• Nenhum resultado encontrado

A regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior do estado da Bahia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior do estado da Bahia"

Copied!
134
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

Rua Barão de Geremoabo, nº 147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA

Tel.: (71) 3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br

TELMA SOUZA BISPO ASSIS

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO

PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Salvador 2011

(2)

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO

PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística. Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte

Salvador 2011

(3)

Sistema de Bibliotecas – UFBA

Assis, Telma Souza Bispo.

A regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior do estado da Bahia / Telma Souza Bispo Assis. - 2011.

134 f.

Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2011.

1. Língua portuguesa - Verbos. 2. Língua portuguesa - Regência. 3. Língua portuguesa - Português falado - Bahia. 4. Língua portuguesa - Preposições. 5. Contatos lingüísticos - Brasil. I. Ramacciotte, Dante Eustachio Lucchesi. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.

CDD - 469.83

CDU - 811.134.3’367.625

(4)

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO

PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________________ Professor Doutor Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte – UFBA (Orientador)

__________________________________________________________________________ Professora Doutora Norma da Silva Lopes - UNEB

__________________________________________________________________________ Professora Doutor Alan Normam Baxter – UFBA

(5)
(6)

Depois desse árduo trabalho que é a escrita de uma dissertação, agora, aproximam-se as etapas finais. Nesse momento, se faz necessário agradecer a cada pessoa pelo carinho dispensado a mim, o incentivo frequente nos momentos mais difíceis, e principalmente por ter acreditado que era possível o término desse trabalho. Sozinha, certamente, eu não teria êxito. Agradeço, primeiramente, a Deus, onipresente em todas as horas de angústias e alegrias; e com sua infinita bondade ajudou-me a enfrentar todos os obstáculos.

Meus pais, José Cândido e Terezinha, agradecer é pouco frente ao apoio incondicional em todos os momentos da minha vida, ambos pedindo a Deus para guiar sempre meu caminho por águas tranquilas. Amplio os agradecimentos aos demais familiares irmãos, tias(os), primos(as), cunhadas(os), e aos meus queridos sogros, Lourival e Virgínia, que sempre estiveram preocupados com a minha felicidade e entenderam a minha ausência nas reuniões familiares.

Agradeço imensamente a meu companheiro de longas datas, Cristiano Assis, primeira pessoa que disse “você consegue, eu acredito!”. Acreditou em mim quando nem eu mesma acreditava.

Às minhas amigas eternas, Elisângela Mendes, Gilce Almeida, Lanuza Lima, Luanda Figueiredo, Vívian Antonino, Viviane Deus, o meu muito obrigada, sem vocês eu não conseguiria. Vocês cederam seus lares para uma maior concentração para a produção textual e revisaram constantemente meus fragmentos de textos. Estendo meus agradecimentos às minhas colegas do Projeto Vertentes: Camila, Manuele, Shirley e Renata sempre colaboradoras nos momentos necessários.

A meu orientador, Dante Lucchesi, pelo encaminhamento para os estudos sociolingüísticos que tanto detenho interesse e pela compreensão neste longo percurso.

Às colegas do Colégio Estadual Manoel de Jesus, Italva Suzart e Sumaya Sá, meus sinceros agradecimentos pela imensa compreensão nesse momento tão difícil e também por fazerem parte desta história.

E por fim, agradeço a todos os demais que me estenderam a mão e concederam uma palavra amiga, o meu muito obrigada.

(7)

A regência, como tudo na língua, a pronuncia, a acentuação, a significação, etc., não é imutável. Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as condições novas da vida (Antenor Nascentes, 1944, p. 49).

(8)

O presente trabalho é parte integrante do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) e se integra no campo de pesquisa sobre a realidade sociolinguística atual do português que busca identificar as resultantes do contato entre línguas na formação linguística do Brasil. Este trabalho apresenta uma análise empírica da regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior da Bahia, descrevendo sistematicamente as escolhas linguísticas dos falantes, as quais são representadas pela variação das preposições a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). O estudo foi realizado dentro dos pressupostos da sociolinguística variacionista. Foram analisadas amostras de fala vernácula que reúnem 48 entrevistas realizadas com falantes de pouca ou nenhuma escolaridade, nos municípios de Poções e Santo Antônio de Jesus, integrantes do Banco de Dados do Projeto Vertentes, estratificadas socialmente com relação ao sexo e à faixa etária, e considerando ainda as seguintes variáveis sociais: escolarização e estada fora da comunidade. Em cada um dos municípios, foram realizadas 24 entrevistas, 12 com moradores da sua cidade sede e 12 da zona rural. O confronto entre o comportamento linguístico da sede do município e da sua zona rural parte da hipótese de que os falantes da sede teriam um comportamento linguístico mais próximo do padrão urbano culto, devido ao crescente processo de difusão linguística a partir das grandes cidades brasileiras, que afetaria primeiramente os falantes dos centros urbanos do interior antes de alcançar a zona rural. Assim, a pesquisa tem por objeto os condicionamentos linguísticos e sociais da variação na regência dos verbos de movimento no português popular do interior do Estado da Bahia. A análise parte do princípio de que a regência variável dos verbos de movimento não acontece de forma aleatória, o que possibilita identificar a influência dos fatores linguísticos e sociais que condicionam e regulam a escolha do falante quanto ao uso da preposição, constituindo um quadro claramente distinto do que preconiza a gramática tradicional: o uso da preposição a, ou mesmo para, em detrimento da preposição em.

(9)

ABSTRACT

The presente work is part of the project Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) and it integrates the research field about nowadays Portuguese’s sociolinguistics reality which intends to indentify the results of contact between languages in the linguistic composition of Brazilian Portuguese. This work presents an empirical analyze of variable regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia, describing systematically of speaker’s linguistic choices, which are represented for preposition’s variation a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). The study was realized within the assumptions of Variational Sociolinguistics. Samples of vernacular Portuguese that make up 48 interviews made with speakers with little or any scholarity in the municipalities of Santo Antonio de Jesus e Poções, were analyzed. The interviews integrate the database of Vertentes Project, socially stratified in relation of gender and age, and considering yet the following social variables: scholarity and stay outside the community. 24 interviews was realized in each municipalities, 12 with residents of host city and 12 of countryside. The confrontation between the linguistic behavior of the host city and your countryside comes from the hypotheses that speakers of the host city have a linguistic behavior closer by urban cult standard, because the increasing process of linguistic diffusion from the Brazilian big cities that first affects the speakers of urban centers of the interior before achieves the contryside. So the research aims the linguistic and social conditionings of variation in the regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia State. The analyze comes from the foundation that the variable regency of the movement verbs doesn’t happen randomly, which enables indentify the influence the linguistic and social factors that conditions and regulates the choice about the use of preposition, making a clearly separate frame of that traditional grammar recommends: the use of a preposition, or para, over em preposition.

Key words: Verbal Regency. Preposition. Sociolinguistics. Popular Portuguese. Contact between languages.

(10)

Gráfico 01 Distribuição das preposições para e em no português popular do interior do estado da Bahia ... 110 Gráfico 02 Influência da faixa etária no uso da preposição para no português

popular do interior do estado da Bahia ... 117 Gráfico 03 Curva sugestiva de mudança na norma urbana culta (fala dos homens)

(RIBEIRO, 1996) ... 117 Mapa 01 Mapa da localização de Santo Antônio de Jesus ... 78 Mapa 02 Mapa da localização de Poções ... 82

(11)

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Variáveis associadas ao espaço (N locativo) (WIEDEMER, 2008) ... 45 Quadro 02 Outras variáveis linguísticas controladas por Wiedemer, 2008 ... 49 Quadro 03 Transmissão / nativização com base em diversos modelos de L2 ... 73 Quadro 04 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Santo Antônio

de Jesus ... 94 Quadro 05 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Santo Antônio

de Jesus ... 94 Quadro 06 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Poções ... 94 Quadro 07 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Poções ... 95

(12)

Tabela 01 Ocorrências do verbo ir com sentido diretivo no CLF (BAGNO, 2002) 49 Tabela 02 Demografia histórica do Brasil (MUSSA, 1991) ... 59 Tabela 03 Crescimento da população integrada no empreendimento colonial e

diminuição dos contingentes aborígenes autônomos (RIBEIRO, 2006 [1995] ... 60 Tabela 04 População escrava brasileira comparada à população global por região

– 1819 e 1872 ... 62 Tabela 05 Percentagem da população urbana brasileira – 1900 a 1980 ... 69 Tabela 06 Indicadores demográficos de Santo Antônio de Jesus/BA ... 81 Tabela 07 Frequência de uso das preposições selecionadas pelo verbo de

movimento no português popular do estado da Bahia ... 107 Tabela 08 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo o verbo de movimento ... 112 Tabela 09 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo a variável material interveniente entre o verbo e o complemento ... 113 Tabela 10 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a natureza do deslocamento ... 115 Tabela 11 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a variável faixa etária do falante ... 116 Tabela 12 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo o sexo do falante ... 119 Tabela 13 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a comunidade de fala ... 121

(13)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALiB Atlas Linguístico do Brasil

Apl. Aplicação BA Bahia Cat. Catalão CD-ROM Compact disc

CENSO Projeto Subsídios Sociolinguísticos do Projeto Censo à Educação

cf. Confira

CLF Corpus de língua falada CV Consoante, vogal

D2 Diálogo entre dois informantes DET Determinante

DID Diálogo entre informante e documentador DOC. Documentador

f. folha

Freq. Frequência

GT Gramática Tradicional HV Helvécia

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INF. Informante

Inq. Inquérito INQ. Inquiridor

L2 Segunda língua

LA Língua alvo

LGA Língua geral Amazônica LGP Língua geral paulista LOC Locativo

MD mini disco Mov. Movimento

N Nome

Nº oc. Número de ocorrência NURC Norma Urbana Culta P.R. Peso Relativo

(14)

PCB Português culto brasileiro PE Português europeu

PEUL Programa de Estudos sobre o Uso da Língua POR Poções (zona rural)

POS Poções (sede)

PPB Português Popular Brasileiro Prep. Preposição

REC Recife

RIO Rio de Janeiro RJ Rio de Janeiro

SAJ Santo Antônio de Jesus

s/d Sem data

SAR Santo Antonio de Jesus (zona rural) SAS Santo Antônio de Jesus (sede)

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia sem prep. Sem preposição

SN Sintagma nominal SN’s Sintagmas nominais SPrep Sintagma preposicional

TOPA programa Todos pela Alfabetização UNEB Universidade do Estado da Bahia V. Mov. Verbo de movimento

VALPB Variação Linguística no Estado da Paraíba VARBRUL Variable Rules (Regras variáveis)

VARSUL Variação linguística urbana da Região Sul vs. versus

(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 18

2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO

LATIM ÀS VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL ... 21 2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO ... 21 2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS

DE MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL ... 24 2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das

línguas românicas ... 25 2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português

brasileiro ... 31 2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO:

ADJUNTOS OU ARGUMENTOS? ... 35 2.4 ANÁLISES SOCIOLINGUÍSTICAS DA VARIAÇÃO NA REGÊNCIA

DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL ... 41 2.4.1 Os condicionamentos estruturais da variação no emprego das

preposições junto aos verbos de movimento no português do Brasil ... 43 2.4.2 A variação na regência dos verbos de movimento no português

afro-brasileiro e nos crioulos de base lexical portuguesa ... 49 2.5 CONCLUSÃO ... 53

3 PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DA BAHIA ... 56 3.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTUGUÊS POPULAR: UMA RESULTANTE

MULTIVETORIAL ... 56 3.1.1 A demografia histórica da população brasileira ... 58 3.1.2 A mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na

conformação do português brasileiro ... 60 3.1.3 O multilinguismo ... 63 3.1.4 A escolarização no Brasil ... 66

(16)

3.2 HIPÓTESES FORMADORAS DO PORTUGUÊS POPULAR ... 71

3.3 AS COMUNIDADES DE FALA E A DINAMICIDADE DE DOIS MUNICÍPIOS DO INTERIOR DA BAHIA ... 76

3.3.1 Cenários da cidade de Santo Antônio de Jesus – Bahia ... 78

3.3.2 Cenários da cidade de Poções – Bahia ... 82

4 TEORIAS E MÉTODOS ... 85

4.1 TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ... 85

4.1.1 A Mudança linguística ... 89

4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ... 93

4.2.1 Constituição da amostra de fala ... 93

4.2.1.1 A estrutura da amostra: as variáveis sociais ... 95

4.2.2 Caracterização das entrevistas ... 97

4.2.2.1 Digitalização e Transcrição das entrevistas ... 98

4.2.3 A base de dados ... 100

4.2.3.1 Caracterização da variável dependente ... 101

4.2.3.2 Ocorrências descartadas ... 102

4.2.4 Suporte quantitativo ... 104

5 ANÁLISES DOS DADOS ... 106

5.1 RESULTADO GERAL DA VARIÁVEL DEPENDENTE ... 107

5.1.1 A regência dos verbos de movimento em algumas variedades do português brasileiro ... 107

5.2 AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS ... 110

5.2.1 A variável verbo de movimento ... 111

5.2.2 A variável material interveniente entre o verbo e o complemento locativo .... 112

5.2.3 A variável natureza do deslocamento ... 114

5.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS ... 115

5.3.1 A variável faixa etária ... 116

5.3.2. A variável sexo do falante ... 118

(17)

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 122 REFERÊNCIAS ... 125

(18)

As observações empíricas feitas pelos pesquisadores acerca do português popular do Brasil (PPB) têm contribuído para o entendimento do português brasileiro (PB) como um todo. Os pesquisadores detêm-se na análise de uma gama variada de fenômenos linguísticos sobre diferentes visões teóricas, todos comprometidos com a ampliação do conhecimento da realidade sociolinguística e sócio-histórica do português brasileiro. São muitas as frentes de trabalho que buscam um mapeamento do comportamento linguístico do falante brasileiro, a exemplo dos projetos de pesquisas desenvolvidos nas universidades federais, estaduais e particulares.

Assim como em qualquer língua humana, a variação apresenta-se como característica intrínseca à estrutura do português brasileiro. Nesse sentido, o uso da preposição associada aos verbos de movimento seria um dos pontos da estrutura dessa língua que exibe um processo de variação: existem várias possibilidades de se dizer o que se diz com a frase Maria foi à praia, sobretudo, na variedade do português popular rural, em que essas possibilidades são mais amplas. Desta forma, o falante pode dizer: (i) Maria foi à praia; (ii) Maria foi na praia; (iii) Maria foi pra/pa praia, (iv) Maria foi até a praia. Assim sendo, observa-se que a variação está localizada no uso alternado das preposições a, em, para e até (e suas contrações) quando associadas aos complementos locativos dos verbos de movimento. Este é o assunto de que trata esta dissertação: a variação na regência dos verbos de movimento (a exemplo dos verbos ir, chegar, levar, sair, voltar, vir), com a discussão dos fatores linguísticos e sociais que interferem na escolha da preposição por parte dos falantes.

Os estudos variacionistas acerca desse tema no PB costumam ter como referência a análise de Mollica (1998[1986]), pioneira na abordagem desse fenômeno. Com base no axioma da Sociolinguística de que a variação não ocorre aleatoriamente, e sim condicionada por fatores linguísticos e extralinguísticos, a análise aqui proposta buscará identificar os contextos favorecedores ao uso das preposições associadas aos verbos de movimento, de tal maneira que os dados estatísticos indicarão as probabilidades de ocorrência de uma determinada preposição.

O primeiro capítulo, intitulado A variação na regência dos verbos de movimento: do latim às variedades atuais da língua portuguesa no Brasil, apresenta uma revisão bibliográfica acerca da variação preposicional da regência dos verbos de movimento. Inicialmente, discutimos a caracterização do fenômeno a partir da perspectiva da tradição normativa. Em seguida, a reflexão detém-se nas preposições que regem os complementos dos

(19)

verbos de movimento, a partir de um percurso histórico que se estende do latim ao panorama atual do português brasileiro. Ao discutir a regência dos verbos de movimento, fez-se necessário trazer à tona a diferenciação entre adjuntos e argumentos na tentativa de esclarecer que esses verbos, tradicionalmente classificados como intransitivos, nos contextos apresentados, comportam-se como verbos transitivos, que precisam ser complementados por um argumento locativo. E, por fim, a partir dos estudos sociolinguísticos de Mollica (1998[1986]), Ribeiro (1996), Vallo (2003), Assis (2006), centramos a discussão na realização do fenômeno no português brasileiro, na tentativa de reunir elementos para uma posterior comparação com os dados obtidos nesta pesquisa.

No segundo capítulo, intitulado Português Popular do Interior da Bahia, faz-se uma apresentação do cenário histórico de formação do português brasileiro, relacionando as etnias do passado à atual população miscigenada do território brasileiro, assim como será mostrado o efeito do contato entre línguas ao longo da história do Brasil. A variedade popular do Português Brasileiro (PB) diferencia-se das demais variedades, por ter sofrido a influência de diversos vetores, dentre eles, vale destacar a demografia histórica da população brasileira, a mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na conformação do português brasileiro, o multilinguismo, a escolarização no Brasil, a urbanização e a industrialização (cf. MATTOS E SILVA, 2008, p. 394; LUCCHESI, 2001, p. 101). A análise refinada de todos esses vetores, seguramente, certifica a visão de uma polarização sociolinguística das normas linguísticas no Brasil proposta por Lucchesi (2001). Considerando a pluralidade de normas existente no Brasil, também serão abordadas neste capítulo as hipóteses de formação deste português popular, dedicando uma maior explicação ao processo de transmissão linguística irregular, que melhor compreende a dinâmica do contato entre línguas no processo histórico da formação linguística do Brasil. Em seguida, designa-se o campo de observação dessa variação, apresentando as comunidades de fala dos municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, ambas localizadas no interior da Bahia.

No terceiro capítulo, intitulado Teorias e Métodos, apresentam-se os pressupostos da Teoria da Variação, liderada pelo linguista William Labov (2008[1972]), que compreende a variação linguística como algo sistematizável e, para isso, procura delimitar os condicionamentos reguladores dessa variação, observando os aspectos linguísticos e extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968]). Em seguida, na seção dos Pressupostos Metodológicos, descrevem-se os caminhos percorridos para o bom desenvolvimento da pesquisa, sendo subdividida em: A constituição da amostra de fala; A caracterização das entrevistas; A base de dados e O suporte quantitativo.

(20)

resultados da análise variacionista do uso de preposições junto aos verbos de movimento, tendo como base empírica os 48 inquéritos do corpus do português popular do interior do Estado que integram o Acervo do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia, ao qual esta pesquisa está vinculada. Primeiramente, faz-se uma demonstração geral da variável dependente, apresentando a frequência de uso das preposições nos contextos analisados, relacionando, sempre que possível, aos resultados obtidos em análises de outras variedades do PB. Posteriormente, refina-se a verificação subdividindo a análise de acordo as variáveis em linguísticas e sociais, e assim saber o encaixamento linguístico e social que dimensiona a variação do fenômeno.

Nas Considerações finais, apresentamos uma síntese do trabalho e dos resultados obtidos, enfatizando os aspectos de maior relevância. Em decorrência disto, tem-se uma expectativa de ampliar o conhecimento do uso concreto da língua no Brasil e no Estado da Bahia, em particular, com os desdobramentos esperados da aplicação desse conhecimento, particularmente nas práticas de ensino de língua portuguesa.

(21)

2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO LATIM ÀS VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

O estudo da variação preposicional da regência dos verbos de movimento requer uma discussão prévia de outras questões correlatas ao tema, como os processos ligados à predicação e à complementação verbal. Nesse sentido, é necessário revisitar alguns conceitos amplamente divulgados pela gramática tradicional, mas que se revelam, quase sempre, imprecisos e equivocados, quais sejam: a regência verbal, a transitividade verbal e a natureza argumental do complemento do verbo de movimento. Além disso, faz-se uma exposição breve da noção de valência verbal a fim de subsidiar a discussão acerca da natureza do elemento locativo.

Neste primeiro capítulo, dividiu-se a revisão da literatura em quatro partes. A primeira é dedicada à caracterização do fenômeno em estudo, a regência verbal, além disso, apresenta considerações críticas a uma visão da tradição gramatical dos verbos de movimento. A segunda seção remete-se à uma análise mais detalhada das preposições que encabeçam os complementos locativos dos verbos de movimento, evidenciando as subseções da tensão entre a prescrição e o uso das preposições nos complementos locativos, além da abordagem histórica. Em seguida, será discutida a questão de as construções locativas relacionadas aos verbos de movimento serem ou não adjuntos adverbiais. Na última seção, será abordada a perspectiva sociolinguística da questão.

2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO

Entende-se por regência a relação de dependência que as palavras mantêm entre si na frase. A palavra dependente denomina-se regida, e o termo a que ela se subordina, regente. Quando o termo regente é um verbo, a relação que se estabelece entre ele e seu complemento chama-se regência verbal (CUNHA; CINTRA, 1985; FARACO; MOURA, 1998; ALMEIDA, 1999).

Consoante Cunha e Cintra (1985, p. 505), as relações de regência podem ser indicadas: i) pela ordem por que se dispõem os termos na oração; ii) pelas preposições, cuja função é justamente a de ligar palavras estabelecendo entre elas um nexo de dependência; iii) pelas conjunções subordinativas, quando se trata de um período composto. Essas relações são exemplificadas, respectivamente, abaixo:

(22)

b. A mulher cortou o homem.

(02) a. Casa de Maria. b. Maria vai à feira.

(03) Eu quero que você saia da minha vida.

Em (01) está claro que a função sintática dos termos o homem e a mulher é determinada por sua posição na frase. Embora o português admita o deslocamento do sujeito e do objeto em algumas situações, esses termos têm posições regulares. Em (01a) o homem é o sujeito da oração e a mulher aparece como o objeto direto; em (01b), por sua vez, há uma inversão dessas funções em decorrência da troca de posições entre esses dois constituintes. Nos exemplos (02) e (03), a relação de dependência é estabelecida, respectivamente, pela preposição e pela conjunção, nas quais já está implícita a ideia de subordinação.

Interessa, aqui, a relação indicada no item “ii” e exemplificada em (02b), tendo em vista que esse será o contexto a ser analisado e interpretado: quando a preposição estiver ligada ao verbo de movimento, encabeçando o complemento circunstancial na forma de sintagma preposicionado:

(04) Vou à praia

V. Mov + SPrep (locativo)

Nesses casos, é possível também haver um elemento interveniente entre o verbo e o sintagma preposicional, como se apresenta no exemplo a seguir:

(05) Vou sempre à praia

V. Mov + (elemento interveniente) + SPrep (locativo)

Considerando a questão da regência verbal, verifica-se certa incoerência no tratamento desse fenômeno na tradição gramatical. O assunto costuma ser apresentado mais ao final dos compêndios gramaticais, em forma de listas, sem uma discussão prévia sobre o fato linguístico, refletindo com isso a pouca importância normalmente dada a este estudo. Rocha Lima (2002, p. 417), por exemplo, anuncia a regência de alguns verbos prescrevendo a

(23)

indicação de uso da tradição gramatical, que, em muitos casos, não reflete a realidade cotidiana dos falantes.

Embora seja esse o procedimento comum na maioria das gramáticas normativas e, por conseguinte, nos livros didáticos, é preciso ressalvar que não se deve fazer generalizações. Na gramática pedagógica de Cegalla (1999, p. 437), por exemplo, ainda que o autor também se restrinja a uma listagem de verbos na apresentação do fenômeno, regência verbal, refere-se à existência de formas variadas no uso na “língua culta” e na “língua coloquial”. Abaixo, reproduzem-se alguns dos exemplos listados pelo autor:

(06) Chegamos a (e não em) São Paulo pela manhã. (“língua culta”)

(07) Chegamos em São Paulo no dia seguinte. (“língua coloquial”)

É importante refletir que não há na redação do texto uma clareza terminológica quanto ao conceito “língua culta”, tendo em vista que esse termo aparece frequentemente como sinônimo de “língua padrão” nas gramáticas, nos manuais didáticos e, por extensão, no discurso da escola.

A esse respeito, Lucchesi (2002, p. 65), traçando a diferença entre norma padrão e norma culta, esclarece que “a primeira reuniria as formas contidas e prescritas pelas gramáticas normativas, enquanto a segunda conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos plenamente escolarizados (...)”. Assim, a partir da análise dos exemplos (06) e (07), pressupõe-se que Cegalla (1999) esteja falando de norma padrão e não de norma culta, pois há prescrição de formas, recomendando o uso de uma preposição e não de outra.

Caminhando nessa direção, a prática pedagógica dos educadores com relação ao fato lingüístico em análise contribui para a assimilação e manutenção da ideologia do “certo” e do “errado”, tendo em vista que a exposição desse assunto, quase sempre, é colocada para o final do período escolar, transmitido muito rapidamente, sem reflexão do uso de determinado nexo preposicional, nem da especificidade do verbo. Vale dizer que em algumas situações, dada a precariedade que envolve o ensino da língua portuguesa no Brasil, o educando apenas tem conhecimento do fato linguístico a partir da correção gramatical, quer seja oral – através da fala cotidiana em sala de aula – quer seja por escrito – através das redações escolares.

No que se refere à ação normatizadora da escola, Oliveira e Silva (2004[1996]) observou que a influência da escolarização pode ser evidente mesmo em fenômenos que não são objeto do ensino escolar. Isto ocorre porque os professores, ainda que assistematicamente,

(24)

materiais escritos na norma culta, inevitavelmente, acaba por conduzir os alunos ao uso mais próximo do padrão. Quanto ao uso da variação preposicional dos complementos dos verbos de movimento, assunto que consta da programação escolar, a autora constata a influência do vetor escolaridade, mostrando que, quanto maior for o tempo de exposição do indivíduo ao ensino formal, maior será o uso da forma padrão, no caso, a preposição a. Oliveira e Silva (2004[1996]) esclarece que a apreensão dessa preposição se dá tardiamente, uma vez que o fenômeno não é tão precocemente enfatizado na escola.

2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS DE MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Considerando que esta investigação está centrada no uso variável da preposição, é conveniente dedicar-se um pouco ao estudo desses elementos relacionais, observando, sobretudo, o conflito instaurado entre o uso normativo e aquele efetivamente realizado pelo falante. Ao se estudar a regência de um verbo, o que se espera saber é se há obrigatoriedade no uso da preposição e, confirmando-se essa exigência, verificar se o falante emprega a preposição recomendada pela tradição. No caso dos verbos de movimento, que constituem o interesse deste trabalho, nota-se, no uso corrente, expressiva variação quanto ao emprego das preposições que regem os locativos. Isso quer dizer que, num verbo como vir, para o qual a gramática orienta, exclusivamente, o uso de a, o falante ora emprega a preposição para ora em.

Desde que as preposições passaram a ser elementos essenciais para estabelecer relações de subordinação entre os elementos de uma oração, seu emprego, ao longo dos séculos, vem se modificando. De acordo com Câmara Jr. (1976, p. 177), como muitas das preposições latinas se perderam, resultou daí uma “redistribuição de emprego de algumas” e, consequentemente, uma grande expansão e variação dos significados originais de algumas delas, o que provocou, algumas vezes, situações de superposição (uma preposição invadindo parcial ou totalmente o espaço de significação de outra).

A fim de fornecer uma melhor fundamentação ao assunto examinado, apresenta-se, a seguir, uma breve incursão histórica sobre o uso das preposições, cujo foco é o tratamento daquelas que regem os locativos.

(25)

2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das línguas românicas

Assim como diversos fenômenos em variação na língua portuguesa, os usos alternantes da preposição com os verbos de movimento não é privativo do português atual. De acordo com registros de vários autores, já no latim era notória essa variação. Nesse sentido, investigar o percurso histórico desse e de outros fatos da língua tem constituído interesse de vários estudiosos, considerando, como afirma Poggio (2002, p. 23), que tais estudos “contribuem para fortalecer a idéia de que a heterogeneidade das línguas e o contato entre realidades diversas são fatores essenciais para inferir-se a dinâmica da mudança lingüística”.

Ainda justificando a necessidade de se apresentarem algumas considerações diacrônicas sobre o uso das preposições na língua portuguesa, menciona-se o que diz Svorou (1993 apud POGGIO, 2002, p. 62): “torna[-se] necessário investigar a história das formas gramaticais não só para explicar a sua variação, mas também porque essa história reflete aspectos mais profundos da interação social e aspectos da construção cognitiva dos seres humanos”.

No latim, como se sabe, havia um sistema de casos que marcava, através das flexões, a relação entre os vocábulos na sentença. Entretanto, conforme referido em Poggio (2002, p. 79), essas relações também eram, algumas vezes, expressas “apenas pela diferença na quantidade vocálica da vogal final do vocábulo”, além de se empregarem, com menor intensidade, “os elementos de relação chamados preposição”.

As preposições, no latim, subordinavam alguns complementos ao verbo, mas seu uso era sentido como redundante, uma vez que esses elementos relacionais apareciam juntamente com os casos morfológicos para garantir certa clareza e ênfase. A esse respeito, é bom relembrar o que diz Câmara Jr. (1976):

O nome complemento vinha no caso acusativo ou ablativo, já indicadores da subordinação ao verbo, mas a partícula adverbial que se lhe antepunha, e por isso se chamava ‘preposição’ na terminologia gramatical, insistia no elo

subordinativo e delimitava melhor as condições da dependência

(CÂMARA JR., 1976, p.175, grifo nosso).

Na passagem para as línguas românicas, a redução da marcação flexional gerou um desequilíbrio no sistema latino. O enfraquecimento do valor significativo dos casos na caracterização das relações de subordinação entre os elementos tornou o uso das preposições

(26)

(1976), tais elementos passaram a ser um traço característico das línguas românicas. Consolida-se, assim, nessas línguas, o estabelecimento de uma nova classe gramatical: a das preposições.

Câmara Jr. (1976) afirma que houve um empobrecimento da quantidade de preposições latinas na passagem ao português, tendo muitas delas se perdido ao assumirem a função de prefixos. Segundo o autor, esse fato é resultante “de uma redistribuição de emprego de algumas partículas favorecidas, que se substituíram a outras num processo de simplificação e economia”. (CÂMARA JR., 1976, p. 177). De acordo com Said Ali (1964), das partículas que foram aproveitadas no português como preposição, algumas não sofreram alterações na forma: ante, contra, de, per, ao passo que outras sofreram algum tipo de transformação: ad > a; post > pós; in > em. Em alguns casos, os usos atuais permaneceram iguais aos do latim e, em outros, houve uma extensão do sentido. Nas palavras de Said Ali (1964, p. 203-4): “Cada preposição teve originalmente um sentido delimitado; mas a associação de idéias tornou possível o alargamento do domínio semântico de algumas a ponto de invadirem umas o domínio das outras e se confundirem por vêzes as partículas na aplicação prática”.

Segundo Câmara Jr. (1976), o sistema de preposições do português funciona em dois planos: um mais concreto – localização no espaço e no tempo – e outro “com conceituações, metaforicamente deduzidas, de estado, origem, posse, finalidade, meio, causa, objetivo e assim por diante” (CÂMARA JR., 1976, p. 177). São de interesse deste trabalho, como já assinalado, as construções locativas, de modo que serão apresentadas, a partir de agora, algumas informações bastante sucintas sobre a retrospectiva histórica dos itens preposicionais que encabeçam esse tipo de estrutura: ad > a, in > em e per ad > para.

De acordo com Said Ali (1964), o sentido de direção ou movimento para algum ponto, característico da preposição a no português atual, é o mesmo que tinha a partícula ad no latim. Além disso, outras noções, decorrentes desse sentido original também eram verificadas para ad, conforme destaca o autor:

Com o sentido de lugar onde, isto é, denotando, não a direção em que se encaminha o movimento, e sim o ponto terminal, já se usava ad no latim vulgar e ocorrem, até, alguns exemplos dêste gênero em Varro e Tito Lívio. O emprêgo em francês de à com os nomes de cidades filia-se a esta prática antiga. Em português não podemos dizer senão com a preposição a: ir com a trouxa às costas, trazer o colar ao pescoço, estar alguém à cabeceira, à mesa, etc. Com outra qualquer partícula se alteraria aqui o conceito da situação (SAID ALI, 1964, p. 211).

(27)

Consoante Ernout e Meillet (1951 apud POGGIO, 2002, p.189), a preposição latina in significa em, sobre, com a ideia de espaço e de tempo, considerando as coisas em movimento para um fim. Poggio (2002), citando L. Rubio (1983), menciona que há diferença entre o uso de in com acusativo e ad. No primeiro caso, a ideia é de “no interior de” e, no segundo, “diante de”, “perto de” (cf. 08):

(08) reducemque faciet liberum in patriam ad patrem (‘e o fará voltar livre à sua pátria diante de seu pai’)

Poggio (2002) relata que, de acordo L. Rubio (1983), a diferença não reside na ideia de que in seguido de acusativo indique movimento e com ablativo, repouso, mas no conceito de ‘permanência’ e ‘deslocamento’. Assim, usava-se in com acusativo quando a ideia era de permanência, com ou sem movimento, e in com ablativo denota deslocamento, igualmente com ou sem movimento.

No português, a preposição em já era registrada desde o século XII e algumas vezes alternava-se com in. De acordo com Said Ali (1964), essa preposição indica ‘interioridade’, com ideia de tempo e lugar. Segundo Poggio (2002), no português arcaico, pode indicar ‘espaço’, ‘tempo’, além de apresentar alguns sentidos figurados, como ‘meio’, ‘causa’, ‘fim’, mas mesmo, nesses casos, em apresenta os traços ‘localização estática’ e ‘interioridade’.

Poggio (2002, p. 155) salienta que “há certa transferência no campo semântico da preposição in ao domínio de ad”. A autora menciona ainda que: “Apesar da aparente clareza de usos e significados expressos por essas duas preposições, convém lembrar que a preocupação dos gramáticos latinos em distinguir os empregos desses elementos demonstra que elas se confundiam em seu uso” (POGGIO, 2002, p. 155).

Rocha Lima (s/d, p.223), citado por Bagno (2000, p. 251), traçando o percurso histórico das preposições a e em (ad e in) com idéia de direção, no português, refere-se ao sincretismo que as caracterizava já no latim, visto que ambas indicavam, no latim literário, tanto a idéia de repouso como a de movimento. Conforme relembra Bagno (2000, p. 251), havia, entre elas, porém, “sutis diferenças de significação que, todavia, não eram rigidamente respeitadas pelos escritores, apesar (como sempre) da insistência dos gramáticos”. Percebe-se, assim, que a acirrada tensão entre a prescrição normativa e a língua efetivamente usada era evidente mesmo no latim literário. No chamado latim vulgar, o sincretismo das partículas ad e in era levado ao extremo, de modo que a oscilação – e a consequente confusão –, entre a idéia de repouso como a de movimento era ainda mais comum (ROCHA LIMA s/d, p. 224 apud

(28)

Rocha Lima (s/d, p. 224 apud BAGNO, 2000, p. 251)1:

(09) In urbe(m) ire

(10) Ad urbe(m) ire

Segundo informação de Rocha Lima, o amortecimento do -m do acusativo igualava urbem a urbe, favorecendo a não distinção entre o repouso e o movimento. Ainda de acordo com Bagno (2000), a especialização de ad para movimento e in para repouso só começou a acontecer nas línguas românicas com o processo de normativização, à medida que foram se tornando línguas literárias. O autor chama a atenção, contudo, para o fato de que o sincretismo no uso de tais preposições não se desfez em todas as línguas neo-latinas, citando o caso do francês, em que até hoje não se faz essa divisão (movimento e/ou repouso), de modo que as preposições à e en apresentam os dois sentidos e podem alternar-se com o mesmo verbo (com o mesmo significado). Esse fato também ocorre com o catalão antigo. O referido autor lembra, porém, que há no francês uma especialização no uso dessas preposições apenas no que concerne ao tipo de complemento: utiliza-se a preposição a para nome de cidade, preposição em para nome feminino de país e/ou nomes de países masculinos iniciado por vogal ou h mudo, e au para países iniciados por consoante, como se vê nos exemplos (11), (12), (13), citados de Bagno (2000, p. 251):

(11) Je vais à Paris

(12) Je vais en Italie

(13) Je vais au Brésil

No catalão antigo, as preposições a e en coincidem com dois sentidos locativos; servem para expressar a idéia de situação e de direção, como nos exemplos abaixo, reproduzidos de Moll (1991, p. 222):

1 Ensaio de Rocha Lima (s\d) citado por Bagno(2000) intitula-se “Sobre o sincretismo de a e em no exprimir direção”.

(29)

(14) a. Anàrem a la muntanya. b. Anàrem en la muntanya. (15) a. Estàvem a la muntanya. b. Estàvem en la muntanya.

Vale ressaltar que na linguagem moderna, o catalão oriental e balearic, dialeto do catalão, têm demonstrado preferências por determinadas construções: preposição a para nome próprio e preferência de uso da preposição en diante de pronomes demonstrativos aquest, aqueix, aquell. Esse comportamento assemelha-se ao da língua francesa, referido acima, mas, de forma geral, é indicado o uso da preposição a quando o contexto indica direção inicial e progressiva de um movimento de uma ação.

(16) Anem a Roma. (Cat. oriental e balearic)

(17) Vaig en aquella casa. (Cat. oriental e balearic)

(18) Venien a casa. (Cat.)

No tocante à língua espanhola, Alvar e Pottier (1993, p. 289) informam que, em algumas ocasiões, a preposição a pode ser trocada pela preposição para, ainda que com algumas diferenças no uso, havendo inclusive algumas vezes confusão no emprego dessas preposições, como exemplificado em (19) e (20):

(19) Voy para Itália

(20) Voy a Itália

Moll (1991, p. 222) informa que as preposições a e en do uso catalão se diferenciam do uso de Castela, que utiliza normalmente a preposição a para indicar direção e en na concepção de situação.

Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251) discorre que o português antigo também conheceu o uso das preposições ad e in com verbos de sentido diretivo, como se observa nos exemplos de (21) a (24), retirados da obra Clarimundo de João de Barros e citados por Bagno (2000, p. 251):

(30)

(21) “... era vindo nesta terra”

(22) “... depois que Carfel, e Arquilo foram na pousada com todalas cousas...”

(23) “... levarão-no todos aquelles Senhores à pousada.”

(24) “ O Emperador mandou a hum Cavalleiro que fizesse levar o corpo de Forbotão à igreja de Santa Sophia”.

De acordo com Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251), a partir do século XVI a preposição a sofre um processo de especialização no português, passando a ser empregada junto a verbos de movimento. Entretanto, lembra o autor, que a língua transplantada para as terras recém descobertas é a linguagem oral “eivada de arcaísmos e flutuante sob muitos aspectos”, dentre os quais, certamente, destacam-se as construções com verbo de movimento + em. É essa a construção que, nas palavras do autor, “viceja no território africano de Angola, assim como no solo asiático de Goa [...], além de se ter enraizado na linguagem popular do Brasil” (p.252).

Quanto à preposição para, sua origem não é bem esclarecida no português. Poggio (2002) faz uma resenha de vários estudos e suas hipóteses sobre a origem dessa preposição: a) Para Geraldo da Cunha (1991), o item teria se originado do latim per ad, através da variante pêra. Para esse autor, somente no século XVII, a forma para teria se tornado mais usual; b) Segundo José Pedro Machado (1977), para provém de pora (por +a) e não se tem documentação antes do século XVI; c) De acordo com Câmara Jr. (1976), para provém da aglutinação de per e ad, e seu uso, inicialmente, denotava ‘percurso em direção definida’; d) Para Said Ali (1964), para e pera eram usuais no português arcaico e no português do século XVI e início do XVII e esta última seria proveniente de per ad ou de pro ad.

A preposição para é empregada com o sentido de ‘destinação’, ‘lugar para onde’ e no português atual é usado em co-ocorrência com a. De acordo com Said Ali (1964, p. 216), “a diferença [é] tão difícil de perceber que os casos de regência fixa, em que certos verbos e adjetivos se construem [sic] uns sempre com a e outros sempre com para, não se explicam senão pelo capricho do uso.” O autor também assinala a existência de variação entre a e para, em contextos em que a norma orientaria o uso da primeira.

(31)

Analisando construções locativas em anúncios e cartas de redatores/ leitores de jornais paulistas do século XIX, Berlinck; Guedes (2003) verificou a variação entre as preposições a, para e em com os verbos de movimento, tendo observado o uso predominante da primeira. Para a autora, o processo de desuso da preposição a já estava em curso no português desde o século XIX. A constatação dessa variação é também feita em Pontes (1992), que observa, contudo, que, nos últimos anos do século XX, o uso de a é minoritário em função do aumento generalizado das outras variantes: em, nos contextos em que se referem a ‘localização’, e para, nos casos de ‘direção’.

Essa revisão da linha histórica percorrida do latim até as línguas românicas contemporâneas revela que a variação das preposições que acompanham os verbos de movimento sempre esteve presente nessas línguas, não sendo exclusividade do português brasileiro.

2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português brasileiro

Ainda hoje, algumas das gramáticas do português apresentam o mesmo rigor normativo das primeiras gramáticas da língua, a saber Grammatica da Lingoagem Portuguesa (1536), de Fernão de Oliveira, e Grammatica da língua portuguesa (1540), de João de Barros, evidenciando que pouca coisa mudou no que se refere à prescrição normativa do uso da língua. Escritas no período renascentista, quando, segundo Fávero (1996, p. 21), “a gramática deixa de ser necessariamente a latina e incide sobre as línguas vernáculas”, essas obras revestem-se de um caráter pedagógico a fim de atender à política de expansão territorial portuguesa no que diz respeito à imposição da língua aos povos colonizados (KRISTEVA, 1974 apud FÁVERO, 1996).

De acordo com Leite de Vasconcelos (1929, p. 865 apud FÁVERO, 1996, p. 23), nesse período, eram evidentes “[a] preocupação com a semelhança entre a gramática portuguesa e a latina, devido ao prestígio do latim como língua de expressão culta [...], [o] autoritarismo gramatical [...] [e o] sentimento de superioridade patriótica da língua portuguesa face às demais”. Nos dias atuais, ainda constitui preocupação das gramáticas, livros didáticos e outros manuais a exposição das regras do “falar e escrever bem”, de modo que tudo o que se afasta da prescrição não é legítimo na língua. Naturalmente, é por esse olhar que o uso das preposições que regem os locativos é apresentado aos estudantes.

Grande parte das gramáticas e livros de referência para o ensino da língua mostra que os locativos relacionados aos verbos de movimento ir, chegar, vir, voltar e sair têm em sua

(32)

estudos tradicionais prescrevem o uso da preposição a para encabeçar o SPrep locativo, mencionando, também, o uso da preposição para quando há a intenção de permanência mais duradoura no local do destino. O uso de em, por sua vez, é rechaçado categoricamente, conforme se vê registrado no trecho abaixo:

Não devemos usar a preposição em com verbos de movimento, porquanto em indica lugar onde: “ir ao colégio” – e não “ir no colégio” – “chegar a um lugar”, e não “chegar em”: chegamos ao Rio, cheguei à casa dele, cheguei tarde a casa, o avião chegou ao campo (ALMEIDA, 1999, p. 337).

Quanto ao uso da forma padrão a, sabe-se, contudo, que muitos estudos sobre o PB têm assinalado o desuso dessa preposição nessa variedade da língua, até mesmo na modalidade escrita, em favor das alternativas com para e em (cf. exemplos 25 e 26)2.

(25) “o programa pode começar com um simples cinema... um teatro... vai-se a uma boate ( ) não... faz-se algum tipo de programa qualquer... ou então vai pra um bar...” (RIO – D2 158: 905-908).

(26) “eu fico encantada de ir a uma casa... de flores ou num... mercado (REC – DID 156: 455)

Os exemplos acima fazem parte do corpus do projeto NURC (Rio de Janeiro e Recife, respectivamente) e são, portanto, amostras de fala de indivíduos cultos. Em ambos os contextos, os locativos indicam a noção de não permanência, para a qual a GT orientaria, exclusivamente, o uso da preposição a. O que se vê, portanto, é que essa descrição desatualizada nem mesmo está de acordo com a fala dos indivíduos plenamente escolarizados da sociedade.

À revelia das prescrições gramaticais, os falantes das comunidades de fala popular do interior do Estado da Bahia fazem uso de uma gama maior de formas preposicionais em SPrep locativos junto aos verbos de movimento já citados, como: a, para, em, até e ausência de preposição. É possível perceber tal variação nos exemplos a seguir, retirados do corpus estudado:

(33)

Preposição a:

(27) Domingo de páscoa, aí já é... domingo de páscoa já é dia de alegria, né? Pra quem gosta de ir a... a baile, forró. (POR-inq2)

(28) Eu sô, sô, qué vim a festa dele ni dezembro, cê pode vim que cê zôa aqui mais nós.(POR-inq8)

Preposição para:

(29) E ela... ela saía, ia pa rua, (POR-inq3)

(30) Quando eu cheguei pra aqui, ainda tinha muita professora por aqui. (SAR-inq11)

(31) ...eu num achei quem me levasse pa fêra não. (SAR-inq10)

(32) Dali da casa de... de... de Nega, nós viemo pra... pra casa de mãe, de novo, aí construimo essa lá. (POR-inq12)

(33) Na época, papai num dêxava eu saí pra festa não, só ia era aqui, quando ele dêxava, que ele tava lá, se era ni reza na bêra do rio (POR-inq11)

Preposição em:

(34) Eu acharia que se colocasse uma fêra aqui ni Morrinhos, era bom, poque aí agora a gente num precisava ‘tá dano essa viagem pra ir ni Poções comprá nada. (POR-inq5)

(35) Agora um lugá que num era cercado, sabe como é? Cê entrava aqui, saía na bêra do rio, sa... chegava na bêra do rio, passava aqui, sai... ia saí lá ni...

(34)

(36) Se eu dissé, eu num vô levá ele no médico hoje né... fora de caso de febre, né? Teve febre, é necessário.(SAR-inq2)

(37) Que os pobre tem hora que [escusa] de vim em minha casa e os rico num [escusa], Graça, meu pai, Graça meu pai. (POR-inq8)

(38) Comade Júli assim falava assim “Ô, ô [Aldina]”, porque ela saía muito ni festa mais nós, ni reza. (POR-inq12)

Preposição até:

(39) A ôtra, que o marido morreu em São Paulo, o marido dexô um carrinho pra ela, vendeu, tornô compra ôtro. Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Na ININT. ININT vez veio de São Paulo, foi até Salvadô no carro. Só tem uma lá que mais... que é mais carma. [Eni]... uma magrinha. Essa tá mais...(POR-inq6)

(40) Já, e tamém teve uma... eu já ouvi falá na torre de Babel, inclusive teve até um filme eu já assisti esse filme que o homem construiu essa torre, que queria chegá até o céu e vai, (SAR-inq3)

(41) Eu levo eles até ali, né, sete e meia, aí... aí tem um... um... um carro que pega ali, ININT solta lá na escola. (SAR-inq2)

Ausência de preposição

(42) Eu vô Ø lá assim, um dia assim [no]... em dois ano, três ano que eu vô lá. Num é negoço assim todo dia não. (POR-inq2)

(43) eu vô chegá Ø aqui umas onze doze horas, quando é, vamo supô, uma cinco hora da manhã eu tenho que saí pa trabalhá, aí a pessoa num guenta.

(44) Que... que lugá tem aqui procê... “ah, vô levá meu filho Ø aqui pra vê o quê?” Nada, num tem nada, num tem um parquezinho, prefeitura num faz nada

(35)

(45) É, por que o transporte come tudo, né? Tinha... vamo dizê, se tivé duas mil laranja, pá pegá um carro pá vim Ø aqui pegá. (SAR-inq8)

(46) A senhora saiu Ø aqui, botô no seu carro, saiu aqui, se a senhora chegô aí adiante a [fiscalização] pegô, aí eles toma e quêma, é o que eles fala, né?(SAR-inq5)

Em se tratando de exemplos retirados de amostra de fala real do português popular do interior, em que não houve uma orientação específica para produções de construções preposicionadas no contexto de análise (Verbo Mov.+ SPrep locativo), observa-se que, embora todas as preposições tenham ocorrido, não foi possível observar uma combinação perfeita de todos os verbos com todas as preposições em estudo. A preposição padrão a, por exemplo, não ocorreu com todos os verbos, além de ter tido baixíssima frequência. Esse fato, em particular, pode estar relacionado à especificidade do corpus, cuja constituição tem em sua base falantes analfabetos e semi-analfabetos. Observou-se também que a preposição até não é frequente, e as ocorrências dos contextos da ausência de preposição categoricamente só ocorreram com partículas locativas – advérbios de lugar.

2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO: ADJUNTOS OU ARGUMENTOS?

A descrição apresentada pelos compêndios gramaticais referidos na seção 1.1 (ALMEIDA, 1999; BECHARA, 1999; CUNHA; CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 2002) não possibilita a elaboração de um conceito nítido acerca do que sejam os verbos de movimento. Algumas vezes, a terminologia é utilizada, mas a menção a esses verbos é feita de maneira dispersa. O verbo de movimento costuma ser citado ao se discutirem os seguintes tópicos gramaticais:

i. No estudo das preposições, sobretudo quando esses nexos indicam o sentido diretivo, como, por exemplo, as preposições a e para, as quais apresentam uma sutil diferença de sentido com relação ao tempo de permanência em determinado local;

(36)

ii. No estudo da transitividade verbal, costuma-se atribuir aos verbos de movimento a categoria de intransitivo, caracterizando o termo locativo subsequente ao verbo de movimento como adjunto adverbial ou complemento circunstancial;

iii. Ao se discutir a regência verbal, quando acontece, esporadicamente, a ocorrência de um verbo de movimento, é mencionada a forma padrão do uso da preposição;

iv. Na discussão acerca dos adjuntos adverbiais, questiona-se a natureza acessória e argumental dos termos que acompanham os verbos de movimento.

A questão que se apresenta aqui não é a de reivindicar um espaço específico para o tratamento dos verbos de movimento na GT, mas a de que é necessário repensar o conceito de transitividade verbal a fim de se fazer uma categorização mais coerente dos verbos na língua portuguesa.

A questão da complementação verbal no português não tem sido muito bem definida nas gramáticas tradicionais, as quais têm, frequentemente, se baseado em conceitos semânticos e formais, mas de maneira bastante superficial. Dessa forma, verifica-se uma série de discordâncias e imprecisões sobre o assunto. Uma dessas questões diz respeito à discussão que se trava em torno da natureza das construções locativas, que, em alguns casos, é vista com um caráter meramente acessório e, em outros, como argumento verbal.

Dentro de uma terminologia tradicional, seria o caso de verificar se tais construções estariam inseridas entre os termos que se costumam classificar como “integrantes” ou entre os “acessórios”. O primeiro grupo refere-se aos termos que aparecem na oração completando o sentido de um outro termo. O segundo, por sua vez, aplica-se aos “acréscimos acidentais”, que, segundo Almeida (1999, p. 430), tem efeito simplesmente informativo. Os termos integrantes são, comumente, classificados como: complemento nominal, complemento verbal, agente da passiva; e os termos acessórios são classificados como: adjuntos adnominais, adjuntos adverbiais e aposto.

Ao analisar a natureza da obrigatoriedade de alguns termos, as gramáticas tradicionais voltam-se para o estudo da transitividade verbal, e, como enfatizado, misturam, sem aprofundamento, conceitos semânticos e formais. Por essa perspectiva, consideram-se verbos intransitivos aqueles que dispensam complementos porque “[...] expressam uma idéia completa” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 505). Está aí subjacente uma visão puramente

(37)

semântica no sentido de que se baseia na ideia da ‘incompletude’ do verbo. As formas verbais transitivas são referidas como aquelas em que “o processo verbal não está integralmente contido nelas, mas se transmite a outros elementos” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 132), estes chamados de objeto. Esses conceitos, porém, nem mesmo dentro da visão tradicional são vistos com tranquilidade.

O verbo de movimento chegar, por exemplo, é classificado, por Faraco e Moura (1998), como intransitivo no sentido de atingir data ou local; essa mesma ideia também está presente em Cegalla (1999)3 ao relatar que este verbo na “língua culta” não admite complemento ligado a ele, entretanto, podem aparecer termos acessórios, chamados de adjuntos adverbiais. O verbo ir também é classificado de intransitivo, ao qual se podem ligar adjuntos adverbiais de lugar preposicionados. Nesse sentido, questiona-se: os termos subsequentes aos verbos de movimento são adjuntos ou argumentos?

Almeida (1999, p. 432), conhecido por sua visão tradicionalista, afirma que “O verbo ir, por exemplo, não é verbo transitivo; portanto, na frase ‘Fui a Belo Horizonte’, o complemento ‘a Belo Horizonte’ não é objeto indireto, mas adjunto adverbial.” É essa a visão presente na maioria das gramáticas tradicionais e pedagógicas.

Por uma perspectiva menos presa ao tradicionalismo gramatical, Rocha Lima (2002, p.252) faz uso de uma terminologia diferenciada, chamando de complemento circunstancial os termos que complementam os verbos de movimento, com sentido diretivo, como o verbo ir. Para o autor, o complemento circunstancial é “tão indispensável à construção do verbo quanto, em outros casos, os demais complementos verbais”. Desse modo, para Rocha Lima (2002), no exemplo (47), o termo “a Roma” tem natureza argumental e não acessória. Bechara (1999), com esse mesmo entendimento, insere tais complementos entre os que denominou de complemento relativo.

(47) Irei a Roma.

Nesse sentido, pode-se assumir a visão de que os verbos de movimento possuem comportamento semelhante aos verbos transitivos, vinculando-se necessariamente aos seus complementos. Não seria possível, pois, expressar uma idéia completa se não fosse a presença do complemento locativo, como se pode conferir nos exemplos de (48) a (49):

3 O autor também faz referência aos verbos ir e vir, os quais se comportam semelhantemente ao verbo chegar. Exemplifica-se através dos exemplos: “Fomos a Belém. Fui à feira. (...) Vieram à cidade fazer compras” (CEGALLA, 1999, p. 437).

(38)

(48) “... só eu... só num fui a São Paulo e Rio...”

(49) “Não, a mais véia vai pra creche esse ano” (POR-inq3)

De acordo com os exemplos acima, os paradigmas do verbo ir de movimento (vai e fui) efetivamente não formam uma “expressão semântica” sem o amparo do complemento locativo. A presença deste se faz absolutamente necessária e não somente acessória. E a omissão do complemento locativo só é possível se o seu conteúdo estiver subtendido, podendo ser recuperado pelo receptor pragmaticamente na situação concreta de interação verbal. Daí, Nascentes (1944, p. 27) declarar que “tratando-se de verbos intransitivos de movimento, o complemento de direção não pode ser considerado elemento meramente accessorio”.

Compartilhando dessa ideia, Rocha Lima (2002, p. 340) esclarece que “o complemento forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto”. E conclui: “sendo o verbo uma palavra regente por excelência, cumpre proceder sempre à verificação da natureza dos complementos por ele exigidos”.

Com base numa ótica mais científica sobre os fatos da língua, Perini (2004) critica a postura tradicional eminentemente semântica de classificação e apresenta uma nova proposta de análise da transitividade verbal. Para o autor, é preciso ir além da simples noção de ‘exigência’ e ‘recusa’ de um complemento. Nesse sentido, ele acrescenta a idéia de ‘aceitação livre’. Dentre as funções relevantes para o estabelecimento da transitividade, Perini (2004), destaca aquelas que são exigidas ou recusadas por algum verbo, desprezando as que são livremente aceitas por todos os verbos, já que “não caracteriza os verbos com que coocorre” (PERINI, 2004, p. 164). Dessa forma, são quatro as funções relevantes: objeto direto, complemento do predicado (corresponde ao predicativo do sujeito), predicativo (corresponde ao predicativo do objeto) e adjunto circunstancial. Neste último, o autor inclui “os casos tradicionais de ‘objeto indireto’ mais muitos outros casos” (PERINI, 2004, p. 166). Infere-se daí que o adjunto circunstancial tem, para ele, natureza obrigatória assim como o objeto indireto.

Vale ressaltar que uma abordagem mais estrutural, a gramática gerativa considera esses complementos locativos como constituintes adjungidos, dispostos na estrutura sintagmática na mesma posição dos adjuntos adverbiais. Desta forma, ancorada na perspectiva

(39)

tradicionalista, considera os complementos locativos como adjuntos adverbiais e não como argumentos.

Lucchesi (2004) assinala que o discurso da GT é fundamentado no princípio da autoridade e não considera a realidade linguística dos falantes, de modo que muitos dos conceitos por ela veiculados são desatualizados e contraditórios. A exemplo disso, o autor menciona o fato de o verbo ir de movimento, assim como chegar e voltar, efetivamente precisar de complemento, justificando que ninguém pode dizer “Maria vai”, já que Maria vai a algum lugar. Então esse verbo selecionaria um complemento, mas, segundo a tradição gramatical, conforme já enfatizado, tem-se aí um verbo intransitivo, uma vez que o termo a ele ligado indica lugar, e, tradicionalmente, as palavras que indicam lugar na língua são os advérbios, chamados de termos acessórios.

Como se viu até agora, os estudos linguísticos contemporâneos têm contribuído para complementar o vácuo da visão tradicional acerca do assunto. Existem alguns que se voltam para discussões puramente sintáticas, como é o caso de Perini (2004), e outros que tratam os verbos com base em explicações sintático-semânticas (MIRA MATEUS, 2003; NEVES, 2000), considerando que a semântica pode dar conta de muitas das relações estabelecidas entre o verbo e os demais componentes oracionais. Nessa perspectiva, tem-se recorrido à noção de valência verbal.

De acordo com a gramática de valências, o verbo é visto como centro da frase, nas palavras de Mira Mateus et al. (2003, p. 183), é ele um predicador por excelência, responsável, portanto, pela seleção de seus argumentos. Com relação à quantidade de argumentos, Mateus et al. (2003, p. 185) assinalam que existem verbos com zero argumento, com um argumento, dois argumentos e três argumentos, conforme se verifica, respectivamente, nos exemplos a seguir, reproduzidos das autoras.

(50) Hoje amanheceu às 5h43m.

(51) [A Maria] gritou, porque teve um pesadelo.

(52) [O Boavista] venceu [o campeonato] em 2001.

Referências

Documentos relacionados

To demonstrate that SeLFIES can cater to even the lowest income and least financially trained individuals in Brazil, consider the following SeLFIES design as first articulated

Introduzido no cenário acadêmico com maior ênfase por Campos (1990), o termo accountability é de conceituação complexa (AKUTSU e PINHO, 2001; ROCHA, 2009) sendo

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

A iniciativa parti- cular veiu em auxílio do govêrno e surgiram, no Estado, vá- rios estabelecimentos, alguns por ventura falseados em seus fins pelos defeitos de organização,

Após extração do óleo da polpa, foram avaliados alguns dos principais parâmetros de qualidade utilizados para o azeite de oliva: índice de acidez e de peróxidos, além

Para tal, iremos: a Mapear e descrever as identidades de gênero que emergem entre os estudantes da graduação de Letras Língua Portuguesa, campus I; b Selecionar, entre esses

Percebe que as ferramentas da qualidade e da metodologia Lean Seis Sigma, associadas corretamente à cada etapa do DMAIC podem trazer ganhos expressivos para as mais variadas áreas