Ferreira, Alan Michel Camilo, Ana Luiza Yumi Vargas, Mateus Felipe Borin de Oliveira, Murilo Baessa da Silva, Piettrus Siqueira Valle ...63

Introdução ...64

Economia compartilhada e as transformações na sociedade de consumo ...65

Principais demandas judiciais relativas ao fretamento colaborativo ...68

A disciplina jurídica do transporte coletivo de passageiros ...70

O direito social ao transporte e o fretamento colaborativo: diálogos possíveis ...71

Considerações finais ...73

Referências ...75

A política de habitação social no Brasil: as inflexões da política habitacional pelo Programa Minha Casa, Minha Vida Arleide Meylan ...77

1 Introdução ...77

2 A política habitacional social no Brasil ...80

3 O Programa Minha Casa, Minha Vida ...88

4 Considerações finais ...94

(4)

Das outorgas onerosas do direito de construir e de alteração de uso e da destinação dos recursos para a criação de espaços públicos

Ilka Suemi Nozawa de Oliveira...99

Introdução ...99

1 Do direito a espaços públicos de qualidade como um dos componentes do Direito à Cidade ...101

2 Diretrizes da política urbana e instrumentos jurídicos que possibilitam a cobrança de contrapartidas urbanas ...106

3 Origem histórica da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso e a relação com a criação de espaços públicos ...110

4 Da cobrança de outorgas onerosas do direito de construir e de alteração de uso ....112

5 Da destinação dos recursos das outorgas onerosas do direito de construir e de alteração de uso para criação de espaços públicos ...115

6 Conclusão ...117

Referências ...119

A dilapidação das terras públicas e a ressignificação do interesse público no governo empresarial: o caso do Estado de São Paulo Jeanne Christine Versari Ferreira Sapata ...121

Introdução ...121

O neoliberalismo e a ascensão dos governos empresariais ...123

A disponibilização das terras públicas como ativos pelo governo empresarial...128

Considerações finais ...141

Referências ...142

Conselhos gestores de ZEIS como um instrumento de resistência aos planos de reestruturação urbana em São Paulo Heather Bromfield, Paula Freire Santoro ...145

1 Introdução ...145

2 História das ZEIS e seus conselhos gestores em São Paulo ...148

2.1 Os primeiros conselhos: Programa de Urbanização de Favelas de São Paulo e Renova-SP ...149

2.2 As revisões do PDE e da LPUOS após 2014 e regulamentações posteriores ...150

2.3 ZEIS e áreas de transformação urbana ...151

3 Achados do levantamento quantitativo ...152

4 Tipologias ...155

4.1 Os conselhos “de aprovação de projetos urbanísticos” ...155

4.2 Os conselhos “de resistência” sobre áreas valorizadas...157

5 Conclusão ...161

Referências ...162

Participação democrática nas políticas de interesse social no Distrito Federal: a efetividade da participação no Conselho Gestor do Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social no Distrito Federal Renata Freitas Carvalho Caldeira, Sabrina Durigon Marques ...165

1 Introdução ...166

2 A cidadania e o direito à cidade ...167

3 A efetividade da participação no Conselho Gestor do Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social do Distrito Federal ...173

(5)

3.2 A institucionalização do Conselho ...176

3.3 As deliberações do Conselho ...181

3.4 A representação da sociedade civil no Conselho ...185

4 Considerações finais ...195

Referências ...199

Direito à moradia adequada e urbanização de favelas – reflexões e desafios para uma nova abordagem Rodrigo Faria Gonçalves Iacovini ...201

1 Introdução ...201

2 Habitabilidade ...205

3 Disponibilidade de serviços e infraestrutura ...210

4 Localização ...211 5 Segurança da posse ...217 6 Custo acessível ...220 7 Adequação cultural ...223 8 Acessibilidade ...226 9 Conclusão ...228 Referências ...229

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Conselhos gestores de ZEIS como um

instrumento de resistência aos planos

de reestruturação urbana em São

Paulo

Heather Bromfield

Trabalha como associada na empresa Strategic Economics, onde também terminou mestrado em Planejamento Urbano na Universidade da Califórnia, em Berkley, USA. Foi bolsista Fulbright em São Paulo em 2018 e pesquisadora do LabCidade FAUUSP. E-mail: h.bromfield@berkeley.edu.

Paula Freire Santoro

Professora doutora no Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), coordenadora de pesquisas junto ao LabCidade FAUUSP, possui apoio Auxílio à Pesquisa FAPESP 2016/23179-9. E-mail: paulasantoro@ usp.br.

Resumo: Este artigo busca elaborar considerações iniciais sobre a regulação, criação e gestão dos

conselhos de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no município de São Paulo, sublinhando os desafios, avanços e retrocessos dos processos de discussão e deliberação sobre a transformação urbana que se deu na direção de oferecer para os moradores de baixa renda uma solução habitacional definitiva. Para isso, revisitou sua regulação urbana; construiu um panorama dos conselhos vigentes, mapeando quando as ZEIS se sobrepõem a diferentes instrumentos de gestão e financiamento da transformação urbana; e formulou uma tipologia dos conselhos já formados. Concebidos para gerir planos de reurbanização de áreas ocupadas ou subutilizadas, estes conselhos parecem estar sendo utilizados para aprovar projetos prévia e tecnicamente concebidos, mas também como espaço de resistência a processos de reestruturação urbana concentradores e excludentes.

Palavras-chave: Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Conselhos. Parceria Público-Privada.

Habitação. São Paulo – município.

Sumário: 1 Introdução – 2 História das ZEIS e seus conselhos gestores em São Paulo – 3 Achados do

levantamento quantitativo – 4 Tipologias – 5 Conclusão – Referências

1

Introdução

Consideradas um avanço importante para as metrópoles brasileiras por criarem condições urbanas melhores e reservarem terra para habitação de in-teresse social, as Zonas Especiais de Inin-teresse Social (ZEIS) foram concebidas com o objetivo de priorizar os interesses dos grupos de baixa renda em geografias

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determinadas, reguladas por planos diretores ou zoneamentos de cada cidade. Em áreas ocupadas, procuram garantir o direito de permanecer, evitar remoções e deslocamentos involuntários, e melhorar as condições urbanas, propondo a ur-banização e regularização de assentamentos precários. Também existem as ZEIS de vazios, que são delimitadas áreas subutilizadas ou vazias prioritariamente para a produção de habitação de interesse social (HIS). Em alguns municípios que criaram ZEIS, tanto as “ocupadas” como as “vazias”, a legislação municipal previu a participação direita da população beneficiada na elaboração e a aprovação dos planos de urbanização para esses territórios, através de conselhos de ZEIS. No Brasil houve uma grande disseminação do instrumento das ZEIS – pouco menos de 1/3 dos municípios brasileiros afirmou possuir legislação específica sobre área ou Zona de Interesse Social (IBGE Munic, 2009). Esta disseminação se deu após a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01). No entanto, a maioria dos municípios demarcou áreas já ocupadas, poucos zonearam sobre áreas vazias ou subutilizadas.1

Sua concepção deriva das lutas pela reforma urbana do período de demo-cratização, nos anos 1980, que culminaram na aprovação da Constituição Federal de 1988 e, mais tarde, em 2001, do Estatuto da Cidade. Este processo esteve apoiado essencialmente em uma agenda municipalista e de participação popular democrática, o que também ajuda a explicar a aplicação em escala municipal e local dos instrumentos urbanísticos e democráticos. As primeiras experiências de planos de ZEIS, em Belo Horizonte e Recife na década de 1990, já envolviam a população beneficiada no processo de elaboração do projeto de urbanização por meio de instâncias de participação local.2

As alterações regulatórias – como a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 – e institucionais – criação do Ministério das Cidades em 2003 e do sistema de políticas públicas urbanas e habitacionais através de secretarias, conselhos e fundos nas três esferas (federal, estadual, municipal) – foram motores de uma agenda de estudos sobre instrumentos urbanísticos e democráticos. Dentro desta agenda, foram feitos diversos estudos sobre os conselhos de políticas públicas e processos participativos de construção de políticas,3 e, especialmente no campo

do urbano, os grupos de gestão de operações urbanas4 ou os debates sobre

1 SANTORO, 2015; ROLNIK; SANTORO, 2014. 2 MIRANDA; MORAES, 2007; ROMEIRO, 2010.

3 CARVALHO; TEIXEIRA, 2000; DAGNINO, 2004; TEIXEIRA; TATAGIBA, 2005 e 2008; AVRITZER, 2008;

SANTORO, 2015b.

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CONSELHOS GESTORES DE ZEIS COMO UM INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA AOS PLANOS DE REESTRUTURAÇÃO...

planos diretores e sua efetividade5 foram arena de disputa para os urbanistas

contrários à mercantilização crescente do espaço.6

Embora haja uma vasta literatura sobre a implementação dos instrumentos urbanísticos e sobre o funcionamento dos conselhos de políticas públicas em geral, há poucos trabalhos sobre a gestão participativa em ZEIS. São poucos os dados sistematizados e algumas experiências pontuais descritas, geralmente das resistências às transformações urbanas a partir do funcionamento do Conselho Gestor de ZEIS.7 A presente pesquisa busca elaborar considerações iniciais sobre

a regulação, criação e gestão dos conselhos de ZEIS no município de São Paulo, sublinhando os desafios, avanços e retrocessos dos processos de discussão e deliberação sobre a transformação urbana que se deu na direção de oferecer para os moradores de baixa renda maiores possibilidades de obterem uma solução habitacional definitiva.

Para isso, revisitou sua regulação urbana; construiu um panorama dos con-selhos vigentes, mapeando quando as ZEIS se sobrepõem a diferentes instru-mentos que se apoiam no desenvolvimento do mercado imobiliário-financeiro para o financiamento da transformação, através de Parcerias Público-Privadas (PPPs), as concessões urbanísticas, as operações urbanas consorciadas (OUCs) e os Projetos de Intervenção Urbana (PIUs); e formulou uma tipologia dos conselhos já formados. Concebidos para gerir planos de reurbanização de áreas ocupadas ou subutilizadas, os conselhos gestores das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) parecem estar sendo utilizados mais para aprovar projetos prévia e tecnica-mente concebidos, mas também há exemplares dos conselhos sendo utilizados como espaço de resistência a processos de reestruturação urbana concentrado-res e excludentes.

A metodologia se iniciou com o estudo da regulação urbana pertinente às ZEIS e seus conselhos gestores e uma revisão da literatura acadêmica já publi-cada no assunto. Em seguida, foi elaborado um mapeamento das áreas de ZEIS em São Paulo, e dos conselhos de ZEIS identificados na pesquisa nos últimos anos (2016-2018), com os instrumentos neoliberais de reestruturação urbana re-centemente mobilizados – o Renova-SP, PPP Habitacional, PIUs em debate, OUCs vigentes e em debate. Realizou entrevistas com funcionários públicos (atuais e

5 SANTOS JR.; MONTANDON, 2011.

6 FIX, 2001, 2003, 2009; MARICATO; FERREIRA, 2002; NOBRE, 2000, 2004, 2009; ROLNIK, 2015;

SANTORO, 2014, 2015a, 2015b.

7 Sobre gestão democrática em ZEIS da região da Luz em São Paulo, ver GATTI, 2015; em Recife, ver

MIRANDA; MORAES, 2007, que inclusive dissertam sobre um Fórum de várias PREZEIS; no Ceará, sobre ZEIS Lagamar, ver GONDIM; GOMES, 2012; entre outros tantos que atualmente desenvolvem pesquisa sobre o tema, cujos comentários não foram incluídos neste artigo por falta de espaço.

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HEATHER BROMFIELD, PAULA FREIRE SANTORO

anteriores) e com representantes da sociedade civil com experiência nos conse-lhos gestores para obter informações sobre como funcionam.

A partir do mapeamento e das entrevistas, foi criada uma tipologia de con-selhos gestores. Posteriormente foram selecionados quatro estudos de caso para um acompanhamento mais de perto de conselhos de ZEIS que estão nas mesmas áreas geográficas onde incidem os instrumentos de reestruturação urbana. Foi feito acompanhamento dos acontecimentos dos estudos de casos escolhidos vigentes, em um método que incluiu: um levantamento de seus regimentos in-ternos, entrevistas com participantes dos três conselhos gestores vigentes; e observação direta de reuniões de conselhos gestores entre maio e outubro de 2018. Foi analisada a organização prévia da sociedade civil nas ZEIS estudadas, observando suas disputas intensas, e particularmente como essa organização pode permitir a formulação de planos alternativos elaboradas em diálogo com aqueles impulsionados pelo poder público.

Os achados incluem, primeiramente, que têm sido constituídos poucos conselhos gestores desde a sua primeira regulamentação em 2002. Contamos 76 perímetros de ZEIS que tiveram conselhos formados, dos 2.452 perímetros (número que era 964 durante a maior parte dos anos em que as ZEIS existiam em São Paulo) de ZEIS 1 e 3 pela LPUOS de 2016 em que é obrigatório criar um conselho se for ser feita intervenção. Dos 76 perímetros que identificamos com conselhos formados, aproximadamente um terço (27) coincidiu com instrumentos que contam com a atuação de um agente privado.

Foram encontrados basicamente dois formatos de conselhos gestores de ZEIS em São Paulo: (1) conselhos que têm servido para legitimar propostas elabo-radas internamente ao poder público, geralmente deixando poucas brechas para a sociedade civil deliberar e aperfeiçoar os projetos apresentados para que atendam às verdadeiras necessidades das comunidades; e (2) conselhos que servem como espaço de resistência da transformação urbana.

2

História das ZEIS e seus conselhos gestores em São Paulo

São Paulo é palco de disputas pelo território nas quais alguns conselhos de ZEIS tiveram destaque na cena pública como espaço de resistência. Para compre-ender seu funcionamento e o papel que vem adquirindo, é preciso entcompre-ender como se deu a regulação do instrumento.

O Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002 gravou quatro modalidades dife-rentes de ZEIS: duas que são áreas ocupadas por famílias de baixa renda onde há interesse de urbanizar e regularizar, e duas sobre áreas não utilizadas, su-butilizadas ou não edificadas. Quando fossem ter intervenções nas ZEIS, reque-reu que fosse formado um conselho gestor para elaborar e aprovar um plano de

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CONSELHOS GESTORES DE ZEIS COMO UM INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA AOS PLANOS DE REESTRUTURAÇÃO...

urbanização, com representação do poder público e da sociedade civil, que inclui representantes eleitos dos moradores e proprietários de imóveis localizados do perímetro. O PDE de 2014 ampliou e revisou os perímetros das ZEIS8 e

especifi-cou que só nas ZEIS 1 e ZEIS 3 é obrigatório formar conselho gestor para elaborar e aprovar o plano de urbanização.9

2.1

Os primeiros conselhos: Programa de Urbanização de

Favelas de São Paulo e Renova-SP

Até 2011, poucos conselhos gestores foram criados pelo fato que havia relativamente pouco financiamento disponível para intervir em favelas e fomentar a produção de habitação de interesse social em perímetros de ZEIS. Contudo, o Programa de Urbanização de Favelas do município de São Paulo foi ativo durante esse período, e sua própria lógica exigiu a criação de conselhos gestores de ZEIS. Embora tenham sido poucos os casos de áreas de ZEIS urbanizadas nessa época, foram desenvolvidos conceitos e práticas relativas aos conselhos gestores que continuaram sendo aplicadas nos anos subsequentes.

A Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) interpretava que a finalidade do conselho gestor era relevante não para a elaboração das propostas pela co-munidade, mas sim dentro da SEHAB a serem apresentadas à comunidade ou debatidas por ela, posteriormente.10

O cenário de financiamento baixo para investimentos nos assentamentos precários mudou consideravelmente com a criação no nível federal do Programa de Aceleramento de Crescimento – Urbanização de Assentamentos Precários (PAC-UAP), em 2007, pelo governo federal.11 Na expectativa desta infusão de recursos

8 Além disso aperfeiçoou os tipos de ZEIS, criando um novo, as ZEIS 5. As ZEIS são, portanto, de 5 tipos:

ZEIS 1 – áreas ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse regularizar; ZEIS 2 – áreas vazias, subutilizadas ou não edificadas destinadas para produção de HIS; ZEIS 3 – áreas que concentram edifícios, glebas ou lotes não utilizados ou subutilizados, bem localizados, imóveis encortiçados, em áreas centrais, e com boa oferta de infraestrutura e equipamentos; ZEIS 4 – áreas vazias, subutilizadas ou não edificadas em Áreas de Proteção de Mananciais, sobre as quais incidem normas estaduais específicas; ZEIS 5 – áreas vazias, subutilizadas ou não edificadas destinadas para a produção de Empreendimentos de HIS e Empreendimentos de Habitação do Mercado Popular.

9 Pela LPUOS de 2016 essas modalidades correspondem a 1.702 e 750 perímetros, respectivamente. 10 Por exemplo, em um livro publicado pela SEHAB sobre a urbanização da ZEIS 1 do Vila Nilo, uma das

primeiras favelas de ZEIS a ter a instalação de um conselho gestor, a agência explica: “Os principais objetivos

e atribuições do Conselho Gestor são aqueles relacionados ao acompanhamento e à implementação das atividades previstas no projeto de urbanização: informar a população moradora sobre todas as ações;

articular e promover o debate das propostas, bem como definir e regulamentar os mecanismos para sua implementação; examinar propostas relativas ao desenvolvimento e implementação do plano e projeto de urbanização, encaminhados por qualquer pessoa ou entidade” (FRANÇA, 2011A, grifo nosso).

11 O PAC-UAP estava destinado para a urbanização de favelas, podendo financiar obras de urbanização

(infraestrutura, saneamento, drenagem e contenção geotécnica), equipamentos sociais, produção de novas moradias, requalificação habitacional, trabalho social e regularização fundiária. Foi desenvolvido através de parceria entre governos estaduais e municipais, agentes promotores da intervenção. Entre

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federais, a Prefeitura montou um concurso de arquitetura para incentivar projetos para urbanização de favelas localizadas em bacias hidrográficas, demarcadas como Perímetros de Ação Integrada (PAIs); o concurso foi projetado atender 84 mil famílias em 10 anos.12 Visto que muitos dos PAIs coincidiram com perímetros

de ZEIS, essas mudanças levaram a criação de um grande número de conselhos gestores de ZEIS, em uma escala que a cidade ainda não tinha vivido. De fato, dos 76 conselhos de ZEIS identificados na pesquisa que já tiveram representação por conselho gestor, 48 eram perímetros dentro de PAIs, mais que a metade do total.13

2.2

As revisões do PDE e da LPUOS após 2014 e

regulamentações posteriores

A revisão do PDE, aprovada em 2014, trouxe mudanças importantes. Determinou que os conselhos gestores devem “participar da formulação e imple-mentação das intervenções a serem realizadas em suas áreas” (art. 48, caput). Sua instalação deve preceder a elaboração do plano de urbanização de ZEIS 1 (art. 48, §4º). E trouxe uma lista com elementos que devem estar contemplados nos planos de urbanização de ZEIS, dentre eles, o cadastro dos moradores realizados pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) dos perímetros de ZEIS ocupa-dos. Assim, entende-se que os conselhos gestores precisam validar e aprovar o cadastro dos moradores do perímetro, elaborar e aprovar as diretrizes de interven-ção e aprovar o plano de urbanizainterven-ção.14

Em teoria, o fato de o Plano Diretor de 2014 obrigar que o plano de urbani-zação do perímetro de ZEIS seja aprovado pelo conselho gestor parece oferecer proteção contra a remoção de população vulnerável dessas áreas, especialmente onde há processos de valorização imobiliária. Contudo, como será observado nos exemplos que seguem, a regulação urbana, a tradição de valorização da proprieda-de privada e a história proprieda-de proprieda-desapropriações que frequentemente removem famílias,

2007 e 2014 foram contratados R$ 33 bilhões em urbanização de favelas (DENALDI et al., 2014, p. 6). Outra avaliação recente mostra que, desde 2007, R$ 2,07 bilhões foram utilizados em São Paulo (AKAISHI et al., 2018, p. 55).

12 FRANÇA, 2011b.

13 Vale ressaltar que cada PAI abrangia vários perímetros de ZEIS que correspondiam a comunidades

diferentes, que muitas vezes se encontravam com necessidades e desejos diversos, com níveis de organização comunitária prévia bastante variados. Ainda, em alguns casos, vários PAIs foram representados pelo mesmo conselho gestor.

14 Em 2016, havia duas regulações de importância para os conselhos gestores que traziam vários requisitos,

o mais importante sendo que estes fossem paritários, ou seja, com número igual de representantes do poder público e da sociedade civil. Além disso, a partir de 2016 exigiu-se a elaboração de um regimento interno aprovado por cada conselho para governar seu andamento, embora o conteúdo mínimo tratado nos regimentos internos não tenha sido especificado. Veja Decreto nº 56.759/16 e Portaria 146/ SEHAB/G/2016.

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CONSELHOS GESTORES DE ZEIS COMO UM INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA AOS PLANOS DE REESTRUTURAÇÃO...

inclusive para políticas públicas, mostram que estar demarcado como ZEIS não basta para que a população moradora não se sinta ameaçada.15 Tampouco o fato

da aprovação do plano de urbanização passar por conselhos de ZEIS, nos quais em tese a população está representada, promove uma sensação de segurança de que não haverá ameaça de remoções.16

2.3

ZEIS e áreas de transformação urbana

Para entender o contexto atual dos conselhos gestores de ZEIS em São Paulo, é preciso considerar que muitas das áreas de ZEIS 1 e ZEIS 3 estão de-marcadas em áreas que coincidem com perímetros de incidência de outros instru-mentos urbanísticos de transformação urbana – como PIUs, OUCs, Concessões Urbanas, PPPs. Estes são considerados de cunho neoliberal, por deixar alguns papéis tradicionalmente executados pelo Estado para serem feitos pelo setor privado – dentre eles, construir habitação de interesse social – e por autorizar planos que se revelam processos deliberados de revitalização e gentrificação com finalidade da valorização imobiliária.17 Estes instrumentos pretendem facilitar o

financiamento de infraestrutura e outros projetos, em um contexto de ajuste fiscal e controle do endividamento público, e “vendem” a eficiência dos privados na gestão de intervenções e serviços antes públicos.18 São Paulo tem visto vários

casos em que os agentes privados foram convidados a elaborar diretrizes ou até planos de intervenção que abrangem territórios de ZEIS antes da criação de con-selhos, aumentando a chance de que os conselhos gestores sejam irrelevantes à

15 ROLNIK; SANTORO (2014, p. 12) afirmam que as ZEIS têm sido utilizadas como instrumento de

conhecimento da posse, garantia do direito à moradia, evitando remoções forçadas, muitas vezes violentas.

16 O Observatório das Remoções do LabCidade FAUUSP mapeou um número grande de remoções em

programas de urbanização de favelas em 2016. Correspondeu à terceira maior quantidade de ameaças e remoções, cerca de 12% da amostra ou 101 casos de remoções coletivas, com especial destaque para algumas operações que foram mais documentadas, como a Água Branca, Água Espraiada e Bairros do Tamanduateí (em proposta) (ROLNIK et al., 2017). Isso se deu face à incorporação de modelo de política de construção de novos conjuntos que terminam removendo mais que relocando – ampliando números encontrados na região do ABC de São Paulo de cerca de 15% a 20% de população removida para 50% a 100% das famílias removidas nas OUCs de São Paulo –, inflando o número de famílias que entraram no Auxílio Aluguel temporário.

17 FERGUSON, 2010.

18 Por exemplo, cada OUC do município de São Paulo é autorizada por uma própria lei que muitas vezes

já regula quais serão as obras a serem implantadas, que limita a capacidade do conselho gestor de qualquer ZEIS coincidente de criar uma própria agenda para as obras ou as intervenções que ele acha as mais urgentes no perímetro. Um exemplo nesta direção dá-se no Conselho da ZEIS da Água Branca, cujos projetos tidos como prioritários não encontram resposta no orçamento da SEHAB porque esta considera que as obras previstas na OUC Água Branca teriam que ser custeadas com os recursos da operação. Como a OUC não obteve os recursos antecipados, as obras são frequentemente negociadas, divididas em etapas e postergadas.

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elaboração de um plano de intervenção e, portanto, que sejam mais consultivos do que deliberativos.

3

Achados do levantamento quantitativo

Dos mais que três mil perímetros de ZEIS (LPUOS 2016), 2.452 perímetros eram ZEIS 3 ou ZEIS 1, que são os tipos de ZEIS em que obrigatoriamente devem ser formados conselhos gestores de ZEIS.19 Comparado ao número total de

pe-rímetros, o número de conselhos gestores é muito pequeno: desde a passagem da primeira regulamentação das ZEIS em 2002 até a publicação desse artigo, conseguimos identificar 76 perímetros de ZEIS com conselhos gestores forma-dos.20 Não são poucos os casos em que vários perímetros de ZEIS foram unidos

e representados por um conselho gestor só e por isso em nosso levantamento foi possível identificar só 36 conselhos gestores únicos.21

19 Observa-se que, embora o número de perímetros de ZEIS 1 e ZEIS 3 seja pouco, em termos de território a

proporção das ZEIS 1 é muito grande, sendo 80,1% de todo o território demarcado como ZEIS, enquanto as ZEIS 3 englobam só 4,6% de todo o território das ZEIS, conforme o levantamento de Santoro e Borrelli (2015).

20 É importante constatar que nenhuma instituição, nem mesmo a Secretaria de Habitação de São Paulo,

tem uma base de dados completa que conte com todos os conselhos gestores que já foram formados depois desde a primeira regulamentação das ZEIS, em 2002.

21 Vários autores já citados comentaram sobre as limitações de elaborar projetos para as ZEIS e um dos

motivos citados pelo baixo desempenho dentro destas zonas é a capacidade baixa e limitada do poder público de elaborar planos de urbanização junto com as comunidades no âmbito do conselho gestor (SAMORA; HIRATA, 2013).

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MAPA 1:

ZEIS 1 e ZEIS 3 com e sem conselhos gestores em São Paulo

Elaboração das autoras, 2018.

O primeiro mapa mostra os perímetros de ZEIS em que já haviam conselhos formados entre 2002 e 2018 junto com todos os perímetros de ZEIS 1 e ZEIS 3 que atualmente são gravados pela lei de zoneamento de 2016. O mapa revela que uma grande parte dos conselhos formados representou as ZEIS mais periféricas, que é explicado pelo fato de que o programa Renova, que atuava em assentamen-tos precários, foi o estímulo para a formação de mais da metade dos conselhos gestores.

O segundo mapa, adiante, mostra as ZEIS com conselhos formados junto com os instrumentos urbanísticos de cunho neoliberal, que incluem PPPs, PIUs, e OUCs. O levantamento quantitativo revelou que aproximadamente um terço (27 de 76) das ZEIS com conselhos formados coincidiu com esses instrumentos, embora os perímetros de ZEIS que coincidam tendem a ser pequenos.

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MAPA 2:

ZEIS 1 e ZEIS 3 e instrumentos neoliberais em São Paulo

Elaboração das autoras, 2018.

O levantamento quantitativo e espacial foi complementado com uma investi-gação qualitativa para a compreensão das dinâmicas principais nos conselhos ges-tores de ZEIS. O achado principal desta investigação é que os conselhos gesges-tores não têm servido para elaborar planos de urbanização ou planos para a criação de habitação de interesse social, conforme previsto na legislação de ZEIS, mas sim para consultar a comunidade em questão sobre projetos e planos mais frequente-mente elaborados fora do âmbito dos conselhos pelo poder público e/ou agentes privados. Independente do grau de organização prévia da sociedade civil e do tipo do conselho gestor estudado, se veem muitos exemplos em que as demandas da sociedade civil no âmbito dos conselhos têm sido pouco incorporadas, quando são evidenciadas e expostas pelos moradores. Vários entrevistados relataram que em muitos casos os conselheiros representando a sociedade civil não tinham o conhecimento dos processos de participação ou, ainda, a compreensão do que poderia ser proposto dentro de um plano de urbanização, repertório de alternati-vas possíveis, etc., portanto não eram capacitados para fazer reivindicações ao poder público para que adequasse os planos de urbanização às necessidades

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dos moradores.22 Nos casos em que os conselhos gestores encontram-se menos

capacitados para articular as demandas das comunidades, aumenta-se a probabi-lidade dos conselhos servirem basicamente para cumprir uma obrigação ou etapa legal. Segundo entrevistados, houve esforços por parte de algumas regionais da SEHAB em capacitar os conselheiros, portanto, a discricionariedade é alta. Porém, se vê nos estudos de casos seguintes que inclusive as comunidades capacitadas por vezes não pareceram conseguir expressar suas reivindicações nos conselhos.

Além disso, nem todos os conselhos foram criados desde o início da elabo-ração do plano. Especialmente em áreas cuja transformação está sendo discutida em outros fóruns participativos – como os de OUCs, PIUs, ou PPPs em curso, por exemplo – há contradições nas falas do poder público, que afirma interpretar que os planos de ZEIS podem ser aprovados nestes outros fóruns, em detrimento da constituição de conselhos gestores de ZEIS. Por outro lado, existem casos em que há, de fato, participação deliberativa e representativa das comunidades afetadas por intervenções, e que esta participação aconteceu fora do âmbito dos conselhos gestores, como observado em alguns conselhos na Zona Norte.

4

Tipologias

Após uma revisão dos documentos pertinentes aos conselhos e entrevistas com pessoas com atuação pertinente aos conselhos gestores entre 2005 e 2018, foram identificados basicamente dois tipos diferentes de conselhos gestores: (1) conselhos que são criados para a “aprovação de projetos urbanísticos”, que de fato não servem como fórum participativo mas sim para cumprir as exigências básicas da lei; e (2) conselhos que servem como fórum para a resistência contra a transformação urbana excludente, foco maior da próxima seção.

4.1

Os conselhos “de aprovação de projetos urbanísticos”

Segundo os entrevistados, o primeiro tipo de conselho, que se chamou aqui “de aprovação de projetos urbanísticos”, é a categoria que abrange o maior número de conselhos. A hipótese de pesquisa era que todos os conselhos ges-tores criados no âmbito do Concurso Renova-SP (2011) – que somam quase a metade dos perímetros de ZEIS que já foram objeto de projeto de intervenção urbanística – se encaixavam no primeiro tipo.23

22 Esse conhecimento inclui, entre outros, como interpretar projetos desenhados, objetivos de uma ata

de uma reunião, como fazer uma denúncia ao Ministério Público e quais leis precisam ser observadas referentes à participação pública e à criação de planos de urbanização.

23 Essa hipótese surgiu pelo fato de que alguns autores comentam que os conselhos do Renova foram

criados para a “aprovação do projeto urbanístico” com prazo estipulado de dois meses (REZENDE, 2016, p. 16).

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De fato, os conselhos do Renova são diferentes em alguns aspectos em relação aos outros conselhos já formados, e existem certas justificativas de incluir todos na mesma categoria da tipologia. O próprio formato da Renova envolveria a criação de projetos de urbanização antes da formação dos conselhos por escritó-rios de arquitetura que, a princípio, não tinham conhecimento prévio das comuni-dades em que estavam desenhando projetos e que muitas vezes não conheciam a realidade das favelas, sugerindo que não havia espaço para os conselhos elabo-rarem projetos junto com a prefeitura, pois o produto já havia sido desenhado fora do âmbito do conselho.24 25

No entanto, o estudo mais aprofundado sobre o Renova e as entrevistas mostraram que os projetos do concurso foram muito básicos, sem a realização de insumos técnicos antes da contratação dos escritórios de arquitetura (inclusive os levantamentos socioeconômicos e demográficos) e, portanto, a revisão dos projetos era esperada, criando oportunidades para a sua adequação no âmbito do conselho gestor. Aliás, pelo fato que poucos dos escritórios contratados já tinham experiência com urbanização de favelas e que entendiam bem as normas da SEHAB nesse tema, além das dinâmicas dos assentamos precários, a SEHAB organizou eventos para capacitar os escritórios para que houvesse a possibilidade de alteração de projeto urbano e também da demanda, de quem seria atendido e como. Em alguns casos, depois de reuniões com a comunidade, houve revisões completas feitas aos projetos de urbanização.

Referente ao objeto final do RenovaSP, que seria os planos de urbanização aprovados pelos respectivos conselhos gestores de ZEIS, parece que dois fatores podem ter sido mais importantes para a adequação dos planos às necessidades dos moradores que o próprio formato e estrutura legal do concurso. Primeiro, algumas regiões apresentaram gestores públicos, além de técnicos das empre-sas contratadas, mais envolvidos com a transformação urbana, com autonomia e engajamento para o trabalho social que demonstravam inclinações da assim- chamada “burocracia de chão rua”, diferenciando os planos em planos que foram mais revistos e debatidos junto ao conselho gestor e planos que não foram. A própria cultura de cada diretoria da SEHAB é um fator relevante porque, dentre outros, a capacitação dos conselheiros que representam a sociedade civil é feita a critério do poder público. Porém, até dentro da mesma diretoria também houve variação em relação ao respeito e compreensão do papel do conselho e com

24 Ainda, os conselhos da Renova reuniam em um conselho mais de um perímetro de ZEIS em torno da

região do PAI, com até sete perímetros representados pelo mesmo conselho, gerindo dúvidas sobre a capacidade de atender as necessidades das comunidades individuais.

25 Observa-se que nem sempre todos os perímetros tinham um representante nos conselhos; segundo uma

entrevista com uma ex-funcionária da SEHAB, a justificativa disso era que nem sempre tinham voluntários que queriam participar do conselho e que se todos os perímetros fossem representados o número de conselheiros ficaria grande.

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qual seriedade as discussões desenvolvidas nele precisariam ser levadas. Por exemplo, um entrevistado comentou que em certos casos funcionários da SEHAB pareciam representar mais a comunidade do que a própria prefeitura.

Outro fator, bastante variável, mas também importante para a elaboração de projetos que dialogam com as necessidades da comunidade, foi o grau de coesão social das comunidades que receberiam as intervenções. Algumas co-munidades, como consequência, soaram como mais ativas na transformação do plano, embora isso seja difícil de medir. Não se avaliou se, com maior grau de organização social o resultado da intervenção melhorou. Contudo, devido à desi-gualdade do poder entre a SEHAB e os moradores destas comunidades, o fator principal mais provável para a adequação dos planos de urbanização seria a pre-disposição dos funcionários da SEHAB e do poder público, teoria que também é apoiada pelos casos estudados na próxima seção.

4.2

Os conselhos “de resistência” sobre áreas valorizadas

Embora só seis dos 76 conselhos já formados em São Paulo representam (ou representaram) perímetros de ZEIS 3 (com o resto representando perímetros de ZEIS 1), a maioria dos conselhos que categorizamos como conselhos de re-sistência popular é de ZEIS 3. Dos cinco conselhos26 que identificamos de

resis-tência à transformação urbana, três deles eram de ZEIS 3.27 Selecionamos quatro

desses cinco como estudos de caso: o conselho de ZEIS da Comunidade Água Branca na Operação de mesmo nome; (2) o conselho de ZEIS das Quadra 36, perímetro da PPP do Governo do Estado do Hospital Perola Byington na região dos Campos Elíseos, próximo ao perímetro de ZEIS da Nova Luz, (3) o conselho das Quadras 37 e 38, perímetro da PPP Habitacional do Governo do Estado, adjacente à Quadra 36, e (4) a Vila Leopoldina, uma ZEIS que ainda não foi formada apesar da atual formulação de um plano de intervenção na área.28 29

26 Estamos considerando aqui as ZEIS da Nova Luz, da Quadra 36 de Campos Elíseos, Quadras 37 e 38

de Campos Elíseos, a Água Branca, e Jardim Guarani, o último sendo um caso em que a população inicialmente não queria participar na formação do conselho, mas que, ao longo de um processo de engajamento participativo com a SEHAB, mudou de postura e começou a participar na elaboração do plano de urbanização.

27 Outra hipótese que permeou o trabalho era de que os conselhos gestores de ZEIS em áreas valorizadas,

objeto de processos de transformação urbana através de diversos tipos de PPPs – PPP Habitacional, OUCs, PIUs, etc. – seriam diferentes, talvez com caráter mais insurgente ou resistente à transformação. Isso também não pareceu ser uma regra.

28 Talvez o conselho de maior referência de resistência à transformação urbana, que já foi amplamente

estudado, é o da ZEIS 3 da proposta de Concessão Urbanística Nova Luz. Nesse caso o conselho resistiu à intervenção urbanística proposta não apenas para a ZEIS, mas para toda a região foi um dos primeiros conselhos gestores de ZEIS. Resistiu à proposta e conseguiu engavetar o projeto (GATTI, 2015). Admitindo ZEIS como espaço de resistência, o desenho dos perímetros dos instrumentos urbanísticos atuais parece ter optado, estrategicamente, por excluir as ZEIS de seus perímetros de transformação.

29 Outro caso não tratado amplamente neste trabalho é do PIU Rio Branco, um recorte da proposta da

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Já o conselho gestor da ZEIS das quadras 37 e 38 da região dos Campos Elíseos trouxe uma nova concepção de resistência: admite que é necessário que seja feito um projeto urbanístico e habitacional sobre a área ocupada e propõe um plano popular alternativo à PPP Habitacional apresentada, um plano para esta ZEIS, de iniciativa do Fórum Aberto Mundaréu da Luz.30 Esse esforço tem posto

em xeque o modelo habitacional contratado na PPP Habitacional, propondo uma solução habitacional que atende as demandas locais, que permite trazer mais moradores para a área e que não implica demolições, remoções ou soluções habitacionais provisórias, particularmente a do auxílio-aluguel. O plano do Fórum resiste a uma intervenção de caráter pontual para essas duas quadras, visando contemplar uma área maior para que possam ser construídas unidades habitacio-nais para diversos perfis de moradores. Além disso resiste o projeto desenvolvido pela empresa contratada pela PPP, que, embora abranja a construção de conjuntos habitacionais de habitação de interesse social e habitação do mercado popular, essas unidades habitacionais só atenderão famílias que conseguem arcar com os custos do financiamento de um imóvel e o condomínio de apartamento. Diante do perfil socioeconômico das famílias da área, uma parcela considerável delas não será compreendida pelo tipo de atendimento habitacional planejado, fato que se tornou foco de crítica do conselho.

O conselho gestor que representa a quadra 36, adjacente às quadras 37 e 38 dos Campos Elíseos, também se encaixa como conselho de resistência. Nessa quadra a remoção dos moradores, realizada em 2018, foi feita de forma irregular, com a demolição dos edifícios e a remoção sendo realizadas antes da formação do conselho gestor e sem a aprovação do cadastro dos moradores. Esse caso deixa nítida a falta de proteção oferecida pela demarcação de ZEIS. Porém, o con-selho continua dialogando com o poder público, com as suas demandas focando nas correções ao cadastro de moradores e na transparência do poder público acerca dos métodos utilizados para realizá-lo, além das mesmas reinvindicações das quadras 37 e 38 com respeito aos tipos de atendimento habitacional a ser oferecidos.

Um subtipo de conselho que foi inserido no grupo dos “de resistência” foi aquele criado para acompanhar as reformas ou obras emergenciais nos conjuntos

habitacionais existentes, em contraposição a um projeto de urbanização e regula-rização fundiária mais macro-organizado em um plano de urbanização. É o caso da

Terminal Campo Limpo, em sua primeira rodada de discussão através de uma consulta pública, por sua vez, excluiu uma área precária, a Favela Maria Virgínia, e não identificou outras. Informações recentes demonstram que a Prefeitura reviu o perímetro deste PIU, incorporando a área da favela, após contestação dos moradores.

30 O Plano está disponível em:

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ZEIS da Comunidade Água Branca, na OUC Água Branca, que é formada por alguns conjuntos habitacionais construídos na década de 1990. Os moradores lutaram para serem ZEIS 1, para inserir a intervenção de realização de obras emergen-ciais na área dentro do conjunto de intervenções a serem financiadas pela OUC, que envolvem várias situações de risco.31 Argumentam que a produção de novas

moradias na região vizinha deve servir para atender os moradores da Favela do Sapo (removida violentamente em 2011), os moradores da Favela da Aldeinha (próxima da área, removida em 2009), além das famílias que ocupam hoje mo-radias precárias construídas na área. Ou seja, para além de obras emergenciais, seria necessário um plano de urbanização e regularização. Para isso, foi criado o Conselho de ZEIS, cujas lideranças optaram por lutar para conseguir viabilizar as obras emergenciais, postergando a elaboração de um plano de reurbanização e regularização.32

Mesmo assim, a SEHAB deu início a um cadastramento das famílias que ocupavam moradias irregulares nos conjuntos, primeiro passo para a urbanização. Em 2017, a mudança da gestão pública, entre outros eventos, gerou a volta da favela sobre o córrego (o que havia sido ocupado pela antiga Favela do Sapo) e a ampliação do número de moradia precária de aluguel sobre as áreas livres dos condomínios, etc. Entre o final de 2017 e novembro de 2018, o Conselho de ZEIS se desarticulou, por ter acabado o mandato e pela falta de uma nova eleição, e em novembro de 2018 a Prefeitura removeu as famílias que reocuparam o córrego.33

Com conselho novamente eleito34 e, antes mesmo de retomar as reuniões, alguns

representantes acompanharam a remoção das famílias em área de risco.

Neste caso, o conselho de ZEIS, mais que definir um plano de urbanização, é o espaço de negociação sobre a intervenção que irá acontecer, qual seria ela, e varia conforme os momentos e a dinâmica da área. Atualmente, por exemplo, é espaço da discussão da solução habitacional das famílias que reocuparam o córrego e que serão removidas. Ganhou sentido como espaço de discussão de uma região que supera as divisões condominiais, criando senso de comunidade. Embora considerado com maior coesão social, com uma razoável organização e

31 Além das que cuidam do risco, as obras envolvem recuperação das estruturas de drenagem de águas

pluviais, conserto de telhas, troca de caixas d’água, reconstrução do parque / área de lazer das crianças, reforma da quadra de futebol e banheiros, abertura da comunidade para a rua vizinha recém-construída, adequação às normas dos bombeiros, entre outras.

32 As conversas sobre a urbanização historicamente eram recebidas com receio pelos representantes do

Conselho, pois envolveria remoções, aumentando o número de famílias no auxílio-aluguel. Além disso, sabe-se que vários dos imóveis irregulares eram de aluguel, e seus locadores perderiam rendas.

33 Em 08 de novembro de 2018 a Prefeitura demoliu os barracos sobre o córrego. Disponível em: https://

g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/11/08/prefeitura-demole-barracos-apos-secretario-de-habitacao-e-prefeito-regional-virarem-reus-por-morte-de-crianca-em-sp.ghtml. Acesso em: 15 nov. 2018.

34 No último dia 27 de outubro houve eleição dos representantes. Disponível em: https://www.prefeitura.

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mobilização, atende as demandas locais, mas os resultados urbanísticos ainda parecem poucos. Mesmo as obras emergenciais, iniciadas em 2015, até hoje não foram terminadas e não enfrentaram as situações mais graves encontradas.

Um quarto caso, que parece ímpar, mas talvez venha a ser uma tendência em projetos urbanos mais amplos, é o caso de sobreposição de PIU com ZEIS,

que deixou o conselho de ZEIS para ser criado depois dos primeiros debates da proposta de PIU, onde a solução habitacional já está debatida e indicada. Duas

ZEIS 1 da Vila Leopoldina – a Favela do 9 e a Favela da Linha – por estarem em um PIU, tiveram as soluções habitacionais debatidas e propostas dentro de fóruns e eventos de discussão do Projeto de Intervenção Urbana apresentado por um empreendedor privado, através de uma Manifestação de Interesse Público. Neste caso, os empreendedores propuseram remover a população vulnerável que ocupa o perímetro do PIU e relocá-la em uma área de ZEIS próxima, em imóvel público. Para isso, elaboraram projeto para 1/3 da área desta ZEIS próxima, apresenta-ram no âmbito do debate sobre o PIU e somente após este processo o Conselho das ZEIS ocupadas internas à área do PIU começou a ser montado. Assiste-se ao mesmo processo no qual o lugar de discussão dos planos de reestruturação urbana mais amplos – que poderia ser o conselho de uma operação urbana, ou um fórum e audiência de um PIU, por exemplo – termina por “engolir” as instâncias participativas de ZEIS. Neste caso o Conselho de ZEIS ainda não foi montado, mas sabe-se que está num plano a curto prazo que ele seja criado, após denúncias públicas, receosos de que esta ausência parasse o processo de transformação pretendido. Por que criá-lo a posteriori? Seria para evitar que estas resistam à transformação nos moldes das ZEIS da Nova Luz? Contraditoriamente, esta não é uma questão para a comunidade, que não se incomoda, e se vê contemplada no PIU. O Projeto de Intervenção Urbana é visto como única saída para a resolução dos problemas habitacionais.35

Interessante observar que os mesmos gestores que acompanham os conse-lhos das quadras 36, 37 e 38 dos Campos Elíseos – como por exemplo, a SEHAB – que exigiram a formação de dois conselhos para três quadras adjacentes, optaram neste caso por fazer um conselho único para as três ZEIS envolvidas, que rece-berá em 1/3 de seu terreno uma parte das novas moradias produzidas pelo PIU. Nota-se que a estratégia de discussão molda-se a cada situação, certamente dialogando com as resistências possíveis às ações de transformação propostas. Este último exemplo mostra quão aguçadas podem ser as discricionariedades

35 Inclusive, as lideranças contam que o Secretário de Habitação afirmou que as ZEIS 1 não estão em área

de risco, há pouco recurso para habitação, então a iniciativa das empresas de transformação promovendo solução habitacional para estas comunidades é “a única saída para elas, pois o poder público não vai removê-los para construir moradias na região, tem situações de maior prioridade”.

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promovidas pelos gestores públicos para a incorporação das agendas privadas sobre a regulação da gestão participativa das ZEIS.

5

Conclusão

São pouquíssimos os casos de ZEIS 1 e ZEIS 3 em que (1) um conselho gestor foi montado antes da elaboração prévia de um projeto de urbanização e que (2) os planos produziram resultados que a sociedade civil considerou laudáveis. Porém, foram poucos os conselhos que resistiram às propostas apresentadas. O fator mais importante para o sucesso dos conselhos em, de fato, adequar os planos de urbanização às necessidades dos moradores está mais relacionado, provavelmente, com a predisposição dos funcionários públicos que participam no conselho, chamando atenção para o importante papel das burocracias na conse-cução das políticas. Ou ainda, em processos que, ao promoverem a discussão do território de forma mais ampla, criam senso de coletividade e ampliam a coesão social. Estes casos mostram que não é a forma institucionalizada, por si só, que trará a transformação do território em planos de urbanização que considerem as demandas locais.

Independente da categoria do conselho gestor, se veem muitos casos em que as sugestões feitas e informações apresentadas pela sociedade civil ao poder público no âmbito dos conselhos gestores não são incorporadas por ele, seja por limitações reais (orçamentárias, temporais, e/ou limitações de capaci-dade do poder público), seja pela falta de planejamento necessário para facilitar um processo participativo que permita que as sugestões feitas pelos conselheiros possam ser utilizadas para revisar os projetos apresentados a ele.36 E até agora

representantes da Secretaria de Habitação de São Paulo não partilham um con-senso acerca do que faz um fórum participativo ser deliberativo, e não meramente consultivo.37

No contexto de ajuste fiscal e baixa capacidade de endividamento e uma demanda alta por habitação e urbanização, a SEHAB, como muitos outros órgãos públicos no Brasil e no exterior, vem buscando soluções inovadoras que depen-dem da atuação do setor privado. Esta opção, que pretende por um lado agilizar processos de projetar e de planejar, pode ter como efeito colateral uma priorização reduzida da participação e acompanhamento da sociedade civil nos processos de

36 Em certos casos essas duas justificativas não são incompatíveis, por exemplo quando a falta de

planejamento por processos verdadeiramente participativos deixa o poder público sem tempo para incorporar as demandas dos moradores de baixa renda nos projetos e revisá-los.

37 Alguns funcionários indicam, por exemplo, que é satisfatório apenas deixar a comunidade escolher

entre três alternativos de projetos de urbanização; contudo, ter opções não necessariamente indica que qualquer das alternativas vai atender as necessidades da comunidade de questão.

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elaboração de planos. E, portanto, o cumprimento da agenda democrática em prol dos direitos à habitação e à cidade, preconizados pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade, se vê ainda mais postergado.

Ao se fazer uma análise crítica da legislação municipal a partir destes estudos de casos, ficou evidente que os objetivos dos conselhos, como descritos em leis e regulamentações posteriores, geralmente não têm sido observados. A formulação e a gestão dos conselhos, na prática, variaram consideravelmente, no entanto, desde o início da criação dos conselhos até o presente. Torna-se mais complexo este distanciamento dos objetivos iniciais quando as ZEIS se sobrepõem a instrumentos urbanísticos neoliberais que incorporam primeiramente a agenda dos privados, deixando a gestão participativa em segundo plano, enxergada como possibilidade de resistência à transformação e não como construção conjunta da transformação. Ainda, os conselhos de ZEIS mostraram-se interessantes como espaço de resistência e construção de alternativas populares ao planejamento tra-dicional. O Plano Popular alternativo das Quadras 37 e 38 mostrou que é possível evitar remoções, demolições e soluções habitacionais provisórias, questionando os modelos tradicionais de política habitacional em escala, impostos a diversas comunidades, como a PPP Habitacional.

O que pode ser feito para melhorar esse cenário, em um contexto político de questionamento dos processos democráticos?

Councils of Special Social Interest Zones as an instrument of resistance of the urban development plans at São Paulo

Abstract: This paper aims to make considerations about the regulation, creation and management of

the Councils of Special Social Interest Zones (ZEIS) in the city of São Paulo, highlighting the challenges, advances and setbacks of the discussion and deliberation processes about the urban transformation that took place offering low-income residents a permanent housing solution. To do that, revisited urban regulations; built an overview of existing councils, mapping when ZEIS overlaps with different urban instruments; and conceived a typology of the councils already working. Designed to manage re-urbanization plans for occupied, or in vacancy, or underutilized areas, these councils seem to be used to approve previously and technically designed projects, but also as a space for resisting concentrating and excluding urban restructuring processes.

Keywords: Special Social Interest Zones (ZEIS). Councils. Public Private Partnership. Housing. São

Paulo – city.

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