• Nenhum resultado encontrado

A redescoberta cultural da "Cidade Organística" proposta pelo "Team X"

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A redescoberta cultural da "Cidade Organística" proposta pelo "Team X""

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

A redescoberta cultural da “Cidade Organísmica”

proposta pelo “Team X”

Ana Marta Feliciano

Arquitecta; Professora Auxiliar da FAUTL

“…Actualmente todos nós reconhecemos a existência de um novo espírito. Este encontra-se expresso na nossa revolta contra os mecânicos conceitos de ordem e no nosso interesse apaixonado pelas complexas relações da vida e pelas realidades do nosso mundo…”1.

Sensíveis ao conjunto de pesquisas desenvolvidas em torno de um momento de crítica de “base culturalista” emergente em meados do Século XX - no qual se procurava devolver às estruturas urbanas uma nova vitalidade e uma nova dimensão do humano pautada por valores culturais, antropológicos e psicológicos - e procurando no âmbito de outros campos do conhecimento uma resposta para a antiga questão sobre a “natureza da vida”, uma nova geração de arquitectos emergente nas últimas reuniões dos CIAM sob a designação de “Team X”, procuraria transpor para o domínio da Arquitectura e do Urbanismo todo um amplo conjunto de questões relacionadas com a “vitalidade”, interdependência e “identidade perdida” dos organismos urbanos. Assim, tendo como matéria de estudo o território abrangente das estruturas urbanas realizadas no frenético período de reconstrução do “pós-guerra”, as reflexões desenvolvidas pelo “Team X” sustentar-se-iam através de uma observação da efectiva apropriação por parte dos habitantes dos conjuntos residenciais e urbanos edificados, neles constatando um “vazio referencial”, uma desarticulação entre os seus níveis hierárquicos e a perda de uma “vitalidade social”, fenómenos em função dos quais procurariam equacionar, através de diversos documentos teóricos, esquemas gráficos e projectos desenhados, um conjunto de instrumentos específicos passíveis, para eles, de devolver às estruturas urbanas a sua vitalidade, a sua identidade e o seu aspecto criativo.

Particularmente significativas no âmbito dos diversos documentos produzidos ao longo das reuniões promovidas pelo “Team X”, as pesquisas desenvolvidas por Alison e Peter Smithson procurariam inter-relacionar, no âmbito das suas propostas desenhadas e no contexto da sua obra Urban Structuring2, os aspectos

físicos do organismo urbano, entendido à escala das suas diversas apropriações ou vivências, com os aspectos “extra-físicos” inerentes a um eventual “princípio vital” do “organismo urbano”, aspectos que no âmbito da sua análise se poderiam relacionar com os aspectos culturais, antropológicos e psicológicos do Homem inserido no seu grupo social.

1 “Team X”, “Instruction to Groups, Dubrovnik 1956”, in Joedicke,

“Documents of Modern Architecture: CIAM ’59 in Otterlo”, pág. 14; in Sarah Deyong; “Memories of the urban future: the rise and fall of the Megastructure”; in AA.VV.; “The Changing of the Avant-Garde: Visionary Architectural Drawings from the Howard Gilman Collection”;

ed. The Museum of Modern Art; New York; 2002; p. 25. 2 Alison Smithson, Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd,

(2)

Com efeito, estruturando-se sob a análise de cinco temas de estudo, temas que se desenvolveriam sob as noções de “associação”, “identidade”, “padrões de crescimento”, “cluster” e “mobilidade”, as propostas explicitadas em Urban Structuring procurariam deste modo equacionar, através de uma interrelação destes mesmos temas, uma possível transposição para o universo urbano e arquitectónico de uma eventual “visão holística”3 do fenómeno urbano, visão

passível de articular coerentemente os seus aspectos físicos ou materiais com os seus aspectos vitais ou culturais.

Em consequência desta abordagem, tenderia a emergir uma visão crítica que progressivamente caminharia para a consciencialização das limitações da “Carta de Atenas”; “…a técnica de planeamento da ‘Carta de Atenas’ consistia numa análise de funções. Apesar deste aspecto tornar possível uma reflexão clara sobre as desordens mecânicas das cidades tornou-se inadequado na prática porque consistia num conceito demasiado esquemático. O urbanismo considerado em termos dos pressupostos da ‘Carta de Atenas’ tende a produzir comunidades nas quais as vitais associações humanas são inadequadamente expressas. Tornou-se óbvio que a concepção da cidade Tornou-se encontrava sob a influência do um pensamento puramente analítico – ou seja o problema das relações humanas vivido através da rede das ‘quatro funções’. Numa tentativa para corrigir esta aproximação, o Manifesto de Doorn propunha: ‘para compreender o padrão das associações humanas devemos considerar cada comunidade no seu ambiente particular’…”4. Deste modo, a progressiva aproximação operada ao conceito

de “organismo vivo”, desenvolvida no âmbito das pesquisas elaboradas em Urban Structuring, optaria numa primeira fase de reflexão por uma procura de explicitação e distinção entre uma “visão mecanicista” e uma “visão organicista”, reflectindo de certo modo a discussão que marcara profundamente o final do Século XIX e a primeira metade do Século XX com a questão metafísica sobre a “natureza” e o “sentido da vida”.

Fig.1 e 2Nigel Henderson, Patterns of associations identitty, s.d..

3 Referente aos “sistemas dinâmicos” existentes na realidade do mundo físico que necessariamente interrelacionam todos os diferentes aspectos que participam na efectivação de uma qualquer realidade, uma vez que, num certo sentido, tudo se encontra permanentemente em interacção com tudo o resto. Com efeito, em qualquer momento, o feedback existente num sistema dinâmico poderá amplificar qualquer influência “externa” ou “interna” insuspeita, promovendo uma interconexão holística; nota da autora. 4 Smithson, Alison; Smithson, Peter;

Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson, Studio Vista Ltd,

(3)

Rejeitando os conceitos mecânicos de ordem nos quais a “Carta de Atenas” se parecia fundar, as reflexões promovidas pelo “Team X” procurariam assim operar a substituição do modelo Cartesiano de “vida”, pelo modelo “orgânico” ou “holista”, no qual a concepção do princípio inerente à própria natureza da vida implicava necessariamente a noção de um todo orgânico coerente e interactivo. Na tentativa de aprofundar esta visão intuitiva da cidade enquanto organismo vivo, as reflexões promovidas durante este período, procurariam estabelecer um conjunto de analogias entre o âmbito das pesquisas científicas no domínio da “Biologia Organísmica” e um entendimento da cidade não como soma das suas partes mas sim enquanto todo síntese possuidor de uma “complexidade organizada”.

Fig.4 Alison e Peter Smithson, esquema de hierarquização de Urban Structuring – Studies of Alison &

Peter Smithson, pub. 1967.

Fig.3 Alison e Peter Smithson, fragmento do painel “Urban Re-identification Grid” apresentado ao IX CIAM, 1953.

(4)

Neste contexto, Alison e Peter Smithson defendiam que “…o objectivo do urbanismo é compreensibilidade. A comunidade é por definição, algo compreensível, a compreensibilidade deverá portanto ser uma característica das suas partes. As subdivisões existentes na comunidade deverão ser pensadas enquanto ‘unidades de estudo’. Uma unidade de estudo não é um ‘grupo visual’ ou um ‘bairro’, mas sim parte de uma aglomeração humana passível de ser ‘sentida’…”5. Assim, numa

sociedade caracterizada por uma crescente mobilidade e pela emergência de um fenómeno de rápida globalização, as reflexões apresentadas em Urban Structuring propunham-se a entender e “construir” um novo conceito de comunidade a partir de uma hierarquia de elementos interdependentes, nos quais procurariam expressar e interrelacionar os diversos níveis elementares ou arquetípicos de “associação” – a “casa”, a “rua”, o “bairro” e a “cidade”.

Para esta procura de sistematização, tornava-se então importante equacionar os referidos níveis de associação não tanto enquanto realidades pré-definidas mas sim enquanto entidades em aberto face às pesquisas que se propunham a realizar no sentido de uma reinvenção de espaços equivalentes a estes níveis de associação, espaços que necessariamente eram agora entendidos no contexto de uma nova sociedade; “…os conjuntos habitacionais em construção no momento em que os Elementos Constituintes da Cidade foram originalmente propostos (em 1952), foram desenhados em função de elevados standards de construção e concebidos de forma a responder às necessidades da sociedade tal como a delineada pelos sociólogos oficiais, no entanto neles se sentia a ausência de algumas qualidades vitais; uma qualidade indubitavelmente necessária de forma a garantir um agrupamento de habitações ‘activo’ e ‘criativo’. Esta qualidade ausente – essencial para o bem-estar do Homem – consistia na IDENTIDADE…”6.

Fig.5 e 6 Alison e Peter Smithson, fotomontagem e corte do projecto “Golden Lane Housing”, 1952.

5 Alison & Peter Smithson;

Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson;

Studio Vista Ltd.; London, 1967; p. 20.

6 Alison & Peter Smithson;

Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson;

Studio Vista Ltd.; London, 1967; p. 17.

(5)

Deste modo, partindo dos elementos ou níveis de associação anteriormente hierarquizados, o conceito de “Identidade” será na obra de Alison e Peter Smithson estudado desde o nível mais privado da “Casa” – para a qual propõem um “…programa base equacionado em termos das actividades da família, considerando esta quer como unidade individual quer em associação com as outras unidades familiares. (A CASA)…”7 – evoluindo hierarquicamente para

o nível da “Rua”. Tomando como exemplo o projecto para “Golden Lane”8, a

entidade “rua” passa também a ser entendida em termos de um conceito de “identidade”, conceito que se manifestaria após transposta a fronteira da “casa”. Assim a “rua” passaria a ser entendida enquanto “…primeiro ponto de contacto onde as crianças poderão apreender e aprender pela primeira vez o mundo exterior. Aqui encontram-se localizadas aquelas actividades dos adultos essenciais à vida quotidiana…”9.

Defendendo uma geometria mais complexa do que a simples “divisão racional de lotes”, e procurando alcançar um ambiente potencialmente “activo e criativo” socialmente, a unidade identitária do “Bairro” surge assim na sequência dos anteriores níveis de identidade enquanto âmbito exterior e sequencial em relação à “Rua”, no qual “…as pessoas se encontram em contacto directo com um conjunto amplo de actividades que conferem identidade à comunidade…”10,

sucedendo-se hierarquicamente o nível de associação correspondente à “Cidade”, que na análise dos Smithson passa a ser entendida considerando que “…os bairros em associação geram a necessidade de uma escala mais rica de actividades, conferindo por sua vez identidade à respectiva comunidade…”11.

De facto, partindo de uma definição de “Cidade” enquanto padrão específico de associação, padrão esse gerado em função das pessoas, da localização e do seu enquadramento no tempo, Alison e Peter Smithson procurariam determinar, no contexto de uma dada noção de “padrão de associação”, os princípios elementares do seu “crescimento” ou “metabolismo urbano”; “…a realização da cidade actual deverá encontrar-se nas mãos dos intervenientes das suas partes, que compreendendo a intenção geral, deverão a cada estágio poder aceder e compreender ao que ocorreu antes e através das suas actividades serem passíveis de transformar (e se necessário redireccionar) o todo...”12. Evitando a

criação de um conjunto de leis ou princípios fixos de prospectivação urbana, a questão associada aos “padrões de crescimento”13, insistiria particularmente

nestas reflexões na importância dos factores culturais, sociológicos e psicológicos contidos na eventual noção de zeitgeist ou “espírito dos tempos” e na sua possível influência ou acção sobre a forma de evolução do “organismo urbano”, uma vez que a “…forma de uma comunidade é gerada em parte pela sua resposta às formas pré-existentes e em parte em resposta ao Zeitgeist do período – que não pode ser planeado. Qualquer adição a uma comunidade, qualquer mudança de circunstância, gerará uma nova resposta. Um aspecto desta resposta consiste na noção de escala – ou seja a forma como a nova parte se encontra organizada plasticamente de forma a conferir-se significado no contexto do todo…”14.

7 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 22. 8 Referência ao projecto “Golden Lane Project” da autoria de Alison & Peter Smithson, referenciado na obra de Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 22. 9 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 22. 10 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 25. 11Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 26. 12 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 29. 13 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

London, 1967; p. 29. 14 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio

(6)

A dificuldade de visualização deste processo e a necessidade de cristalização ou procura de materialização em torno de um conjunto de propostas habitacionais, levariam consequentemente à génese de uma ideia de “cluster”15, padrão

específico de associação, introduzido para substituir conceitos de agrupamento tais como “casa”, “rua”, “bairro” ou “cidade” (subdivisões da comunidade), ou “construção isolada”, “aldeia”, “vila” ou “cidade” (entidades de agrupamento), convencionalmente associados a determinadas “imagens” históricas; “…preparámos para o Congresso cinco projectos para situações particulares. Em cada um deles o padrão de desenvolvimento era simultaneamente ‘livre’ e ‘sistematizado’. (…) Foi necessário, no início dos anos cinquenta olhar para o trabalho do pintor Pollock e do escultor Paolozzi para alcançar uma imagem completa do sistema, para uma noção de ordem com uma estrutura e uma certa tensão, onde cada peça era correspondentemente nova num novo sistema de relações…”16.

Fig.7 Alison e Peter Smithson, “Cluster City”, 1953.

Fig.8 e 9 Louis Kahn, esquemas de mobilidade do “Philadelphia Plan” publicado em Urban Structuring

– Studies of Alison & Peter Smithson, pub. 1967.

15 Alison & Peter Smithson; “Urban

Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.; London,

1967; pág.33.

16 Alison & Peter Smithson; “Urban

Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.; London,

(7)

Complementando os temas ou aspectos estruturadores do organismo urbano abordados em Urban Structuring, o conceito de “mobilidade” adquirirá no contexto das reflexões dos Smithson um papel igualmente relevante, preconizando uma verdadeira interpretação do mesmo a um nível mais complexo das suas diversas dimensões e significados. Assim, a abordagem ao conceito de mobilidade envolverá na obra dos Smithson uma verdadeira reinvenção dos espaços e das tipologias arquitectónicas em função do padrão das novas mobilidades. Deste modo, reconhecendo que “…as qualidades que admiramos nas antigas cidades são o resultado do modo encontrado de dar forma à ordem do movimento, à ordem dos espaços pelas suas funções dadas, e à ordem dos meios estruturais disponíveis…”17, as reflexões de Alison e Peter Smithson, acumulando

e reverberando conhecimentos emanentes de um percurso implícito ao próprio desenvolvimento do pensamento arquitectónico, apresentariam sensivelmente em meados do Século XX, uma renovada “visão holística” ou “organísmica” do fenómeno urbano com profundas repercussões sobre a crítica e teorização que lhe era coetânea.

17 Alison & Peter Smithson;

“Urban Structuring – Studies of Alison & Peter Smithson”; Studio Vista Ltd.;

Referências

Documentos relacionados

maculatus de dois locais de coleta da bacia do Rio Guandu (um trecho da calha principal do Rio Guandu e na Lagoa Guandu, região de remanso), fornecer dados relativos à

Nos dias em vermelho você deve além dos exercícios em preto realizar os que estão em vermelho também, bem como aumentar o número de séries caso estas estejam em vermelho?. 

a) Por que a produção da riqueza em países desenvolvidos está gerando mais pobres? Além do conflito de classes, cite outro tipo de conflito social observado em Nova Iorque que

João de Areias (Santa Comba Dão) / António Nunes da Costa Neves. Os intelectuais em Portugal na Idade Média : o retrato das suas maiores figuras, de Santo Antó- nio a Gil Vicente

Durante meses trabalhou conduzindo os ramos de forma a preencher o desenho que só ele sabia, podando os espigões teimosos que escapavam à harmonia exigida. Por

Elas dizem coisas como: "Gosto de mim mesma, mas atraio os parceiros errados." Ou: "O problema não é o que eu penso sobre mim, mas o que Anthony pensa sobre

O retorno da ação-objeto, no mercado à vista, deveria ser calculado pelo produto entre o coeficiente beta dessa ação e a taxa de retorno medida pelo índice que representa o

Caso o piloto pousar na água e molhar o reserva, deverá remover o paraquedas da Selete, secar e reembalar antes de colocá-lo novamente no recipiente (veja no Manual do Reserva).. •