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CREATIVE ACCOUNTING E FUNCIONAL ILLITERACY: Um estudo acerca do

contexto brasileiro1

RESUMO

O presente estudo se propôs a investigar o impacto do fenômeno do functional illiteracy na prática da creative accounting. Por meio de uma revisão da literatura e discussão do contexto nacional, foi possível notar dois aspectos relevantes. O mais evidente é a minimização da creative accounting em decorrência do advento do fenômeno do

functional illiteracy, tendo em vista que as habilidades propícias à prática da creative accounting, são significativamente comprometidas pelo functional illiteracy. Entretanto,

um segundo aspecto foi notado: muito embora a ocorrência da creative accounting seja minimizada no primeiro momento, a utilização de artifícios contábeis poucos engenhosos, sem o conhecimento necessário acerca do GAAP local, Ciência Contábil, mercado e legislação vigente e, sobretudo, tendo em vista a fragilidade de habilidades inerentes à prática da creative accounting, especialmente as relativas ao julgamento da essência sobre a forma (habilidade implícita à prática dos IFRS), podem fazer com que o plano de performance desejada pela entidade apresente efeito inverso, isto é, a majoração das perdas financeiras através de eventuais escândalos financeiros.

PALAVRAS-CHAVE: International Financial Reporting Standards (IFRS); creative accounting; funtional illiteracy.

1 João Carlos Hipólito Bernardes do Nascimento (Doutorando em Contabilidade, Professor Substituto na

Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), e-mail: joao.hipolito@facape.br); Wellington Dantas de Sousa (Especialista em Docência do Ensino Superior, Professor Substituto na Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), e-mail: dantas@facape.br); Juliana Reis Bernardes (Graduada em Letras Língua Portuguesa pela Universidade de Pernambuco (UPE), Especialista em Língua Portuguesa pela Faculdade do Paraná (FAP) e graduanda em Ciências Contábeis na Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), e-mail: jureis3d@hotmail.com);

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1. INTRODUÇÃO

O mundo vivenciou, somente na última década, duas grandes crises. Em 2001, os escândalos contábeis de firmas norte-americanas assombraram investidores de todo o globo, resultando na maior ação de regulação desde a década de 30: a Lei Sarbanes-Oxley (LEMES e CARVALHO, 2010). Mais recentemente, a crise bancária vivenciada em meados de 2007 contaminou todo o sistema financeiro global, ocasionando turbulência e, por consequência, subtraindo o crescimento econômico das nações até os dias atuais (MINE E UGUR, 2007). Ainda segundo Mine e Ugur (2007) um fenômeno é o grande responsável por ambas as crises: a prática da creative accounting. Shah (1998, p. 83) afirma que a “creative accounting can be understood as the process by which

management take advantage of gaps or ambiguities in accounting standards to present a biased picture of Financial performance”.

Muito embora, ainda segundo Shah (1998), a creative accounting seja encarada como o processo pelo qual os gestores, por meio das ambiguidades das presentes normas contábeis, apresentam a performance desejada da firma, a grande maioria dos autores encara o fenômeno como fraude contábil “creative accounting practices (i.e.

fraud)” (MINE e UGUR, p. 651, 2007).

Como a própria lisura da creative accounting é objeto de calorosos debates entre acadêmicos de todo o globo, pode-se perceber os iminentes problemas advindos da sua utilização. Entretanto, além dos aspectos legais da prática, Hsieh e Tsai (2005) contribuem afirmando que as convenções da consistência e do conservadorismo são severamente violadas pela creative accounting.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração decorre da majoração da assimetria informacional. Com a justificativa de maximizar a função utilidade do acionista, por meio da representação de uma irreal peformance da firma, a creative

accounting confunde o acionista no momento em que não permite a detecção da real

situação da firma, constituindo, assim, um típico quadro de moral hazard relatado na teoria da agência (AMAT et al., 1999).

A prática da creative accounting tem sido corriqueira entre contabilistas de nações que adotam o sistema jurídico baseado no Common Law (especialmente os estadunidenses), entretanto, o advento da convergência dos modelos contábeis (GAAP’s) locais rumo aos International Financial Reporting Standards (IFRS)

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potencializa, como efeito colateral, a difusão e, por consequência, à prática da creative

accounting em todo o mundo.

Considerando a própria complexidade implícita na creative accounting, que demanda profundos conhecimentos da Ciência Contábil, GAAP local, legislação e funcionamento do mercado (além de outros fatores como, por exemplo, a experiência), sua operacionalização está fortemente vinculada à qualidade intelectual da mão de obra disponível. Existe uma relevante literatura acerca da creative accounting, entretanto, nenhum dos estudos realizados até então focou suas análises sob a ótica do functional

illiteracy.

Keller (1991) caracteriza functional illiteracy como indivíduos que não ostentam competências mínimas de leitura, escrita e cálculo que satisfaçam às demandas intrínsecas da atual conjuntura profissional. Crowley et al. (1997, p. 162) definem

functional illiteracy como a “inability of ability to […] compute and solve problems encountered on the job and in society (1) read, write, and speak in English; and (2) compute and solve problems encountered on the job and in society”. Neste aspecto,

considerando que o Brasil já iniciou o processo de convergência do BR-GAAP às normas internacionais de contabilidade (IFRS) desde a promulgação da Lei 11.638/2007; que a creative accounting tem sua prática incentivada no momento em que a abordagem Code Law perde força (SHAH, 1998) e, por fim, que, segundo dados do governo federal, apenas 25% da população economicamente ativa é, de fato, plenamente alfabetizada (IPM, 2010), torna-se pertinente investigar qual a influência do fenômeno do functional illiteracy à prática da creative accounting no Brasil?

Com base nesta problemática, foi formulada a hipótese de que a prática de

creative accounting tem seu deletério efeito potencializado dada à existência do functional illiteracy. Neste contexto, a pesquisa tem como objetivo analisar o impacto

do functional illiteracy na prática da creative accounting no contexto brasileiro.

O presente estudo apresenta uma metodologia positivista, pois, através do estudo e discussão dos impactos do fenômeno do functional illiteracy à prática da creative

accounting, possibilita o aprofundamento da Teoria Contábil, sobretudo no âmbito

explicativo e, mais comedidamente preditivo. Neste aspecto, a pesquisa foi operacionalizada através da análise e discussão de estudos anteriores acerca da creative

accounting e do functional illiteracy.

O estudo está organizado em cinco seções, na primeira são apresentadas algumas definições da creative accounting, uma breve explanação de alguns estudos anteriores

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acerca da creative accounting e, por último, algumas definições acerca do fenômeno

functional illiteracy. Na segunda, são apresentados os aspectos metodológicos utilizados

na investigação. Na terceira seção é apresentada a discussão dos dados, na quarta são apresentadas as considerações finais e, por último, são realizadas algumas recomendações.

2 - REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 – DEFINIÇÕES DE CREATIVE ACCOUNTING

Creative accounting é uma expressão tipicamente de origem anglo-saxônica,

“provided by Anglo-Saxon accounting system.” (MINE e UGUR, p. 654, 2009). Muito embora seus principais estudos tenham sido iniciados na década de 80 no Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte), a partir da década de 90 o fenômeno

ganhou maior relevância ao ser objeto de estudo e prática cotidiana, sobretudo nos Estados Unidos.

A prática da creative accounting por parte da maior economia do globo contribuiu sobremaneira para o estudo do fenômeno por parte dos acadêmicos. Nesse contexto, vários estudiosos têm buscado disseminar os conceitos e definições da prática. Mulford e Comiskey (2002, p. 2) definem:

[a]ny and all steps used to play the financial numbers game, including the aggressive choice and application of accounting principles, fraudulent financial reporting, and any steps taken toward earnings management or income smoothing […]creating an altered impression of a firm’s business performance.

Pode-se notar que o objetivo da creative accounting é representar uma imagem da peformance da firma, por meio de gerenciamento dos resultados (earnings

management), que maximize o valor do acionista. Muito embora a prática possa majorar

o quadro de assimetria informacional, constituindo um típico quadro de moral hazard - o agente, oportunamente, utiliza os recursos confiados pelo principal de forma contraditória ao contrato, buscando satisfazer o próprio auto-interesse - relatado na teoria da agência (AMAT et al., 1999). Os contabilistas de nações tipicamente Common

Law (especialmente os estadunidenses) têm praticado-a de forma exacerbada nos

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Jameson (1988, p. 7–8) contribui acerca do conceito de creative accounting:

“[t]he accounting process consists of dealing with many matters of judgment and of resolving conflicts between competing approaches to the presentation of the results of financial events and transactions . . . this flexibility provides opportunities for manipulation, deceit and misrepresentation. These activities – practiced by the less scrupulous elements of the accounting profession – have come to be known as ‘creative accounting’”.

Segundo o autor, o próprio processo contábil contemporâneo, que propicia certa flexibilidade, termina por fomentar oportunidades para manipulação, atuação fraudulenta e falsificação das demonstrações contábeis por parte de inescrupulosos profissionais, o que corrobora a ideia apresentada por Mulford e Comiskey (2002).

Neste cenário descrito, ao apresentar uma situação desejável em detrimento da real peformance da firma, os contabilistas majoram o quadro de assimetria informacional. Amat et al. (1999, p. 9), discorrem que, ao apresentar uma realidade que não reflete de fato a realidade da firma, os agentes ludibriam os proprietários (moral

hazard), caracterizando um problema de agência.

Outro ponto relevante e, por extensão, preocupante da prática da creative

accounting é o desrespeito a duas convenções da contabilidade: a consistência e o conservadorismo, conforme apresentado por Hsieh e Tsai (2005): “The concept of

‘Creative’ (creativeness), a depiction contrary to ‘consistency’ and ‘conservative’ in accounting principles”.

2.2 - ESTUDOS ANTERIORES SOBRE CREATIVE ACCOUNTING

Salas, Blake e Gutiérrez (1996), por meio de uma pesquisa empírico, estudaram a forma como Espanha e Reino Unido encaram e utilizam a creative accounting. Ao delinear a comparação entre ambos os países, os autores contribuíram ao apresentar o impacto da creative accounting nas decisões dos investidores no mercado acionário. Os diretores das empresas cotadas tendem a utilizar/manipular as contas para demonstrar a imagem desejada.

Os autores observaram ainda que a maioria das práticas ocorrem no Reino Unido com maior naturalidade, entretanto, constatou-se evidências de que grande parte delas também já são corriqueiras na Espanha. O estudo ainda identificou que a intensificação da prática já desperta a preocupação das autoridades espanholas.

Blake et al. (2000) por meio de um estudo empírico na Espanha, estudaram a avaliação por parte dos acionistas acerca da utilização da creative accounting nas

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demonstrações contábeis. Os autores constataram que, apesar de ser encarada como um problema principalmente anglo- saxônico, a prática tem causado crescente preocupação no contexto espanhol, sendo percebida como eticamente indesejável, corroborando os resultados de Salas, Blake e Gutiérrez (1996).

Mine e Ugur (2007) através de uma análise crítica do escândalo bancário Turco (Imarbank Scandal) constataram que as deficiências das regras bancárias e contábeis

(frameworks), inadequadas práticas de supervisão e regulação por parte do governo e

deficiências no pleno funcionamento do sistema jurídico, são fatores significativamente relevantes à prática de creative accounting.

Ainda segundo os autores, foram notados indícios que além dos iminentes problemas éticos apresentados pela teoria da agência, a creative accounting pode subtrair a independência das auditorias e, principalmente, a transparência do processo contábil. Entendida a problemática da creative accounting, torna-se relevante entender o conceito do functional illiteracy.

2.3 – DEFINIÇÕES DE FUNCTIONAL ILLITERACY

Keller (1991) caracteriza functional illiteracy como indivíduos que apresentam comedidas habilidades de leitura, escrita e cálculo, sendo incapazes de satisfazer às demandas intrínsecas à vida social e profissional dos nossos tempos. Segundo o autor, o conceito não abrange aqueles que foram excluídos do sistema educacional, mas aqueles que, mesmo tendo acesso ao sistema educacional, não apresentam domínio das competências/habilidade intrínsecas ao cotidiano contemporâneo.

Crowley et al. (1997, p. 162) definem functional illiteracy como a “inability of

ability to […] compute and solve problems encountered on the job and in society (1) read, write, and speak in English; and (2) compute and solve problems encountered on the job and in society”. Assim, é facilmente perceptível que o fenômeno implica em

sérios problemas à qualidade dos serviços prestados, dada a limitada capacidade do profissional.

Segundo dados oficiais, em 2009, apenas 25% da população economicamente ativa brasileira era, de fato, plenamente alfabetizada, em outras palavras, cerca de ¾ dos profissionais apresentam limitadas habilidades inerentes ao desempenho de quaisquer atividades remuneradas (IPM, 2010).

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O Instituto Paulo Montenegro (IPM), maior autoridade nacional em mensuração do functional illiteracy no Brasil, corrobora a visão dos demais autores quanto à definição do fenômeno. IPM (2010, p. 5) diz:

É considerada analfabeta funcional a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever, não tem as habilidades de leitura, de escrita e de cálculo necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional. Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc.).

Muito embora seja um fenômeno extremante corriqueiro no Brasil, o functional

illiteracy não tem sido tema de estudo no âmbito contábil, sobretudo, neste enfoque

ligado à qualidade da informação contábil e, mais especificamente, à prática da creative

accounting.

3 – METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO

O presente estudo classifica-se, quanto a sua tipologia, como exploratório, tendo em vista a inexistência de um arcabouço conceitual acerca do efeito do functional

illiteracy na prática da creative accounting. Acerca dos estudos exploratórios, Beuren (2009, p. 80) contribui:

A caracterização do estudo como pesquisa exploratória normalmente ocorre quando há pouco conhecimento sobre a temática a ser abordada. Por meio de um estudo exploratório, busca-se conhecer com maior profundidade o assunto, de modo a torná-lo mais claro ou construir questões importantes para a conclusão da pesquisa.

Com relação aos procedimentos adotados, o estudo classifica-se como bibliográfico, tendo em vista que a resolução da problemática de pesquisa ocorreu através de discussão de estudos publicados em periódicos internacionais. Neste aspecto, foram utilizadas fontes secundárias para recolhimento das informações trabalhadas (KUMAR, 2005).

Cervo e Bervian (1983, p. 55) definem pesquisa bibliográfica como aquela que “[...] explica um problema a partir de referenciais teóricos publicados em documentos [...] buscando conhecer e analisar as contribuições científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema”.

O estudo de caso foi à técnica escolhida como instrumento metodológico nesta investigação em decorrência da natureza qualitativa da pesquisa. Richardson (1999, p.80) afirma que “os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem

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descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos e vividos por grupos sociais”.

Com o intuito de operacionalizar a pesquisa, foi formulada a seguinte questão de pesquisa: qual a influência do fenômeno do functional illiteracy à prática da creative

accounting no Brasil? Com base nesta problemática, foi formulada a hipótese de que

prática de creative accounting tem seu deletério efeito potencializado dada a existência do functional illiteracy.

4 – RESULTADOS

Dado a histórica influência do modelo de contabilidade Code Law no Brasil, parte considerável dos profissionais de contabilidade, até então, focava sua atenção, majoritariamente, na satisfação das demandas fiscais e trabalhistas em detrimento de privilegiar os estudos e debates acerca de práticas e ou métodos de fomento ao desenvolvimento do modelo contábil (BR-GAAP), sobretudo no âmbito societário/gerencial (NIYAMA, 2008).

Após a adoção das International Financial Reporting Standards (IFRS), os debates têm sido intensificados, especialmente em decorrência das pontuais ações do órgão de classe (Sistemas CFC/CRC – Conselho Federal de Contabilidade e Conselhos Regionais de Contabilidade), entretanto, dado a dimensão da mudança ocorrida, a alta complexidade da norma, e, principalmente, a baixa adesão dos profissionais nos debates, os resultados podem ficar aquém do desejado.

Segundo a pesquisa Perfil do Contabilista Brasileiro, realizada pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) em 2009, cerca de 50,50% dos contabilistas haviam participado de algum evento realizado pelos Conselhos Regionais de Contabilidade. Já com relação à participação em eventos relacionados à profissão nos últimos 2 anos, a situação é ainda mais alarmante: apenas comedidos 39% responderam ter participado de cursos de aperfeiçoamento no período de 24 meses (CFC, 2010).

Além da baixa adesão dos profissionais em eventos de atualização, outro grave problema emerge em decorrência do pífio interesse dos profissionais em assuntos ligados às normas internacionais de contabilidade. Ainda segundo o estudo do CFC, enquanto a área de interesse mais requisitada pelos profissionais, Contabilidade Tributária, ostenta demanda de 47,6%, a temática Contabilidade Internacional (IFRS) é desejada por apenas 4% (CFC, 2010). Dada a pouca adesão dos profissionais em cursos

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de atualização e à inexistência de demanda de assuntos ligados às International

Financial Reporting Standards (IFRS), o amadurecimento das práticas contábeis

vigentes no país (após a convergência) é extremamente prejudicado.

O IAESB– International Accounting Education Standards Board – por meio de um estudo publicado no final de 2008, delineou as competências demandadas do profissional de contabilidade no atual processo de convergência às IFRS, a saber: habilidades intelectuais, técnicas e funcionais; pessoais; relacionamento interpessoal, comunicação e, por fim, habilidade organizacional de gestão (IAESB, 2008).

A primeira e mais relevante característica, habilidades intelectuais, é justamente a que preocupa no contexto brasileiro. Segundo o estudo do IAESB, este fator é relacionado às habilidades de solucionar problemas inerentes à prática profissional que demanda razoável capacidade de julgamento. No contexto da prática da creative

accounting, a faculdade de julgamento (essência sobre a forma) é explorada ao extremo:

“The accounting process consists of dealing with many matters of judgement and of

resolving conflicts between competing approaches to the presentation of the results of financial events and transactions” (JAMESON, 1988, p. 7).

Torrance (1988) considera, além das habilidades intelectuais, a capacidade de julgamento como sendo indispensável ao atual processo contábil. Segundo o autor, embora seja uma característica universal com distribuição assimétrica, o desenvolvimento da capacidade de julgamento está intimamente condicionado a um conjunto de fatores ambientais. Neste cenário, a existência de políticas de investimentos em educação, o nível/relevância da produção científica do país, o sistema legal vigente, o nível de demanda por informações contábeis advindas dos usuários, entre outros fatores, apresentam correlação com a capacidade criativa dos profissionais.

Amabile (1996) corrobora Torrance (1988) ao afirmar que “domain-relevant

skills (i.e. professional competencies) are the foundation of all creative work”. Com

relação a este conjunto de habilidades intrínsecas à prática laboral da profissão contábil, Arens e Loebbecke (1997) contribuem destacando que o nível educacional é o principal motor/indicador da real capacidade de inovação de uma população.

Como profissionais que não dominam a competência de julgamento - essencial à prática contabilística - poderão elaborar estratégias que, de fato, maximizem a utilidade do proprietário da firma a ponto de compensar a elevação do grau de assimetria informacional decorrente da prática da creative accounting? Pode-se notar que a prática

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da creative accounting pode ser minimizada dada a comedida capacidade de julgamento dos profissionais.

Segundo Crowley et al. (1997, p. 162) profissionais com functional illiteracy apresentam “inability of ability to […] compute and solve problems encountered on the

job and in society”. Na atual conjuntura nacional, onde, segundo dados oficiais, 75% da

população economicamente ativa apresenta deficiências na formação educacional, inexistem evidências empíricas de que os contabilistas formem um seleto grupo inócuo ao fenômeno do functional illiteracy.

Nascimento et al (in press) constataram que o functional illiteracy existente nos profissionais de contabilidade brasileiro é um empecilho real ao processo de convergência das micro, pequenas e médias empresas. Segundo os autores, contadores “incapazes de satisfazer as demandas de leitura, escrita, comunicação e domínio de operações matemáticas inerentes à profissão contábil são incompatíveis com o atual nível de sofisticação demandado pelas IFRS” (NASCIMENTO et al, in press, p. 12).

O cenário de utilização da creative accounting por parte de profissionais

functional illiteracy assume contornos preocupantes. Em nações com alto padrão de

desenvolvimento econômico, social e educacional, que ostentam populações com índices de alfabetização superiores a 95% (VINCENT, 2010) as práticas de creative

accounting têm ocasionado perdas bilionárias como as presenciadas nas recentes crises

(escândalos contábeis de firmas norte-americanas em 2001 e a crise bancária vivenciada em meados de 2007) (MINE e UGUR, 2007), o que ocorrerá no Brasil, tendo em vista o atual panorama de functional illiteracy?

A utilização de artifícios contábeis poucos engenhosos ou sem o devido aprofundamento necessário propiciará na inoperância dos “planos perfeitos”, isto é, a prática de creative accounting realizada de maneira precária potencializará as perdas em eventuais escândalos/fraudes contábeis em detrimento do objetivo de maximizar a riqueza do acionista, afetando negativamente todos os stakeholders - proprietários/acionistas, funcionários, sociedade, governos e, em última instância, os contribuintes do país (MINE e UGUR, 2007).

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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática da creative accounting tem se proliferado nos últimos anos em decorrência da migração dos modelos locais (GAAP’S) rumo às normas internacionais de contabilidade (IFRS). Muito embora a adoção dos IFRS contribua para o aperfeiçoamento dos sistemas contábeis domésticos no momento que propiciam o alinhamento com as melhores práticas globais, o fenômeno da creative accounting tem demandado preocupação de acadêmicos de todo o mundo.

A experiência empírica mostra que a prática da creative accounting é inevitável, tendo em vista que ocorre em decorrência das lacunas das leis, princípios/convenções contábeis e da iminente necessidade de julgamento (essência sobre a forma) intrínseca aos IFRS. Neste cenário, os esforços acadêmicos têm focado em estudar a manifestação da problemática nos mais diversos ambientes em detrimento de tentar delinear estratégias com o intuito de coibir a prática.

O Brasil, que iniciou o processo de convergência às IFRS em 2007, apresenta várias particularidades que, evidentemente, demandam estudos detalhados. Uma das principais especificidades nacionais decorre das características do capital intelectual dos profissionais de contabilidade. O funtional illiteracy, problemática que atinge 75% da população economicamente ativa brasileira, é um fenômeno potencial à maximização dos efeitos da creative accounting.

Dada a necessidade de profundos conhecimentos da Ciência Contábil, GAAP local, legislação e funcionamento do mercado (além de outros fatores como, por exemplo, a experiência naturalmente exigida pela creative accounting e, sobretudo, às próprias limitações advindas do functional illiteracy) tendem a minimizar a ocorrência da creative accounting, pelo menos, no primeiro momento.

Entretanto, um segundo momento, dado que a creative accounting não será extinta, a utilização de artifícios pouco engenhosos ou sem o aprofundado conhecimento necessário acerca da Ciência Contábil mercado e legislação vigente são significativamente comprometidas pelo functional illiteracy. Pode-se concluir que, no momento em que a prática das IFRS for, de fato, massificada, a creative accounting será severamente afetada pela ocorrência do functional illiteracy. Neste cenário, pode-se notar a inexistência de evidências suficientes que permitam refutar a hipótese de que a prática da creative accounting terá seus deletérios efeitos potencializados em decorrência do fenômeno do functional illiteracy.

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Apresentar de forma preditiva um potencial resultado é desafiador, entretanto, pode-se perceber que dada a subtração da transparência do processo contábil, este poderá ser substancialmente encarecido, culminando na destruição do valor do acionista e, no médio e longo prazo, no desbaratamento da credibilidade do mercado de capitais brasileiro.

6 - RECOMENDAÇÕES

Considerando o cenário apresentado, recomenda-se o pronto delineamento de estratégias para minimizar a ocorrência do funtional illiteracy entre os profissionais de contabilidade. O restabelecimento do exame de suficiência em meados de 2010 pode apresentar efeito positivo no combate à problemática no médio prazo, entretanto, apenas esta ação isolada pode não produzir resultados significativos contra os efeitos do

funtional illiteracy à prática contábil, especialmente no tocante à creative accounting.

Como limitação da presente pesquisa, cita-se a inexistência de estudos mais exaustivos acerca do functional illiteracy entre os profissionais de contabilidade.

Como oportunidade para futuras pesquisas, sugere-se investigar qual a influência da informatização por procedimentos tributários (NFE, SPED, SINTEGRA) a prática da

creative accounting no contexto brasileiro? Como o mercado avaliará a credibilidade

dos profissionais de contabilidade tendo em vista a atual conjuntura de funtional

illiteracy? Qual a contribuição do funtional illiteracy à majoração das perdas

econômicas advindas da creative accounting? Em que medida as práticas utilizadas pelos profissionais brasileiros para uniformizar os resultados da firma diferenciam-se das praticadas por profissionais que ostentam melhores níveis de conhecimento? E, por fim, torna-se pertinente investigar a influência do restabelecimento do exame de suficiência à subtração dos níveis de funtional illiteracy e, por conseqüência, à subtração dos efeitos da creative accounting à economia nacional.

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Referências

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