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Responsabilidade civil do Estado por omissão e violência urbana.

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Academic year: 2021

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES DEPARTAMENTO DE DIREITO

CAMPUS CAICÓ

TATIANE GONÇALVES DA SILVA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO E VIOLÊNCIA URBANA

CAICÓ/RN 2019

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO E VIOLÊNCIA URBANA

Monografia apresentada ao curso de

graduação em Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. André Melo Gomes Pereira.

CAICÓ/RN 2019

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Catalogação da Publicação na Fonte

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO E VIOLÊNCIA URBANA

Monografia apresentada ao curso de

graduação em Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ____/____/____.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. André Melo Gomes Pereira – Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________

Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento – Examinador Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________

Prof. Msc. Saulo de Medeiros Torres – Examinador Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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À minha mãe, Ana Anita de Medeiros, por sempre estar ao meu lado e me encorajar a buscar o melhor da vida.

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A Deus, por ter me dado a coragem necessária para mais essa batalha e à Santa Rita de Cássia, por sempre interceder junto a ele em meu favor.

À minha mãe, por compreender esse período que estive um pouco mais distante e por sempre, sempre, confiar na minha capacidade. Tudo o que eu conquistar nessa vida será, sempre, por e para ela.

Ao meu orientador, Dr. André Melo Gomes Pereira, que fez o impossível para me ajudar e do qual eu nunca, jamais, em nenhum momento ouvi qualquer palavra de desestímulo, algo que considero ter sido muito importante para que eu não desanimasse. É um ser humano incrível, o qual nunca vou conseguir agradecer o suficiente.

A Martynelly Dyego de Souza, meu colega de trabalho e amigo, que compartilhou esse momento comigo mais do que qualquer outra pessoa, ajudando da forma que podia e sendo firme sempre que necessário.

Ao professor Dr. Carlos Francisco do Nascimento, por sua constante preocupação comigo e por sua dedicação aos alunos do Curso de Direito do CERES/RN e, em especial, à minha turma (2015.1).

A todo mundo que me acalentou com uma palavra amiga, como Geildo Oliveira do Nascimento, José Vieira de Figueirêdo Júnior, Lucas Santos de Medeiros, Flávio Rodrigues dos Santos, Verônica Maria da Silva, Tiago Dantas Queiroga, Antunes Moisés Brito dos Santos, Talys Fernando de Medeiros Dantas, Izamara Alves Bezerra, Ângela Rayane Idelfonso Silva, João Marinheiro da Silva Neto e Francisco Segundo de Sousa.

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O tema do presente trabalho consiste em analisar a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade civil do Estado por omissão em situações de violência urbana por descumprimento do direito à segurança pública, o que é feito através da análise da produção legislativa, jurisprudencial e da literatura especializada correlatas à referida questão. Para tanto, demonstra-se o dissenso doutrinário e jurisprudencial acerca da natureza da responsabilidade estatal fundada em situações omissivas, bem como se apresentam as três teorias que se propõem a explicá-la. Além disso, aponta-se a existência de algumas situações de violência urbana cuja responsabilidade estatal não é reconhecida. Por fim, conclui-se que a ausência de observância do dever constitucional de segurança pública pode ensejar a responsabilidade civil do Estado, a qual deve ser considerada como sendo de natureza objetiva, por ser aquela que, dentre as teses explicativas da responsabilização por omissão, confere melhor proteção ao indivíduo face à eventual lesão de direito por parte do Estado.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado. Omissão. Segurança

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The theme of this paper is to analyze the possibility of recognizing the civil liability of the State for omission in situations of urban violence for breach of the right to public security, which is done through the analysis of legislative production, jurisprudence and specialized literature related to that question. To this end, the doctrinal and jurisprudential dissent on the nature of state responsibility based on omissive situations is demonstrated, as well as the three theories that propose to explain it. In addition, there are some situations of urban violence whose state responsibility is not recognized. Finally, it is concluded that the failure to comply with the constitutional duty of public security may give rise to civil liability of the State, which should be considered to be objective in nature, since it is, among the explanatory theses of liability for omission, gives better protection to the individual against the possible injury of law by the state.

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1 INTRODUÇÃO ... 10

2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ... 12

3 TRAJETÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO ... 16

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL ... 19

4.1 CONCEITO ... 19

4.2 PRESSUPOSTOS ... 20

4.2.1 A figura do agente ... 20

4.2.2 O dano ... 22

4.2.3 O nexo de causalidade ... 24

5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NO BRASIL .. 27

5.1 CORRENTE SUBJETIVISTA ... 27

5.2 CORRENTE OBJETIVISTA ... 31

5.3 CORRENTE INTERMEDIÁRIA ... 34

6 SEGURANÇA PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL ... 36

7 CONCLUSÃO ... 40

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1 INTRODUÇÃO

Com o crescente aumento das funções desempenhadas pelo Estado e sua constante presença na vida das pessoas, revelou-se necessário desenvolver cada vez mais mecanismos, com vistas a reparar os danos que eventualmente essa relação pudesse ocasionar para os administrados.

Dessa forma, deixou-se de se defender a irresponsabilidade estatal, que constituía regra nos antigos regimes, e, gradativamente, passou-se a responsabilidade que hoje se denomina de objetiva. Tal situação se deu, principalmente, em virtude de se buscar um meio através do qual se conseguisse reparar satisfatoriamente o indivíduo que eventualmente fosse lesado.

Portanto, à medida que se percebia que determinada tese, com os avanços do Estado e da sociedade, revelava-se insuficiente para sanar as novas questões que exsurgiam em sede de responsabilidade estatal, desenvolviam-se novos teorias que fossem capazes de resolvê-las e, por conseguinte, proteger o polo mais vulnerável dessa relação.

Na realidade brasileira, nota-se uma multiplicidade dos casos de violência urbana, cujas vítimas têm vários de seus direitos violados, desde o de propriedade chegando até mesmo à vida, apesar disso, resta assente no texto constitucional o direito fundamental à segurança, o que se revela um contrassenso.

Veja-se, por exemplo, a situação daqueles indivíduos que se encontram numa região dominada por traficantes e milicianos e que possuem horário determinado para entrar e sair de suas residências, isso quando não são obrigados a desocupar sua moradia para que ela possa servir de abrigo para as atividades desempenhadas por tais grupos.

Assim como daquelas pessoas que são submetidas aos denominados “tribunais do crime”, quando, em tese, apenas o Estado deveria exercer o monopólio da força ou, ainda, das mulheres que possuem medidas protetivas contra seus ex-cônjuges/companheiros e acabam sendo mortas por eles.

Apesar disso, pouco se discute, academicamente, acerca do possível cabimento de demanda reparatória em desfavor do Estado, tendo por fundamento a violação do direito supracitado, não obstante o status conferido à proteção e dignidade da pessoa humana pelo ordenamento jurídico pátrio, o que esse trabalho ora se

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propõe a fazer. Para tanto, realiza-se uma análise das normas, da jurisprudência e da literatura especializada atinentes ao tema que se pretende discutir.

Na primeira parte desse trabalho, traça-se um panorama acerca da trajetória da responsabilidade civil do Estado ao longo da história, indicando-se as dificuldades que levaram ao avanço no tratamento da matéria. Na segunda, delineia-se a trajetória do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, apontando-se o caminho percorrido desde a Constituição de 1824 até a Constituição de 1988, ora vigente.

Na terceira, detalha-se os componentes da responsabilidade civil objetiva, eis que constitui a regra em se tratando de responsabilidade estatal, bem como os principais aspectos deles. Na quarta, apresentam-se as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca da natureza da responsabilidade estatal fundada em situações omissivas, se objetiva ou subjetiva.

Por fim, na quinta e última parte, trata-se do dever do Estado em garantir a segurança pública e apresentam-se alguns julgados que tratam da responsabilidade do Estado por atos de violência urbana.

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2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A princípio, notadamente sob a égide dos governos absolutistas, não se cogitava acerca da responsabilização estatal pelos eventuais danos causados a terceiros, vigendo o que a doutrina denomina de teoria da irresponsabilidade. (DI PIETRO, 2017, p. 817).

Tal situação, segundo Cahali (2007, p. 20), assentava-se em três premissas. A primeira delas era a ideia de soberania absoluta do Estado, o qual se colocava em um nível de superioridade diante dos súditos, não podendo se cogitar qualquer equiparação entre ambos – decorrência do sistema político vigente, no qual a figura do monarca estava intrinsecamente relacionada a do Estado, seja personificando-o ou tendo-o como uma extensão de sua propriedade (CAVALCANTI, 1905, p. 304).

A segunda, residia na noção de que cabia ao Estado ditar as regras de Direito e zelar pelo seu cumprimento, de modo que não haveria como violar aquilo que ele próprio dispunha (CAHALI, 2007, p. 20-21), considerando-se que todos os atos que praticava tinha por finalidade alcançar o bem comum, ainda que gravosos a alguém (CAVALCANTI, 1905, p. 303).

Apesar disso, diante de algumas situações específicas e de maneira excepcional, a responsabilização estatal podia ser observada. Assim o era na França, por exemplo, em casos de danos provenientes de obras públicas. (MELLO, 2016, p. 1034).

Em virtude de tais aspectos, por conseguinte, é que se considerava que o dever reparatório pelos danos oriundos de atos ilegais causados por funcionários estatais, recaía sobre estes, de maneira pessoal (CAHALI, 2007, p. 21) – constituindo, assim, o terceiro fator de base da teoria ora em comento. Contudo, consoante aponta Mello (2016, p. 1034), a legislação de diversos Estados absolutistas instituía entraves para que a responsabilização pessoal fosse levada a termo.

Cabendo-lhe a função de resguardar o direito, impondo o dever reparatório àqueles que eventualmente o violassem, passou-se a defender que não havia sentido o Estado não ser responsabilizado pelas condutas danosas que perpetrasse, eis que igualmente violadoras da ordem jurídica (DI PIETRO, 2017, p. 817). Com isso, a teoria da irresponsabilidade começou a perder força e acabou por ser superada no século XIX.

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Exsurgiu, então, a teoria mista, a qual consagrava, segundo Paulo Nader (2016, p. 347), a irresponsabilidade parcial do Estado. Nela, considerava-se que existiam duas espécies de atos estatais, os de gestão, cujas finalidades eram gerir o patrimônio público e os serviços prestados à comunidade, e os de império, que buscavam conservar a ordem estabelecida (DI PIETRO, 2017, p. 817). Neste último caso, como o Estado agia pautado nas prerrogativas que sua soberania lhe concedia, e através do monarca, não se cogitava acerca de sua responsabilização (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 356).

Por outro lado, admitia-se quando da prática de atos de gestão, pois nessa situação ele se equiparava àqueles que governava (BRAGA NETTO, 2015, p. 88), uma vez que os realizava por meio de agentes estatais – cuja apenas as condutas culposas causadoras de prejuízo implicavam o ressarcimento pretendido (OLIVEIRA, 2008, p. 159).

O grande óbice para tal teoria fora a dificuldade prática em distinguir quando o Estado agia de uma ou da outra forma (CARVALHO FILHO, 2017, p. 593), além do entendimento de que ele possuía uma personalidade una, que não haveria como ser cindida, em virtude disso restou igualmente abandonada. É de se reconhecer, ainda assim, que se tratou de um avanço em relação à sua predecessora.

Conservou-se entre os doutrinadores a concepção de que seria possível responsabilizar o Estado pelos atos danosos ocasionados pelos seus agentes – sem distinção acerca de sua origem, como outrora – (DI PIETRO, 2017, p. 818), para tanto, necessariamente deveriam ser praticados com culpa (em sentido amplo), daí ter sido denominada de teoria da culpa civil ou responsabilidade subjetiva (GASPARINI, 2012, p. 1126).

À época, considerava-se os agentes públicos como mandatários ou representantes1 do Estado, razão pela qual a obrigação reparatória deste se fundava nas normas de Direito Privado que tratavam da responsabilidade por fato de terceiro (CAHALI, 2007, p. 22). O Estado e o particular, portanto, encontravam-se em situação de igualdade neste aspecto (GASPARINI, 2012, p. 1126).

Contudo, para aquele que se dizia lesado, era complicado identificar o agente causador do dano em certas situações (MARINELA, 2014, p. 1004), e, ainda quando

1 Para fins de esclarecimento, os termos não foram empregados como sinônimos. Na realidade, buscam se referir às duas teorias que, a princípio, notabilizaram-se quanto à explicação da relação do agente público com o Estado.

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ultrapassava tal entrave, via-se diante do árduo trabalho de comprovar que aquele agira com culpa, o que fazia com que a reparação fosse demasiadamente dificultosa (GASPARINI, 2012, p. 1126).

Ganhando força a tese de entre o Estado e seus agentes existiria uma relação de integração fundada na organicidade, e não de terceirização (MARINELA, 2014, p. 1004), de modo que estes exteriorizariam uma manifestação de vontade que era própria daquele primeiro (CAHALI, 2007, p. 24), erigiu-se a teoria da culpa administrativa (ou culpa do serviço).

Fundada também no pressuposto de que o Estado é dotado de poderes e prerrogativas que o impede que seja igualado ao particular (ALEIXO; BURLE FILHO; MEIRELLES, 2014, p. 739), tal teoria defendia ser possível responsabilizar o Estado mesmo por aqueles eventos danosos cujo agente causador fosse desconhecido, desde que comprovadamente decorrentes de um serviço que havia funcionado mal, tardiamente ou não funcionado (CARVALHO FILHO, 2017, p. 593).

Assim, passaram a coexistir ambas as formas de responsabilização, tanto aquela pautada na culpa individual, cujos danos advinham de condutas de agentes estatais identificáveis, quanto na culpa anônima, nos quais provinham do serviço deficitário ou inexistente (MELLO, 2016, p. 1035). Representava, pois, o que Aleixo, Burle Filho e Meirelles (2014, p. 739) denominam de “fase de transição” entre a doutrina civilista e a publicista.

Não era simples, entretanto, comprovar quando o serviço ocorria aquém do devido (MEDAUAR, 2014, p. 416) e, ausente a comprovação da culpa (anônima), a responsabilidade estatal se tornava inviável.

Por ocasião do fim do século XIX, com o agigantamento do Estado, evidenciou-se o evidenciou-seu poderio e as inúmeras prerrogativas que possuía face aos administrados, tendo em conta as novas e numerosas atividades que passou a desempenhar. Naturalmente, diante dessas várias atribuições, aumentaram-se as possibilidades de, ao executá-las, causar prejuízos aos particulares. (CARVALHO FILHO, 2017, p. 594). Todavia, exigir a prova da culpa (individual ou anônima) em tais situações, conforme propunham as teorias então vigentes, ocasionaria o desamparo daqueles eventualmente prejudicados, diante da onerosidade desta comprovação, consoante mencionado anteriormente.

Tendo em conta esse risco ínsito às atividades desempenhadas pelo Estado, qual seja, de potencialmente gerarem danos, passou-se a defender que caberia ao

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Estado assumir o dever de repará-los, sem haver de se perquirir acerca da existência de culpa. (MEDAUAR, 2014, p. 417).

Argumentava-se, ainda, que se tratava de um meio mais igualitário de distribuição dos encargos advindos da atuação estatal, visto que atribuía aos que com ela se beneficiavam (personificados na figura do Estado), a arcar com os prejuízos que essa mesma conduta ocasionava a alguns. (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 223).

Amparada nestas duas premissas é que desponta a teoria do risco. Nela, prescinde-se a análise do elemento culpa, havendo de se comprovar tão somente o nexo de causalidade – a relação de causa e efeito – entre a conduta estatal e o dano alegado (ROCHA, 2013, p. 747), daí também ser denominada de teoria da responsabilidade objetiva (em contraposição àquela que lhe antecedera).

Entendem Aleixo, Burle Filho e Hely Lopes Meirelles (2014, p. 740) que tal tese abarca duas modalidades, a saber, o risco administrativo e o risco integral. Nesta, o Estado responderia por todo e qualquer ato danoso que se visse envolvido, mesmo que não decorrente de sua atividade, já naquela a responsabilidade poderia ser elidida ou atenuada diante da comprovação de que ocorrera por motivo de força maior ou por (ou com) culpa da vítima.

Trata-se de uma diferenciação que, segundo Cahali (2007, p. 40), funda-se apenas na consequência relacionada a uma ou a outra subespécie – que seria a possibilidade de existir ou não o que ele denomina de “contraprova de excludente de

responsabilidade” (grifo do autor) – inexistindo fundamento atinente à própria base da

distinção, razão pela qual entende que ela não merece prosperar.

Aponta, ainda, que o cerne da teoria do risco é a relação de causalidade entre a atividade estatal e o injusto sofrido e, portanto, havendo a prevalência de outro fator, humano ou da natureza, para que isto ocorra, o nexo se rompe (CAHALI, 2007, p. 41). Por outro lado, quando a atuação do Estado é uma concausa para a produção do dano, o nexo causal persiste e, por consequência, subsiste o dever de reparação, há, todavia, a devida atenuação no que diz respeito ao quantum devido.

Dessa forma, o autor acaba por concluir que carece de fundamento a distinção pretendida.

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3 TRAJETÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

Na seara nacional, a responsabilização estatal sempre fora um pressuposto aceito, em que pese a ausência de qualquer legislação nesse sentido nos primórdios, conforme leciona Cavalieri Filho (2007, p. 224). Nunca se observou, pois, a fase de irresponsabilidade ocorrida em outras localidades do globo.

A Constituição de 18242 fazia menção tão somente à responsabilização do funcionário público pelos atos danosos que causasse no desempenho de suas funções (BRASIL, 1824). Semelhante previsão também constava na Constituição Republicana de 18913. (DI PIETRO, 2017, p. 821).

Todavia, adverte Mello (2016, p. 1060) que não se tratava de eximir o dever reparatório do Estado e atribui-lo de maneira exclusiva e pessoal aos funcionários, pois, apesar da omissão constitucional, admitia-se que aquele fosse solidariamente responsabilizado, desde que comprovado que a situação danosa decorrera da atuação culposa do agente (adoção da tese da culpa civil).

O primeiro diploma normativo a tratar, expressamente, acerca da responsabilidade do Estado fora o Código Civil de 1916 (NADER, 2016, p. 350), cujo teor dispunha:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano (BRASIL, 1916).

A redação conferida ao dispositivo, notadamente o excerto “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei”, fez alguns juristas como Rui Barbosa e Amaro Cavalcanti, à época, defenderem que o legislador havia consagrado a teoria do risco, no que dizia respeito à responsabilização estatal

2 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

(...)

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos. 3 Art 82 - Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

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(MELLO, 2016, p. 1060). Para tais autores, segundo indica Neves (2010, p. 1344), o adendo indicaria que o Estado seria responsável tanto no caso de ação como de omissão de seus agentes.

No entanto, prevaleceu o entendimento de que tal norma refletia a tese da culpa civil. Entende Cavalieri Filho (2007, p. 225) que fora a interpretação mais acertada, na medida em que o artigo de lei aponta o agente como um representante estatal, concepção afinada com a tese subjetivista, de modo que o excerto supracitado buscava apontar que somente pelos atos dolosos ou culposos deste é que haveria a responsabilização estatal.

Sucedendo à codificação civil, o texto constitucional de 1934 estabeleceu, em seu art. 1714, a solidariedade entre Estado e agente quanto à reparação das condutas danosas, as quais pressuponham uma atuação culposa do causador, tal qual estabelecido, expressamente, pela normativa ora em comento. (BRASIL, 1934).

Enquanto a Carta de 1937 tratou de reproduzir a disposição constante naquela que lhe antecedera, a Constituição de 1946 inovou ao afastar a responsabilidade do Estado do terreno da culpa e ampará-la nos preceitos da teoria objetivista (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 354), ou seja, exigindo para tal fim apenas a comprovação do nexo entre o ato e o dano alegado. Observe-se: “Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. ” (BRASIL, 1946).

Em que pese o emprego do termo civilmente, reputa-se que o texto consagrou a teoria de natureza objetiva, por não fazer alusão à culpa ou dolo do funcionário, tal qual suas antecessoras. (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 225).

É de se mencionar que, segundo Cavalieri Filho (2007, p. 225), tratou-se de uma legislação que refletiu o que já se aplicava nos tribunais pátrios, notadamente o Supremo Tribunal Federal, sendo os verdadeiros precursores da adoção desta nova tese, a qual fora mantida na Constituição de 19675 e na Emenda 1 de 19696.

4 Art 171 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

5 Art 105 - As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que es seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros (sic).

6 Art. 107. As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.

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Já admitida desde 1946, a teoria do risco administrativo não só permaneceu no ordenamento jurídico brasileiro, quando da promulgação Constituição Federal de 1988 (através do art. 37, §6º), como também teve sua aplicação estendida às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, constituindo um avanço em relação às previsões anteriores (NEVES, 2010, p. 1345).

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988)

Apesar de tal disposição constitucional, ainda surgem dúvidas acerca do alcance da responsabilização estatal no direito brasileiro, o que será objeto de análise mais adiante7.

7 O presente estudo é limitado ao Estado e, portanto, não tratar-se-á das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

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4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL

4.1 CONCEITO

Conforma leciona Eros Grau (1982, p. 178), com vistas a tutelar o convívio social, o ordenamento jurídico impõe a todos a observância de determinadas condutas, denominadas deveres jurídicos (ou deveres legais), resguardando, assim, os interesses de uns em relação aos demais.

Nas relações negociais, por convenção das partes, uma delas é imbuída do dever de cumprir determinada prestação, denominada de obrigação (ou dever obrigacional), cuja realização também importa no atendimento de um interesse alheio (neste caso, do credor), razão pela qual se afirma que é uma modalidade específica de dever jurídico (por reclamar o cumprimento de certa conduta, mas que atinge apenas àquelas pessoas que compõem tal relação). (GRAU, 1982, p. 179).

O cerne de ambas as situações, portanto, é o cumprimento de seus respectivos objetos. Todavia, havendo o descumprimento e, por causa deste, violação a um interesse juridicamente tutelado de outra pessoa, exsurge um outro dever, dito

sucessivo por decorrer daquele primeiro, que é o de recompor tal situação – o que se

dá mediante a constrição do patrimônio do violador. (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 2). Assim sendo, a responsabilidade civil pode ser definida como sendo o dever sucessivo de reparar os danos gerados a outrem em virtude do descumprimento de um dever, legal ou obrigacional, precedente (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 2). Sendo este último de natureza obrigacional se fala em responsabilidade contratual, caso seja de natureza legal se denomina de responsabilidade extracontratual, sobre a qual se debruça este estudo.

Como a antijuricidade que caracterizará o descumprimento supracitado deve residir, como se verá adiante, no dano causado pelo agente, e não em sua conduta, é possível que atos lícitos ensejem o dever de reparação.

É de se mencionar, por oportuno, que não se deve confundir a responsabilidade civil do Estado com o sacrifício de direito, embora ambas tenham por escopo uma situação danosa a ser reparada.

O sacrifício de direito se vislumbra quando, para conseguir satisfazer determinado interesse público, o Estado necessita atingir o direito de um terceiro (sacrificando-o), o que faz em virtude da ordem jurídica o conferir tal prerrogativa. Para

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tanto, deve arcar com o pagamento do valor atinente a essa investida, o qual funciona como o “consectário do exercício de um direito”, como bem define Cahali (2007, p. 14).

Por outro lado, a responsabilidade tem por fundamento uma atuação estatal que, em tese, não deveria causar nenhum dano, mas que acaba por cometê-lo e, por consequência, surge o dever de reparação que igualmente se traduz em um valor pecuniário. (MARINELA, 2014, p. 1021).

Mello (2016, p. 1027) menciona, inclusive, que a doutrina italiana aponta designações distintas para o montante revertido para o terceiro em cada caso, naquele seria ressarcimento e neste indenização. Apesar disso, assim como o autor, não se adotará esta distinção vocabular no presente trabalho, embora se reconheça a diferenciação das situações que as originaram.

4.2 PRESSUPOSTOS

4.2.1 A figura do agente

Tratando da responsabilização estatal, inovou a Constituição de 1988 ao utilizar o termo “agente” em substituição ao de “funcionário”, constante nos textos constitucionais antecedentes. (NADER, 2016, p. 356).

Na seara administrativista, a expressão anterior designava apenas os ocupantes de cargos públicos, o que restringia o alcance da responsabilização, segundo os doutrinadores à época, razão pela qual defendiam a amplitude desta interpretação. (NADER, 2016, p. 356).

Através do novo vocábulo, a Constituição Cidadã permitiu que houvesse tal extensão, abarcando, agora, qualquer um que desempenhe uma função pública, independentemente do vínculo (permanente ou temporário) ou se há ou não remuneração (BRAGA NETTO, 2015, 109). Inclusive, sustentam Braga Netto, Farias e Rosenvald (2017, p. 610) que também engloba os terceirizados, haja vista as várias tarefas que executam junto ao Estado.

Ademais, tendo em conta os princípios da boa-fé objetiva e da presunção de legalidade dos atos administrativos, também poderá haver a responsabilização do Estado pela conduta danosa daquele que, apesar de irregularmente investido em

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cargo público, ostenta a aparência de agente (denominado pela doutrina de agente de putativo). (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 614-615).

Todavia, para que se possa falar em obrigação reparatória estatal, é imprescindível que a conduta danosa seja praticada pelo agente nesta condição. Amaro Cavalcanti, há muito, tratou de delinear as situações em que se vislumbraria tal hipótese, as quais mesmo tendo sido traçadas considerando a concepção de representação entre Estado e agente (e não de organicidade), podem ser perfeitamente utilizadas para interpretar o texto constitucional ora vigente.

Tendo em conta o ensinamento deste eminente jurista, um agente público agiria como tal quando exerce seu mister perante à Administração, quando atua a pretexto de desempenhá-lo – seja exorbitando ou não suas atribuições – ou valendo-se dos meios que dispõe através dele e, ainda, quando a conduta praticada guarda alguma relação com o cargo desempenhado. (CAVALCANTI, 1905, p. 319).

Assim, como sintetiza Mello (2016, p. 1042), tanto pelos danos produzidos no exercício da função, quanto por aqueles que só puderam se dar em virtude desta, haverá a responsabilidade estatal.

Não necessariamente o agente precisa estar em serviço para que possa haver a responsabilidade do Estado. Braga Netto (2015, p. 112), a título elucidativo, faz menção ao caso de um policial que, em dia de folga, faz uso da arma da corporação para matar um indivíduo, embora não pudesse portar e utilizá-la nesse período.

Por outro, caso os danos decorram da atuação do agente enquanto particular, eventual reparação caberá somente a este e será pautada nas normas do Direito Privado (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 361). Vislumbra-se tal hipótese, por exemplo, quando o agente, no horário do expediente, danifica o aparelho celular de um colega de trabalho. Embora em serviço, sua prática não teve qualquer relação com ele, ensejando a responsabilidade pessoal.

Durante algum tempo, discutiu-se acerca da possibilidade do particular, prejudicado por certa atuação estatal, escolher contra quem desejaria demandar, a saber, o Estado (em sentido amplo), o próprio agente causador do dano ou ambos em litisconsórcio passivo facultativo. (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 615).

Interpretando o art. 37, §6º, da Constituição Federal, grande parte da doutrina e o Superior Tribunal de Justiça sustentavam ser possível essa escolha. Para eles, ao prever a responsabilidade estatal, o dispositivo constitucional tinha por fito dar uma

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maior garantia à eventual pretensão ressarcitória do particular lesado, não prejudicando que tal demanda se voltasse apenas (ou também) contra o agente causador do dano. (SANTOS, 2016, p. 15).

Por outro lado, alguns autores argumentavam que, diante de certa conduta danosa, somente o Estado poderia ser demandado judicialmente para fins de reparação, eis que a ele se imputa os atos praticados por seus agentes. (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 616).

Reforçaria tal tese o fato do artigo de lei atinente à matéria ter apontado a existência de duas relações jurídicas originadas do evento dano, uma entre o Estado e o particular e outra entre aquele e o agente causador. Haveria consagrado, pois, uma dupla garantia. (SANTOS, 2016, p. 9).

A primeira buscaria assegurar ao lesado a desnecessidade de comprovar o elemento culpa para pudesse ser reparado pelos danos experimentos. A segunda, a seu turno, resguardaria o agente de ser acionado diretamente pelo particular, cabendo tal prerrogativa apenas à pessoa jurídica a qual ele se vinculasse. (SANTOS, 2016, p. 9).

Recentemente, contudo, a questão restou elucidada.

Em agosto de 2019, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.027.633/SP – dotado de repercussão geral – o Supremo Tribunal Federal entendeu que o art. 37, §6º, da Constituição Federal consagra essa segunda interpretação, a qual, inclusive, já era perfilada pela Corte. Eis a tese fixada no julgado:

A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(RE 1027633 RG, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 05-12-2019 PUBLIC 06-12-2019)

4.2.2 O dano

Benacchio (2010, p. 102) observa que tal pressuposto assumiu grande relevo com o abandono da teoria subjetivista, uma vez que a análise da antijuricidade se transmudou da conduta do agente (e, por conseguinte, das inúmeras dificuldades criadas por tal situação, conforme mencionado alhures) para a do resultado advindo

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do fato prejudicante, permitindo-se, assim, uma aferição mais objetiva acerca de sua presença.

Conforme leciona Martins (2010, p. 370), o prejuízo não se confunde com o dano. O primeiro, diz respeito à consequência desfavorável propriamente dita, a qual é experimentada no plano fático. O segundo, por sua vez, observa-se quando tal consequência se traduz numa lesão de um interesse juridicamente tutelado.

Tal diferenciação também é feita por outros autores, embora utilizem outras denominações (dano econômico x dano jurídico; prejuízo x lesão jurídica; dano-prejuízo x dano-evento), sendo todos uníssonos quando ao fato de que somente neste último caso é que estar-se-á diante de um dano juridicamente relevante e, por conseguinte, passível de reparação.

Portanto, a partir do confronto do prejuízo havido com as disposições que integram e norteiam o ordenamento jurídico pátrio é que poder-se-á constatar à existência ou não de um efetivo dano. Daí a razão pela qual Benacchio (2010, p. 103) afirma se tratar de um conceito normativo, eis que legislação funciona como seu verdadeiro qualificador.

Apesar disso, é de se registrar que não é possível fixar, a priori, todas as hipóteses passíveis de reparação, pois a análise do caso concreto será fundamental para que se possa concluir se (in)ocorreu, realmente, uma violação a certo direito resguardado juridicamente. Exemplificando: acaso um automóvel particular seja abalroado por um veículo oficial, somente o exame da casuística será capaz de revelar se restou violado um direito personalíssimo.

Para que possa ser reparável, todavia, o dano além de ser jurídico deve ser atual, certo e subsistente.

Segundo Loureiro (2007, p. 609-610), a atualidade indica que o dano já existiu ou existe (ou seja, é anterior ou contemporâneo ao pleito ressarcitório), já a certeza denota que deve resultar de uma situação consumada no plano fático e não de meras conjecturas. Tratam-se de conceitos que se complementam. Já a subsistência, como o próprio nome sugere, indica que o dano ainda não fora objeto de reparação por seu causador.

Para que se possa pressupor o dever de reparação estatal, seja qual for a natureza (comissiva ou omissiva) ou qualidade (lícita ou ilícita) da situação geradora, é imprescindível que o dano contenha tais características. (MELLO, 2016, p. 1055).

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Todavia, tratando-se de comportamento lícito, a doutrina sustenta que deve possuir outros dois caracteres (um plus em relação àqueles já mencionados), quais sejam, a especialidade e anormalidade. O dano é tido como especial quando alcança apenas a um indivíduo ou grupo determinado (ou ao menos determinável) e anormal quando ultrapassa os ônus tidos como inerentes à vida em sociedade. (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 356)

Satisfeitos todos os requisitos delineados, estar-se-á diante de um dano reparável.

4.2.3 O nexo de causalidade

Com a superveniência da teoria objetiva, o cerne da responsabilidade deixou de ser a análise da conduta do agente, com vistas a perquirir a presença ou ausência do elemento culpa, residindo, agora, na aferição de existência de elo entre a situação fática e o dano aduzido, ao que a doutrina denominou de nexo de causalidade. (AHUALLI, 2010, p. 347).

Apesar de já constituir um dos pressupostos da responsabilidade subjetiva, não se traçavam maiores considerações acerca desta temática, quando da predominância de tal vertente. Isso se dava, segundo Braga Netto, Farias e Rosenvald (2017, p. 404), pois havendo a comprovação da culpa, tinha-se por estabelecida a relação de causalidade e, em não havendo, sequer se investigava acerca da ligação ora em comento.

Desvencilhando-se as noções, revelou-se necessário delinear quando haveria esse liame e, por conseguinte, o dever reparatório. Para tanto, surgiram várias teorias – evidenciado, pois, que a questão não era tão simples quanto aparentava (e ainda não o é) – notabilizando-se três delas.

Segundo propugnava a teoria da equivalência das condições, todos os fatores antecedentes ao dano que houvessem concorrido para sua ocorrência se considerava como causa deste, visto que ausente um deles não se vislumbraria a consequência danosa tal qual se dera. (NADER, 2016, p. 126).

Dessa forma, poder-se-ia responsabilizar qualquer um que integrasse essa cadeia, ocasionando, assim, uma regressão infinita do nexo, sendo essa a maior crítica sofrida por tal tese. Através dela, por exemplo, a morte de um indivíduo que sofreu um ferimento à bala poderia ser atribuída à fabricante da arma.

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Evidenciou-se, pois, a necessidade de tornar menos genérico o alcance da causalidade, razão pela qual erigiu a teoria da causalidade adequada.

De acordo com ela, apenas aquele fator que, genericamente considerado, tenha por consequência ordinária o resultado danoso ocorrido no caso concreto é que deve ser tido como sua causa, a causa adequada. Assim não o sendo, estar-se-ia diante de uma consequência fortuita deste fator, e, portanto, inviável a reparação (GONÇALVES, 2018, p. 362).

Para aferir tal adequação, ocorria um processo denominado prognóstico a

posteriori. Após a ocorrência do dano (quando da apreciação da demanda

ressarcitória), o julgador se reportava ao momento da realização da conduta dita danosa e, de maneira abstrata, analisava quais consequências normalmente adviriam dela, tendo em conta o curso natural das coisas. (BENACCHIO, 2010, p. 105).

Existindo compatibilidade com o dano concretamente experimentado, haveria o nexo causal e, por conseguinte, o dever ressarcitório. Caso contrário, restando evidenciado se tratar de uma consequência estranha à conduta, inexistiria esse dever. Diferentemente da sua antecessora, tratou por distinguir condição e causa (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 48). Argumentou-se, todavia, que a adoção desta teoria implicava numa responsabilização fundada em mero juízo (discricionário) de probabilidade, eis que considerava o que frequentemente decorria de certa circunstância, quando dever-se-ia amparar num juízo de convicção, ou seja, tendo em conta as consequências efetivamente originadas da conduta em análise. (SANTANA, 2016, p. 23-24).

Sucedendo-lhe surgiu a teoria do dano direto e imediato, a qual qualificava como causa do dano apenas a situação que a ele se vinculasse de maneira direta e imediata, o que fora compreendido, equivocadamente, como sendo aquela que lhe fosse imediatamente anterior. (AYRÃO, 2010, p. 17).

Em virtude disso, passou-se a sustentar que naqueles casos cuja situação ocasiona inegáveis danos indiretos, estes restariam sem qualquer reparação com a aplicação da tese ora em comento. Assim, com vistas a sanar essa incorreção, desenvolveu-se a subteoria da necessariedade. (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 415).

Por essa subteoria, a designação “direto e imediato” indicava que apenas aquela situação que seja capaz de explicar, por si só, as consequências que lhe são posteriores, é que pode ser reputada como causa destes, ou seja, que deve existir

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uma relação de necessariedade entre conduta e dano, para fins de responsabilização. (AHUALLI, 2010, p. 354).

Não restou isenta de críticas, as quais apontavam que ela remontava à um conceito impreciso, o de antecedente necessário, tal qual o era o de antecedente adequado propugnado pela teoria da causalidade adequada, apesar de se fundar, diferentemente desta, numa análise concreta das consequências ocasionadas por determinada circunstância. (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 417).

Ademais, prejudicaria a integral reparação da vítima ao restringir demasiadamente o alcance do nexo, contrapondo-se, assim, ao novo ideário acerca da função desempenhada pela responsabilidade civil (SANTANA, 2016, p. 21).

A despeito disso, trata-se da teoria que, segundo parte da doutrina, foi acolhida pelo ordenamento jurídico pátrio (NADER, 2016, p. 128), haja vista o teor do art. 403 do Código Civil (BRASIL, 2002) que dispõe “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes

por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual” (grifo

nosso).

Por outro lado, observa-se uma atecnia dos tribunais quando à questão – ora fazendo alusão a certa tese e indicando os fundamentos de outra, ora utilizando indistintamente suas denominações – não havendo, pois, uma uniformidade da jurisprudência acerca daquela a ser adotada, pendendo entre a da causalidade adequada e a da causalidade direta e imediata. (BRAGA NETTO; FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 417).

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5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NO BRASIL

Não é pacífico na doutrina e na jurisprudência o tratamento que deve ser conferido à responsabilidade decorrente de fato omissivo, existindo três correntes acerca desse assunto.

5.1 CORRENTE SUBJETIVISTA

Para tal corrente, o art. 37, §6º, da Constituição Federal, ao tratar na responsabilidade objetiva do Estado, limitou-se às situações danosas decorrentes apenas de atos comissivos, eis que o dispositivo legal indica que a responsabilização se dá em razão dos danos causados, o que pressupõe uma atuação positiva.

Logo, como o fato omissivo se trata de um não agir, não há como causar danos propriamente, de modo que somente naqueles casos em que caracteriza o descumprimento de uma obrigação legal é que dá azo a responsabilização estatal, o que implica na necessidade de se perquirir acerca da culpa, anônima, da estatalidade. (MELLO, 2016, p. 1045). Explica-se.

Como indica Di Pietro (2017, p. 828) – filiada à teoria ora em comento – a responsabilidade estatal omissiva se funda em dois requisitos, a possibilidade de agir e a violação do dever de agir que se traduzem, respectivamente, na disponibilidade de meios para que o Estado possa evitar o dano e no devido emprego deles para tanto, sendo aquele pressuposto desse.

Em outras palavras, havendo instrumentos para obstar a situação danosa, caberá analisar, diante do caso concreto, a qualidade da sua utilização e, por conseguinte, do próprio serviço desempenhado para esse fim. Concluindo-se, ao fim, que a prestação se deu aquém do adequado ou sequer existiu, restaria evidenciada a transgressão supracitada e, consequentemente, o dever de reparação por parte do ente estatal.

Portanto, revela-se crucial aferir como se deu a prestação do serviço estatal, razão pela qual Mello (2016, p. 1048) aponta que o exame da responsabilidade por omissão deve se ater ao Estado (ou seja, à postura por ele desempenhada) e não aos danos eventualmente sofridos pelo terceiro. Nas suas palavras:

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Ao contrário do que se passa com a responsabilidade por comportamentos comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissivos a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo da relação (a do lesado em sua esfera juridicamente protegida), mas pelo polo ativo da relação. É dizer: são os caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade. (grifo do autor)

O autor também pontua que não há um parâmetro preestabelecido acerca da qualidade de cada serviço, o que somente pode ser analisado caso a caso e tendo em conta uma série de fatores – de ordem econômica, político-social e jurídica – evidenciando, assim, a necessidade da responsabilidade ser analisada de maneira subjetivista, sob pena de se transformar o Estado em um segurador universal. (MELLO, 2016, p. 1046-1047).

Reconhecendo, entretanto, a grande dificuldade que tal tese poderia constituir ao administrado, acaso ele tivesse que demonstrar a culpa que eivava o serviço que deu ensejo ao dano sofrido, admitir-se-ia em seu favor a presunção de culpa do Estado, cabendo a este – que melhor conhece os meandros administrativos – afastá-la, mediante a comprovação de que atuou satisfatoriamente, dentro daquilo que dispunha, com vistas a evitar a ocorrência do dano. (DI PIETRO, 2017, p. 828). Apesar disso, trata-se de elemento cuja comprovação, na prática, é exigida do próprio lesado. O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, também compreende ser de natureza subjetiva a responsabilidade fundada em fato omissivo, consoante restou reafirmado em recente julgado exarado pela Corte, eis seu teor:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ANIMAL NA PISTA. DEVER DE VIGILÂNCIA. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DISSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA

CORTE. SENTENÇA CONDENATÓRIA RESTABELECIDA. AGRAVO

INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Trata-se, na origem, de Ação indenizatória, ajuizada pela parte ora agravada, com o objetivo de condenar o DNIT e a União ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, decorrentes de acidente automobilístico ocasionado por animal solto em rodovia federal, que culminou na morte de Francisco Viera da Costa Filho, marido e pai dos autores. O Juízo de 1º Grau julgou parcialmente procedente a ação, reconhecendo a presença dos elementos configuradores da responsabilidade civil do Estado, por omissão.

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III. O Tribunal a quo, por maioria, afastou a responsabilidade civil do Estado na configuração do dano moral e material, ao fundamento de que "o Estado não tem como controlar, como não tem como controlar a passagem de um animal, a passagem de uma pessoa, de uma criança que se largue das mãos da mãe e atravesse a rodovia". O voto vencedor destacou, ainda, que "o fato de não haver sinalização luminosa, no meio-fio ou cerca nas propriedades, entendo que no meio-fio não é obrigatório em rodovias, como também não é obrigação do DNIT construir cercas para contenção de animais. Em um acaso como este, entendo que não há obrigação do Estado em indenizar".

IV. Contudo, do contexto fático, exposto pelas instâncias ordinárias, ficou reconhecido que o acidente ocorreu em rodovia federal, em razão da presença de animal transitando na pista, situação que denotaria negligência na manutenção e fiscalização pelo Estado, além de restarem listados os danos causados aos autores, afastados quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima e de força maior. Segundo constou do voto vencido, "inexistem, nos autos, documentos que comprovem que a entidades públicas têm efetivamente atuado na área com vias a erradicar o problema. Por outro lado, pelas fotos acostadas aos autos, é claramente visível a inexistência de contenções para impedir a travessia de animais na pista, o que configura, sobretudo quando levado em consideração a frequência com que tais acidentes ocorrem na localidade, a existência de uma falha no serviço prestado. Nesse passo, a par da situação fática acima delineada e devidamente comprovada, entendo que restou caracterizada na espécie a responsabilidade civil do Estado por omissão, havendo nexo causal entre o acidente e a conduta estatal, consubstanciada no dever de fiscalizar as rodovias e de impedir que animais fiquem soltos em suas imediações e invadam a pista". Constou, ainda, que a vítima "usava capacete e estava com a Carteira Nacional de Habilitação regular, não havendo informações sobre a velocidade em que conduzia a motocicleta. Afastada, portanto, a possibilidade de alegação de culpa exclusiva da vítima". V. Portanto, o acórdão recorrido contraria a orientação desta Corte, no sentido de ser dever estatal promover vigilância ostensiva e adequada, proporcionando segurança possível àqueles que trafegam pela rodovia, razão pela qual se verifica conduta omissiva e culposa do ente público, caracterizada pela negligência, apta à responsabilização do Estado. Nesse sentido: STJ, REsp 1.198.534/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/08/2010; REsp 438.831/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJU de 02/08/2006; AgInt no AgInt no REsp 1.631.507/CE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/08/2018.

VI. Estando o acórdão recorrido em dissonância com a orientação firmada por esta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, que deu provimento ao Recurso Especial da parte autora, para restabelecer a sentença, que havia reconhecido a presença dos elementos configuradores da responsabilidade civil do Estado por omissão.

VII. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1658378/PB, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 02/09/2019) (grifo nosso)

Mesmo quando deixa de se imiscuir nessa questão, por entender que demanda a reapreciação de matérias de ordem fático-probatória, o que é proibido pela Súmula nº 7 da Corte (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça)8, acaba por consignar que é a

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tese perfilhada por si. Nesse sentido, a título exemplificativo, apresentam-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL E CULPA DA ADMINISTRAÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos.

2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, com base nos elementos fáticos e nas provas constantes no processo, concluiu pela inexistência de comprovação tanto do nexo de causalidade entre o ilícito civil e os danos experimentados, quanto da má prestação de serviço público, por atuação culposa da Administração Pública. A revisão da questão demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgInt no REsp 1.628.608/PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 26/6/2017; AgRg no REsp 1.345.620/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 2/12/2015; AgRg no AREsp 718.476/SP, Rel. Min, Herman Benjamin, Segunda Turmam, DJe 8/9/2015; AgInt no AREsp 1.000.816/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 13/03/2018. 2. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1249851/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 26/09/2018) (grifo nosso) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.INEXISTÊNCIA. CULPA OU NEGLIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.

II. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos" (STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/09/2013.

III. Tendo o Tribunal de origem concluído que, no caso, "analisando os documentos trazidos nos autos, estes não demonstram qualquer culpa ou negligência por parte da UFRGS, muito pelo contrário, pois existem várias licenças médicas para tratamento de saúde e procedimento de redaptação deferidos à servidora", entender de forma contrária demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

IV. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1345620/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 02/12/2015) (grifo nosso)

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É de se mencionar, por oportuno, que tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei da Câmara nº 126/2015 (PL nº 415/2011 na Câmara dos Deputados – casa de origem), que dispõe sobre a responsabilidade civil do Estado. Nele, tratou-se de indicar que, no caso de fatos omissivos, a responsabilidade seria de natureza subjetiva, consoante previsto no art. 2º, parágrafo único, do referido texto legislativo9. (LEAL, 2015).

5.2 CORRENTE OBJETIVISTA

Tal corrente defende que o texto constitucional, ao tratar da objetividade da responsabilização estatal, não fez qualquer ressalva acerca das situações omissivas danosas, e, portanto, aplicar-se-ia também nestas hipóteses, considerando-se a regra hermenêutica de que onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. (LAGOS, 2016, p. 205).

Justifica, ainda, que não há como ser diferente, eis que se trata da interpretação que melhor se coaduna com a Lei Maior, notadamente, no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais, na medida em que a reparação se funda na existência de uma lesão causada a um interesse juridicamente tutelado de outrem, e na sua efetiva reparação, e não na atuação estatal (se culposa ou não). (FREITAS, 2005, p. 28).

Analisa-se a questão, então, tendo em conta a situação daquele que compõe o seu passivo (vítima), diferentemente do que sucede sob a ótica subjetivista, que se centra no lado oposto (causador da situação), tal qual delineado anteriormente.

Prescindível a análise do elemento culpa, caberia à eventual vítima o dever de comprovar tão somente a existência dos demais pressupostos, quais sejam, o fato omissivo, o dano e o nexo causal entre ambos, conferindo-se a este último crucial relevância para fins de responsabilização.

Todavia, conforme mencionado alhures, por bastante tempo as noções de culpa e nexo de causalidade estiveram imbricadas, razão pela qual, com o erigir da

9 Art. 2º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o causador do dano, nos casos de dolo ou culpa.

Parágrafo único. A responsabilidade de que trata o caput é subjetiva nos casos em que dano decorra de omissão.

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responsabilidade objetiva, várias teorias foram formuladas para que se pudesse compreender quando haveria a presença desse liame e, por conseguinte, permitir sua prova. Essa tarefa se revelou extremamente complexa, não havendo consenso, ainda hoje, sobre tal aspecto.

Por outro lado, como aponta Pires (2010, p. 722), todas as teses que pretendem explicar a relação de causalidade se fundam no aspecto fático de causa e efeito, ou seja, reputam como causa apenas aquilo que pode ser se vislumbrar no plano fático (diga-se, uma ação), razão pela qual se torna uma questão ainda mais tormentosa em se tratando de fatos omissivos danosos. Braga Netto, Farias e Rosenvald (2017, p. 655) muito bem delinearam a problemática ora em comento:

Se o problema do nexo causal é um dos mais difíceis da responsabilidade civil, mesmo nos casos em que há ação do Estado, essa dificuldade se revela ainda maior nos casos de omissão estatal. Como afirmar, com razoável segurança, que o dano está ligado à omissão do Estado?

Assim sendo, nota-se que a corrente objetivista também possui suas limitações, especialmente no que diz respeito à responsabilidade por fatos omissivos, tendo em conta as controvérsias acerca do nexo causal e a dificuldade em prová-lo, conforme apontado por Souza (2018, p. 19).

Reconhecendo que tais situações colocam a vítima numa posição de vulnerabilidade face ao Estado, é que Freitas (2005, p. 31) propõe que haveria de se reconhecer, em favor daquela, a presunção do nexo de causalidade (e, consequentemente, a inversão do ônus da prova numa eventual demanda reparatória), cabendo ao ente público afastá-la, mediante a comprovação de sua inexistência.

Por outro lado, menciona que a efetiva demonstração do Estado acerca do emprego de todos os meios necessários para evitar o dano funcionaria como excludente do nexo causal, visto que, nessa situação, não teria como ser reconhecido como o causador do dano e, portanto, ausente o dever de reparação. (FREITAS, 2005, p. 33). Serviria, assim, como uma forma de evitar uma desmedida responsabilização do Estado, que figura como o grande receio daqueles que se opõem a tese objetivista.

Todavia, Gabardo e Hachem (2010, p. 287) apontam que ao reconhecer tal excludente, estar-se-ia condicionando a reparação do direito violado da vítima à possibilidade financeira do Estado (“reserva do possível”), o que denotaria que este

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somente deveria observância aos direitos fundamentais acaso dispusesse de recursos para tanto.

Compreendem, pois, que não há de se perquirir acerca da razão que motivou o descumprimento de certo direito (o dano), e sim aquilo que o cumprimento do direito exige e a desconformidade daquilo que ocorreu, nas suas palavras “a resposta chave do problema é que não interessam os ‘porquês’ (por qual motivo), mas sim os ‘comos’ (de que modo); ‘por que’ é a palavra chave da responsabilidade subjetiva; ‘como’ é a palavra da responsabilidade objetiva. ” (GABARDO; HACHEM, 2010, p. 286).

Ultrapassadas tais considerações, é de se mencionar que o Supremo Tribunal Federal se filia a tese objetivista – apesar de raras vezes apreciar essa questão frontalmente, por entender que demanda a reapreciação de matérias de ordem fático-probatória, o que é proibido pela Súmula nº 279 da Corte10 (BRASIL, Supremo Tribunal Federal). Nesse sentido, a título exemplificativo, apresentam-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR AÇÕES E OMISSÕES QUE ACARRETEM DANO A TERCEIROS. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279/STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos. II – Conforme a Súmula 279/STF, é inviável, em recurso extraordinário, o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. III – Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4°, do CPC. (ARE 1207942 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 30/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 04-09-2019 PUBLIC 05-09-2019) (grifo nosso)

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Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Responsabilidade civil. Queda em bueiro. Danos morais. Elementos da responsabilidade civil demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido.

(ARE 931411 AgR, Relator(a):Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016) (grifo nosso)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. PROFESSORA. TIRO DE ARMA DE FOGO DESFERIDO POR ALUNO. OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA EM LOCAL DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ABRANGÊNCIA DE ATOS OMISSIVOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO

QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(ARE 663647 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-046 DIVULG 05-03-2012 PUBLIC 06-03-05-03-2012)

5.3 CORRENTE INTERMEDIÁRIA

Por fim, têm-se uma tese dita intermediária, segundo a qual a natureza da responsabilidade irá depender da espécie da omissão ocorrida, se genérica ou específica, sendo objetiva nesta e subjetiva naquela.

Aduz Cavalieri Filho (2011, p. 16) que a responsabilidade subjetiva é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que naqueles casos em que há ausência de legislação prevendo que será de natureza objetiva ou, em havendo, a situação não se amoldar à hipótese prevista para tanto, trata-se da modalidade que deve ser adotada no caso.

Portanto, tendo em vista que a responsabilização objetiva do Estado pressupõe que o dano seja decorrente de uma atuação a si atribuível, é que erige a distinção

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entre a omissão em específica e genérica e, por conseguinte, a natureza da responsabilidade aplicável em cada caso.

Qualifica-se como específica a inércia do Estado em agir diante de um caso concreto (NADER, 2016, p. 355). Ocorre a inobservância, pois, daquilo que Cavalieri Filho (2011, p. 17) denomina de “dever individualizado de agir”. A título de exemplo, Nader (2016, p. 355) cita a situação de um indivíduo que, alcoolizado, é indevidamente liberado de uma blitz e, em seguida, provoca um acidente de trânsito.

Nesses casos, aponta Braga Netto (2015, p. 191), é possível estabelecer o nexo causal entre a omissão e o respectivo dano, daí a razão pela qual se reputa que a responsabilidade teria natureza objetiva.

Por outro lado, quando o Estado tem o dever, genericamente considerado, de agir para obstar determinada situação, através da ocorrência desta não é possível inferir a existência do nexo11, de modo que se requer que o lesado comprove que o dano seu em virtude de tal cumprimento ter se dado aquém do devido ou sequer ocorrido. Logo, em se tratando de omissão genérica a responsabilidade teria natureza subjetiva. (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 18).

Tendo em conta o exemplo anterior, diante da ocorrência de um acidente de trânsito com condutor embriagado, caberia à vítima demonstrar que o Estado não empregou as medidas devidas para garantir a segurança do trânsito, tal qual preceitua o Código de Trânsito Brasileiro. Para tanto, teria de comprovar, por exemplo, a frequência daquele tipo de acidente na região e a ausência de fiscalização dos agentes de trânsito com vistas a combatê-lo.

Diante de determinada situação omissiva, portanto, será necessário perquirir a espécie da omissão, para que se possa determinar a natureza da responsabilidade.

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6 SEGURANÇA PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL

Conforme indica Krug (2002, p. 5), a Organização Mundial da Saúde qualifica o termo violência como sendo “o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.”.

No Brasil, inúmeros são os casos de violência noticiados nos telejornais nacionais, segundo o Atlas da Violência de 2019 (BRASIL, 2019) ocorreram 65.602 homicídios no ano de 2017 – o maior número da história – e 4.936 mulheres foram assassinadas neste mesmo ano – o maior número em 10 anos. Por outro lado, o art. 5º, caput, da Constituição Federal institui a segurança como um direito fundamental. Observe-se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Reforçando tal previsão, o art. 144 do mesmo diploma normativo destaca que, “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...)”. (BRASIL, 1988).

Dessa forma, já antevia Dias (2006, p. 798), “avançar até a composição dos danos resultantes da atividade criminosa de particulares é, por enquanto, prematuro, embora seja lícito prever a evolução, logicamente endereçada a esse ponto, da responsabilidade civil do Estado”. Tendo em conta, pois, as proporções que o nível da violência atingiu, é de se analisar o cabimento da responsabilidade estatal nesses casos.

Como aponta Braga Netto (2015, p. 85), a responsabilidade estatal passa por uma nova fase, fundada numa hodierna visão acerca da figura do Estado, qual seja, a de garantidor de direitos fundamentais. Já não se revela suficiente que ele apenas não viole tais direitos, é necessário que impeça terceiros de o fazê-lo.

Nesse sentido, leciona Oliveira (2013, p. 38) que os direitos fundamentais comportam duas dimensões (ou funções), a defensiva e a protetiva. Desta última,

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