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Responsabilidade civil do Estado por omissão

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Academic year: 2018

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP

Responsabilidade civil do Estado por

omissão

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Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia

Responsabilidade civil do Estado por

omissão

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em direito, sob a orientação da Professora Dra. Rosa Maria de Andrade Nery.

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Banca examinadora

______________________________________

______________________________________

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Agradecimentos

À estimada Professora Rosa Maria de Andrade Nery pela orientação que dispensou na elaboração desta dissertação e confiança em mim depositada.

(5)

Resumo

O objetivo central deste trabalho é a análise da responsabilidade civil por omissão do Estado, conforme a regra estabelecida no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, discorrendo sobre seus limites, abrangência e controvérsias, mediante uma abordagem crítica da jurisprudência do STF.

É certo que o Estado responde por danos causados aos particulares por seu agente, inclusive nos casos de omissão, como nas hipóteses em que o serviço público não funcionou, funcionou tardiamente ou de forma deficiente. A exata extensão dessa responsabilidade, contudo, está longe do consenso doutrinário e jurisprudencial.

Pelo menos em teoria, a responsabilidade do Estado, conforme se depreende da Constituição Federal, é objetiva, ou seja, configura-se independentemente de dolo ou de culpa do agente. Tais fatores só ganhariam relevância para fins de ação regressiva.

Quando se trata de ato omissivo, o aspecto subjetivo da responsabilidade vem à tona, o que dá ensejo a interpretações doutrinárias divergentes que debatem calorosamente o tema. Na grande maioria dos casos, discute-se a responsabilidade apenas sob um ponto de vista interno ao direito. É preciso um olhar mais abrangente, que também leve em conta questões sociológicas e políticas, atinentes ao próprio Estado Democrático de Direito, envolvendo, por exemplo, políticas públicas, com vistas a atingir o objetivo de uma administração eficiente.

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Abstract

Our main goal is to analyze the State’s liability in case of omission, in regard of the rule established in the article 37, paragraph 6, of the Brazilian Federal Constitution, by defining its limits, scope, and controversies, specially analyzing the Supreme court´s jurisprudence.

It is widely accepted that the State is liable for the damages it causes to the citizens, even in cases of omission, as it would happen when a public service didn’t work, was delayed or worked deficiently. The exact extension of its responsibility it far from a consensus in the jurisprudence or among judges.

In theory, the State’s liability, as stated in the Federal Constitution, is objective, which means that it does not depend on the agent’s fault or tort, which are important only in case of regressive action.

In case of omission, the subjectiveness of the responsibility takes place, as many don’t accept the objective responsibility in such cases, causing division in the jurisprudence. In the great majority, the discussion limits its analyses to the law. One must look further, taking into account sociological and political issues regarded to the rule of law in a democratic state, for example, as in public policies in pursuitof an efficient administration

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Sumário

Agradecimentos ... 2

Resumo ... 3

Abstract ... 4

Introdução ... 8

Capítulo 1. O Estado Democrático de Direito como fundamento da responsabilidade civil 12 1.1. O Estado de Direito como condição da responsabilidade civil do Estado ... 13

1.1.1. Tripartição de poder e o Estado de Direito ... 14

1.1.2. Constituição e o Estado de Direito ... 15

1.2. O Estado Democrático de Direito e a necessidade de Responsabilidade Civil do Estado ... 17

1.3. O Estado Social Democrático de Direito e ampliação da Responsabilidade Civil do Estado ... 19

Capítulo 2. Evolução histórica da responsabilidade civil ... 22

2.1. Fase da irresponsabilidade estatal ... 23

2.2. Fase civilista ... 24

2.2.1. Teoria dos atos de império e dos atos de gestão ... 25

2.2.2. Teoria da culpa ou da responsabilidade subjetiva ... 26

2.3. Fase publicista ... 27

2.3.1. Teoria da culpa administrativa ... 28

2.3.2. Teoria do risco ou responsabilidade objetiva ... 30

2.3.3. Teoria do risco integral ... 33

2.3.3. 1 Excludentes e atenuantes da responsabilidade objetiva ... 34

2.4. Observações Conclusivas ... 38

Capítulo 3. A responsabilidade civil do Estado no direito brasileiro ... 40

3.1. Evolução ... 40

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3.1.2. República Velha ao Estado Novo ... 40

3.1.3. Nova República e Regime Militar ... 41

3.1.4. Constituição de 1988 ... 42

3.2. Fundamentos da responsabilidade civil objetiva ... 45

3.2.1. Dano ... 48

3.2.1.1 - Dano na responsabilidade do Estado ... 51

3.2.2. Atos lesivos ... 52

3.2.3. Agentes públicos ... 55

3.2.4. Terceiros ... 56

3.2.5. Nexo de causalidade ... 57

3.2.5.1 - As teorias sobre o nexo de causalidade ... 58

3.2.5.2 – Teoria da equivalência dos antecedentes causais ... 59

3.2.5.3 – Teoria da causa eficiente ... 61

3.2.5.4 – Teoria da causalidade adequada ... 61

3.2.5.5 – Teoria do dano direto e adequado ... 63

3.3. Observações conclusivas ... 65

Capítulo 4. A responsabilidade civil da administração por omissão na jurisprudência do STF . ... 68

4.1. Responsabilidade subjetiva ou objetiva no caso de omissão do Estado. ... 68

4.2. Omissão genérica e omissão específica ... 74

4.3. Teoria da Causalidade Adequada ... 77

4.4. A responsabilidade objetiva por omissão das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado ... 80

4.5. Hipóteses de exclusão da Responsabilidade Civil: do Estado ... 81

4.6. Responsabilidade contratual de cunho civilista ... 83

4.7. Observações conclusivas ... 84

Conclusão ... 86

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Introdução

É inegável que, atualmente, estamos inseridos em uma sociedade com múltiplas e entremeadas relações, cujas aspirações vão muito além do que pode propiciar o Estado dada a reconhecida insuficiência de recursos aliada à notória dificuldade de se estabelecer prioridades. De um lado, o Estado faz vistas grossas às ocupações irregulares nas encostas dos morros, permitindo, indiretamente, a ocorrência de grandes tragédias nas épocas de chuvas, causadoras de violentos deslizamentos de terra. Por outro lado, o Estado é incapaz de resolver os problemas contemporâneos de moradia, resultantes de grandes deslocamentos populacionais e da má distribuição de renda. No centro desse paradoxo pós-moderno brasileiro, o Estado é colocado em xeque, como alvo dos inúmeros reclames de sua responsabilidade. Isso sugere um questionamento acerca do modelo de estado que devemos adotar, ou seja, um Estado intervencionista, que regula grande parte das relações jurídicas e que fornece uma enorme gama de serviços e direitos a serem usufruído por seus cidadãos. Ou, em contrapartida, um Estado Liberal, pouco intervencionista, que deixa a esfera privada sujeita à própria sorte. Afinal, queremos um Estado segurador universal de todos os infortúnios, ou um Estado blindado de questões que lhe fogem ao controle? Eis a questão: qual é o ponto de equilíbrio da responsabilidade do Estado?

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buracos na pista; quando há lesão corporal de uma criança que estava numa escola pública; ou ainda quando um preso recolhido numa penitenciária é assassinado. Esses são apenas alguns exemplos de situações em que o Estado pode, em razão do exercício de uma atividade ou até mesmo pelo seu não exercício, causar danos aos particulares.

Vivemos hoje a égide da “sociedade de riscos” que, na concepção de Ulrich Beck, corresponde

à sociedade mundial, em que riscos se avolumaram em um grau excessivo, em áreas como o meio ambiente, a química, a genética, a energia nuclear, demandando ações cada vez mais intensas e enérgicas dos Poderes Públicos, por meio de decisões que, muitas vezes, são tomadas agora e que delas decorrerão – ou poderão decorrer – danos à população muitos anos depois. É o caso, por exemplo, da liberação de plantio e produção de alimentos transgênicos, decisão do Poder Público que pode resultar no pagamento de altíssimas quantias indenizatórias àqueles que por ventura venham a ser lesados nos direitos à saúde e ao meio ambiente1.

Diante das inúmeras possibilidades de atuação estatal apontadas, surgem diversas situações limítrofes cujas consequências, muitas vezes danosas, não são solucionadas pela regulação vigente. É certo que não se deve, por exemplo, admitir que o particular sofra sozinho, as implicações de um eventual dano causado na prática de uma atividade ou serviço realizado pelo Estado em prol da coletividade. Por outro lado, não podemos admitir indenizações desmedidas e infinitas a cargo do Estado, sob pena de prejudicar a própria sociedade, porquanto é ela quem contribui para a formação do patrimônio estatal que, por sua vez, não poderá ser utilizado como um seguro universal para todas as situações. Impõe-se, novamente, a indagação: qual é o ponto de equilíbrio entre esses dois aspectos? É forçoso reconhecer que, quanto maior o número de atividades desempenhadas pelo Estado, maior é o risco de que

1OLIVEIRA, Gustavo Justino de. “Responsabilidade civil do estado: reflexões a partir do direito à boa

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danos sejam causados aos particulares em razão dessas mesmas atividades. Surge, portanto, a necessidade de compreendermos quando e em quais circunstâncias devam ser ressarcidos os danos causados pelo Estado, e, para tanto, é preciso buscar os fundamentos jurídicos e sociais dessa responsabilidade.

Gustavo Justino de Oliveira destaca a evolução do denominado direito administrativo comunitário, que consagrou, com a norma inserida no item 3 do artigo 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, o direito fundamental a uma boa administração, ao dispor expressamente que

todas as pessoas têm o direito à reparação, por parte da comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício de suas respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-membros2.

Na prática, a análise pretendida restringe-se primeiramente à responsabilidade extracontratual do Estado, assim definida por Di Pietro como “a obrigação de reparar danos causados à terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis ao agente público”3

e, em especial, aos casos de omissão, principal fonte de incerteza nos casos de responsabilidade civil do Estado. De fato, no que concerne às ações comissivas, tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes em reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado, prevista no artigo 37 parágrafo 6º da CF. Essa mesma unanimidade, contudo, não se repete com relação às ações omissivas, pois persistem sérias divergências quanto à aplicação das regras da responsabilidade subjetiva ou objetiva, como se verá adiante. Ademais, a omissão do Estado tem um caráter complexo, pois pode advir de situações decorrentes de fatores externos, o que dificulta o estabelecimento da imprescindível relação de causalidade entre a omissão e o dano. Constata-se que a responsabilidade do Estado passou a alcançar patamares

2OLIVEIRA, Gustavo Justino de. “Responsabilidade civil do estado: reflexões a partir do direito à boa

administração publica”. In. NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Responsabilidade civil, v.6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.206.

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muito maiores do que se imaginava, e tal complexidade causa embaraços ao cidadão atingido pelas consequências da atividade estatal.

Diante de todas as mencionadas situações, surgem diversos desdobramentos que merecem uma acurada análise, como a imprescindível verificação da existência do dano, a relação de causalidade existente entre o dano e a atividade ou omissão estatal, ou até mesmo se há a necessidade de demonstração de culpa do agente público para a configuração da responsabilidade estatal em caso de omissão.

A presente dissertação tem como objetivo discutir a Responsabilidade do Estado pelas condutas omissivas da administração pública que causem danos aos particulares, e o respectivo dever de reparação. Nesta análise não serão tratadas as hipóteses de responsabilidade dos atos do poder legislativo nem do judiciário, por se tratarem de temas específicos de aplicação de Responsabilidade do Estado.

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Capítulo 1.

O Estado Democrático de Direito como fundamento

da responsabilidade civil

Se considerarmos como parâmetro os primórdios da história do direito, é forçoso convir que o instituto da responsabilidade civil do Estado é recente. De fato, ele não surge concomitante ao aparecimento do Estado moderno. Mesmo na atualidade, esse instituto não está consolidado, mas em transformação, tendo como centro da discussão a responsabilidade do Estado por omissão.

A emergência dos Estados nacionais deu-se com o surgimento do Estado absolutista, uma forma supra jurídica de organização do poder político. Esse Estado, denominado Estado de polícia, tinha como principal característica a sujeição dos indivíduos aos seus comandos. Contudo, não se sujeitava à nenhum comando legal.

Certamente, nessa configuração política, a ideia de responsabilização do Estado sequer era cogitada. A preocupação não era outra senão a manutenção das estruturas de poder, sempre em disputa pelas classes dominantes.

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1.1. O Estado de Direito como condição da responsabilidade

civil do Estado

O Estado de Direito surge como importante instrumento de regulação da sociedade, para viabilizar a convivência harmônica, respeitando os direitos e deveres de cada indivíduo. A criação do Estado dá ensejo à organização política e, principalmente, jurídica, ordenada por meio do Direito.

Carlos Ari Sundfeld define Estado de Direito

como o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior as demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado4.

A ideia de que todos, incluindo o Estado, devem se sujeitar ao Direito, é a pedra fundamental da responsabilidade civil do Estado. Ora, um Estado que não se submete ao direito é um Estado que não está juridicamente obrigado a nada. É um Estado que não pode ser responsabilizado pelos seus atos. A submissão do Estado ao direito é condição indispensável da responsabilidade civil. Não é, contudo, o suficiente, visto que a responsabilidade civil do Estado na época do império era bastante limitada. Aliás, até o século XIX, prevalecia a ideia de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos que fossem praticados por seus agentes. O Estado Liberal tinha atuação restrita e pouco intervinha nas relações entre particulares. Prevalecia, à época, a noção de que o Estado era um ente poderoso e absoluto e, consequentemente, insuscetível de causar danos e ser responsabilizado. Em tal noção se sustenta a teoria da irresponsabilidade do Estado.

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1.1.1. Tripartição de poder e o Estado de Direito

A ideia de submissão do Estado ao direito foi resultado da consolidação de instituições de poder capazes de controlar umas às outras sem predominância de nenhuma. Trata-se da questão da tripartição de poderes, conforme idealizada por Montesquieu, com acréscimo da doutrina contemporânea, que prefere falar em funções. Na verdade, Montesquieu não foi o primeiro a pensar na repartição do exercício do poder, mas foi ele quem vislumbrou o controle recíproco.

Como bem esclarece Celso Ribeiro Bastos,

o traço importante da teoria elaborada por Montesquieu não foi o de identificar estas três funções, pois elas já haviam sido elaboradas por Aristóteles, mas o de demonstrar que tal divisão possibilitaria um maior controle do poder que se encontra nas mãos do Estado. A ideia de um

sistema de “freios e contrapesos”, dentro do qual cada órgão exerça as suas

competências e também controle o outro, é que garantiu o sucesso da teoria de Montesquieu5.

Trata-se de um modelo simples, mas eficiente. Nele, as funções do Estado, inclusive as administrativas, devem ter sua expressão nas normas jurídicas e estas, por sua vez, delineiam as funções do Estado. Mas, para que haja essa vinculação do Estado à norma, é importante que a autoridade que a elabora seja distinta daquela que a aplica, a fim de garantir seu fiel cumprimento. Além disso, o judiciário também cumpre importante papel na fiscalização e correção de eventuais distorções na aplicação da lei e no seu conteúdo. Assim, afirma-se a indispensabilidade da separação de poderes, com a aplicação dos “checks and balances” (freios e contrapesos), entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, para a contenção do Estado e garantia dos direitos individuais. Essa é, sem dúvida, a condição mínima para existência da responsabilidade civil do Estado.

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1.1.2. Constituição e o Estado de Direito

Por trás do conceito de Estado de Direito encontra-se o Estado constitucional e os direitos fundamentais, como fatores indissociáveis. Na lição de Norberto Bobbio fica clara essa relação:

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princípio, “invioláveis” (esse adjetivo se encontra no art. 2º. da Constituição

Italiana)6.

Partindo desse conceito, fica clara não só a supremacia da Constituição sob todas as normas jurídicas, como também a certeza de que estas devem ter seu fundamento na própria Constituição, que, por sua vez, necessariamente, contém mecanismos de controle da constitucionalidade das leis, justamente para que não haja desrespeito aos direitos por ela garantidos. Em suma, o Estado de Direito nada mais é do que a criação decorrente da própria constituição, por meio da expressão do poder constituinte, implicando na obediência de todos os poderes (executivo, legislativo e judiciário) à ordem superior constitucional e aos valores por ela protegidos.

Outra característica fundamental do Estado de Direito é a superioridade da lei. Tida como expressão da vontade geral, a lei deve ser respeitada pelo próprio Estado e, ainda, tem como prerrogativa a determinação dos limites da sentença e dos atos administrativos. Sendo assim, o juiz e os administradores exercem suas funções a partir da expressão da lei, e não de suas vontades particulares.

De acordo com José Afonso da Silva, “O princípio da legalidade é também um princípio basilar do Estado Democrático de Direito”7. É da essência de seu conceito subordinar-se a Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o principio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Deve, pois, ser destacada a relevância da lei no Estado Democrático de Direito, não apenas quanto ao conceito de ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas também a sua função de regulamentação fundamental, produzida segundo um procedimento constitucional qualificado. A lei é efetivamente o ato oficial de maior realce na vida

6 apud.

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política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação a vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses”8.

Podemos extrair ainda desse excerto, que a Constituição e seu conjunto de leis têm como prerrogativa, além das garantias contidas no texto, o reconhecimento de direitos que são oponíveis ao Estado, ou seja, que protejam os indivíduos do Estado. Essa garantia dos direitos individuais é justamente uma das características mais importantes do Estado de Direito. É, sem dúvida, a condição jurídica para se falar em responsabilidade civil do Estado, o que não ocorreria no período em que prevaleceu o Estado de polícia. Tal condição, reitera-se, não é suficiente.

1.2. O Estado Democrático de Direito e a necessidade de

Responsabilidade Civil do Estado

Soma-se à definição de Estado de Direito, a democracia, que se expressa pela participação do povo no exercício do poder, numa sociedade livre justa e solidária. É, pois, no Estado democrático de direito que se encontrará a base principiológicada responsabilidade civil do Estado.

O Estado de Direito, como já observado, tem como característica a existência de uma Constituição, a submissão do Estado à lei e a garantia dos direitos individuais. No entanto, isso não significa que nesse modelo esteja garantida a participação popular, com regularidade no exercício do poder.

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Com o passar do tempo, o Estado passou a incorporar instrumentos que permitiram a participação popular, principalmente com o advento da República, que, em síntese, significa o povo representado por pessoas que são eleitas para o cumprimento de mandatos periódicos, dentro dos limites de poder recebidos.

Nossa Constituição, ao adotar o modelo republicano, consagrou a participação popular direta. Isso fica evidente, não só em face do disposto no artigo 1º parágrafo único, que prevê: “todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”, como também pela previsão do referendo e do plebiscito. Assim, o Estado democrático e republicano passa a ser composto pela previsão da participação direta da população, que resulta no surgimento dos direitos políticos como garantia dessa participação no poder. Obviamente, não se trata de uma garantia exclusivamente formal, mas sim da real possibilidade de manifestação da vontade, pensamento e expressão, de maneira que

a democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do provo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes (art. 1º., parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício9.

Em resumo, pode-se dizer que o Estado Democrático de Direito “é a soma e o entrelaçamento de constitucionalismo, república, participação popular

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direta, separação de poderes e direitos (individuais e políticos)”10. O resultado desse amalgama é uma lógica circular: o poder é exercido pelo povo e em benefício dele.

A concentração do Estado na figura do povo como fundamento e exercício do poder tem um significado muito mais profundo do que a ideia de participação popular. O modelo democrático é a rejeição do modelo de favorecimento da classe dominante. Nesse sentido, democracia não é só vontade da maioria, mas também proteção da minoria contra uma maioria opressora. Trata-se da emanação máxima do principio isonômico. Vale dizer, trata-se da isonomia como corolário do principio democrático.

Nesse modelo, seria inadmissível permitir que qualquer cidadão sofresse eventual prejuízo decorrente da atuação do Estado sem a devida reparação. Em última análise, aceitar tal situação seria admitir a opressão da maioria sobre uma minoria, violando o principio democrático. Ora, se o Estado age em favor de um bem comum, admitir que esse benefício seja alcançado em detrimento de poucos, sem a justa reparação, seria uma forma de aceitar a opressão de grupos majoritários. Ora, a responsabilidade civil do Estado é intrínseca ao Estado democrático de Direito.

1.3. O Estado Social Democrático de Direito e ampliação da

Responsabilidade Civil do Estado

Conforme vimos anteriormente, o Estado liberal tinha como característica a não intervenção do Estado nas relações entre particulares. Era conhecido como “estado mínimo”, responsável somente pela ordem, paz e segurança.

Com o pós-guerra e as crises econômicas, o Estado passou a assumir um papel mais ativo para garantir e fomentar o desenvolvimento social. As

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Constituições mais marcantes nesse sentido foram a de Weimar (1919) e a do México (1917), que trouxeram em seus textos os princípios de proteção dos indivíduos em face do poder econômico, bem como a prestação estatal para fornecimento das prestações positivas.

Diferentemente da ideia de resguardar o indivíduo em face da atuação do Estado, as novas constituições buscam colocar o Estado como agente do desenvolvimento e fomentador da justiça social, tanto distributiva, quanto reparativa. De um lado, surgem os direitos sociais, que garantem assistência à velhice, deficiências física e mental, visam a proteção econômica dos mais fracos e reconhecem os direitos dos trabalhadores, e, de outro lado, surge a prerrogativa do individuo exigir do Estado a prestação positiva de direitos, como saúde, educação etc.

Devemos observar que o Estado Social Democrático de Direito tem como fundamento o princípio basilar a dignidade da pessoa humana. Sem dúvida, o conceito de dignidade humana é bastante amplo e varia de acordo com a sociedade, os valores culturais, entre outros. No entanto, cumpre ressaltar que tal conceito passa a ser observado além da proteção da pessoa frente à arbitrariedade do Estado, mas no seu sentido positivo de promoção e proteção de valores que representam o compromisso do Estado Social Democrático de Direito.

Entre os diversos princípios, vale também ressaltar o princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns devem ser repartidos. Se uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, passa a haver uma ruptura do equilíbrio que necessariamente deve existir entre os encargos sociais. Com a finalidade de restabelecer o equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário11.

Finalmente, como resume Carlos Ari Sundfeld:

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“em termos sintéticos, o Estado Social e Democrático de Direito é a soma e o entrelaçamento de: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de poderes, legalidade, direitos (individuais, políticos e

sociais), desenvolvimento e justiça social”12 .

No Estado Social Democrático de Direito, a ampliação da atuação estatal com o fornecimento de serviços gera como consequência automática o aumento da responsabilidade para com os administrados. Isso porque, na medida em que o Estado assume um número maior de funções, ele passa a se sujeitar a um risco cada vez maior de gerar danos. Mas isso não é tudo. O fornecimento de serviços torna o Estado devedor dos particulares. Em certos casos, isso dever se caracterizar como uma obrigação de resultado. Assim, a responsabilidade do Estado deixa de limitar-se aos danos causados pela sua atuação, passando a responder inclusive por danos causados pela omissão. Não é por outro motivo que o tema da responsabilidade civil do Estado por omissão surge e ganha força no Estado Social. O tema é sem dúvida muito recente. Veremos, a seguir, como se deu a evolução histórica desse instituto no Direito Brasileiro.

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Capítulo 2.

Evolução histórica da responsabilidade civil

Muitas são as teorias que, ao longo da história, discutem e fundamentam o instituto da responsabilidade civil do Estado. Observa-se que o desenvolvimento dessas teorias está diretamente relacionado ao conceito e à estrutura do Estado de Direito adotado. Assim, teorias desenvolvidas durante o Estado de Polícia diferem daquelas desenvolvidas durante o Estado Liberal, que, por sua vez, diferem das teorias concebidas na atmosfera do Estado Social, apenas para citar algumas das formas que revestiram o Estado ao longo da história. Moldado por séculos de transformação das funções estatais, o modelo atual da responsabilidade civil do Estado tem em seu gene muitas características adquiridas ao longo do tempo, de modo que, para sua compreensão, é preciso visitar as teorias precursoras desse modelo. Caso contrário, corre-se o risco de interpretar erroneamente as diretrizes da teoria contemporânea, impossibilitando uma reflexão crítica coerente com a origem desse instituto. Analisaremos, então, as principais teorias que influenciaram o desenvolvimento do tema da responsabilidade civil do Estado no Direito brasileiro, sem a pretensão de esmiuçar as inúmeras teorias existentes, mas tão somente traçar um panorama geral para compreensão da matéria.

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Para chegar a esse patamar o modelo estatal incorporou diversas aquisições evolutivas, num sentido otimista da expressão. Ou seja, houve um verdadeiro desenvolvimento da matéria, e não apenas mudanças circunstanciais. Como veremos, a teoria da responsabilidade civil do Estado passou por fases mais primitivas antes de atingir a moderna concepção da responsabilidade objetiva. Podemos sistematizar essas fases da seguinte maneira: a) fase da irresponsabilidade; b) fase civilista; c) fase publicista. Vejamos cada uma delas.

2.1. Fase da irresponsabilidade estatal

Nos Estados despóticos e absolutistas vigorava, à época, a noção de que o Estado era irresponsável pelos atos que cometia. Essa teoria se assentava sobre a máxima “the King can do no wrong” (o Rei não erra) ou “leRoi ne peut mal faire” (o

Rei não pode fazer mal), já que o Rei era o próprio Direito e estava desvinculado do ato danoso causado pelo agente13. Ora, o Rei e o Estado confundiam-se um ao outro, e era inconcebível que a autoridade máxima do direito se submetesse a qualquer tipo de responsabilidade em razão de atos de império.

Isso não significava que danos resultantes da atividade administrativa estivessem totalmente descobertos de proteção jurídica. Caso houvesse algum dano, o agente público era pessoalmente responsável, cabendo a ele responder com seu patrimônio para sanar o prejuízo. Se o agente em questão fosse insolvente, restava frustrada a reparação.

Com o declínio do Estado absolutista, a irresponsabilidade do Estado enfraqueceu, tendo praticamente desaparecido em todos os países de tradição romano-germânica. Nos países regidos pelo direito consuetudinário, a irresponsabilidade persistiu um pouco mais em razão da força normativa dos

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precedentes (nesses sistemas, o rompimento com o passado exige um ato normativo de desvinculação da jurisprudência). Nos Estados Unidos isso se deu em 1946, por meio do Federal Tort ClaimAct, que dispunha sobre a responsabilização do Estado no caso de culpa. Logo na sequência, o Crown ProceedingAct de 1947 estabeleceu que a Coroa Inglesa passasse a responder por danos causados por seus funcionários ou agentes, desde que houvesse infração daqueles deveres que todo patrão tem em relação aos seus prepostos e também daqueles deveres que toda pessoa comum tem em relação à propriedade14. Em ambos os casos, a mudança legislativa foi oportuna, principalmente na Inglaterra do pós-guerra, época em que os cidadãos enfrentavam momentos de grande dificuldade.

2.2. Fase civilista

Com a decadência do absolutismo no final do século XVIII e com o fim da Revolução Francesa, houve o rompimento com o modelo autoritário de exercício do Poder Público, surgindo, então, as primeiras teorias de responsabilidade do Estado. Essa passagem significou a mudança para o Estado mínimo, em que foram reconhecidos os direitos fundamentais, responsáveis por resguardar os indivíduos em face de eventuais arbítrios cometidos pelo Estado. Houve, portanto, o rompimento com a fase da irresponsabilidade absoluta do Estado, iniciando-se o processo para a conformação do Estado de Direito.

Nessa fase, o Estado passa a ser responsabilizado pelos danos causados por seus agentes, com fundamento na teoria dos atos de gestão.

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2.2.1. Teoria dos atos de império e dos atos de gestão

Na ocasião, a teoria civilista distinguia os atos do Estado entre atos de império e atos de gestão, para fins de responsabilidade do Estado. Segundo essa divisão, os atos de império seriam aqueles que tinham o condão de impor medidas unilaterais e coercitivas; insuscetíveis, portanto, de gerar o direito à indenização.

Quanto aos atos de gestão, seriam aqueles realizados pelo Estado para satisfazer as necessidades sociais e culturais, de progresso e de bem-estar da população. Nesses casos, agia o Estado em situação de igualdade com o particular, gerindo os interesses coletivos, administrando seu patrimônio como pessoa privada. Distinguia-se a pessoa do Rei (que não errava), responsável pelo dos atos de império, da pessoa do Estado, praticante dos atos de gestão por meio de seus prepostos e sujeito a responsabilização.

A responsabilização pelos atos de gestão, todavia, somente ocorria quando comprovada a culpa do agente e o dano por ele praticado. O caráter culposo da conduta do agente condicionava a aplicação da responsabilidade patrimonial do Estado. Entendia-se, portanto, que apenas com a comprovação da conduta ilícita ou contrária ao direito, que fosse passível de causar dano, é que seria possível à vítima pleitear a reparação.

No entanto, a diferenciação entre atos de gestão e atos de império era bastante difícil, pois como explica Cahali

só se pode tachar de arbitrária a distinção entre ato praticado jure imperii

ou jure gestionis. Realizando um ou outro, o Estado é sempre Estado. Mesmo quando pratica simples ato de gestão o Poder Público age não como mero particular, mas para a consecução de seus fins15.

Mário Mazagão observa que:

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a solução trazida pela doutrina civilista, embora representasse progresso em face do regime anterior, não logrou satisfazer as exigências da justiça. A cerebrina distinção entre atos de império e de gestão impedia a indenização em muitos casos clamorosos, e a pesquisa da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), por vezes difícil, contribuiu para reduzir o alcance do sistema. Por outro lado, a subtração, ao controle jurisdicional, dos chamados atos de império está em contradição com postulados do direito público moderno, que proclamam a supremacia da lei16.

Posteriormente, foi abandonada a divisão entre atos de gestão e atos de estado em razão das críticas e das dificuldades de identificar cada um deles, mas foi mantida a análise da culpa, assim explicada pelo Direito Civil como critério apto a gerar o dever de indenização. Desta forma, permaneceu a necessidade de comprovação do dano pelo particular, bem como a conduta culposa do agente estatal.

2.2.2. Teoria da culpa ou da responsabilidade subjetiva

Após o lento abandono da divisão entre atos de gestão e atos de império, a teoria evoluiu de modo a responsabilizar o Estado quando houvesse comprovação do dano e da culpa do agente responsável pelo prejuízo. Essa responsabilidade, no entanto, poderia ser derrogada sempre que se provasse a ausência de culpa in vigilando (a Administração não pode ser responsabilizada, uma vez cumpridas as exigências legais para a vigilância, verificação e controle das atividades de seus agentes) e de culpa in eligendo (a Administração não pode ser responsabilizada pela escolha de seus agentes, uma vez que, para nomear seus funcionários, é obrigada a cumprir determinações legais para o provimento). No caso de atos dolosos a responsabilidade era atribuída ao funcionário.

(28)

Não obstante o progresso, ainda assim, ficou muito difícil, nos casos concretos, provar o dano e a culpa do agente público para que o prejudicado alcançasse reparação. Tal situação deu ensejo a diversas críticas que foram importantes para que se desse início a uma nova fase autônoma do direito civil, chamada fase publicista.

2.3. Fase publicista

Com o declínio do Estado Liberal e a demanda por um Estado cada vez mais intervencionista, que corrigisse as desigualdades vigentes na época do Estado Liberal, observou-se a impossibilidade de uma aplicação “justa” das teorias civilistas para solução dos danos ocasionados pelo Estado. Daí o surgimento das primeiras teorias publicísticas, destinadas a amparar os particulares em face do Estado.

A partir da inserção das normas e princípios de direito público no que concerne a responsabilidade do Estado, a teoria da culpa civil foi afastada no julgamento do caso “Blanco”17, em 1873, pelo Tribunal de Conflitos da França. Nesse

17“O caso Blanco á o seguinte: a manufatura nacional do Tabaco de Bourdéus ocupava dois edifícios separados por uma rua e dois vagonetes transportavam matéria-prima dum prédio a outro. Uma menina foi assim atropelada e ferida por um dos vagonetes e, de tal maneira, que teve a perna estraçalhada. Os pais da criança moveram ação de indenização contra o Estado, pleiteando a causa perante tribunais civis. Suscitou-se o conflito e o tribunal competente para decidir –o tribunal de conflitos , restabelecido um ano antes, em 1972 –, teve de resolver se cabia à jurisdição administrativa ou aos tribunais judiciários a resolução da controvérsia.

Quais teriam sido as consequências da aplicação dos princípios até então em vigor? A competência dos tribunais administrativos teria sido reconhecida, a parte teria ganho de causa pelo seguinte fundamento: a circulação do vagonete era antes de tudo um ato de gestão.

Logo depois, o Tribunal de Conflitos declara que a competência é administrativa, porque se trata de apreciar a responsabilidade nascida do funcionamento dum serviço público.

Abandona-se, como se depreende desta colocação, toda jurisprudência anterior, procede-se a verdadeira revolução jurisprudencial, afirma-se a autonomia do direito administrativo, aceitando-se o entendimento de que o funcionamento dos serviços públicos é regido de plano por um regime jurídico diverso do que prevalece no direito privado.

O caso Blanco é fundamental. É a pedra angular do direito administrativo.” CRETELLA JR. José. “Tratado

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julgamento foi reconhecido que o regime jurídico a que o Estado encontrava-se sujeito deveria diferenciar-se do direito comum, então entendido como Direito Civil.

A decisão teve como fundamento dois argumentos principais, o primeiro, que a própria Administração Pública poderia ser responsabilizada por danos decorrentes da prestação do serviço, e o segundo, que ressalta que a norma civil não se aplicava a esse tipo de hipótese, devendo haver, portanto, autonomia jurídica da norma administrativa para o tratamento desses casos.

2.3.1. Teoria da culpa administrativa

A teoria da culpa administrativa nada mais é do que a responsabilização do Estado pelos danos causados quando se configurar a culpa anônima da administração pública em razão da prestação defeituosa do serviço público (falta de serviço, mau funcionamento serviço ou funcionamento tardio do serviço). A culpa do agente não é mais o foco da responsabilidade, mas tão somente a culpa do serviço prestado. Trata-se, portanto, da responsabilidade subjetiva.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho18, a configuração publicista da relação funcionário-Estado fornece o apoio para mais um passo na evolução no sentido de responsabilizar o Estado, pois ocorre a transição de uma responsabilidade indireta para uma responsabilidade direta.

A mencionada teoria também estende o campo de incidência da responsabilização, pois passa a prever um alargamento da noção de culpa, com a inclusão do dolo e da imprevisão entre as suas modalidades.

(30)

Celso Antônio Bandeira de Mello19 explica que o dano originado da omissão do Estado deve ser analisado através ocorrência de culpa, em que o Estado pode agir, mas se omite, devendo, então, responder pelo ato lesivo decorrente da falta de serviço, prestação falha ou tardia do serviço. Isso significa dizer que, se não há o dever jurídico de o Estado evitar o dano, ele não poderá responder patrimonialmente pela lesão ocorrida; no entanto, caso exista esse dever, e o Estado não impedir a ocorrência do dano, será constituída a omissão e, portanto, ele deverá ser responsabilizado por uma conduta ilícita, decorrente de culpa ou dolo, elementos da responsabilidade objetiva.

Para que o dano seja reparado é necessário que haja a comprovação da culpa pelo particular lesado, em ação contra o Estado. Essa situação deixa ao particular um ônus, pois, muitas vezes, a comprovação da culpa é muito dificultosa.

Com o passar do tempo, a teoria da culpa administrativa mostrou-se insuficiente para a solução socialmente justa dos diversos casos de danos decorrentes da atividade administrativa. Uma nova teoria que pudesse ampliar o campo de reparação passou a ser aspiração da doutrina. Ricardo Lorenzetti narra as dificuldades enfrentadas pela vítima que necessite demonstrar a ocorrência de culpa da administração:

A responsabilidade civil baseada na imputação culposa se assemelha a um edifício dotado de portas difíceis de serem abertas: somente quem demonstre a culpa pode obter a reparação. Deste modo, há um importante custo de acesso: necessita-se procurar um bom advogado, provas, e estar frente a danos que resultem de condutas suscetíveis de um juízo condenatório20.

O enquadramento da responsabilidade estatal, por força de construção do Conselho de Estado francês, evoluiu para a adoção, em determinadas hipóteses, da teoria do risco administrativo.

(31)

Diante de todo exposto, verifica-se a ocorrência de um deslocamento do pressuposto da reparação que, da culpa do agente ou da culpa administrativa, transfere-se para o “fato” do serviço, no nexo de causalidade entre a atividade estatal de risco e o dano produzido, deixando de lado o elemento subjetivo que envolve a análise da culpa lato sensu.

2.3.2. Teoria do risco ou responsabilidade objetiva

Muitos argumentos teóricos foram apontados pela doutrina para apoiar a adoção de uma responsabilidade objetiva do Estado. A teoria do Seguro Social, cujo principal defensor foi Leon Duguit21, sustenta que sempre que houvesse um dano ao administrado, o Estado ficaria obrigado a repará-lo, independentemente do serviço público ter funcionado normal ou anormalmente. A teoria parte da ideia de segurança social, da construção de um patrimônio comum representado pelo Estado, que deve arcar com os riscos que podem decorrer das atividades do grupo. Como explica Sérgio Cavalieri, “se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos, isto é, também que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos”22

.

Muitos foram os fundamentos que contribuíram para a consolidação da corrente objetivista, construída, de modo geral, sob a ideia de risco da atividade

21

Segundo Duguit: La actividaddel Estado se poneen movimento por voluntadesindividuales. Pero ES esencialmentecolectiva por sufin, que esLa organización y La gestión de losserviciospublicos. Resulta de esto que si La organización y elfuncionamiento de unservicioocasionan a un grupo o a un individuo cargas excepcionales, unperjuicio particular, elpatrimônio afectado a este servicio publico debesoportarLa reparacióndelperjuicio, conLa condición, sin embargo, de que haya una relación de causa o efecto entre laorganización o elfuncionamientodelservicio y elperjuicio. DUGUIT, León. LastransformacionesdelDerecho Publico. (Traducción com estúdio preliminar de Adolfo Posada y Ramon Jaen). 2.ed. Madrid: Francisco Beltran, 1926. E também cf. DUGUIT, León. Traité de DroitConstitutionnel. t.3. 3.ed. Paris: AncienneLibrarieFontemoing& Cie., 1930, p. 469.

22

(32)

estatal e da solidariedade patrimonial de todos os membros da coletividade frente ao prejuízo suportado por um determinado administrado, em consequência da ação danosa de um agente público.

Percebeu-se, então, que o Estado tem maior poder e maiores prerrogativas do que o administrado e, por isso, deveria arcar com o risco natural decorrente de suas inúmeras atividades, ou seja, a maior quantidade de poderes deveria também corresponder a um risco maior.

A doutrina jurídica do risco administrativo pressupõe, para a configuração do dever de indenizar, apenas a ocorrência do nexo de causalidade entre o evento e o comportamento do órgão ou agente do Estado que gerou, em virtude de sua atuação, um dano. Em outras palavras, dispensa a verificação do fator culpa em relação ao fato danoso. Tal teoria é denominada de risco administrativo, pois leva em conta o potencial lesivo da atividade estatal, o risco de dano inerente da atividade governamental que, no desempenho da função pública, pode causar dano ao particular. “Causado o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo”23

.

Ressalta-se que, pela teoria do risco, dispensa-se o cidadão de provar em juízo a culpa ou dolo do agente ou da Administração, já que, sob essa vertente, não se cogita da ideia de falta, senão da existência do dano e do nexo causal entre o prejuízo e a ação do Estado. Verifica-se, sem dúvida, maior agilidade na obtenção da indenização e, do mesmo modo, maior proteção dos direitos subjetivos e interesses legítimos do particular em face da ação estatal. Com a adoção dessa teoria, é possível afirmar que a necessidade de provar a falta do serviço foi substituída pela demonstração apenas e tão somente do fato do serviço como um dos critérios aptos a gerar o direito à indenização.

(33)

O dever de reparar o dano, na teoria objetiva, nasce independentemente da antijuridicidade da conduta, sendo devido tanto quando o prejuízo é decorrente da prática de um ato ilícito quanto de um ato lícito.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que, no tocante a essa modalidade de responsabilidade, a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente, portanto, que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular24.

No mesmo sentido, Yussef Said Cahali considera acertada a posição da doutrina e da jurisprudência mais atualizadas quando, na perquirição da responsabilidade objetiva do Estado, dão ênfase ao elemento concreto da causalidade entre o dano injusto sofrido pelo particular e a atividade comissiva ou omissiva do ente público25.

Cabe ressaltar, todavia, que a dispensa de análise da culpa não se traduziu na admissão de uma responsabilidade estatal de forma irrestrita, já que isso, por certo, conduziria à própria inviabilidade da atuação do Estado. Com a ênfase na causalidade, a exclusão ou atenuação do dever indenizatório passaram também a orbitar sobre o exame dos fatores que ocasionam o dano, de modo que são as hipóteses de quebra do nexo de causalidade que mitigam a responsabilidade.

Assim, nos casos em que houver culpa total do lesado no evento, ou ainda, quando o fato decorrer de culpa de terceiro ou de força maior, afasta-se a reparação, ao passo que, nos casos em que houve culpa concorrente da vítima, tal obrigação encontra-se amenizada.

A culpa do próprio prejudicado ou de um terceiro, quando comprovada, bem como as hipóteses de força maior, por interferirem diretamente no

(34)

nexo de causalidade que liga o ato praticado pelo Estado ao dano, afastam a responsabilidade estatal.

Sobre a responsabilidade vigente atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, serão feitas, ainda, considerações específicas nos próximos capítulos, cabendo apenas ressaltar, neste momento, que o ordenamento em vigor, acompanhando o desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil estatal, consagra hoje que tal responsabilidade é, em regra, objetiva para o Estado, facilitando ao particular a obtenção do ressarcimento dos danos causados pelo Poder Público.

2.3.3. Teoria do risco integral

Embora cause divergência na doutrina, a teoria do risco integral não deve ser confundida com a do risco administrativo, a “distinção se faz necessária para que o Estado não venha a ser responsabilizado naqueles casos em que o dano não decorra direta ou indiretamente da atividade administrativa”26

.

Tal distinção assim é explicada por José dos Santos Carvalho Filho:

no risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada; se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a obrigação de indenizar27.

Nesse caso bem se compreende que responsabilidade pelo risco administrativo não é ilimitada. Já no risco integral “a responsabilidade sequer depende

26

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2008

(35)

do nexo causal e ocorre até mesmo quando a culpa é da própria vítima”28. Essas situações de aplicação do risco integral são excepcionais e muito raras.

Sobre a teoria do risco integral, Hely Lopes Meirelles29 diz que seria a modalidade extremada da teoria do risco, pois não admitiria as excludentes de responsabilidade: culpa da vítima, culpa de terceiro ou força maior. Bastaria o simples liame de causalidade entre o dano e o ato ou omissão estatal para configurar-se a obrigação estatal de reparar, ainda que o dano tenha sido provocado pela própria vítima.

Existem algumas hipóteses previstas no Direito Brasileiro nas quais se aplica a teoria do risco integral, ou seja, há a responsabilidade do Estado mesmo se ocorrer alguma excludente de responsabilidade. Temos como exemplo os danos causados por acidentes nucleares (art. 21, XXIII, CF), danos decorrentes de atos terroristas contra aeronaves de empresas brasileiras, decorrentes de atos de guerra, entre outros.

Finalmente, observamos que os postulados responsáveis pela afirmação da responsabilidade objetiva têm o fundamento na justiça social, de modo que o indivíduo não deve suportar sozinho, os prejuízos decorrentes da ação ou omissão do Estado.

2.3.3.1. Excludentes e atenuantes da responsabilidade objetiva

Como afirmado, a adoção da responsabilidade civil estatal em termos objetivos não implica responsabilização irrestrita do Poder Público, mas significa que a vítima fica dispensada de provar a culpa do Estado para a reparação do dano. Há

28Ibidem.

(36)

causas, no entanto, que excluem essa responsabilidade, pois interferem no nexo causal que liga a conduta do agente público ao resultado danoso.

Serão expostas, resumidamente, as hipóteses que podem determinar a exclusão da responsabilidade estatal: a culpa da vítima (exclusiva ou concorrente), a força maior, o estado de necessidade e a culpa de terceiros

(a) Força maior

As hipóteses de força maior – tais como fatos da natureza: raios, terremotos, erupções vulcânicas – também são comumente denominadas causas excludentes da responsabilidade. São situações de força maior, conforme ensina Edmir Netto de Araújo, aquelas que possuem uma causa conhecida, mas impossível de ser contida pela potencialidade humana, sendo porisso, irresistíveis, inelutáveis30.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, força maior é o acontecimento imprevisível, inevitável e estranho à vontade das partes, como uma tempestade, um terremoto, um raio. Não sendo imputável à Administração, não pode incidir a responsabilidade do Estado; não há nexo de causalidade entre o dano e o comportamento da Administração. Daí que por exorbitarem a atuação estatal, situando-se em forças incontroláveis da natureza, não há nexo causal entre a conduta do ente público e o dano produzido, razão pela qual a situação não induz à responsabilidade objetiva do Estado.

Diferente ocorre com as circunstâncias que caracterizam caso fortuito31, as quais, em relação ao Estado, referem-se ao próprio funcionamento do

30ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 755. 31José Cretela Júnior distingui caso fortuito e força maior: “Força maior é o acontecimento exterior, independente da vontade humana, fato imprevisível e estranho à vontade do homem, acidente cuja causa é conhecida, mas que se apresenta com nítido caráter de irresistibilidade. Fenômenos da natureza (cataclismos, terremotos, ciclones, furacões, raios, inundações, erupções vulcânicas, maremotos,

(37)

serviço público. Nessas situações a causa do dano é desconhecida, permanecendo ignorado como o evento foi produzido.

As hipóteses de caso fortuito inserem-se no risco assumido pelo Estado ao desempenhar seus serviços, isto é, o Estado assume o risco de que ocorra, por exemplo, uma falha mecânica no seu aparelhamento que venha a prejudicar o administrado32. Não se trata de uma circunstância alheia ao desempenho das atividades do Estado, um fato da natureza, razão pela qual resta estabelecido o nexo causal entre o evento danoso e a atuação do Poder Público.

No caso fortuito, interioriza-se o fato, a causa do evento danoso permanece desconhecida, aludindo a doutrina, à hipótese de responsabilidade pública, à culpa anônima do serviço, ao acidente mecânico, à culpa ignorada do serviço, ao seu mau funcionamento. Subsiste, nessa hipótese, a responsabilidade estatal quanto ao ressarcimento do dano.

(b)Culpa da vítima

O comportamento da vítima pode levar tanto à exclusão da responsabilidade estatal como a sua atenuação, devendo ser apurado no caso concreto como o seu envolvimento na situação lesiva concorreu para o resultado. Se não foi o Estado quem causou o resultado, por meio da ação ou omissão do agente público, e sim a vítima, por sua conduta culposa, não cabe ao ente estatal a responsabilização pelos prejuízos decorrentes desse comportamento.

caso fortuito ocorre, essencialmente, quando o acidente, causador do prejuízo, resulta de causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio: o fato não dependeu de nenhum fato estranho à Companhia, nem resultou de força maior que tenha

acarretado a ruptura do cabo. A ruptura é o resultado de causa desconhecida”. CRETELLA, José Jr. O Estado e a obrigação de indenizar.2.ed., p. 134-135.

(38)

Diogenes Gasparini observa que, provado que a vítima participou de alguma forma, para aquele resultado, “exime-se o Estado da obrigação de indenizar; na mesma proporção, sua responsabilidade será parcial ou total conforme tenha sido, numa ou noutra dessas direções, a colaboração das vítimas no evento”33.

Nesses casos o Estado deverá provar a existência da culpa exclusiva ou concorrente da vitima, cuja conduta interferiu no nexo de causalidade entre a atuação ou omissão de seus agentes e o prejuízo reclamado pelo particular.

(c) Ato de terceiro

Do mesmo modo, a responsabilidade civil estatal pode ser excluída ou atenuada quando a culpa não é da vítima, mas de um terceiro estranho à relação Estado-particular. Na culpa de terceiro, também chamada de fato de terceiro, não há responsabilidade para o Estado quando a conduta culposa é de terceiro que provocou o dano à vítima, e não de agentes públicos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que, quando se trata de ato de terceiros, como é o caso de danos causados por multidão ou por delinquentes, o Estado responderá se ficar caracterizada a sua omissão, a sua inércia, a falha na prestação do serviço público. A culpa do serviço público, demonstrada pelo seu mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento tardio é suficiente para justificar a responsabilidade do Estado34.

Assim, o Estado somente será responsável após análise dos cuidados que são exigíveis do ente público em determinada situação concreta. Se comprovada omissão, não caberá o afastamento ou a minoração da responsabilidade estatal.

33GASPARINI, Diogenes. op. cit., p. 592.

(39)

2.4. Observações Conclusivas

As transformações ocorridas no modelo estatal ao longo dos últimos séculos são, em última análise, resultado de um processo de afirmação da rule of law, ou seja, da transformação do Estado enquanto personalidade jurídica em uma pessoa no mesmo patamar jurídico dos seus administrados. Isso, porém, levando-se em conta que a pessoa do Estado é diferente das demais e desempenha funções que lhes são próprias, as quais refletem diretamente na conformação jurídica da sua responsabilidade civil.

Centrado no monarca, o Estado Absolutista ainda exprimia a ideia de que a pessoa estatal pairava acima das leis. Daí sua natural irresponsabilidade. O Estado Liberal atenuou esse posicionamento. Porém, baseava-se numa responsabilidade voluntariamente admitida35, já que a ideologia da época era eminentemente contratual. Com efeito, a responsabilidade não poderia ser objetiva. “No modelo liberal de responsabilidade civil, o espírito da lei é que o indivíduo seja responsável pelos seus atos (ou seja, aqueles que voluntariamente elegeu; daí uma ligação com a teoria contratual voluntarista do modelo liberal)”36

. Admitir uma responsabilidade objetiva significaria ofender o pacta sunt servanda, máxima inflexível do direito desse período.

Foi finalmente com o permeio de ideias sociais, e a concepção do Estado de Bem-Estar Social que a responsabilidade objetiva veio à tona. O L’État Providence passou a garantir condições básicas aos seus cidadãos. Disso, não tardaria para a garantia se estender para o plano da responsabilidade. A emergência da responsabilidade objetiva do Estado deveu-se à ideia de que o Estado é responsável por danos que causou, mesmo que esses sejam lícitos. Sob essa ótica, não é possível

35 Cf. Timm, Luciano Beneti. Os grandes modelos da responsabilidade civil no direito privado: da culpa ao risco. In: NERY JR. Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade (org). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume VI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

(40)

admitir que o Estado garantidor do bem-estar geral cause danos e não os repare, sob pena de inconsistência ideológica.

Aplicar a responsabilidade objetiva do Estado é particularmente difícil no Estado contemporâneo.

(41)

Capítulo 3.

A responsabilidade civil do Estado no direito

brasileiro

3.1. Evolução

3.1.1. Império

Na fase imperial, não existia no Brasil previsão constitucional que estabelecesse a responsabilidade civil do Estado. Ainda receoso em sobrecarregar a nação recém-independente, o constituinte de 1824 teve a cautela de evitar qualquer atribuição direta de responsabilidade ao Estado, além de excluir expressamente a responsabilidade do Imperador. Toda e qualquer reparação de dano era imputada aos seus agentes, unicamente nos casos de culpa ou dolo, reconhecendo-se, portanto, a responsabilidade subjetiva: “Art. 179, 29 – Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores”.

3.1.2. República Velha ao Estado Novo

Essa postura não significava a irresponsabilidade irrestrita e absoluta do Estado. Diversos dispositivos infraconstitucionais reconheciam a responsabilidade do Estado em situações particulares. Mas, em todos os casos, a responsabilidade do Estado era sempre solidária a de seus agentes, como se estes atuassem em nome próprio. Pelo menos no que concerne a responsabilidade, o agente não se reputava

longa manus do Estado.

(42)

Código Civil de Clóvis Bevilacqua, de 1916, que sobreviveu quase um século, corrigiu tamanha anomalia, reconhecendo no agente o próprio Estado:

Art. 15. As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. Na época, a redação até suscitou a interpretação de que a responsabilidade do Estado passara a ser objetiva, entendimento mais influenciado pelas doutrinas de além-mar do que por uma interpretação científica propriamente dita. “Começam a sustentar a tese da responsabilidade objetiva do Estado inspirados nas ideias que vinham da França e em outros países europeus”.37 Pautada por um entendimento amplo de justiça, a tese da responsabilidade objetiva ganhou força, a ponto de impulsionar mudanças jurisprudenciais sobre o tema. O marco foram as interpretações constitucionais do dispositivo veiculadas nos votos proferidos pelos inigualáveis Orozimbo Nonato e Filadelfo Azevedo em sessão plenária no STF.

3.1.3. Nova República e Regime Militar

Finalmente, a constituição de 1946, em seu artigo 194, acolheu expressamente a responsabilidade civil objetiva. Prescrevia o referido artigo: “As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. Não havia menção à culpa no referido artigo, mas tão somente em seu parágrafo único, quando era mencionada a ação de regresso do Estado contra o funcionário público, tal qual se entende atualmente.

(43)

Vale citar o trecho do depoimento do autor do mencionado artigo (artigo 194), o professor Mário Mazagão, destacado por Nelson Nery Jr. em parecer no qual reafirma a adoção da teoria do risco integral, isto é, a da responsabilidade da administração, independente da averiguação de culpa do funcionário.

Quando se elaborava a Constituição de 1946 oferecemos perante a subcomissão de anteprojeto, de que fazíamos parte justamente com o Presidente Arthur Bernardes, o Senador Ivo de Aquino e o Deputado Eduardo Duvivier, o texto ali obteve aprovação unânime, e que afinal se incorporou à Constituição no art. 194 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

Adotava-se assim a teoria do risco administrativo integral. Para que a indenização fosse devida, bastaria haver dano e nexo causal entre ele e a ação ou omissão do funcionário, nessa qualidade.38

A Constituição de 1967 (e, naturalmente a de 1969) preservou integralmente a orientação da Carta de 1946. O dispositivo, porém, foi cindido, ficando parte no artigo 105 e parte no artigo 109.

3.1.4. Constituição de 1988

A Constituição de 1988 não fez diferente, reproduzindo as mesmas disposições da matéria das cartas de 1946, 1967 e 1969. Dessa vez, porém, a redação consolidou-se elegantemente em um único dispositivo, qual seja, o artigo 37, § 6º:

38NERY JR, Nelson. “Ação de indenização – apelante menor de idade intervenção do ministério público-

Responsabilidade objetiva da administração por danos causados a terceiros”. In. NERY JR, Nelson. NERY,

(44)

Art. 37. (...)

§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Na redação do mencionado artigo foram inseridas duas novidades: a) a expressão “funcionários públicos” utilizada nas constituições anteriores foi substituída pela expressão “agentes”; b) foram incluídas, como passíveis de responsabilização, as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A despeito da manutenção da orientação das constituições pretéritas, o dispositivo de 1988 tem alcance mais amplo, embora não haja uma posição consolidada do seu alcance efetivo. Mas o que significa exatamente isso? O dispositivo não faz qualquer restrição sobre a natureza do ato que produz o dano. A

ratio do dispositivo é a situação jurídica em que se encontra o poder público. No caso, menciona-se unicamente o dano e um nexo abstrato que vincula o Estado,independentemente da existência de vínculo jurídico prévio. A responsabilidade é objetiva, conforme a análise do dispositivo símile de 1946. E o mais importante de tudo, que faz valer a condição de grande abrangência do dispositivo novel, é a extensão da responsabilidade civil do estado por quaisquer de seus atos, sejam eles de natureza administrativa, jurisdicional ou legislativa. Para não deixar dúvidas sobre esse alcance, o constituinte de 1988 foi mais longe. Foi estabelecido no artigo 5º, inciso LXXV, o direito à indenização por erro judiciário e por prisão além do tempo previsto na sentença e, no artigo 21, XXIII, “c”, a responsabilidade estatal por danos nucleares.

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