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Tosse crónica na criança

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Maio

’2018

Clínica Universitária de Otorrinolaringologia

Tosse Crónica na Criança

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Clínica Universitária de Otorrinolaringologia

Tosse Crónica na Criança

Ana Rita Lopes Dinis

Orientado por:

Dr. Marco Alveirinho Simão

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Resumo

A tosse constitui um ato essencial protetor e defensivo das vias aéreas. A tosse crónica é muito prevalente nas crianças. A sua definição varia segundo as guidelines: as da Academia Americana afirmam que a tosse é crónica quando dura mais de 4 semanas; as da Sociedade Torácica Britânica consideram-na a partir das 8 semanas. Este sintoma está relacionado com uma alta morbilidade das crianças e das famílias, diminuindo a qualidade de vida. A tosse crónica pode estar associada a outros sinais ou sintomas (indicadores de tosse) e ser classificada em específica ou não específica, dependendo da sua presença ou ausência, respetivamente. As etiologias variam entre os estudos, contudo entre as mais prevalentes estão tosse pós-infeciosa, bronquite bacteriana prolongada e asma. Vários estudos concluíram que as etiologias são dependentes da idade e do contexto clínico. Uma história clínica detalhada e um exame objetivo completo são essenciais para a sua investigação. Ambos devem guiar o pedido dos exames complementares de diagnóstico. A radiografia de tórax e a espirometria são as avaliações iniciais recomendadas. Nas guidelines da Academia Americana constam os principais algoritmos utilizados. O seu uso reduz a morbilidade, os custos e os efeitos adversos de medicação desnecessária e permite diagnósticos precoces. Podem ser utilizados de forma segura pois mostraram ser eficazes, válidos e de confiança. A tosse não específica pode resolver espontaneamente e uma abordagem inicial de espera e reavaliação deve ser considerada antes de iniciar tratamento. Na tosse específica, a etiologia deve ser definida e o tratamento dirigido para a mesma. Os únicos tratamentos claramente eficazes são os antibióticos para a tosse crónica produtiva e os corticoides inalados para a tosse crónica não produtiva. Os fármacos supressores da tosse não devem ser utilizados pois possuem significativa morbilidade e mortalidade. Nos casos mais complexos, uma abordagem multidisciplinar pode melhorar a capacidade de diagnóstico e tratamento.

Palavras-chave: Tosse crónica; Crianças; Etiologias; Guidelines; Algoritmos.

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Abstract

Coughing is an essential protective and defensive act of the airways. Chronic cough is very prevalent in children. Its definition varies according to the guidelines: the American College of Chest Physicians claims that the cough is chronic when it lasts more than 4 weeks, whilist the British Thoracic Society considers it to be chronic when it lasts more than 8 weeks. This symptom is associated with high morbidity of children and families and decreasing the quality of life. Chronic cough may be associated with other signs or symptoms (specific pointers) and be classified as specific or non-specific, depending on their presence or absence, respectively. The etiologies vary among studies, however the most prevalent are post-infectious cough, prolonged bacterial bronchitis and asthma. Several studies have concluded that the etiologies are dependent on age and clinical context. A detailed medical history and a complete objective examination are essential for investigation. Both should guide the need for complementary diagnostic tests. Chest x-ray and spirometry are the recommended initial evaluations. The guidelines of the American College of Chest Physicians include the main algorithms used. Its use reduces the morbidity, costs and adverse effects of unnecessary medication and allows for early diagnosis. They can be used safely since they have proven to be effective, valid and reliable. Non-specific chronic cough may resolve spontaneously and an initial approach to watch, wait and review should be considered before starting treatment. In specific chronic cough, the etiology should be defined and treatment directed to it. The only clearly effective treatments are antibiotics for chronic productive cough and inhaled corticosteroids for chronic dry cough. Cough suppressants should not be used because they have significant morbidity and mortality. In more complex cases, a multidisciplinary approach can improve diagnostic and treatment capacity.

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4 Índice Resumo ... 2 Abstract ... 3 Índice ... 4 Introdução ... 5 Caso Clínico ... 11 Discussão ... 12

Tosse específica e não específica ... 12

Etiologias ... 14

Infeções recorrentes do trato respiratório e Tosse pós-infeciosa ... 20

Asma e Asma variante tosse... 22

Bronquite bacteriana prolongada ... 23

Síndrome da tosse das vias aéreas superiores ... 25

Doença do refluxo gastroesofágico ... 26

Síndrome da tosse somática e tique da tosse ... 29

Etiologias no âmbito da otorrinolaringologia... 32

Abordagem Clínica ... 34 Guidelines e Algoritmos ... 38 Abordagem Terapêutica ... 46 Conclusão ... 55 Agradecimentos ... 57 Bibliografia ... 58

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Introdução

A tosse é uma manobra expulsiva forçada, geralmente contra uma glote fechada e que está associada a um som característico[1], que se deve à vibração das grandes vias aéreas e das estruturas laríngeas durante o fluxo turbulento na expiração.[2] É considerada um ato motor que compreende três fases mecânicas fisiológicas: a inspiratória, a compressiva e a expiratória.[3] Uma inspiração profunda precede o encerramento da glote, com a consequente contração forçada dos músculos respiratórios. A glote abre e dá-se uma expiração forçada de ar, muco e potencialmente corpos estranhos.[4] A duração de cada uma das fases e o funcionamento dos músculos respiratórios são controlados pelo tronco cerebral.[3] A tosse é assim um ato essencial protetor e defensivo das vias aéreas, assegurando a remoção de muco, substâncias tóxicas e infeções da laringe, traqueia e brônquios. É o mecanismo de limpeza das vias aéreas mais eficiente, podendo ser considerado um mecanismo de defesa interna inato.[2]

Em relação à fisiopatologia, é essencial que o mecanismo da tosse funcione de forma intacta para que se mantenha a saúde respiratória.[3] O reflexo da tosse é perdido

quando existe uma alteração do estado de consciência.[4] A tosse tanto pode ser iniciada

pela pessoa, estando sob controlo voluntário, como pode ser involuntária, correspondendo a um complexo arco reflexo fisiológico que pode ser simplificado através da sua divisão em vias aferente, central e eferente. A via central envolve o núcleo do trato solitário, o centro da tosse (localizado no tronco cerebral ao nível do bulbo), o subcórtex e o córtex.[3] A via aferente diz respeito aos ramos do nervo vago e aos nervos laríngeos, onde os impulsos viajam desde os recetores da tosse até ao tronco cerebral e depois são modulados no córtex cerebral.[5] A via eferente motora corresponde às estruturas que enviam os impulsos desde a via central até aos músculos respiratórios, à laringe e aos músculos pélvicos. Todas estas vias provavelmente são influenciadas por um circuito de feedback multidirecional mediado pelo centro de tosse.[3] Assim, é fácil compreender que este mecanismo depende da existência de recetores e nervos intactos, um centro da tosse funcionante e músculos expiratórios e laríngeos suficientemente fortes.[4]

Os recetores da tosse que detetam e respondem a mudanças de temperatura e fatores de stress químico e mecânico estão localizados na faringe, laringe e em toda a árvore traqueobrônquica.[4] Adicionalmente, existem ainda recetores no esófago,

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6 pericárdio, estômago, diafragma e ouvido externo.[6] Quando estimulados, enviam sinais para o centro da tosse, que então desencadeia a sequência de eventos facilmente reconhecíveis que constituem a tosse.[4]

A tosse patológica pode ser explicada por uma hiperexcitabilidade do seu reflexo, resultando num aumento da mesma. Nas crianças, a causa mais comum de tosse são as infeções respiratórias, que estão associadas a mediadores inflamatórios que estimulam vários nocireceptores nas vias aéreas, ativando a via da tosse. Alguns vírus provavelmente induzem plasticidade nas vias neurológicas da tosse, levando à persistência da mesma mesmo após o desaparecimento da infeção.[3] De facto, já existe evidência considerável de que as vias neurológicas que regulam este sintoma podem sofrer alterações na sua estrutura e função a curto ou longo prazo em resposta a várias condições fisiológicas, o que é chamado de plasticidade.[7] Outro mecanismo possível incluiu o aumento da sensibilidade à tosse através dos efeitos da pressão intratorácica, sugerindo que este sintoma pode perpetuar o seu próprio ciclo crónico. Contudo, os dados existentes que descrevam os mecanismos de aumento da tosse são escassos.[3]

Para além disso, a hipoexcitabilidade do reflexo da tosse também pode resultar numa tosse ineficaz, o que pode ocorrer devido a uma grande variedade de anomalias que interfiram com o arco reflexo, quer seja ao nível da via aferente (anomalias do neurodesenvolvimento), quer seja ao nível da via eferente (anomalias na via aérea ou neuromusculares).[3] Está provado que as crianças com fibrose quística têm uma diminuição da sensibilidade do reflexo da tosse quando comparadas com as crianças saudáveis, tal como acontece nas crianças diabéticas com neuropatia autonómica diabética subclínica.[7]

A tosse crónica é muito prevalente em idade pediátrica, contudo a sua verdadeira prevalência permanece difícil de definir.[8] A tosse pediátrica é um sintoma que partilha muitas semelhanças mas também algumas diferenças em vários aspetos relativamente aos adultos. Nos adultos, a tosse crónica é definida universalmente como tendo uma duração superior a 8 semanas, sendo um sintoma incapacitante de muitas doenças respiratórias e não respiratórias. As três principais causas nos adultos são asma, doença do refluxo gastroesofágico e síndrome da tosse das vias aéreas superiores, apesar de nalguns casos não se identificar nenhuma causa, sendo diagnosticada tosse idiopática.[7]

Durante muitos anos, pensou-se que estas seriam as principais causas de tosse crónica na criança, contudo descobriu-se que estas foram diagnosticadas em apenas 9% das

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7 crianças pequenas, sendo as causas heterogéneas e dependentes de muitos fatores,[8] incluindo a idade. As causas nas crianças variam de estudo para estudo, contudo a tosse pós-infeciosa, a bronquite bacteriana prolongada e a asma estão entre as principais. Nos adultos, a tosse crónica foi recentemente proposta como sendo uma entidade clínica distinta – síndrome da hipersensibilidade da tosse crónica – que explica a sua indução por estímulos que funcionariam como gatilhos e que não provocariam resposta numa população normal.[7]

Nas crianças, vários tipos de tosse têm sido identificados. Por um lado temos a tosse aguda que, segundo as guidelines da Academia Americana, dura menos de 2 semanas e é considerada um sintoma banal mais frequentemente associado às infeções do trato respiratório.[7] Contudo, a sua definição não é consensual, sendo que as guidelines da Sociedade Torácica Britânica afirmam que dura menos de 3 semanas.[1] Neste tipo de tosse, a possibilidade de inalação de corpo estranho ou de infeções bacterianas deve ser tida em consideração.[5] Depois existe uma zona cinzenta, onde se

inclui a tosse aguda prolongada[7] (ou tosse subaguda), cuja duração também não é

consensual entre as diferentes guidelines. Se as da Academia Americana a definem como durando até 4 semanas, as da Sociedade Britânica afirmam que pode durar até 8 semanas. Na maior parte dos casos, é provocada por infeções respiratórias altas prolongadas ou sobrepostas ou por infeções bacterianas.[5] Também pode estar relacionada com a bronquite bacteriana prolongada, durando tipicamente 4 a 8 semanas.[7] Adicionalmente, esta pode ocorrer nas crianças com tosse pós-infeciosa ou tosse convulsa, cuja tosse se resolve lentamente num período entre as 3 e as 8 semanas.[1] Esta definição permite assim abranger o período de resolução da tosse nos 10% de crianças normais que continuam a tossir devido a uma ligeira infeção respiratória. Por último, surge então a tosse crónica, cuja duração varia nas guidelines de vários países da europa e do mundo.[2]

A maior parte dos estudos rege-se pela definição das guidelines da Academia Americana, nas quais a tosse é considerada crónica quando dura mais de 4 semanas.[9] Um estudo demonstrou que apenas 20% dos casos de crianças com tosse crónica resolveram espontaneamente, enquanto que os outros 80% tinham uma causa específica, necessitando de mais cuidados e de iniciar as investigações mais cedo. Para além disso, o conhecimento da história natural da tosse também favorece o período temporal das 4 semanas. É preciso ter em conta o diagnóstico precoce de doenças graves, visto que se

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8 não forem diagnosticadas e tratadas a tempo, podem levar a graves problemas futuros, como bronquiectasias.[2] Contudo, as guidelines da Sociedade Torácica Britânica afirmam que a tosse só deve ser considerada crónica a partir das 8 semanas. A principal razão para a consideração deste período temporal relaciona-se com o facto de 3/4 semanas permitir a resolução das causas simples de tosse infeciosa e assim, às 8 semanas, identificar as crianças que irão necessitar de investigação adicional.[1]

A tosse crónica pode ser dividida em três grupos etiológicos: a tosse normal ou expectável, na qual a causa é conhecida, não sendo necessários estudos específicos.[5] É conhecido que as crianças “normais” ocasionalmente tossem, sendo que a medicalização deste sintoma comum pode gerar ansiedade exagerada e levar à toma de medicação desnecessária.[9] Para além disso, a tosse pode estar associada a outros sinais ou sintomas, os chamados “indicadores de tosse” e desta forma ser classificada em específica ou não específica, dependendo da presença ou ausência desses mesmos indicadores, respetivamente, constituindo os outros dois grupos de tosse crónica.[7]

Todas as estruturas do sistema respiratório sofrem um processo de maturação desde a infância até à idade adulta.[3] O reflexo da tosse parece ser modulado durante o desenvolvimento e o crescimento pós-natal, sendo que este sintoma parece estar ausente no nascimento, aumentando com a maturação e tornando-se no sintoma respiratório mais frequente durante os primeiros anos de vida.[7] Contudo, não se sabe exatamente o momento no qual o reflexo da tosse está totalmente desenvolvido.[3] Mais tarde, durante o crescimento, a medição objetiva da incidência da tosse parece diminuir desde a idade

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9 escolar até à idade adulta. Nos adultos, uma maior frequência e um aumento da sensibilidade deste sintoma foram registados nas mulheres quando comparadas com os homens. Esta hipersensibilidade no sexo feminino tem sido sugerida como um mecanismo da evolução que protege contra a aspiração durante a gravidez.[7]

O sistema imunitário, que é imaturo nas crianças, também sofre um desenvolvimento fisiológico, o que afeta o grau e a frequência das infeções respiratórias e consequentemente o aparecimento de tosse em idade pediátrica.[3] Está provado que os insultos nocivos para as vias aéreas podem ser mais prejudiciais para as crianças do que para os adultos, sendo o reflexo da tosse menos controlado pelo sistema nervoso central na idade pediátrica.[8] Para além disso, as diferenças das crianças em relação aos adultos na sua função cognitiva e capacidade de autoexpressão também influenciam a fisiopatologia e a gestão da tosse crónica.[3]

As diferenças e particularidades na fisiopatologia da tosse crónica pediátrica em comparação com os adultos são exemplificadas pela existência de diagnósticos específicos, como é o caso da bronquite bacteriana prolongada. Assim, não é de estranhar que diferentes estratégias sejam necessárias para avaliar a tosse crónica nas crianças, manifestando-se no surgimento de guidelines específicas.[3] A tosse nesta faixa etária tem recentemente atraído maior interesse na área da investigação pela possibilidade de algumas doenças respiratórias dos adultos, como a asma e a doença pulmonar obstrutiva crónica, terem as suas raízes na infância.[8]

Ao contrário dos adultos, a avaliação da tosse nas crianças é bastante difícil devido à ausência de métodos objetivos que meçam a sua frequência e a intensidade. Os métodos de pontuação subjetivos são tendenciosos devido à perceção dos sintomas pelos pais.[7]

A tosse crónica está associada a uma alta morbilidade das crianças e das suas famílias. Os pais muitas vezes apresentam-se stressados, frustrados e incapazes de lidar com os sintomas dos filhos e com as noites sem dormir.[7] Muitas vezes, as suas preocupações são bastante diferentes das dos médicos. Se por um lado os pais estão angustiados com efeitos da tosse nos seus filhos, nomeadamente os distúrbios no sono e nas atividades da escola, os médicos estão mais preocupados com a etiologia da mesma e em chegar a um diagnóstico correto.[2] Tendo em conta que a lista das causas de tosse

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10 este sintoma, muitas vezes não é possível chegar a um diagnóstico final ou então não existe nenhum tratamento específico. Tudo isto torna a consulta frustrante para ambas as partes,[4] levando à procura incessante de consultas até à resolução da tosse. Um estudo mostrou que 75% dos pais procurou mais de 5 consultas.[3]

Se a tosse for demasiado violenta pode originar complicações como síncope, pneumomediastino, pneumotórax, incontinência urinária ou vómitos. Desta forma, é um sintoma que diminui a qualidade de vida e afeta as atividades diárias, sendo responsável por um significante absentismo escolar.[7] O facto das crianças terem menor controlo da tosse do que os adultos provoca maior perturbação do seu quotidiano, quer na escola ou noutro contexto social.[8] Este é um sintoma que está fortemente relacionado com estados afetivos, incluindo o stress e a frustração, resultando em noites sem dormir para toda a família. Contudo, existem poucos dados sobre o impacto a longo prazo dos sintomas respiratórios no desenvolvimento e comportamento das crianças.[7]

Ao nível da sociedade, as despesas com as consultas, a medicação e o absentismo são substanciais. Não é de estranhar, portanto, que vários medicamentos prescritos e não prescritos sejam largamente utilizados, muitas vezes de forma inapropriada, podendo resultar em efeitos adversos graves.[3]

O presente trabalho tem como objetivo descrever o sintoma da tosse crónica nas crianças em todas as suas vertentes, recorrendo a um caso clínico real como ponto de partida para a discussão. Será feita uma revisão das principais etiologias, os algoritmos a seguir que auxiliam no diagnóstico e os vários tipos de recomendações e tratamentos aprovados e com eficácia demonstrada. As principais guidelines existentes sobre o tema vão ser tidas em consideração para sua a elaboração.

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Caso Clínico

Uma criança de 5 anos de idade apresentava tosse crónica irritativa desde os 3 anos, que persistia durante todo o dia e agravava à noite, interferindo com o sono. Para além da tosse, a criança sofria de obstrução nasal ligeira, que provocava uma respiração predominantemente oral, tanto durante o dia como de noite, apresentando-se com boca entreaberta ao exame objetivo.

Devido a todo este quadro clínico, a criança recorreu a múltiplas consultas, tendo sido observada por vários médicos, entre os quais pediatras e alergologistas. Foi submetida a tentativas terapêuticas com variada medicação (anti-histamínicos, corticoides tópicos e sistémicos, fármacos e dieta anti refluxo), no entanto todas elas sem qualquer efeito benéfico.

Aos 4 anos, recorreu a uma consulta de Otorrinolaringologia, tendo-lhe sido diagnosticada adenoidite crónica e sugerida intervenção cirúrgica para remoção dos adenoides. No entanto, os pais recusaram a cirurgia, continuando com tentativas terapêuticas sem quaisquer resultados durante mais 1 ano.

Aos 5 anos, por persistência da sintomatologia, a criança volta à consulta de Otorrinolaringologia, sendo de novo reforçado o papel da adenoidectomia. Os pais acabam por concordar com a cirurgia, sendo que 1 mês após a mesma, a criança melhorou de forma substancial. Entretanto, deixou de comparecer às consultas, pelo que se presume que o seu quadro de tosse crónica tenha resolvido por completo.

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Discussão

Tosse específica e não específica

Tal como referido anteriormente, a tosse crónica pode ser dividida em dois grandes grupos: a tosse específica e a não específica. A primeira diz respeito à tosse crónica que normalmente é atribuída a uma causa orgânica de base e que geralmente, mas nem sempre, é de origem pulmonar.[3] É uma tosse que ocorre na presença de sinais e sintomas sugerindo um diagnóstico específico – os chamados indicadores de tosse, detetados após uma examinação completa,[5] que incluiu uma história clínica detalhada, exame objetivo, radiografia de tórax e espirometria. Estes indicadores incluem sons e características da tosse classicamente reconhecidos (por exemplo sibilos), entre muitas outras particularidades e permitem apontar para uma causa possível para este sintoma.[3] A identificação destas características é importante porque muitas delas são facilmente reconhecíveis e fortemente sugestivas de uma causa específica, o que é menos verdade nos adultos quando comparados com as crianças.[10]

Quanto às causas de tosse específica, estas incluem asma, bronquite bacteriana prolongada, doença pulmonar supurativa crónica, bronquiectasias, anomalias da via aérea (como por exemplo corpo estranho, anomalias congénitas ou neoplasias), aspiração, infeções crónicas ou outras menos comuns, doença pulmonar intersticial, causas extrapulmonares (por exemplo anomalias cardíacas e patologias do ouvido) e

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13 outras causas, como síndrome da tosse das vias aéreas superiores e tosse convulsa.[10] Outros estudos consideram ainda dentro deste grupo a doença do refluxo gastroesofágico e a tosse pós-infeciosa.[6]

Quanto à tosse não específica, é definida como uma tosse crónica que não possui uma causa identificada após uma avaliação completa. Normalmente apresenta-se predominantemente como uma tosse seca isolada, sem a presença dos indicadores referidos anteriormente aquando da avaliação inicial.[3] São crianças que manifestam um bom estado geral e nas quais os exames complementares de diagnóstico (como a radiografia de tórax e a espirometria) não apresentam qualquer alteração.[5] Este sintoma geralmente resolve de forma gradual e espontânea, contudo as crianças devem ser reavaliadas periodicamente para averiguar o aparecimento de sinais ou sintomas de tosse específica.[10]

Possíveis etiologias para a tosse não específica incluem asma variante tosse, tosse pós-infeciosa, tosse otogénica, doenças funcionais (como é o caso do hábito ou tique da tosse) e aumento da sensibilidade dos recetores da tosse,[10] possivelmente após uma infeção viral. Todavia, outros fatores como a poluição ambiental e a exposição ao fumo do tabaco podem ser observados nesta entidade e podem contribuir para a sua persistência.[5] Contudo, as causas não são concordantes em todos os estudos, existindo outros que afirmam que a tosse convulsa, o síndrome da tosse das vias aéreas superiores e a doença do refluxo gastroesofágico são causas de tosse não específica. Adicionalmente, outras causas também foram apontadas, como a hipertrofia das amígdalas (causando impactação da epiglote) e a toma de IECAs.[4]

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Etiologias

Como foi descrito anteriormente, as causas para a tosse crónica nas crianças são imensas e já existem dados em diversos estudos que afirmam que estas são dependentes da idade.[5] [7] [11] [12] Foi realizado um estudo em crianças em idade pré-escolar que mostrou que a causa mais frequente era a bronquite bacteriana prolongada (40%). A segunda causa mais comum correspondeu às infeções das vias aéreas superiores (prolongadas ou sobrepostas), que resolveram espontaneamente, enquanto que apenas 10% apresentaram asma, doença do refluxo gastroesofágico ou síndrome da tosse das vias aéreas superiores (as causas mais frequentemente identificadas nos adultos).[5]

Por outro lado, num estudo que envolveu crianças em idade escolar, a principal causa reportada foi a asma (25%), logo seguida pela bronquite bacteriana prolongada (23%), a síndrome da tosse das vias aéreas superiores (20%) e, por fim, a doença do refluxo gastroesofágico (5%). Nos adolescentes, as causas encontradas foram similares às dos adultos.[5]

Outras referências afirmam que até aos 2 anos de idade as principais causas são a bronquiolite e o croup; na idade pré-escolar e escolar predominam a tosse pós-infeciosa e a inalação de corpo estranho; na adolescência prevalece o hábito da tosse.[7]

Adicionalmente, outro estudo afirma que na idade pré-escolar, as principais causas são bronquite bacteriana prolongada, traqueobroncomalácia, aspiração de corpo estranho, tosse pós-infeciosa ou combinações entre elas. Por outro lado, causas como asma, doença do refluxo gastroesofágico, bronquiectasias e síndrome da tosse das vias aéreas superiores parecem ser menos frequentes nesta faixa etária.[2]

Foi efetuado um estudo em 346 crianças referenciadas por tosse crónica e que foram avaliadas segundo um algoritmo específico baseado na evidência, com o objetivo de avaliar a prevalência das principais etiologias de acordo com diferentes faixas etárias. Os cinco principais diagnósticos encontrados foram bronquite bacteriana prolongada, asma, bronquiectasias, resolução natural e traqueomalácia, sendo que para a bronquite bacteriana prolongada foi detetada uma diferença significativa relativamente às diferentes categorias, com uma tendência para o grupo das idades mais jovens (0-2 anos), onde este diagnóstico se verificou mais prevalente. No entanto, nas restantes etiologias, não houve diferenças significativas entre os vários grupos etários.[11]

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15 Figura 3 – Distribuição dos cinco diagnósticos mais frequentes, agrupados de acordo com

categorias para diferentes faixas etárias.[11]

Um outro estudo[13] examinou 563 crianças com tosse crónica com base no algoritmo das guidelines da Academia Americana[9], sendo analisadas as características e os fatores etiológicos em relação a cada faixa etária. Dentro desta população, 69,8% das crianças tinham tosse específica e 30,2% tosse não específica. Dentro do primeiro grupo, 24,9% obtiveram o diagnóstico de asma, 7,6% foram rotuladas como hiper-reatividade das vias aéreas e 19% manifestaram sintomas do tipo asma-like. A bronquite bacteriana prolongada foi diagnosticada em 11,9% dos casos e a síndrome da tosse das vias aéreas superiores em 9,1%. Este estudo concluiu que as causas mais comuns de tosse crónica nas crianças são a asma e os sintomas do tipo asma-like, sendo que a ordem de frequência das restantes etiologias varia de acordo com a idade. As crianças em diferentes faixas etárias apresentam diferentes causas de tosse crónica. A bronquite bacteriana prolongada foi a segunda causa mais comum nas crianças com menos de 6 anos, enquanto que a tosse psicogénica foi a segunda mais comum nas crianças com mais de 6 anos. Este foi o estudo que investigou a frequência dos diagnósticos de acordo com a idade que possui a maior população. Vários estudos reportam diferentes ordens de frequência na etiologia da tosse crónica. Estas diferenças podem ser devidas a distintas práticas de referenciação por parte dos cuidados de saúde primários, às diferentes idades das crianças e à prevalência de várias doenças locais.[13]

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16 De facto, um estudo mais recente afirma que as etiologias descritas para a tosse crónica variam de estudo para estudo. Contudo, entre as mais prevalentes permanecem a asma e outras doenças relacionadas, a bronquite bacteriana prolongada e a resolução natural (ou seja, resolução sem um diagnóstico específico). Todos os estudos que investigaram a influência da idade nas diferentes etiologias sugeriram que os diagnósticos mais comuns são diferentes nas crianças mais pequenas quando comparadas com as mais velhas. Posto isto, concluiu-se que as etiologias mais comuns de tosse crónica nas crianças são dependentes da idade, com base numa evidência de moderada qualidade.[12]

Uma forma sistematizada de apresentar os diagnósticos de acordo com as diferentes faixas etárias é exposta na tabela seguinte. É necessário ter em conta que a tosse crónica nas idades mais jovens pode sugerir anomalias anatómicas das vias aéreas ou do trato gastrointestinal, assim como aspiração de corpo estranho.[14]

Um outro estudo analisou de forma retrospetiva a prevalência de várias etiologias de tosse crónica numa amostra de 64 crianças. Os resultados são apresentados no gráfico seguinte, sendo que se constatou que o principal diagnóstico foi a resolução espontânea, seguido pela asma, bronquite bacteriana prolongada (PBB), bronquiectasias, traqueobroncomalácia, doença do refluxo gastroesofágico (RGE), síndrome da tosse das vias aéreas superiores (UACS) e tosse somática. Quando comparados com outros estudos, estes resultados confirmam que a prevalência das várias etiologias depende de inúmeros fatores.[8]

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17 Figura 5 – Frequência (%) dos diagnósticos primários em 64 crianças com tosse crónica.[8]

Como já foi referido anteriormente, a tosse crónica tem uma importante carga ao nível do quotidiano das crianças, que fica patente na prevalência deste sintoma, na frequência das consultas médicas e no impacto na qualidade de vida. Um estudo avaliou a carga da tosse crónica em 346 crianças referenciadas por este sintoma e determinou a influência da idade e do contexto clínico (por exemplo urbano vs rural) na carga da doença e nas etiologias da tosse, assim como determinou a influência das etiologias na carga da mesma. Foi colocada a hipótese de que as etiologias eram dependentes do contexto clínico e da idade, ao contrário da carga da tosse.[11]

Os resultados mostraram que a carga da tosse crónica foi significativamente diferente entre os contextos clínicos, mas não foi influenciada nem pela idade nem pela etiologia. A frequência das principais causas da tosse crónica varia de acordo com o contexto clínico, o que era esperado dado que existem diferenças conhecidas nos cuidados de saúde e no acesso aos especialistas respiratórios. Outra possível explicação pode estar relacionada com as variações nas diferentes práticas dos cuidados de saúde primários. Assim, o algoritmo da tosse pode ser aplicado em vários contextos clínicos, contudo alguns ajustes específicos em determinados tipos de contexto podem ser necessários. Neste estudo foi ainda comparada a carga da tosse crónica com a carga de outras patologias, tendo-se concluído que esta está no domínio de outras doenças

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18 crónicas (como diabetes, obesidade, doenças cardíacas ou gastrointestinais), sendo inferior à do cancro e à da doença renal em estadio terminal.[11]

Desta forma, concluiu-se que a etiologia da tosse não influencia a carga da mesma, o que sugere que é o sintoma em si mesmo, independentemente da causa, que provoca todos os condicionantes na vida de quem o experimenta. O estudo afirma também que, independentemente da etiologia e da idade, a carga da tosse é alta. A frequência das etiologias é dependente do contexto clínico, sendo que a idade assume uma menor influência.[11]

Uma revisão sistemática de 2017 analisou as etiologias da tosse crónica nas crianças, tendo elaborado um conjunto de recomendações:[12]

• Nas crianças com idade igual ou inferior a 14 anos, recomenda-se que as etiologias mais comuns de tosse crónica nos adultos não sejam presumidas como sendo as causas mais comuns nas crianças.[12]

• Nas crianças com idade igual ou inferior a 14 anos com tosse crónica, recomenda-se que a sua idade e o contexto clínico (por exemplo país e região) sejam tidos em consideração aquando da avaliação e gestão da tosse crónica.[12]

• Nas crianças com idade igual ou inferior a 14 anos com tosse crónica, sugere-se que os estudos clínicos que visam avaliar as suas etiologias utilizem resultados de tosse validados, definição de respostas e de diagnósticos à priori e considerem um período de seguimento.[12]

• Sugere-se que as crianças com idade igual ou inferior a 14 anos com tosse crónica e com a suspeita de síndrome da apneia obstrutiva do sono sejam avaliadas de acordo com as guidelines do sono.[12]

Apesar de apenas um estudo ter especificamente procurado diferentes etiologias de acordo com o contexto clínico, ficou claro que os estudos baseados nos contextos clínicos menos frequentes apresentaram diferentes etiologias, com a tuberculose mais frequentemente reportada. Num estudo indiano, a eosinofilia pulmonar também foi relativamente frequente (3ª etiologia mais comum), o que está provavelmente relacionado com os parasitas gastrointestinais que são mais prevalentes em determinadas regiões.[12]

Um estudo mostrou que a síndrome da apneia obstrutiva do sono e a tosse eram mais comuns num grupo de crianças com rinossinusite crónica. De facto, existem

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19 poucos dados sobre a relação entre a tosse crónica e a síndrome da apneia obstrutiva do sono nas crianças. Dado que as infeções são por vezes encontradas nas crianças com rinossinusite, é possível que a tosse nestes casos seja provocada pela bronquite bacteriana prolongada.[12]

Assim, esta revisão sistemática concluiu que existe evidência de moderada qualidade de que as etiologias mais comuns de tosse crónica nas crianças são diferentes das dos adultos e que estas são dependentes da idade e do contexto clínico. Apesar dos estudos abrangidos incluírem crianças até aos 18 anos, permanece pouco claro qual o limite de idade (12 ou 14 anos) que deve ser usado para estratificar os protocolos das crianças e dos adultos. No campo da tosse, existem muitas razões que sustentam uma idade cut-off para fazer esta diferenciação, pois existem diferenças fisiológicas que influenciam os fatores etiológicos, as medidas de resultados e os testes de investigação relevantes para as crianças quando comparadas com os adultos. Com base na informação existente, o limite de idade para o uso de protocolos específicos para as crianças deve ser no mínimo os 12 anos. Neste momento, sem mais dados adicionais, não se consegue concluir qual o limite de idade que apresenta maior validade.[12]

Após a compreensão de que a prevalência das etiologias da tosse crónica nas crianças varia entre os estudos e que é dependente de vários fatores, incluindo a idade e o contexto clínico, vou passar a descrever de forma resumida as suas principais causas.

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20 Infeções recorrentes do trato respiratório e Tosse pós-infeciosa

Os episódios recorrentes de infeções respiratórias são, para a grande maioria dos estudos, a principal causa de tosse crónica nas crianças saudáveis, especialmente naquelas em idade pré-escolar. Se a criança não recuperar completamente de uma infeção respiratória prévia e for infetada por um vírus diferente, a tosse irá tornar-se prolongada. Estas infeções respiratórias altas são geralmente episódicas, aumentam de frequência durante o inverno e estão associadas a grandes aglomerados populacionais, à exposição a poluição ambiental e à permanência em creches. A sua frequência anual é de cerca de 5 a 8 episódios nas crianças até aos 4 anos, diminuindo para 2,5 a 5 episódios entre os 10 e os 14 anos. Dentro dos patogéneos mais frequentes, foram identificados o rinovírus (32%), a Bordetella pertussis (17%) e o vírus sincial respiratório (11%). Também foram descritos casos de infeções mistas, sobretudo nas crianças mais velhas.[14] Estes dados são corroborados por outros estudos que afirmam

que a causa de tosse mais comum nas crianças são as infeções virais[5], sobretudo em idade pré-escolar, onde este sintoma é esmagadoramente provocado por infeções e anomalias congénitas.[2]

A tosse pós-infeciosa normalmente dura entre 3 e 8 semanas, tendo sido detetada em cerca de 40% de crianças em idade escolar que continuaram a tossir 10 dias depois de uma simples infeção respiratória.[14] Estudos demonstraram que crianças em idade pré-escolar podem ter até 8 a 10 episódios destas infeções por ano, sendo que a tosse pode durar mais de 2 semanas.[5] Adicionalmente, noutros estudos foi ainda descrito que podem existir 5 a 8 episódios por ano, sendo que a tosse desaparece numa média de 3 semanas. Contudo, em 10% dos casos, pode durar até aos 25 dias.[6]

Pensa-se que a sua etiologia se deve à disrupção epitelial e à inflamação por neutrófilos e linfócitos. A inflamação da mucosa promove a produção de muco, estimulando os recetores da tosse e a limpeza da via aérea. As infeções por Mycoplasma devem ser sempre consideradas nas crianças em idade escolar e nos adolescentes.[14]

De facto, uma em cada dez crianças saudáveis com tosse aguda provocada por uma infeção respiratória alta encontra-se ainda a tossir passadas 3 semanas, sendo a maior parte destes casos rotulados como tosse pós-infeciosa[4] possivelmente devido a uma infeção por Mycoplasma pneumoniae, Bordetella pertussis, Chlamydhophila pneumoniae ou vírus, como vírus sincial respiratório, influenza, parainfluenza e

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21 adenovírus.[2] Algumas crianças têm tendência para desenvolver hipersensibilidade dos recetores da tosse após uma infeção respiratória alta, sendo que esta hipersensibilidade se pode prolongar por semanas ou meses. A maior parte destes casos resolve espontaneamente, sendo contudo importante confirmar a sua resolução.[4]

Quanto à tosse convulsa, em alguns países continua a ser a doença bacteriana potencialmente prevenida por vacinação pior controlada.[8] É provocada pela bactéria Bordetella pertussis, altamente contagiosa e, portanto, importante em termos de saúde pública. Contudo, outros microrganismos também já foram descritos como potenciais causadores.[15] Corresponde assim a uma única infeção respiratória e manifesta-se por acessos de tosse que se seguem à infeção inicial e se podem prolongar mesmo após a resolução da doença.[14] Esta é uma tosse que tipicamente interfere com o sono e que por vezes está associada a náuseas ou vómitos após os acessos.[15] Normalmente, a sua resolução é lenta, por um período que pode chegar aos 6 meses. Esta infeção deve ser suspeitada nas crianças que entraram em contacto com outras doentes, mesmo que tenham sido vacinadas, visto que a falência parcial da vacina já foi reportada.[14] Tem-se

verificado um aumento da falência da imunização e uma aparente diminuição da duração da eficácia da vacina.[15] Quando os bebés são infetados, por vezes é necessária hospitalização. O tratamento é feito com macrólidos, que eliminam a infeção mas são incapazes de alterar o curso natural da tosse.[15] Várias estratégias de vacinação têm sido sugeridas para prevenir a tosse convulsa, incluindo a vacinação dos recém-nascidos, crianças em idade pré-escolar e escolar, adolescentes, adultos, profissionais de saúde, cuidadores de crianças ou grávidas.[8]

Os dados sobre prevalência, história natural, desenvolvimento e preditores de tosse crónica após uma infeção respiratória aguda são escassos. Posto isto, está em curso um estudo prospetivo em crianças com tosse aguda que se apresentaram no serviço de urgência, com o principal objetivo de determinar a prevalência e os preditores de tosse crónica após a apresentação com infeção respiratória aguda. Para isso, estas foram seguidas durante 28 dias após a ida ao serviço de urgência para verificar o estado da tosse após a infeção respiratória aguda. Acredita-se que os futuros resultados deste estudo irão contribuir para o desenvolvimento de guidelines baseadas na evidência que melhorarão a deteção precoce e a gestão da tosse crónica nas crianças durante e após as infeções respiratórias agudas.[16]

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22 Asma e Asma variante tosse

Um processo inflamatório do trato respiratório está associado a uma hiperatividade do reflexo da tosse e uma hiperatividade brônquica, podendo conduzir a asma ou estar associado com tosse crónica. Inúmeros mediadores pró-inflamatórios libertados nas vias aéreas dos asmáticos ativam os neurónios aferentes primários. Neste contexto de sensibilização dos neurónios periféricos, a tosse pode ser um sintoma de uma exacerbação da asma. Na verdade, muitos estudos têm demonstrado uma relação estreita entre a sensibilidade do reflexo da tosse e a infiltração eosinofílica das vias aéreas. Está descrito que, nas crianças asmáticas com tosse intensa, a sensibilidade do reflexo da tosse está aumentada durante a fase aguda grave, diminuindo depois para níveis semelhantes aos das crianças asmáticas mas sem tosse.[7]

Para alguma bibliografia, a asma é a principal causa de tosse crónica nas crianças.[7] A sibilância é tradicionalmente o sintoma mais frequente na asma. Contudo, um estudo identificou a tosse como sendo um sintoma tão frequente como a sibilância, sendo que foi registado como único sintoma em apenas 6% das crianças estudadas. O teste de diagnóstico mais eficaz para identificar a asma que se manifesta como tosse crónica é um curto período de corticoides orais, durante 7 a 10 dias. Todavia, existem poucos dados que suportem uma dose recomendada específica.[15]

A asma variante tosse é um fenótipo particular caracterizado pela presença de tosse em vez de sibilância, sendo esse o único sintoma.[7] Contudo, é preciso ter a noção de que a maior parte das crianças com tosse crónica não específica não sofrem de asma.[5] O mecanismo neste caso parece ser um aumento da sensibilidade do reflexo da tosse.[14] Nestes doentes também foi demonstrada hiper-reatividade brônquica, sendo que muitos deles apresentam algumas características típicas de asma alérgica como a presença de atopia, ligeira inflamação eosinofílica e remodelação das vias aéreas. Este tipo de asma responde ao tratamento com broncodilatadores, corticoides inalados e antagonistas dos leucotrienos.[7] Como forma de diagnóstico, podem utilizar-se os corticoides inalados para averiguar se a tosse crónica cede ou não a este tipo de medicação. Se não responder, não será asma; se responder, pode ou não ser, sendo que uma segunda resposta positiva a esta medicação faz o diagnóstico.[4]

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23 Bronquite bacteriana prolongada

Até há pouco tempo, esta era uma causa de tosse crónica pouco estudada e subdiagnosticada.[5] No entanto, nos últimos anos verificou-se um aumento da atenção prestada a esta entidade, visto que foi considerada por vários estudos como a principal causa de tosse crónica produtiva nas crianças, sobretudo em idade pré-escolar.[2]

É definida como uma tosse crónica produtiva secundária a uma infeção das vias aéreas, na ausência de doenças respiratórias de base e após exclusão de outros diagnósticos, que resolve com tratamento antibiótico a longo prazo. Os microrganismos tipicamente associados são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis sendo que, nalguns casos, mais do que um patogéneo pode ser isolado.[5] Foi feito um estudo em bebés saudáveis que reportou um aumento de 21% para 71% na colonização bacteriana da hipofaringe com estas mesmas bactérias durante o primeiro ano de vida. Muitos mecanismos podem estar envolvidos na migração tardia e na colonização das vias aéreas inferiores por estes agentes, incluindo imaturidade anatómica e microbiológica, modificações anatómicas da laringe, malácia das vias aéreas e nutrição. A composição da flora da nasofaringe é influenciada não apenas pela idade, mas também pelo contexto socioeconómico. Tal como acontece na otite média, estes microrganismos podem estar associados entre si, formando um complexo biofilme polimicrobiano, onde as suas combinações aumentam a doença ou predispõem à colonização do hospedeiro por co-infeções. De facto, as infeções virais das vias áreas superiores predispõem à colonização do hospedeiro por infeções bacterianas, aumentando a aderência das bactérias à superfície das células. Para além disso, as pré-infeções por vários vírus alteram as propriedades fisiológicas das vias aéreas infetadas e modulam as respostas imunitárias inata e adaptativa. Alterações das respostas imunes nas crianças com bronquite bacteriana prolongada já foram reportadas.[2]

A idade de início desta patologia é tipicamente, mas não exclusivamente, durante o primeiro ano de vida. A expectativa da cessação dos sintomas de forma espontânea, a ausência de febre e o desenvolvimento e crescimento aparentemente normais das crianças são razões apontadas para frequentes atrasos na sua referenciação.[15] A apresentação clínica característica é resumida na tabela seguinte.

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24 Figura 6 – Perfil clínico da bronquite bacteriana prolongada.[2]

O diagnóstico definitivo é dado pela broncoscopia e pelo lavado broncoalveolar,[5] no qual pode ser detetada a presença de neutrofilia. O adenovírus é o vírus mais provável de ser encontrado no lavado.[8] A broncoscopia pode permitir a visualização do colapso dinâmico da traqueia ou dos brônquios (traqueo ou broncomalácia), que está presente em 74% das crianças com bronquite bacteriana prolongada. A malácia das vias aéreas provavelmente contribui para a retenção de bactérias e para a inflamação associada por interferir com a limpeza do muco desde a via aérea distal até à zona do colapso dinâmico[15] – associação primária. Contudo, esta associação também pode ser secundária, visto que a malácia pode ocorrer como consequência da intensa inflamação das vias aéreas.[17] A espirometria e a radiografia de tórax tipicamente não apresentam alterações.[4]

Contudo, pode ser tentada a administração de antibióticos por um período entre as 2 e as 4 semanas para averiguar a resolução da clínica, sem ser necessário recorrer à broncoscopia.[5] Uma resposta positiva ao tratamento completo com antibióticos apropriados, com o retorno das crianças ao seu estado saudável, confirma o diagnóstico e torna as investigações adicionais desnecessárias. Todavia, quando os episódios se tornam recorrentes ou quando não há resposta ao tratamento, é necessária investigação adicional para excluir outras doenças que também se podem manifestar com tosse produtiva.[4] Alguns doentes com bronquites bacterianas prolongadas recorrentes necessitam de ciclos longos e repetidos de antibióticos. Por essa razão, certos autores admitem a possibilidade de tratamento a longo prazo com antibióticos inalados.[5] Verificou-se a resolução desta entidade num significativo número de crianças após tratamento de 2 semanas com amoxicilina e ácido clavulânico oral.[2]

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25 Este tipo de patologia é responsável por uma considerável (e por vezes subdiagnosticada) morbilidade, como o aparecimento de bronquiectasias e de doença pulmonar supurativa crónica,[6] apesar destas associações ainda permanecerem incertas.[4] De facto, foi demonstrado que uma inflamação neutrofílica predominante das vias aéreas e a presença de sintomas de longa duração estão associados à deteção de anomalias graves na TC de tórax, nomeadamente bronquiectasias. Está provado que as infeções bacterianas provocam uma resposta neutrofílica exagerada e incontrolável e que a complexa interação entre as infeções bacterianas e a inflamação das vias aéreas, em adição à libertação de substâncias pelos tecidos danificados, leva a uma progressiva lesão que pode originar as bronquiectasias. A variabilidade individual da resposta inata pode ajudar a explicar porque é que nem todos os indivíduos expostos a estes desencadeantes desenvolvem bronquiectasias.[8]

Os estudos da década passada demonstraram novos dados relativos ao importante papel das infeções bacterianas baixas no desenvolvimento de doença pulmonar obstrutiva crónica. Contudo, permanece em discussão se esta associação reflete uma relação causa-efeito. Por isso, mais estudos serão necessários para investigar se de facto a bronquite bacteriana prolongada é um fator de risco para a doença pulmonar obstrutiva crónica nos adultos.[2]

Síndrome da tosse das vias aéreas superiores

Esta é uma causa de tosse crónica nas crianças que não é aceite por toda a bibliografia como sendo uma das mais comuns.[4] É uma das principais causas de tosse crónica nos adultos, contudo é menos frequente na população pediátrica. Deve-se a uma estimulação mecânica do ramo aferente do reflexo da tosse nas vias aéreas superiores pelas secreções que descem do nariz e/ou dos seios perinasais. Nas crianças em idade pré-escolar, é normalmente causada por infeções de repetição provocadas por uma hipertrofia das amígdalas e/ou otites seromucosas.[5]

Por outro lado, outras referências afirmam que esta patologia tem uma alta prevalência em idade pediátrica (até 14,6%).[7] Existe mesmo a indicação de que esta é a causa mais comum de tosse crónica nas crianças com mais de 6 anos de idade. A sua etiologia pode ser alérgica ou não alérgica, sendo que geralmente os doentes apresentam

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26 um bom estado geral. Os anti-histamínicos e os descongestionantes nasais são recomendados por alguns estudos, no entanto estes não devem ser prescritos a crianças com menos de 6 anos de idade.[6]

As anomalias específicas relacionadas com esta síndrome são: rinite alérgica e não alérgica, rinite não alérgica com eosinofilia, rinite pós-infeciosa, sinusite bacteriana, sinusite alérgica fúngica, anomalias anatómicas, rinite química ou irritativa e rinite medicamentosa. Os ramos aferentes do nervo vago estão localizados na faringe posterior. Por isso, qualquer anomalia que afete esta área pode despoletar a tosse, incluindo as secreções nasais, que possuem capacidade inflamatória e de estimulação mecânica direta dos recetores. Este mecanismo também se pode aplicar nas crianças com infeções respiratórias banais que sofrem de rinorreia posterior e consequente estimulação do reflexo da tosse. Outros irritantes para além do muco também podem estimular estes recetores, incluindo mudanças de temperatura ou de humidade.[14]

O diagnóstico desta entidade baseia-se na história clínica e no exame objetivo, sendo os exames de imagem na maioria dos casos desnecessários. Em relação à terapêutica, os doentes refratários aos anti-histamínicos podem beneficiar do uso de corticoides inalados (indicados em crianças com mais de 2 anos) e/ou anticolinérgicos nasais (indicados em crianças com mais de 5 anos).[14]

Doença do refluxo gastroesofágico

O refluxo gastroesofágico é um evento fisiológico que acontece em crianças saudáveis, estando presente em 40% a 65% dos bebés saudáveis. O seu pico ocorre do primeiro ao quarto mês de vida, resolvendo espontaneamente aos 12 meses. Torna-se uma doença quando é acompanhado por sintomas (por exemplo apneia, bradicardia ou tosse), quando se verifica dano da mucosa ou complicações físicas. A disfunção do esfíncter esofágico inferior é a principal causa, mas a deficiente limpeza do ácido também pode desempenhar um papel importante.[14]

Esta entidade pode estimular o reflexo da tosse por dois mecanismos: (micro) aspirações agudas ou crónicas para as vias aéreas de material que sofreu refluxo; ativação de ramos aferentes do nervo vago no esófago, que podem diretamente estimular a tosse ou, de forma mais provável, levar a uma hiperexcitabilidade do seu

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27 reflexo ao nível do tronco cerebral.[7] A irritação do nervo vago resulta numa resposta parassimpática, que produz broncoconstrição e estimula a tosse. Outra hipótese propõe que a acidificação da porção distal do esófago estimula os recetores da tosse presentes na mucosa.[14]

Nos adultos, é largamente aceite como uma das principais causas de tosse crónica e responde ao tratamento de longo prazo com inibidores da bomba de protões. Contudo, nas crianças, esta relação de causa-efeito é mais difícil de provar. No entanto, estão descritos casos de crianças com tosse crónica e outros sintomas desta doença que responderam ao tratamento anti refluxo, o que parece demonstrar que, em casos selecionados, esta terapêutica pode ser útil.[4] O que é facto é que a relação da tosse crónica com a doença do refluxo gastroesofágico permanece controversa nas crianças e, por isso. as guidelines pediátricas não recomendam o seu tratamento empírico.[7]

No diagnóstico do refluxo ácido, a pHmetria de 24h mostrou-se sensível e específica, enquanto que a impedância é necessária para o diagnóstico do refluxo não ácido.[5]

Apesar da presença de sintomas sugerindo doença do refluxo gastroesofágico (como regurgitações frequentes, azia, vómitos, dor abdominal e disfagia) ser um indicador de confiança, a sua ausência não exclui que este diagnóstico seja a causa da tosse crónica. Para além disso, como uma grande variedade de estímulos pode induzir tosse nas crianças, é por vezes difícil demonstrar que uma melhoria clínica das manifestações respiratórias seja resultado do tratamento com medicação antiácida ou com inibidores da bomba de protões. De facto, um estudo concluiu que os inibidores da bomba de protões não são eficazes no tratamento da tosse associada a sintomas desta doença nas crianças mais jovens (incluindo bebés). Foi também demonstrado que não só o refluxo ácido, mas também o não ácido, podem estar associados a sintomas respiratórios, incluindo a tosse.[18]

Em 2013 foi levado a cabo um estudo em 106 crianças com tosse crónica inexplicada, que teve como principal objetivo avaliar se a proporção do refluxo ácido (pH <4) e fracamente ácido (pH 4-7) precedendo os ataques de tosse pode ser diferente nos bebés e nas crianças em idade pré-escolar e escolar. Para isso, as crianças foram divididas em três grupos: A (<2 anos), B (2-6 anos) e C (>6 anos).[18]

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28 70% das crianças da população em estudo manifestaram sintomas de doença do refluxo gastroesofágico, sem diferenças entre os três grupos. O rácio do refluxo ácido/ fracamente ácido foi significativamente mais baixo no grupo A. Em 78% das crianças, os episódios de tosse foram precedidos por episódios de refluxo detetados pela impedância, o que representa uma associação clinicamente significativa. Uma alta proporção de tosse precedida por refluxo fracamente ácido foi detetada nos bebés. A tosse precedida por refluxo ácido apresentou uma frequência que aumentou significativamente com a idade das crianças.[18]

Desta forma, este estudo mostrou uma grande proporção do refluxo ácido em relação ao fracamente ácido nas crianças em idade pré-escolar e escolar, mas não nos bebés. Nesta última população, mais de 50% dos episódios de tosse foram precedidos pelo refluxo fracamente ácido. Ficou assim demonstrado que, nesta faixa etária, o refluxo não ácido pode ser um importante preditor de sintomas respiratórios, o que pode explicar os efeitos inconstantes dos inibidores da bomba de protões e dos bloqueadores H2 nos sintomas respiratórios e também o porquê das modificações do estilo de vida,

incluindo os ajustes posturais e da alimentação, parecem ser mais benéficos. Estes achados podem ser importantes na medida em que a prevalência de doenças respiratórias específicas (ou o risco de as desenvolver) pode ser diferente nas crianças com uma alta prevalência de refluxo fracamente ácido em relação ao ácido. Concluiu-se assim que, para além do refluxo ácido, também uma significativa proporção do refluxo fracamente ácido pode preceder os episódios de tosse nas crianças mais jovens.[18]

O refluxo gastroesofágico está altamente associado a manifestações extraesofágicas, como por exemplo rouquidão crónica, laringite, otite média, tosse crónica, bronquite recorrente, pneumonia e doença pulmonar obstrutiva crónica. Mais recentemente, em 2016, foi publicado outro estudo feito em 150 crianças, com o objetivo de avaliar a relação entre a tosse crónica e o refluxo ácido e fracamente ácido, determinados pela monitorização por impedância de 24h e determinar ainda se esta associação é dependente da idade.[19]

Cerca de 83,3% das 150 crianças tinha tosse associada ao refluxo, das quais 56% provocada por refluxo ácido e 81,3% por refluxo fracamente ácido. As crianças até aos 2 anos de idade apresentaram um número significativamente maior de episódios de tosse associados com o refluxo, especialmente com o refluxo fracamente ácido.

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29 Verificou-se também que o aumento da idade das crianças diminuía o risco de uma completa associação entre os episódios de tosse e o refluxo.[19]

Desta forma, este estudo confirmou que a tosse está associada com o refluxo gastroesofágico nas crianças, especialmente com o fracamente ácido. Esta associação é especialmente importante nas crianças mais pequenas, nas quais o refluxo fracamente ácido é mais comum. Contudo, este estudo não demonstrou relação entre o refluxo ácido e a tosse em nenhum grupo etário (mesmo nas crianças mais velhas).[19]

Assim, o achado mais importante foi que o refluxo fracamente ácido precede a tosse mais frequentemente do que o refluxo ácido nas crianças de todas as idades, sendo esta associação mais forte nas crianças mais pequenas. A razão porque isso acontece é fisiológica. Durante a infância, o conteúdo gástrico é protegido pela alimentação frequente, composição e volume dos variados alimentos. Estas conclusões podem ter importantes implicações terapêuticas, pois podem explicar os resultados inconsistentes da terapêutica anti ácida nos sintomas respiratórios, que podem ser melhor controlados pelas modificações dos estilos de vida.[19]

Como conclusão, a monitorização por impedância de 24h deve ser recomendada para a avaliação das crianças com tosse crónica relacionada com o refluxo, pois o refluxo fracamente ácido mais provavelmente precede a tosse, sendo que este não pode ser detetado pela pHmetria de 24h.[19]

Síndrome da tosse somática e tique da tosse

As doenças funcionais respiratórias nos doentes pediátricos são difíceis de diagnosticar e são frequentemente rotuladas como asma ou síndrome da tosse das vias aéreas superiores. Este tipo de patologias ocorre menos frequentemente nos rapazes e geralmente incidem nas crianças em idade escolar ou na adolescência. Podem ser muito alarmantes para os pais, professores e outras pessoas que observam, mas os doentes geralmente permanecem indiferentes.[5]

Este tipo de tosse normalmente não interfere com a alimentação ou com as atividades e está ausente durante o sono. Pode ocorrer em até 10% das crianças com tosse crónica de etiologia desconhecida e que não respondem aos tratamentos.[6] Os

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30 sintomas podem ser precipitados por uma infeção viral e muitas vezes estão associados a um ganho secundário, como por exemplo o absentismo escolar.[14] Apesar da ausência de bases orgânicas para a tosse, as crianças podem sofrer morbilidade considerável, incluindo absentismo escolar, isolamento social e uso frequente de terapêuticas farmacológicas ineficazes.[15]

A tosse psicogénica deve ser incluída no diagnóstico diferencial da asma difícil de controlar, de forma a evitar erros de diagnóstico e tratamentos inadequados. Normalmente ocorre nas crianças com menos de 18 anos, com uma predominância nas raparigas. O diagnóstico é de exclusão, depois de não ter sido encontrada uma causa orgânica após uma história clínica completa, exame objetivo e análises laboratoriais.[20]

Este tipo de tosse tem características especiais: é ruidosa, explosiva ou violenta, aumentando quando a atenção está focada na criança ou quando a palavra “tosse” é mencionada. Normalmente é não produtiva, refratária ao tratamento com múltiplos fármacos, ocorre quando as crianças estão acordadas e desaparece na ausência dos pais ou do médico. Pode gerar elevada angústia e ansiedade na família e na comunidade escolar, provocando disrupção no relacionamento com todas as pessoas à volta da criança. Ao exame objetivo, os doentes apresentam um bom estado geral.[20]

Depois de excluir causas orgânicas, são necessárias avaliações psicológicas e psiquiátricas para estabelecer o diagnóstico correto e o tratamento. É uma entidade que apresenta bom prognóstico se for diagnosticada e tratada precocemente. Esta doença é considerada uma manifestação do sistema respiratório de uma disfunção autonómica somatoforme. Em muitos doentes, fatores de stress psicológico podem ser detetados.[20]

O tratamento de sucesso é baseado no reconhecimento da causa e no uso de diferentes formas de terapia cognitiva e comportamental. O seguimento dos doentes geralmente mostra que a tosse não é substituída por outros sintomas ou tiques após uma intervenção de sucesso.[20]

Em 2015 foi feita uma revisão sistemática sobre a gestão da tosse psicogénica[21] com o objetivo de atualizar as recomendações das guidelines de 2006.[9] Estas últimas afirmavam que o diagnóstico desta entidade só poderia ser feito quando outras doenças, incluindo condições raras, fossem excluídas e se a tosse melhorasse após modificação de comportamentos ou após terapêutica psiquiátrica. Assim, dentro das novas recomendações, destacam-se:[21]

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31 • Nas crianças com tosse crónica, sugere-se que a presença ou ausência de tosse noturna não deve ser utilizada para diagnosticar ou excluir tosse psicogénica ou hábito da tosse.[21]

• Nas crianças com tosse crónica que permanece medicamente inexplicável após uma avaliação baseada na evidência mais atual, recomenda-se que o diagnóstico do tique da tosse seja feito quando o doente manifestar as principais características clínicas dos tiques, que incluem distratibilidade, variabilidade, o facto de serem sugestionáveis e a presença de uma sensação premonitória, quer a tosse seja isolada ou apenas um de vários tiques.[21]

• Nas crianças com tosse crónica, sugere-se que os termos hábito da tosse e tosse psicogénica sejam abandonados e substituídos por tique da tosse e síndrome da tosse somática, respetivamente.[21]

• Sugere-se que o diagnóstico de síndrome da tosse somática só pode ser feito após uma extensa avaliação que exclua doenças relacionadas com tiques e causas menos frequentes. Nas crianças com este diagnóstico, sugerem-se ensaios não farmacológicos de hipnose, terapia sugestionável ou referenciação a um psicólogo e/ou psiquiatra.[21]

Os resultados deste estudo revelaram apenas evidência de baixa qualidade que suporte como se deve definir ou diagnosticar a tosse psicogénica ou o hábito da tosse, sem critérios de diagnóstico validados. Em relação ao tratamento da tosse psicogénica, as intervenções farmacológicas mostraram-se ineficazes, enquanto que várias terapêuticas não farmacológicas (por exemplo hipnose, terapia sugestionável), ou combinações de aconselhamento, técnicas de relaxamento, referenciação a psicólogo, psiquiatra e medicação apropriada (tranquilizantes, ansiolíticos e antidepressivos) foram sugeridos como sendo potencialmente úteis nas crianças. Devido a todas as limitações, este estudo apenas concluiu que existe evidência de baixa qualidade que suporte qualquer tratamento da tosse psicogénica ou hábito da tosse, sendo que só se sugere esta terapêutica para as crianças em que se acredita que de facto sofram desta entidade.[21]

Comparando com as guidelines de 2006[9], a maior mudança nas recomendações

atuais foi o abandono dos termos hábito da tosse e tosse psicogénica por serem desatualizados e imprecisos, apesar da evidência para esta mudança, neste momento, ser de baixa qualidade. Apesar das restantes recomendações serem semelhantes às de 2006[9], a força da evidência das recomendações e sugestões desta guideline aumentou.[21]

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32 Etiologias no âmbito da otorrinolaringologia

A tosse crónica na criança é um sintoma comum na prática clínica pediátrica da otorrinolaringologia. A revisão da literatura já tinha demonstrado que as condições típicas que causam tosse crónica vistas pelo otorrinolaringologista diferem das que são vistas pelo médico dos cuidados de saúde primários.[22]

Em 2015 foi realizado um estudo de investigação em 58 crianças, com o objetivo de caracterizar os doentes pediátricos com tosse crónica que se apresentaram inicialmente na consulta de otorrinolaringologia, de forma a identificar as causas mais comuns, os tratamentos a que foram submetidas e os resultados dos mesmos.[22]

As três causas mais frequentemente diagnosticadas pelos otorrinolaringologistas foram infeções (34%), hiper-reatividade das vias aéreas (asma - 24%) e doença do refluxo gastroesofágico (24%). Dentro dos processos infeciosos, os mais comuns foram as infeções do trato respiratório superior e/ou síndrome da tosse das vias aéreas superiores, sinusite (aguda e crónica) e as infeções do trato respiratório inferior. Nos doentes com doença do refluxo gastroesofágico, a laringoscopia flexível mostrou-se útil, juntamente com o exame objetivo, ajudando a confirmar ou a excluir o diagnóstico. Os achados da laringoscopia flexível, combinados com os sintomas apropriados, permitiram tratar empiricamente as crianças com terapêutica anti refluxo quando este parecia ser o diagnóstico mais provável. Esta abordagem resultou na melhoria de 13 das 14 crianças nas quais se suspeitava que sofressem desta doença. Contudo, neste estudo, esta entidade foi diagnosticada apenas com base na suspeita clínica e nos achados inespecíficos da laringoscopia, sendo que a sua taxa de deteção e sucesso terapêutico podem estar sobrestimados. Para verificar o seu verdadeiro papel na tosse crónica era necessário proceder ao diagnóstico usando os métodos goldstandart.[22]

Outras causas identificadas neste estudo foram laringomalácia, rinite alérgica e hábito da tosse. No geral, a precisão do diagnóstico inicial feito pelos otorrinolaringologistas foi alta em comparação com o diagnóstico final.[22]

83% das 58 crianças responderam ao tratamento inicial, enquanto que os restantes 17% necessitaram de investigação adicional, sendo todos eles diagnosticados com asma. Neste grupo de doentes que não respondeu ao tratamento inicial, a radiografia de tórax foi pedida um maior número de vezes e continha alterações

Imagem

Figura 1 – Classificação dos tipos de tosse crónica na criança. [9]
Figura 2 – Indicadores da presença de tosse específica. [9]
Figura 4 – Causas mais frequentes de tosse crónica na criança de acordo com a idade. [14]
Figura 9 – Abordagem das crianças com idade &lt;15 anos com tosse crónica. [9]
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