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DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA

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D I R E I T O P E N A L E C R I M I N O L O G I A

He l e n o Cl á u d i o Fr a g o s o

SUMÁRIO : 1 — Ciência natural e ciência norm ativa; 2 — Criminologia e Sociologia Criminai; o — ? ; " ! s Ciência do Direito Penal; 4 — A questão de m étodo; 5 — Crítica ao Posititvismo; 6 — Tecnicismo jurídico; 7 — Método técnico-jurídico; 8 — Operações do método técnico, jurídico; 9 — Criticai tendência «realista»; 10 — Criminologia, conceito, objeto e método.

1. Não pode m ais sofrer contestação séria a existência de dois pontos de vista de consideração, entre si diferentes, no

estu-do estu-dos assuntos científicos: o explicativo e o norm ativo. Como en-sina WUNDT (1), o prim eiro considera as coisas em relação com sen aspecio real, buscando delas uma mais próxim a inteligência, peio enlace com a mais intim am ente semelhante, ou com aquilo que apresenta semelhantes caracteres exteriores. O segundo trata os objetos em consideração a determ inadas regras, aplicando-as como exigências. Ali, todos os fatos têm em si igual valor; aqui são inten-cionalmente subm etidos a uma valoração, na qual, ou se abstrai do que contradiz às regras expostas, ou se o considera expressamente como um a anorm alidade.

Trata-se de conseqüência fundam ental da cham ada Filosofia dos Valores, conquista da Escola de Baden, de que são expoentes WINDELBAND, RICKERT e LASKI, e m odernam ente RADBRUCH

(2 ). A Filosofia dos Valores parte sempre da rigorosa distinção, que é absolutam ente indispensável fazer entre «realidade» e «valor»,

entre «ser» e «deve ser», entre natureza e cultura. É nisto que re-side o cham ado dualismo do seu método, em oposição ao monismo metodológico dos que negam os problem as do valor como algo de específico, ou dos que crêem poder tratá-los e resolvê-los, como se

tratam e se resolvem os problem as da realidade (3 ).

A «realidade», no sentido acentuado nesta antítese, compre-ende a totalidade de quanto é acessível à experiência (interna ou

( 1 ), W . W UNDT, “É tica”, M adrid, 1917, I, p á g . 11.

( 2 ) Cf. WINDELBAND, “N orm as y leyes n a tu ra le s”, in “P re lú d io s F i-losóficos”, Buenos A ires, p á g . 257; ALFRED STERN, “L a P h ilo so p h le des Ve- le u rs”, P a ris, 1936.

( 3 ) RADBRUCH, " F ilo so fia do D ireito ”, C oim bra, 1947, I, p á g . 10, in -tro d u ção de C ab ral de H o n c a d a ,

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ex tern a), de quanto é conhecido em conexão de causalidade, enquan-to que as valorações. (W ertungen), escapam à percepção e devem ser buscadas no reino das significações ideais c se originam no nexo teleológico. O porque dom ina as ciências das realid ad es; o para que, as ciências do valor (4 ).

São, assim , as ciências divididas em n atu ra is e norm ativas, segundo abstraíam -se de tôda consideração valorativa das coisas, necessàriam ente cultural, tendo em vista consideração explicativa, ou tenham p o r base norm as e conceitos de v alor.

A p rim eira classe pertencem as ciências n atu rais em sua to-talidade, e ainda a Psicologia e a H istó ria. E ntre as d isciplinas nor-m ativas, estão a Ética, a Lógica, a Granor-m ática, a E stética e a

ciên-cia do D ireito .

E sta classificação das ciências é absolutam ente fundam ental, a nosso ver, p a ra que se possa c o n sid erar o D ireito como ciên cia. Considerado com os c ritério s das ciências naturais, que se carac-terizam pela explicação casual, a indução, e o estabelecim ento de leis de c a rá te r geral e inelutável, o d ireito perde, evidentem ente, os seus foros de ciência p a ra transform ar-se em m era téc n ica ou arte. Assim se explicam e justificam as clássicas c ríticas ao c a rá te r científico do direito, de que é exem plo o célebre discurso de KIRCHMANN, «Die W ertlosigkeit d e r Ju risp ru d e n z ais W issenschaft».

Não é possível su sten tar o c a rá ter científico do direito, consi-derando-o ciên cia id ên tica às ciências naturais, como p ro c u ra fazer CARNELUTTI em sua «Metodologia do Direito», ob ra que, não obs-tante o reco n h ecid o talento de seu autor, resulta confusa, pobre e in co n v en ien te. P a ra o insigne p rofessor da U niversidade de Roma, as leis ju ríd ic a s são m eras im itações a rtific ia is de leis n atu rais, que constituem o seu fundam ento, tão n atu rais «como as leis que regu-lam o m ovim ento dos astros e a queda dos corpos» (5)».

As ciências n atu rais têm como p rin c íp io fundam ental o ern- prêgo do m étodo indutivo, isto é, p artem necessàriam ente da obser-vação e da verificação dos fatos p a ra o estabelecim ento de leis. E essa observação- dos fatos é feita sem qualquer sentido de valor vi* sando à explicação causai. As leis estabelecidas pelas ciências na-tu rais não podem ser violadas sob pen a de p erd erem a sua validez.

( 4 ) MAX ERN ST MAYER, “ F ilo so fia dei d erech o ”, L a b o r, p á g . 1,7. ( 5 ) FRANCESCO CARNELUTTI, “E l p ro b le m a de Ia p e n a ”, B uenos A ires, 1947, p á g . 18. E sta p o siç ã o re m o n ta a MONTESQ.UIEU, que, em . su a c lá ssic a o b ra, p ro c u ro u d e m o n stra r, u tiliz a n d p u m m éto d o de in v estig aç ão h is tó ric a e de o b se rv a ç ã o c o m p a ra d a , q u e as co n stitu iç õ e s ju r íd ic a s n ão se devem ao a rb itrio dos leg islad o res, m a s deco rrem de certo s “ ra p p o rts n ecessa ires q u i d e irv e n t de la n a tu re des choses” — (L*esprit des lois* liv . 1 C ap. 1 ).

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O d ireito só pode ser concebido como ciência, se se tem em vista os caracteres especiais das cham adas ciências cu ltu rais. É uma ciência do dever ser, um a ciência norm ativa, cujas leis expressam valores e cuja violação enseja justam ente a com provação de sua efetividade, através da sanção. Suas leis, ao contrário das leis na-turais, não expressam relações causais, mas teleológicas, isto é, de meio a fim .

2. Não pode ser aceita a concepção de FERRI (6), segun do a qual a Crim inologia integraria, juntam ente com o D ireito

Pe-nal, um a ciência geral da crim inalidade, que seria a Sociologia Crim inal. Aquêle grande Crim estre da Escola Positiva, que, no dizer in -suspeito de GRISPIGNI, não teve, nesse passo, qualquer discípulo, é, en tre nós, seguido p o r ROBERTO LYRA (7 ). Seria a Sociologia C rim inal d iv id id a em dois ram os, bio-sociológico e ju ríd ico . Ao prim eiro, seriam atribuídas a A ntropologia Crim inal, a Crim inolo-gia e a E statística C rim inal; ao segundo, o direito e o processo pe-nal e o d ireito p en ite n ciá rio .

Situa tam bém GARRAUD (8) o direito penal como parte de uma ciência p en al: «Dans la term inologie que j’emploie, le droit pe-

lal n ’est qu’une des bran ch es de la “science penale”, q u ’envisage le rrim e et la peine sous tous ses aspects, scientifique, politique, juri- dique». A firm a, porém , que as várias ciências penais se colocam em pontos de vista distintos e adotam diferentes m étodos.

Seriam assim a Crim inologia e o D ireito Penal sim ples ca-pítulos da Sociologia C rim inal. Êsse conceito com teano da Socio-logia C rim inal, é, porém , m anifestam ente errôneo, como, sem dis-crepância, indica a d o u trin a . Tanto FERRI como ROBERTO LYRA, não apresentam definição e conceito da Crim inologia, afirm an -do que assim se pode cham ar à Sociologia Crim inal, «exclusivam en-te p ara fins práticos» (9), dem onstrando a identidade de conceito e objeto de um a e o u tra.

Crim inologia e Sociologia Crim inal são duas designações de um a única ciência fenom enológica, que estuda as causas e condições sociológicas do delito. A definição de GRISPIGNI (10) (Scienza che slu d ia la societá dal puuto di vista dei fenom eni crim inosi che in essa si verificano) nenliuina alteração fundam ental traz ao objeto e ao conceito da crim inologia. Esta difere da A ntropologia Crim i-nal, que en tre tan to a com plem enta no estudo do crim e, pesquizando

( 6 ) F ER R I, “ P rin c íp io s de D erecho C rim in a l”, R eus, 1933, p á g . 93.

( 7 ) ROBERTO LYRA, “In tro d u ç ã o do E stu d o do D ireito C rim in a l”, R io, 1946, p á g . 7.

( 8 ) GARRAUD, ‘‘D ro it p é n a l f ra n ç a is ”, P a ris , 1928, p ág . 6 — n o ta . ( 9 ) O b. c it. (n o ta 7), p á g . 14.

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e esclarecendo os fatores individuais, l.sto é, as c aracterísticas orgâ-nicas e biológicas do delinqüente.

3. O D ireito Penal, r.a clara definição dc ANTOLISEI (11) aquêle grupo de norm as ju ríd ic a s com as quais o E stado proibe, m ediante a am eaça de pena, determ inados com portam entos hum anos

(ações ou om issõ es). É, em outros têrm os, aquêle conjunto de p re -ceitos, cuja in o bservância tem p o r conseqüência ju ríd ic a a inflição de uma pena ao autor do ilíc ito .

A ciência do D ireito Penal, tam bém cham ada D ogm ática Ju- rídico-Penal, é d iscip lin a que estuda o conteúdo daquelas disposi-ções que, na ordem ju ríd ic a positiva, constituem o d ireito penal. Não parece correta a opinião dos que entendem que exclusivam ente o d ireito positivo vigente é objeto dessa ciência, como, exem pli gra-

tia, GRISPIGNI (1 2 ): “Solo l ’o rd in am en to giuridico-positivo, e cioè quello effetivam ente esistente nella v ita sociale como volontà sta- tuale, è oggetto delia dom m atica g iu rid ica » . O d ireito positivo vi-gente é apenas, como diz PETROCELLI (13), o ponto de p artida, o dado concreto, o fenôm eno sôbre o qual a ciência do direito pe-nal prevalentem ente opera, ou seja, a realid ad e ju ríd ic a que se ap re-senta im ediata e im periosam ente à atenção do estudioso. R ealidade ju ríd ic a que é m últipla e v a ria no tem po e no espaço, enquanto que neste, como em todos os outros cam pos do saber hum ano, a ciência é u m a. Objeto da dogm ática ju ríd ic a é, assim , o com plexo dos conceitos, dos p rin cíp io s, dos in stitu to s, que, no seu processo de abstração, ela elabora com os dados fornecidos pelo d ireito positivo.

A conceituação do d ireito como ciência, isto é, a dogm ática ju ríd ic a, é re c e n te . R em onta a SAVIGNI, e sobretudo a IHERING (14), que considerou a in terp retação como ju risp ru d ê n c ia in ferio r e a construção dogm ática como ju risp ru d ê n c ia su p e rio r. Na opinião de MAGGIORE (15), êsses autores nad a m ais fizeram que «interpre- ta re lo sp irito dei d iritto rom ano, m ettendo a nudo 1’enorm e ric- chezza di p rin c ip ii teo rici latente negli insegnam enti dei giuricon- sulti». (16)

( 1 1 ) ANTOLISEI, “M a n u ale d i D iritto P e n a le ”, M ilano, 1947, p á g . 1. ( 1 2 ) O b. c it. (n o ta 10), p á g . 7.

( 1 3 ) PETRO CELLI, “ P rin c ip ii d i D iritto P e n a le ”, Cedam , 1943, p á g . 18. ( 1 4 ) IH ERIN G , “ L ’e s p r it d u D ro it R o m a in ”, P a r is , 1880, IH p á g . 50. ( 1 5 ) MAGGIORE, “ D iritto P e n a le ”, B ologna, 1949, I, p á g . 42.

( 1 6 ) E s ta o p in iã o é c o n firm a d a p o r MIGUEL REA LE (“ F ilo s o fia do D re ito ” . I, p á g . 74), segundo o q u a l n o m u n d o ro m a n o , p e la p r im e ir a vez a d q u ir i u o d iire ito u n id a d e siste m á tic a , com d isc irim in a ç ã o e d e fin iç ã o d o s fa to s j u -ríd ic o s, v ise n d o ao estab elecim en to d o s p r in c íp io s q u e g o v ern am a to ta lid a d e d a c x p e riê n c ia do d ire ito .

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Assim, a ciência do direito penal tem p o r objeto a recons-trução do d ireito positivo com base c ien tífica. Tem p o r escopo co-nhecer, da m an eira mais exata e com pleta, o significado das dispo-sições que constituem o d ireito penal, determ inando a natureza e as conseqüências das obrigações que derivam de seus preceitos, as condições que as fazem su rg ir e extinguir, os lim ites do tem po e de lugar da sua vali dez, os sujeitos com relação aos quais essas o b ri-gações são declaradas, e enfim os conseqüências que derivam de sua violação (A N TO LISEI).

In co rretam en te MEZGER (17) aponta como objeto da ciência do direito penal «o estudo das causas do crim e e seu combate» (Die U rsachem des Y erbrechens zu erforschen und zu b ek aem p fen ). E studar as causas do crim e não é absolutam ente objeto da dogm ática jurídico-penal, a que é e stran h a qualquer indagação que não tenha por base o d ireito positivo. E videntem ente, tal escopo pertence à Crim inologia.

É a D ogm ática ju ríd ic a ciência form al e abstrata, porque as disposições ju ríd ica s são form uladas de modo geral e abstrato.

D iferença p rofunda e fundam ental entre a Crim inologia e o Direito Penal, isto é, Ciência do D ireito Penal, resulta m anifesta. A p rim eira, ciência fenom enológica, causal-explicativa, ciência que abstrai qualquer noção de valor, ciência nom otética (R IC K E R T ). À segunda, ciência form al e abstrata, ciência n orm ativa. Dessa dis-tinção fundam ental, decorrem im portantes conseqüências m etodo-lógicas, que afastam , em definitivo, a possibilidade de um estudo conjunto.

4. O único m étodo possível de estudo d'a dogm ática jurídica, é o técnico-jurídico, ou ló g ica-ab strato . Em tôrno ao problem a do método, absolutam ente fundam ental no estudo de qualquer ciência, travou-se acesa controvérsia d o u trin á ria entre os corifêus da Escola

Po-sitiva e os do T ecnism o Ju ríd ic o . Sem qualquer dúvida, ultrapassa-da está a discussão, com a v itó ria inquestionável dos postulados des-sa últim a c o rre n te . Comprova-o a adesão de GRISPIGNI, talvez o m aior de todos os juristas d a Escola Positiva e um dos grandes no-mes da dogm ática jurídico-penal de nossos dias.

ANTOLISEI (18) chega a a firm ar que o tecnicism o ju ríd ico teve a adesão m ais ou m enos in condicional da m aioria dos seguido-res da Escola Positiva.

5. O ê rro capital do positivism o, como bem notou PETRO- CELLI (19), foi p ro c u ra r in tro d u z ir à fôrça o estudo do delinqüente

( 1 7 ) MEZGER, “ S tra fre c h t”, 1948, I, p á g . 18.

( 18 ) A N TOLISEI, “ II m éto d o n e lla scienza dei d iritto p e n a le ", tn “ P ro - b le m l p e n a li o d ie m i”, M ilão, 1940, p á g . 8 .

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no direito p enal. Êsse não é de form a alguma objeto da ciên c ia ju -ríd ic a . Outro êrro fundam entai foi o não co n sid e rar o c a rá ter em i-nentem ente norm ativo da ciência penal, «per cui oggetto delia in- dagine è tutto ciò che il legislatore, bene o male, h a stabilito nelle varie norm e, e non già gli elem enti ex tra giuridice, sociologici, an- tropologici, etc. da cui possono desum ersi le d irettiv e nella lotta co n tra la crim in alità» . Daí a idéia de que o delito deve ser p rim ei-ram ente conhecido como fato hum ano, através do exam e dos dados antropológicos e estatísticos sôbre o delinqüente (20), esquecendo-se assim de que o fato hum ano, o fato n atu ral, não é nada no cam po ju ríd ico se não en tra na valoração norm ativa e no esquem a

abs-trato que esta constrói e ap resenta (21).

Na abalizada opinião de ASÚA (22), o prim eiro defeito do positivism o foi p a ralizar «el derecho penal, porque al m ezclar una ciência causal-explicativa, cual es la crim inologia, con una ciência cultura] y norm ativa) que es el derecho, produjo un resultado h í-b rid o que ten ia que ser p o r esto infecundo. A plicar el m eiodo expe-rim en tal a las norm as ju ríd icas, abom inando de lo ju ríd ico , como FERRI quiso, era tan im posible como d iscu tir sobre pulm onia sin ver un enferm o».

6. Reagindo contra tal concepção, que desvirtuava o estu científico do d ireito penal, o tecnicism o ju ríd ico surgia pela

segurís-sim a mão de ROCCO, m estre insigne, h o n ra e glória da ciência pe-nal italian a. “Ciò che si vuole, escrevia, è soltanto che la scienza dei d iritto penale, conforincm ente alia sua natu ra di scienza giuri- dica especiale, lim iti 1’oggetto delle sua ric e rc h e dirette, alio studio esclusivo dei d iritto penale e, conform em ente ai suoi mezzi, dell’unico d iritto penale che esista come dato delFesperienza, cioè il d iritto penale positivo» (2 3 ). Reclam ava o estudo pela ciência do direito penal, do crim e e da pena sob o lado p u ra e exclusivam ente ju rí-dico, como fatos d isciplinados p o r norm as do d ireito objetivo, isto é,

como fatos ju ríd ico s, dos (iiiais um é a causa e outro o efeito ou conseqüência ju ríd ica , deixando-se a outras ciências, e, precisam ente, à Antropologia C rim inal e à Sociologia C rim inal, o estudo daqueles

fenôm enos como fatos in d iv id u a is e sociais, isto é, sob o aspecto natural, orgânico e p siq u iátrico e sob o aspecto social.

( 2 0 ) Cf. ROBERTO LYRA, o b . c it. (n o ta 7 ), p á g . 60.

( 21 ) PETRO CELLI, o b . c it. (n o ta 13), p á g . 94. Como ciên cia e x p e ri-m e n ta l fo i o d ire ito concebido p o r SANDER (“ S ta a t u n d R echt”, II, p á g . 1 .1 2 8 ), seguido p o r COSSIO (T eo ria E g o ló g ic a ). P a r a u m a c ritic a d ecisiv a c f. SEBAS- TIAN SOLÉR (“ Los V alo res J u r íd ic o s ”, s e p a ra ta d a R e v ista Ju r id ic ti de C ó rd o b a.

( 2 2 ) JIM ENEZ D E ASÚA, “Ley y D elito”, p ag . 63.

( 23 ) ARTURO ROCCO, “II p ro b le m a e il m éto d o d e lia scienza dei d iritto p e n a le ”, in O pere G iu rid ic h e, R om a, 1933, III, p á g . 289.

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Essa nova orientação haveria de d eterm in a r um novo desen-volvim ento n a ciência penal, que não pode, é óbvio, m isturar-se com as outras ciências crim inológicas, porque os conceitos das ciências ju-rídicas, como ensina KELSEN, não têm p o r substrato os fatos reais,

m as exclusivam ente as norm as ju ríd icas (24).

Ao passo que a nova orientação reclam ava o em prêgo do mé-todo técnico-jurídico ou lógico-abstrato, os positivistas pretendiam o estudo do d ireito penal com o cham ado método positivo, ftste últim o de base experim ental e indutivo; o prim eiro, de base aprio- rística e dedutiva.

O d ire ito penal é constituído pela lei penai, em últim a análise, como já vim os, e n ten d id a essa no sentido geral, isto é, da ordem ju ríd ico -p en al. A ciência do d ireito penal, consiste, em últim a análise, no estudo da lei penal, isto é, do d ireito positivo penal, ten-do o estuten-do p o r finalidade conhecer o conteúten-do ten-dos preceitos ju rí-dicos. Não é p erm itid o ao estudioso altera r as norm as e os p recei-tos que constituem objeto da elaboração dogm ática, mesmo que seja p a ra aperfeiçoá-los ou de outra form a adaptá-los às conclusões na- tu ra lístic as. Daí dizer GRISPIGNI que «la norm a deve essere assun-ta cosi com ’è, come un domma, che non si vuole valoassun-tare, almeno in questa serie; ed appunto p e r quusto la d isciplina si chiam a dom-

m atica g iu rid ica» . (25)

7. A dogm ática ju rídico-penal, como ciência teórica que visa a escopo puram ente cognoscitivo. Como ciência normativa, não

perm ite absolutam ente o em prêgo de outro método que não seja o lógico-ahstrato. Não se trata de con sid erar o m étodo lógico-abstra* to su p erio r ao m étodo positivo no estudo do conteúdo da norm a pe< n al: a experim entação e a indução não podem ser em pregadas; a observação dos fatos naturais, sua experim entação e verificação, a elaboração dos conceitos naturais, a nada conduzirão no campo do direito, se não coincidirem com os conceitos jurídicos e norm ativos.

Não h á d ireito fora da lei. Como ensina KELSEN (2G), o di-reito vale som ente como didi-reito positivo, isto é, como didi-reito in sti-tuído (Geesetztes R e c h t) . O estudo do d ireito h á de p a rtir, portanto,

da lei, aceita* realm ente, como um dogm a. Pode, mesmo, a norm a penal alte ra r os conceitos naturalísticos, que, assim, deixarão de prev alecer p a ra o direito, seja p o r inexatidão, seja p o r intencional determ inação do legislador que assim age por m edida de ordem p rá tic a ou política crim in a l. Haja vista os dispositivos sôbre a ir -relevância da emoção, paixão e embriaguez no código atual, as quais

(2 4 ) KELSEN, “ D er Soziologische u n d d e r J u r is tis c h e Staat& begriff” . ( 2 5 ) O b. c it. (n o ta 10), p á g . 8.

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são, pelo m enos em suas form as agudas, perfeitam ente discutíveis em face da Psicologia.

Serve-se, p o r outro lado, a ciência ju ríd ica , largam ente da ficção, considerando as seus conceitos com o se (2G-a) fôssem ver-dadeiros. O d ireito estabelece a certeza da coisa julgada, tra ta o enfêrm o e o im aturo de m ente como irresponsáveis, não porque estas e outras ficções sejam verd ad eiras, m as porque são p rin cíp io s indispensáveis à sua existência, em um dado m om ento de seu desen-volvim ento. Assim, converte as ficções em dogm as (MAGGIORE).

A realid ad e que a dogm ática ju ríd ic a estuda é o d ire ito ; não tem p o r escopo estu d ar a realid ad e física ou social. De tal re alid a-de não tem e não poa-de te r outro conceito senão aquêle p ró p rio da or-dem ju ríd ic a . Não deve pois in d a g a r: Que coisa é tal objeto?, mas, como é ta l objeto concebido pelo d ireito ? «C onhecer algum a coisa juridicam ente, diz KELSEN (27), não pode sig n ificar senão conce-bê-la como d ireito». E, m ais incisivam ente, GRISPIGNI (2 8 ): «Con- cepire qualque cosa g iu rid icam en te vuol d ire con cep irla non come d iritto , m a secondo il m odo come essa è concepita dal diritto». De qualquer form a, ju ríd ic o é apenas aquilo que o d ireito contem pla com as suas p ró p ria s disposições, e não tudo o que pode e n c o n tra r

em qualquer relação m ais ou m enos vaga com tais disposições. (29) Assim, finalm ente, significa a D ogm ática Ju ríd ic a , como o p ró p rio nom e sugere, ciên cia dos dogmas, isto é, ciência das norm as ju ríd ic as postas dogm aticam ente como v erdade c e rta e fora de dis-cussões (MAGGIORE).

Vê-se, pois a in o p erân c ia de um «m étodo positivo», que não se consegue ex p lica r com o a tu a ria no estudo do d ire ito penai, cuja ú n ica realid ad e positiva é a ordem ju ríd ico p e n al. Temos já in -vocado rep etid am en te a au to rid ad e de CRISPIGNI, cuja opinião é altam ente relevante no deb ate . T ra ta-se de um positivista, atual d i-re to r da i-revista «La Scuola Positiva», fundada p o r FERRI, e que põe, com tôdas as h o n ras, um a d e rra d e ira pá de cal na pretensão de ap licar um m étodo positivo ao estudo do d ireito p e n al: «avendo le norm e g iu rid ich e p e r contenuto dei doveri espressi nella norm a, non c’è nulla da esp erim en tare e ben poco da osservare all’in fu o ri delia

( 2 6 - a ) C f. HANS VAIHINGER, “ D er P h ilo so p h ie dcs A is Ob” : “ A p p e a ra n - ce, th e c o n cío u sly fa lse , p la y s a n e n o rm o u s p a r t in Science, in w o rld p h ilo so - p h ie s a n d i n life ” . C itad o p o r BENJAM IN CARDOZO, “ The p a ra d o x e s o f th e leg al Science”, p ô g . 33.

( 2 7 ) O b . c it. (n o ta 26), p á g . 31. ( 2 8 ) O b. c it. (n o ta 10), p á g . 14.

( 2 9 ) C f. M. SIO TTO -PIN TO R (Le g u a re n tig ie su p re m e d e i d iritto , p á g . 8/13, cita d o p o r MANZINI, “T ra tta to d i D iritto P e n a le ”, I, p â g . 2 8 ).

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le itu ra degli artico li di legge» (3 0 ). D em onstra que as norm as ju-ríd ic a s são form uladas de modo geral e abstrato e que, portanto, operações intelectuais com as quais se precisa o seu conteúdo são sem pre de c a rá ter m eram ente lógico-abstrato.

De fato, m esmo quando a norm a contém conceitos das ciências explicativas, como vontade, prem editação, e tc ., ou envia o in té rp re

-te ao significado que tais expressões têm nas ciências explicativas, ou determ ina, ela m esm a, o significado de tais expressões. Mas, em qualquer caso, não é m issão do ju rista in d u zir da realidade, por m eio da observação, o conceito que deve aplicar. E tanto isso é

ver-dade, que, se a n orm a com um a expressão entende coisa diversa da que entendem as ciências naturais, p a ra o ju rista é som ente válido o conceito en unciado pela n o rm a (31).

8. Vejamos, a seguir, como procede o método técnico-jur dico em seu escopo de conseguir um profundo conhecim ento das norm as ju ríd ic a s. Aplica um a técnica especial que consiste na in -terp retação (exegese), construção lógica dos institutos jurídicos, e, finalm ente, na form ulação do sistem a. Como bem nota ROCCO

(32), tôda ciência tem sua técnica p a rtic u la r (e p o r técnica se entende o conjunto daqueles meios, daqueles processos lógicos, me-tódicos, sistem áticos), de que se serve p a ra a conservação de seus p ró p rio s fin s.

P rim e iro estádio do m étodo ju ríd ico é a in te rp reta çã o . Não é som ente o ponto de p artid a, mas verdadeiram ente a base da ciên-cia ju ríd ica, porque as disposições da lei constituem a m atéria p ri-m a e ser elaborada, e a elaboração, evidenteri-m ente, não é possível se não se obtém o perfeito significado da m esm a. (33)

F ornece, entretanto, a exegese, apenas um conhecim ento em pí-rico do d ire ito . A elaboração dogm ática é a p arte realm ente cien-tífica do m étodo jurídiòo, visando à construção dos in stitu to s. Rea-liza, como ainda explica iROCCO, o conhecim ento científico do di-re ito : «La dom m atica giu rid ica, con la cognizione delle norine giuri- diche, poste in ra p p o rto reciproco, in guisa da sco p rirn e le uniform i- tà, d eterm in arn e le cause, i fondam enti, i p rin c ip ii, ci offre invece, la conoscenza scientifica dei d iritto m edesim o. In rap p o rto ali’ ese- gesi, che è la scienza delia legge, essa può d irsi veram ente la scienza

dei d iritto » .

ROCCO com preendia na dogm ática ju ríd ica, considerada em sentido estrito, como o segundo passo do método jurídico, igual*

( 3 0 ) O b. c it. (n o ta 19), p á g . 16.

(3 1 ) G RISPIG N I, o b . c it. (n o ta 10), p á g . 17. ( 3 2 ) O b . c it. (n o ta 23), p á g . 295.

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m ente a form ulação do sistema, sendo, no seu entender, o terceiro es-tádio a c ritica (1.* — R icerca esegetica, 2.9— R icerca dom m atica e sis- tem atica, 3.* — R icerca critica) (34). A bandonada a c rític a como p a r-te do método ju ríd ico , circu n scrito à exegese, construção dos in sti-tutos e do sistem a, consiste a segunda fase no reagrupam ento da m atéria ju ríd ic a na base dos carac tere s com uns, alcançando-se d e sfa rte , conceitos superiores que, dom inando um grupo de norm as, perm item a determ inação exata de seu conteúdo, esclarecendo suas recíprocas relações. Trata-se, como diz CRISPIGNI, de unia «concen- trazione logica delia m atéria», p a ra construção dos in stitu to s ju rí-dicos, que são «a união sistem ática dos p rin c íp io s que regulam uma relação jurídica» (IH E R IN G ).

Ú ltim a operação consiste na form ulação do sistema, que e a form a m ais perfeita do conhecim ento cien tífico . Os diversos in stitutos jurídicos são coligados en tre si e classificados, isto é, o rd e n a -dos de modo hierárq u ico e orgânico, m ediante a d istrib u ição ra-cional das diversas p a rtes do sistem a. Êste, enfim , se constrói na base do objeto, do nexo en tre as diversas p artes e segundo o critério

do mais ou m enos geral, do p a rtic u la r, e, enfim , do excepcional (35).

9. Fácil é com p reen d er os ataques que m ais freqüentem ent se faz ao m étodo ju ríd ic o (36), ataques, aliás, ensejados p o r uma p arte da doutrina, sobretudo alem ã. Afirma-se que a ciência penal estaria assim red u zid a à m era exegese, ao m ero form alism o e abs- tracionism o, d iv o rc iad a da realid ad e palp itan te da v id a . A crítica, entretanto, não p ro ce d e. A elaboração dogm ática do vigente direito penal será boa ou m á segundo boas ou más sejam as norm as ou a ordem ju ríd ic a positiva do estudo. Não é possível c o n stru ir uma boa ciência do d ireito se é má a lei que constitui a sua matéria- prim a, o seu objeto. Como atividade fundam ental cognoscitiva, a dogm ática ju ríd ic a não pode su p erar os defeitos e as in iq ü id ad es da lei, a p retexto de um a «hum anização» ou de um a aplicação da lei segundo as necessidades ou exigências que possam sobrevir e que todavia a in d a não fe riram a sen sib ilid ad e do legislador.

A elaboração dogm ática do direito, isto é, a ciência do d ire i-to não é boa nem má, é o que é, o que tem de ser. Reflete os aceri-tos e os erro s da ordem ju ríd ic a positiv a. Uma in te rp re tação progres-sista, como p rete n d ia FER R I (37) e BINDING (38), segundo a qual

( 3 4 ) O b. c it. (n o ta 23), p á g . 297. No m esm o se n tid o PANNAIN, “Ma- n u a le d i D iritto P en ale, 1950, p á g . 42 /4 3 .

( 3 5 ) C f. GK1SPIGNI, o b . c it. (n o ta 10), p á g . 20; ANTOLISEI, o b . c it. (n o ta 11), p á g . 12 /1 3 ; MAGGIORE, o b . c it. (n o ta 15), p á g . 44.

( 3 6 ) C f. ROBERTO LYRA, o b . c it. (n o ta 7), p á g . 60. ( 3 7 ) O b. c it. (n o ta 6 ), p á g . 180.

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a lei deve ser in te rp re ta d a p ara adaptar-se às novas e m utáveis exi-gências sociais, é an ticien tífica e errô n ea. Não c possivel passar sôbre o texto da lei, a pretexto de «in terp retá-la» . In te rp re ta r a lei, como fase in icial da elaboração d o u trin ária, significa conhecer o seu significado plenam ente, no que será de cxeépcional valor o co-nhecim ento do bem ju ríd ic o protegido, isto é, uma idéia de fim (m étodo teleo ló g ico ). C ontra a possibilidade de in terp retar-se equi- tativam cnte a lei penal, insurge-se, com m aestria habitual, o in- signe MANZINI (3 9 ): « In terp retare una legge equitativam ente, è di- re cosa p riv a di senso, p erchè la in terp retazio n e non può essere be-nigna o rigorosa, ma unicam ente vera o falsa, cioè, esatta o inesatta». No mesmo sentido, LANZA (4 0 ).

A elaboração dogm ática estéril, sem dúvida, deve ser com bati-da, p o r in ú til. Podem citar-se grossos e áridos volumes, a propósito

de questões sem relevância, erigidas em tem as de profunda indagação. Vale re fe rir a crítica pen etran te de BETTIOL (41), que ad-verte contra o que cham a «splendido isolam ento» do d ireito penal, propugnando p o r um a dogm ática concreta, «realista», a que não po-demos deixar de ap lau d ir (4 2 ). Trata-se de a b rir cam inho ao re-flexo da realidade social no sistem a penalístico, e não temos dúvi-da em afirm ar, com DE MARSICO, que tal cam inho consiste na in-te rp retação in-teleológica. A finalidade da lei, o escopo político, o fato social do qual a norm a surgiu, são partes integrantes dela, rotei-ros segurotei-ros p ara um a elaboração dogm ática.

In teiram en te divorciado da realidade-social estará o intérprete, com prom etendo assim a qua construção dogm ática e sistem ática, se- se a b stra ir da idéia de fim, sem a qual os conceitos jurídicos seriam m eras generalizações lógica-form ais. Está superado o form alism o lógico de KELSEN e LABAND. Se o d ireito existe p ara realizar (IH ER IN G ); se a realização é a v id a e a verdade do direito, a in -terp retação não pode p re sc in d ir da idéia de fim, do escopo que o d ireito se propõe re a liz a r. A in te rp reta ção teleológica, é bem de ver, constitui técnica eficiente p ara o conhecim ento do conteúdo da lei, que é sem pre um a b a rre ira in tran sp o n ív el p a ra o in té rp re te .

R epresentantes dessa dogm ática realista, entre outros, são BETTIOL, ANTOLISEI, ZESLMERL, e entre nós NELSON HUNGRIA, que sôbre o assunto escreveu páginas m agníficas, que não deixam

lu-( 3 9 ) MANZINI, “T ra tta to d i D iritto P en ale”, UTET, 1950, I, p á g . 260. ( 40 ) LANZA, “I p o te r i d ei g lu d lce”, p ág . 147.

( 41 ) BETTIO L, “ D iritto P e n a le ”, p á g . 34/35.

( 4 2 ) E s s a te n d ê n c ia n a d a te m a v e r com o m éto d o r e a lista , advogado p o r DUGUIT (T ra n sfo rm a c io n e s dei D erecho P riv a d o , M a d rid , p á g . 196), que é de in d o le fra n c a m e n te p o s itiv is ta .

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gar a dúvidas (4 3 ). O grande m estre do d ireito penal b rasileiro afir-ma que de form a alguafir-ma a ciência ju ríd ic a penal se confunde com a tarefa m edíocre e inglória dos escolásticos, pois h á d en tro dela tô-

da um a filosofia do hom em e da vida, e que não se a pode estim ar se não tem a alm a aquecida pelo sentim ento de justiça social. 0 tecnicism o ju ríd ico , prossegue, que reserv a o d ire ito penal p ara os juristas, não q u er dizer que êstes devem colocar en tre elas e o m ar picado da vida, como p ared e cega, a in te iriç a contextura da lei. «Ciência penal, conclui, não é só a in te rp re ta çã o h ie rá rq u ic a da lei, mas, antes de tudo e acim a de tudo, a revelação do seu espírito e a com preensão do seu escopo, p a ra ajustá-la a fatos hum anos, a almas hum anas, a episódios do espetáculo dram ático da vida».

Realm ente, o m étodo técn ico -ju ríd ico foi um autêntico cham a-m ento à ordea-m do estudo do d ireito p en al. Mas, é evidente que se to rn a indispensável ao p enalista o conhecim ento profundo das ou-tra s ciências crim inológicas, notadam ente a Crim inologia, a fim de que seu estudo possa re su lta r eficiente e p erfeito . As conclusões des-sas outras ciências, sem q u a lq u er som bra de dúvida, constituem m oti-vo de in sp iraçã o ie ro teiro seguro p a ra a elaboração dogm ática.

10. A C rim inologia (44) como já vimos, é um a ciência fen m enológica. Segundo EXNER (45) é um a ciência experim ental e

apli-ca o m étodo in d u tiv o “ist eine E rfah ru n g sw issen schaft u n d wen- det in d u k tiv e M ethoden a n ” ) .

Objeto da C rim inologia, como tam bém já foi dito, é a pesqui- za das causas e condições sociais da crim inalidade, isto é, dos mo-tivos que condicionam e originam os crim es, o seu « porque». T ra-balha, assim , a C rim inologia, n a base do fenôm eno crim e, que é deli-m itado nordeli-m ativadeli-m ente pelo D ireito P en a l. Codeli-mo refere EXNER codeli-m precisão, o objeto da C rim inologia não é um grupo de processos na-turalm ente delim itados, porém , é p refixado através de norm as (40) I h r Gegestand ist n ic h t eine irg en d w ie «naíuerlich» abgegrentzte G ruppe von V orgaengen; ih r G egenstand ist d u rch Norm em festgelegt).

A noção de crim e é um a noção ju ríd ica, como já havia ge-nialm ente concebido CARRARA. O crim e é um a d eterm inada reação h um ana a um a d eterm in ad a ordem ju ríd ic a . In teiram en te fracas-sada foi a ten tativ a de form ular um conceito n atu ralístico ou não ju-ríd ico de crim e, já que se tra ta de um a noção de valor, irred u tív el

( 43 ) NELSON HUNGRIA, “ In tro d u ç ã o à C iência P e n a l”, in “ N ovas Q ues-tões J u rid ic o -P e n a is ”, R io, 1945, p á g . 5.

( 4 4 ) A p a la v r a f o i u s a d a p e la p r im e ir a vez p o r GAROFALO, com o t í -tu lo de su a o b ra p rin c ip a l, em 1885.

( 4 5 ) EXNER, " K rim in o lo g ie ”, S p rin g e r V erlag, 1949, p á g . 10. ( 4 6 ) O b. c it. (n o ta 45), p á g . 1.

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a um a concepção natu ralística. C onstituindo um dos tem as oficiais

do ‘i .9 Congresso In tern a c io n al de Crim inologia, reu n id o em P aris, em setem bro de 1950, não se conseguiu naquele conclave chegar a qual-qu er conclusão (47), como, aliás, pre v ira ASÚA (48), um dos m em bros da com issão, sendo que DE GREEF declarou re n u n cia r a defin ir o de-lito, p o r contentar-se com a conceituação legal dos atos crim inosos.

B uscar um conceito n aturalístico de crim e, é como b u sc ar a qu ad ratu ra do círcu lo . Como bem observa RADBRUCH, «uma ciên-cia n a tu ral do crim e, como p retendeu construí-la a Antropologia C rim inal, só é possível depois de se te r substituído a um conceito de crim e referid o a valores jurídicos, um conceito naturalístico de cri-m e. Seria, cocri-m efeito, ucri-m cri-m ilagre ex trao rd in á rio — produto de ucri-ma espécie de h a rm o n ia pre-estabelecida entre dois modos totalm ente diversos de contem plar a realidade, que ninguém suspeitaria pos-sível — se um conceito form ado com referência a valores, como o de d ire ito ou de crim e, pudesse c o in cid ir com um conceito n a tu ra -lístico, obtido através de um a contem plação não valorativa (werl- b lin d ) das coisas» (4 9 ).

P rocurou GARÓFALO (50) estabelecer p ara a Crim inologia o seu p ró p rio e ind ep en d en te cam po de trabalho com a noção de «dé- lit naturel», fornecida pela Sociologia, e que seria «la violation p ar des actes nuisibles, des sentim ents altruistes fundam entaux de pitié et de probité, selon la m esure m oyenne oü ils se trouvent dans la

societé».

H averia certos crim es e crim inosos básicos, que perm itiriam e exigiriam um a pesquiza u n itá ria ; bens que, p o r tôda parte, são reconhecidos como indispensáveis à vida e assim protegidos com a am eaça p en al; pessoas contra as quais o corpo social deve sem pre defender-se.

A p reca ried a d e dessa noção é m anifesta. P o r um lado, c ir-cunscrever a Crim inologia a êsses fatos ou grupos de fatos, im por-ta ria em dela afaspor-tar inúm eros crim es previstos pela ordem ju ríd i-ca positiva em conseqüência às novas e continuadas exigências da civilização e da ordem econôm ica. P o r outro lado, é p u eril supor que em todos os tem pos e em todos os lugares existem fatos que são sem pre considerados crim es ou atentatórios à m oralidade do grupo.

À noção de GARÓFALO, incom pleta mesmo no seu p ró p rio setor, opuseram FERRI e BERENINI a s u a : «les délits sont des actes

( 4 7 ) C f. “ L e 2.e Congrés I n te rn a tio n a l de C rim in ô lo g ie” (P a ris 16-19 S eptem bre, 1950), p a r Ja c q u e s-B e rn a rd H erzog, in Revue I n te rn a tio n a le de D ro it P é n a l, 1950, p á g . 603-621.

( 4 8 ) A ctes d u 2.6 Congrés In te rn a tio n a l de C rim inôlogie, IV, p ág . 537. ( 4 9 ) RADBRUCH, o b . c it. (n o ta 3 ), p á g . 51, 1.» v o lu m e.

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punissabies, déterm inés p a r des m obiles individuels et antisociaux, qui troublent les conditions de la vie et sont opposés à la m oralité m oyenne d ’un certain peuple, dans mi m om ent d ete rm in é » . Esta noção, p retendendo ser ao mesino tem po ju ríd ic a e sociológica, re a l-m ente su b o rd in a o conceito de cril-m e à p u n ib ilid ad e do fato pela lei, e, portanto, à noção norm ativa do fato crim inoso.

D em onstrando a im possibilidade do conceito naturalístico, BONGER (51) preten d e d e fin ir sociologicam ente o crim e como «un acte antisocial grave, co n tre lequel l’E tat réagit consciem m ent en im posant des sactions (peines ou m esúres de suretés)». É evidente a in sp iração norm ativista de definições dessa espécie.

Essa im possiblidade de d e fin ir n aturalisticam ente o que seja crim e fornece a contra-prova do c a rá te r norm ativo dos conceitos jurídicos e dem onstra a im possibilidade do em prêgo do método in

-dutivo ou positivo no estudo do d ireito penal, como procuram os dem o n strar.

A C rim inologia, em conclusão, h á de te r p o r objeto de pes- quiza os fatos que o D ireito P enal estabelece como crim inosos. É portanto, um a ciência do Ser (Sein), cujo objeto é d eterm inado através de norm as ju ríd ic a s. É evidente que assim não será possí-vel estabelecer um conteúdo de c a rá te r absolutam ente geral, isto é, de validade universal p ara a C rim inologia. Nem isso a dim inui co-mo ciência, nem a pode co nduzir ao form alism o de seus m étodos. Ao contrário, à C rim inologia está reservado um im portantíssim o papel na luta co n tra o crim e, sendo o seu estudo realm ente indispensável e obrigatório p a ra o pen alista.

É escopo da C rim inologia descrever êsse triste fenôm eno que se cham a crim e; sua o corrência na vida do indivíduo e na vida da sociedade. É escopo da C rim inologia esclarecer êsse m esmo fenô-meno (scire est p e r causas sc ire ), pesquisando o seu porque, em to-dos os sentito-dos, como processo n atu ra l e psicológico, estabelecen-do as suas condições e as suas leis, sugerinestabelecen-do, assim, ao D ireito Pe-nal, soluções m ais eficientes no com bate à crim in alid ad e.

Referências

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