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O papel do acusado para a efetividade do princípio da ampla defesa: extensão e limites do direito de defenderse por si próprio

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Academic year: 2018

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MARCELO LOPES BARROSO

O PAPEL DO ACUSADO PARA A EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA:

EXTENSÃO E LIMITES DO DIREITO DE DEFENDER-SE

POR SI PRÓPRIO

MESTRADO EM DIREITO

(2)

MARCELO LOPES BARROSO

O PAPEL DO ACUSADO PARA A EFETIVIDADE DO

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA:

EXTENSÃO E LIMITES DO DIREITO DE DEFENDER-SE

POR SI PRÓPRIO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal do Ceará, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Francisco Régis Frota Araújo.

(3)

À Larissa, querida filha, por tudo o que

(4)

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Francisco Régis Frota Araújo, pela aceitação da árdua tarefa de orientação. Ao Professor Doutor Samuel Miranda Arruda, pelo rigor científico e cordialidade na apresentação das críticas.

(5)
(6)

RESUMO

O nosso ordenamento constitucional albergou uma série de garantias processuais como forma de ressaltar a posição de prevalência do indivíduo em face do Estado. Além das garantias explícitas enumeradas no texto da Carta Magna, há outras decorrentes dos princípios e dos tratados dos quais a República Federativa do Brasil faz parte. Nesse passo, analisa-se, no presente estudo, a autodefesa como garantia constitucional. O processo penal do século XXI há de ser entendido sob uma perspectiva constitucional, um instrumento para a concreção dos princípios garantistas previstos na Carta Magna, dentre eles a autodefesa. Estudam-se o exercício da atividade defensiva pelo próprio réu, sua caracterização, amplitude, repercussão e limites. O direito ao conhecimento da acusação é pressuposto para o exercício da autodefesa. O direito de defender-se por si próprio, em seu aspecto positivo, divide-se no direito de presença, no direito de audiência, no direito de postular em causa própria e no direito de constituir advogado. Em sua feição negativa, a autodefesa envolve o privilégio contra a auto-incriminação e o direito ao silêncio. Aborda-se o interrogatório no processo penal, uma vez que é neste ato processual que a autodefesa encontra sua maior expressividade. Investiga-se o novel interrogatório por videoconferência, a sua compatibilidade com os princípios do processo penal.

(7)

ABSTRACT

The Brazilian constitutional system shelters a series of procedural guarantees as a way to point out the position of the individual´s prevalence in view of the state. Besides the explicit guarantees listed/enumerated in the Magna Carta´s text, others arise from principles and treaties in which the Federal Republic of Brazil takes part. In this stage of this study, the self-defense is analyzed as a constitutional guarantee. The penal procedure in the 21th century has to be understood, under a constitutional

perspective, as a tool to realize the guaranty principles foreseen in the Magna Carta, among them the self-defense. The practice of the defensive activity by the accused himself, its characterization, amplitude, repercussion and limits is studied. The right to know the accusation is presupposition for the practice of self-defense. The right to defend yourself by yourself, in its positive aspect, is divided in the right of presence, of hearing, to postulate for the own cause and of the right to retainer a lawyer. In its negative aspect, the self-defense involves the privilege against self-incrimination and the right to remain silent. It is dealt with the interrogation during the penal procedure, once it is in this procedural act that the self-defense finds its greatest expression. It is done research on the new interrogation by videoconference, its compatibility with the principles of penal procedure.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO ... 15

3 A GARANTIA DA AMPLA DEFESA ... 20

3.1 Direitos e garantias fundamentais ... 20

3.1.1 Distinção entre direitos e garantias ... 22

3.1.2 Dupla face da defesa: direito e garantia ... 23

3.2 Acepções do termo defesa ... 25

3.2.1 Significado originário ...... 25

3.2.2 Defesa como direito individual ...... 26

3.2.3 Defesa como garantia do processo ...... 30

3.2.4 Defesa como qualquer atividade desenvolvida pelo sujeito passivo no processo penal......... 31

3.2.5Defesa como parte no processo penal ... 32

3.3 Conteúdo da defesa ... 33

3.4 As modalidades do exercício da ampla defesa ... 34

4 DEFESA TÉCNICA ... 36

4.1 Conceito ... 36

4.2 Fundamentos ... 37

4.3 Natureza jurídica das funções desempenhadas pelo advogado ... 40

5 A AUTODEFESA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL... 45

5.1 Extração constitucional da autodefesa ... 45

(9)

5.1.2 A autodefesa e os tratados internacionais versando sobre direitos

humanos ... 51

5.2 A relevância do reconhecimento da autodefesa como garantia constitucional... 58

5.2.1A vinculação do legislador ... 60

5.2.2A vinculação dos juízes e tribunais ... 61

6 A AUTODEFESA SOB A PERSPECTIVA DE UM PROCESSO PENAL GARANTISTA ... 64

6.1 O Garantismo Penal ... 64

6.1.1 Garantismo e verdade ... 67

6.2 Conceito ... 69

6.3 Pressuposto ... 72

6.3.1 A acusação formulada ...... 73

6.3.2 A citação e a ciência dos atos processuais ... 75

6.4 Autodefesa positiva... 78

6.4.1 Direito de presença ... 78

6.4.2 Direito de audiência ... 84

6.4.3 Direito de postular em causa própria ... 85

6.4.4 Direito de escolha do defensor ... 88

6.5 Autodefesa negativa ... 90

6.5.1 Privilégio contra a auto-incriminação ... 90

6.5.1.1 Destinatários ... 93

6.5.1.2 Alcance do nemo tenetur se detegere ... 94

6.5.2 Direito ao silêncio ... 96

6.5.2.1 A norma do art. 198 do Código de Processo Penal e as conseqüências do exercício do direito ao silêncio ... 100

(10)

6.6 Limites: Possibilidade de processo sem defensor? ... 103

6.6.1 Corrente conferindo maior amplitude à autodefesa ... 104

6.6.2 Doutrina restritiva ... 111

6.6.3 Posição do autor ... 113

7 INTERROGATÓRIO E AUTODEFESA ... 115

7.1 Um breve escorço histórico ... 116

7.2 A natureza do interrogatório ... 120

7.3 Obrigatoriedade ... 122

7.4 O interrogatório no modelo garantista e as inovações decorrentes da lei 10.792/2003 ... 126

7.4.1 Direito ao silêncio e sua utilização pelo juiz ...... 126

7.4.1.1 Direito de mentir ... 129

7.4.1.2 O registro das perguntas não respondidas e dos motivos levantados pelo réu para permanecer calado ... 130

7.4.2 Estímulo ao exercício da autodefesa ...... 132

7.4.3 Indispensabilidade da presença do defensor ...... 133

7.4.4 Direito de entrevista com o defensor .......... 136

7.4.5 Possibilidade de formulação de reperguntas pelas partes ... 137

7.4.6 Inobservância das garantias processuais do acusado ... 140

7.5 Interrogatório na legislação extravagante ... 141

7.5.1 Interrogatório na lei dos juizados especiais criminais ... 141

7.5.2 Interrogatório na lei de drogas ... 143

7.6 Reflexos penais ... 145

7.7 O interrogatório por videoconferência ... 151

7.7.1 Surgimento e vantagens apontadas ... 153

7.7.2 A videoconferência no meio empresarial ... 156

(11)

7.7.4A videoconferência e sua admissibilidade no ordenamento jurídico pátrio

... 161

7.7.4.1 Devido processo legal ... 161

7.7.4.1.1 O Projeto de Lei n.º 139/2006 ... 163

7.7.4.1.2 O Projeto de Lei n.º 679/2007 ... 164

7.7.4.2 Dignidade da pessoa humana ... 166

7.7.4.3 Ampla defesa ... 169

7.7.4.4 Princípio da publicidade ... 173

7.7.4.5 Princípio da imediação ... 174

7.7.4.6 A norma do art. 185,§ 1.º do CPP ... 177

8 CONCLUSÕES ... 179

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 190

(12)

1 INTRODUÇÃO

O tema da defesa realizada pelo próprio réu no processo penal desperta a atenção daqueles que atuam diuturnamente perante a justiça criminal. Após algum tempo de contato com as lides penais, tem-se a percepção de que a efetividade da defesa e o resultado prático do processo decorrem não somente do labor desenvolvido pelo profissional encarregado da defesa técnica, mas também da colaboração dada pelo réu. Muitas vezes, em interrogatórios encetados, pode-se perceber a influência que as palavras do réu exercem sobre o julgador, principalmente naqueles com a sensibilidade mais aguçada. Quando as declarações prestadas pelo réu não possuem nenhuma coerência lógica, seus efeitos são catastróficos para a defesa, globalmente considerada. Mesmo que o advogado do acusado tente construir outras teses, as afirmações ditas pelo réu perante o juiz são de grande valia para a formação do convencimento do magistrado.

Observa-se que, em audiências para a ouvida de testemunhas, determinadas perguntas, que se mostraram preponderantes para a mudança do curso do processo, foram elaboradas pelo próprio acusado, que as repassou para o advogado. Outra questão que desperta interesse está relacionada ao papel que o juiz exerce diante dos direitos dos acusados. Será que a busca desenfreada pela confissão é o melhor caminho para chegar à verdade material?

A promulgação da Carta Republicana de 1988 modificou com profundidade o tema referente às garantias constitucionais do processo. O nascimento de uma nova ordem jurídica constitucional, entretanto, ainda não despertou nos operadores jurídicos a consciência da necessidade de se conferir efetividade aos instrumentos normativos à disposição dos jurisdicionados. O estatuto jurídico do acusado, que disciplina a autodefesa, composto de normas previstas na Constituição e em tratados internacionais, é respeitado no momento de sua aplicação prática?

(13)

A realidade nua a crua da prática forense mostra que o Judiciário Cível é o lugar da vitória dos ricos e dos competentes ao passo que o Judiciário Penal mostra-se o palco da derrota dos pobres. Quem conta com excelentes advogados, que se utilizam de todo o manancial processual, que têm meios para atuar em todas as instâncias recursais, de forma rápida e eficiente, certamente terá bem mais chances de obter um resultado mais favorável ao final do litígio. No campo penal, vê-se, com certa freqüência, que as desigualdades sociais são transportadas para o processo, em que os acusados pobres sofrem com a ineficiência da assistência jurídica e, muitas vezes, com a complacência judicial diante de defesas meramente contemplativas.

Não se pode conceber a realização de defesas meramente formais em processos criminais somente por conta da hipossuficiência financeira dos acusados. O juiz deve estar atento a essa realidade. O resultado de um processo criminal não pode ficar condicionado ao sabor das relações entre advogados e seus clientes. Exige-se, pois, nesse tipo de processo, a efetividade da defesa técnica. Trata-se de uma função que transborda ao interesses do imputado, revelando um fator de legitimidade da própria função jurisdicional. Os bens em litígio no processo penal impõem a sua preservação até mesmo contra a vontade do acusado. Nessa área, devem ser evitadas concepções individualistas e que privilegiam tão-só a vontade do réu, muitas vezes resultado da formação de um juízo equivocado, despido das informações necessárias

Há um interesse público que torna legítima e fundamenta a função jurisdicional do Estado, atividade esta que deve ensejar a toda e qualquer pessoa acusada da prática de uma infração penal a mais ampla defesa, independentemente da condição econômica do imputado.

O princípio constitucional da ampla defesa ganha belíssimas referências teóricas, mas, quando é reclamada a sua aplicação no caso concreto, é alvo das mais variadas agressões. Os princípios constitucionais possuem normatividade, não podendo ser tratados como meros conselhos, recomendações.

(14)

na perspectiva do réu e do advogado, e o papel do juiz no controle da efetividade desse direito. É necessário também responder se a autodefesa é garantia constitucional autônoma, mediante estudo de outros princípios constitucionais ligados bem como os tratados internacionais acerca do tema. Indicam-se o pressuposto e manifestações do direito de defesa manejado pelo acusado.

Nesse contexto, não pode passar desapercebida a influência do garantismo penal para a colmatação de vazios normativos, bem como para a orientação do intérprete, de modo a não esvaziar o próprio conteúdo do direito de defesa. Luigi Ferrajoli estabeleceu um conjunto de princípios basilares do edifício garantista, após constatar a ineficiência do sistema de proteção dos direitos. Após essa breve apresentação do garantismo penal, percorre-se sobre a estrada conceitual do direito inerente a cada acusado de elaborar sua própria defesa, seguindo-se de seu pressuposto (o direito ao conhecimento da acusação) até chegar em suas modalidades (direito de presença, direito de audiência, direito de postular em causa própria e o direito de escolha do defensor). O interrogatório é investigado em terreno próprio, em razão de ser o palco principal do exercício da autodefesa.

(15)

2 PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO

O ser humano busca, de forma contínua, a satisfação de suas mais variadas necessidades. Muitas vezes, ao tentar a realização desses objetivos, entra em choque com a liberdade de outros homens, também dotados de insatisfações próprias, com desejos, aflições, angústias. Assim, sabe-se que cada indivíduo não pode simplesmente ignorar a liberdade alheia e fazer tudo aquilo que pretende. Há, pois, uma tensão, um choque “entre a pessoa enquanto indivíduo e membro do corpo social”1, conflito este que espraia suas conseqüências nos mais diversos ramos da Ciência Jurídica.

O processo é meio indispensável para a resolução desse conflito. Não se pode, pois, conceber outro mecanismo para a terminação dessa controvérsia senão mediante uma seqüência de atos em contraditório, consistente na elaboração de uma tese (acusação), na formulação de uma antítese (defesa) e na síntese (sentença), a fim do acertamento da verdade.2

No que cabe ao processo penal, busca-se um “equilíbrio entre o direito de liberdade o poder-dever estatal de punição do fato delituoso”.3 Na busca desse equilíbrio, torna-se perigosa a tendência de aviltamento de direitos fundamentais em nome da manutenção da ordem pública.

Com efeito, ao proteger o valor liberdade, a Constituição não despreza outros valores também relevantes, como a propriedade, a integridade física e psíquica, a estatura moral e a intimidade. A Constituição estabelece um processo que representa os valores da pessoa humana e a proteção desses valores há de ser verificada em cada situação posta à análise do juiz.4 Daí a atuação do Direito Penal, de modo a tutelar os valores mais caros de cada sociedade. Há também, por meio do processo penal, a tentativa de equilíbrio “entre a plena expansão da personalidade humana e os superiores

1 AZEVEDO, David Teixeira de. “O interrogatório do réu e o direito ao silêncio”. In RT 682. São Paulo:

RT, 1992, p. 285.

2 PANSINI, Gustavo. La Contumácia nel Diritto Processuale Penale. Napole: Casa Editrice Dottore

Eugenio Jovene, 1963, p. 39. Carlos Henrique Borlido Haddad ressalta: “No processo por acusação, a perquirição da verdade se faz por via de síntese, pois ambos os antagonistas apresentam as suas alegações e produzem as provas que as justificam”. (O Interrogatório no Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 71).

3 AZEVEDO, David Teixeira de. Op. cit, p. 285.

4 SABATINI. Giuseppe. Principii Costituzionali del Processo Penale. Napoli: Casa Editrice Dottore

(16)

interesses sociais”.5 Não se ignora o cidadão nem o desenvolvimento de sua personalidade, mas essa dimensão individual do ser humano há de ser compatibilizada com os interesses do corpo social.

Tornou-se corrente na doutrina a afirmação de que não se pode estudar qualquer ramo do Direito, olvidando dos seus fundamentos constitucionais. Com o Direito Processual Penal não poderia ser diferente. É íntima a relação entre o processo penal e a Constituição. Como aponta Heleno Cláudio Fragoso, na doutrina alemã entende-se que o direito processual penal é o direito constitucional concretizado, a Constituição posta em prática.6 De fato, a Carta Magna do Brasil é rica em dispositivos relativos ao processo penal. Nessa perspectiva, esse ramo do Direito pode ser concebido como um conjunto de garantias do cidadão que impõe limites ao poder estatal. Afinal, como observa Jorge de Figueiredo Dias, “o Estado, protegendo o indivíduo, protege-se a si próprio contra a hipertrofia do poder e os abusos no seu exercício”.7 É preciso todo o cuidado com a adoção de concepções utilitaristas do processo penal, sob pena de sacrifício de garantias já consagradas no plano constitucional. Não custa lembrar a advertência de René Ariel Dotti, segundo a qual “o processo penal não pode se desenvolver ‘a qualquer preço’, mas deverá salvaguardar o respeito aos direitos fundamentais do acusado a fim de garantir uma justiça adequada”.8 Nesse ponto, o legislador penal não pode se deixar influenciar por apelos sensacionalistas da mídia, mesmo quando encontrar eco no seio da população.

Muitos dos valores essenciais do homem, previstos pela Constituição Federal, são realizados por intermédio do processo. Assim, a Carta Magna modela o perfil do sistema processual, de feição acusatória, com a nítida finalidade de efetivar, na prática, os valores constitucionais. Há, portanto, uma relação de recíproca importância entre a Constituição e o processo. As normas constitucionais apresentam os valores a serem realizados, as premissas e o perfil do modelo processual. As normas de processo, por seu turno, estabelecem os mecanismos aptos a transformar o Direito, como norma, em

5 Id. Ibid., p. 285.

6 Conforme ressalta esse Penalista: “É bastante natural que a Constituição Federal contenha inúmeros

dispositivos reguladores da atividade processual penal, pois no processo penal é que se verificam com maior intensidade, pontos de tensão entre o Estado e o indivíduo. Autores alemães chegam a apresentar o Direito Processual Penal como o Direito Constitucional aplicado (angeandtes Verfassungsrecht), o que bem representa a conexão existente entre esses dois ramos do direito”. (Lições de Direito Penal. (Parte Geral). 17.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 9).

(17)

algo fruível e plenamente exercitável por seus titulares.9 Não basta a mera previsão de direitos se não houver mecanismos plenos e eficazes para a sua realização empírica. De tais mecanismos cuida o processo.

Representa o processo penal o principal ponto de tensão entre a necessidade que o Estado tem de conferir segurança aos cidadãos e a liberdade daquele que é acusado de violar a lei penal. De um lado, não se pode deixar de conferir proteção a toda a sociedade reprimindo condutas que venham a desestabilizar a harmonia, a integridade do tecido social. Ao mesmo tempo, porém, há que se ter em conta a carga fortemente lesiva lançada sobre o acusado, seja qual for o desfecho do processo.10 Culpado ou inocente, o simples desenvolvimento de um procedimento penal já impõe gravames ao acusado.

O processo penal toca os valores mais caros ao homem, tais como a dignidade da pessoa humana e a liberdade, motivo pelo qual a sua atuação deve ser pautada pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais. Nesse passo, Walter Nunes da Silva Júnior assevera que o Poder Público pode se utilizar do processo como instrumento legítimo para a preservação da ordem social; no entanto, a função precípua do processo penal é a demarcação de limites do poder punitivo, a ser exercido contra aquele que infringiu a lei penal.11 Com efeito, há uma tendência de que, quanto mais poder se dá a um órgão ou agente do Estado, maiores serão as chances de exercício abusivo desse poder. Não é à toa que o princípio da separação de poderes é proposição presente em todas as constituições dos países democráticos.

A investigação criminal traz diversos prejuízos para a pessoa investigada, mesmo que não recaia sobre ela a drástica e excepcional medida da prisão. O recebimento de intimações, a realização de interrogatórios, acareações, a colheita de impressões digitais, enfim, esse conjunto de solenidades avilta a dignidade do imputado na fase do inquérito policial. Na persecução penal em juízo, muitas dessas cerimônias degradantes são repetidas, mas, desta feita, sob o crivo do contraditório. É preciso que as autoridades públicas responsáveis pela persecução penal entendam que os efeitos do processo sobre

9 AZEVEDO, David Teixeira de. Op. cit. p. 286.

10 CATENA, Victor Moreno; DOMÍNGUEZ, Valentin Cortés. Derecho Procesal Penal. 2.ª edição.

Valencia: Tirant to Blanch, 2005, p. 35.

11 Curso de Direito Processual Penal: Teoria (Constitucional) do Processo Penal. Rio de Janeiro:

(18)

a vida do imputado não se esgotam com a prolação da sentença, não terminam com o seu trânsito em julgado, nem mesmo com o cumprimento de eventual pena imposta. O processo, por si, já inflige uma pena ao indivíduo, irradiando seus efeitos até a morte do réu.12

Assim sendo, cumpre ao Estado ter um mínimo de cautela ao realizar a persecutio criminis, pois os valores afetados pelo desempenho dessa atividade possuem dignidade constitucional.13 O Iluminismo e o pensamento jurídico liberal do século XIX projetaram uma mudança significativa no tratamento processual do acusado, não apenas no que tange à proteção física, com a proibição de torturas e métodos degradantes de investigação. Houve também uma mudança relacionada à posição e função ocupadas pelo réu no processo.14 Nessa ordem de idéias, o sistema processual penal do Brasil há de ser moldado, colocando-se o indivíduo e sua esfera jurídica em posição de destaque. Anota Nicola Carulli que a história do processo penal se confunde com a história do direito de defesa.15 As diversas concepções filosóficas, sociais e políticas que inspiram o legislador na constituição do processo penal, ao tratar dos diversos princípios processuais, centram-se no modo como o indivíduo é tratado no confronto com o Estado, caracterizado pela constante e ferrenha disputa entra a autoridade e a liberdade, o poder do Estado em confronto com a esfera de autonomia do indivíduo.

A clássica divisão tripartite dos sistemas processuais em acusatório, inquisitivo e misto traduz a maior ou menor relevância conferida aos direitos do imputado.16 No Brasil, adota-se o sistema acusatório, com algumas características de inquisição, como a possibilidade de o juiz, de ofício, determinar a produção de provas ou a oitiva de testemunhas. A feição acusatória do processo penal brasileiro confere ao réu o status de parte, dotado de certo grau de autonomia, inclusive para realizar a sua defesa. Não se

12 Ressalta Francesco Carnelutti: “O processo penal, o qual não termina com a condenação, mas segue

com a expiação, pode durar até a morte [...] O processo, sim, com a saída do cárcere está terminado, mas a pena não; quero dizer, o sofrimento e o castigo. In:As Misérias do Processo Penal. Campinas: Conam, 1995, pp. 74-75). No mesmo sentido: FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2.ª edição.São Paulo: RT, 2006, p. 674.

13 “[...] Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo.

Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa das ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso”. (STF. 2.ª Turma. HC 84.409/SP. Rel. Min. Gilmar Mendes. j. 14.12.2004. DJ 19.08.2005, p. 57).

14 GONZÁLEZ, José Alberto Revilla. El Interrogatório del Imputado. Valencia: Tirant to Blanc, 2000,

p. 14.

(19)

pode esquecer, no entanto, da dimensão objetiva da defesa, reduzindo, assim, a autonomia do indivíduo quando se põe em jogo bens indisponíveis, como a liberdade.

O processo penal de um Estado Democrático de Direito não pode ser encarado tão-só como meio de aplicação do jus puniendi. Há outras funções relevantes a serem desempenhadas pelo processo, tais como a proteção do direito à liberdade, a tutela da vítima e a ressocialização do acusado.17 Essa função, a propósito, não passa de uma utopia, em face da situação de falência do sistema carcerário.

A liberdade é tutelada, seja para evitar excessos na punição do culpado, seja para evitar a aplicação de sanção ao inocente. Assim, para que o indivíduo culpado seja condenado, há que se obedecer ao devido processo legal. De igual sorte, é interesse do acusado inocente receber provimento jurisdicional negativo, que afaste por completo a acusação contra si lançada. A vítima também deve ser objeto de preocupação do legislador processual, estabelecendo-se mecanismos para uma célere reparação dos danos sofridos. Nesse passo, o instituto da composição civil dos danos é um exemplo claro da tutela dos interesses do ofendido, buscando a satisfação pecuniária dos interesses deste ainda na fase preliminar da persecução penal. Não se pode ignorar ainda a função de ressocialização do autor da infração penal, obtida não somente com a imposição de pena privativa de liberdade, mas também por conduto das penas alternativas, a serem impostas tanto na qualidade de penas substitutivas à pena privativa de liberdade (art. 44 do CP), como no caso do instituto consensual da transação penal. (art. 76 da lei 9.099/95). Tais medidas tiveram importante papel no processo de reeducação do condenado ou do acusado por delitos menos graves, evitando a submissão desse indivíduo ao cárcere, com seu conhecido efeito perverso.

Nesse diapasão, a defesa deve ser encarada em sua dupla dimensão, conferindo ao réu a possibilidade de atuar nas jornadas processuais como forma de potencializar a eficiência da atividade defensiva, não de modo a mantê-lo em posição de extrema inferioridade em relação ao órgão acusatório.

(20)

3 A GARANTIA DA AMPLA DEFESA

A Carta Constitucional de 1988 enumera uma série de direitos e garantias fundamentais, sem, no entanto, estabelecer marcos conceituais para estes mesmos, tarefa a cargo da doutrina. No processo penal, a defesa possui dupla face: direito e garantia. Na doutrina, inclusive, há ensaios tratando exatamente da dupla face da defesa.18 Hão de ser observados, pois, no direito de defesa, dois aspectos que têm relevância diversa no plano constitucional.

Uma vez que a autodefesa é um corolário da ampla defesa, surge a necessidade de uma análise geral sobre essa garantia constitucional, fornecedora de material genético àquela outra.

3.1 Direitos e Garantias Fundamentais

Não é recente a dicotomia entre direitos e garantias fundamentais. Há sistemas jurídicos onde há maior valorização à enunciação dos direitos, como o sistema francês, e outros sistemas normativos onde se apresenta de forma mais acentuada o fortalecimento das garantias, como se verifica nos países que seguem a Common Law. Nesses países, é dito que os direitos decorrem das garantias e não o contrário, demonstrando a pertinência do brocardo remedies precede rights.19

No Brasil, a Constituição é fértil na enumeração dos direitos e garantias fundamentais, mas não estabelece a distinção entre essas realidades. Em um país onde historicamente houve diversas rupturas ao regime democrático, a enumeração de forma

18 Na Itália conferir o clássico :DENTI, Vittorio. “La difesa come diritto e come garanzia”. In GREVI,

Vittorio (org). Il Problema Dell´Autodifesa nel Processo Penale. 6.ª edição. Bologna: Zanichelli Editore, 1982. No Brasil, um trabalho de referência: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. “Defesa Penal: Direito ou Garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 04. São Paulo: RT, 1993.

19 Consoante anota o Professor Fábio Konder Comparato: “Tal como ocorria no direito romano, o direito

(21)

analítica dos direitos e garantias é algo louvável, tendo a finalidade pedagógica de mostrar a importância dos valores expressos nessas normas, sem olvidar da forma de proteção desses direitos, a serem realizados pelas garantias.20

A mode de ilustração, sente-se uma influência do sistema inglês na legislação brasileira na redação conferida ao art. 75 do Código Civil de 1916, segundo o qual “ a cada direito corresponde uma ação que o assegura”. Ora, reconhecendo a existência do direito, caberia ao juiz conferir a tutela jurisdicional adequada ao caso em análise, mesmo que o ordenamento não preveja instrumentos processuais típicos. Trata-se da noção de efetividade do processo, traduzida na máxima chiovendiana, pela qual “o processo deve dar a quem tem o direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter”.

Infelizmente, porém, muito embora a incontestável prodigalidade da enumeração de direitos e garantias, o Poder Judiciário pátrio mostra-se vacilante na concreção judicial desses direitos. Cabe, pois, uma tarefa de auto-reflexão por parte de cada magistrado, avaliando-se a aplicação automática de dispositivos legais sem maiores reflexões sobre a harmonização da lei com a Constituição Federal. Repensar a repercussão prática de seus atos e de suas decisões, tratando o acusado como ser humano igual, é algo que deve ser considerado pelos magistrados. O juiz precisa ter em mente a idéia de que os casos postos à sua análise, em cada processo, não são apenas números a fazer parte de estatísticas forenses, mas dramas humanos, que não podem ser ignorados.

De há muito já não se admite a afirmação de que o juiz é apenas a boca que profere as palavras da lei.21

20

Para Luigi Ferrajoli “as garantias constituem em mecanismos que, porquanto a sua vez normativos, são asseguradas a direcionar a máxima correspondência entre a normatividade e efetividade da tutela dos direitos”. (Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2.ª edição. São Paulo: RT, 2006, p. 21).

21 “Assim o magistrado: não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém

(22)

3.1.1 Distinção entre direitos e garantias

Não é tarefa simples estabelecer a diferenciação conceitual entre direitos e garantias, até porque não se podem estabelecer limites rígidos entre direitos e garantias, uma vez que essas realidades se penetram. Um dos autores que se propôs distinguir direitos e garantias e que obteve êxito foi Jorge Miranda:

Os direitos representam por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas de projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jus-racionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.22

Os direitos expressam os valores a serem observados e respeitados por todos os cidadãos. As garantias objetivam preservar a eficácia dos direitos quando estes são violados. José Afonso da Silva aponta que os direitos “são bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos”.23 Em seguida, o Professor das Arcadas denota a função protetiva das garantias, concebendo-as como “instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens”.24 Na mesma senda Francisco Gérson Marques de Lima arremata: “as garantias têm por fito instrumentalizar e assegurar direitos”.25

O caráter instrumental das garantias não quer significar a diminuição de sua importância, pois de nada adiantaria a declaração de direitos se não houvesse meios de fazê-los respeitados.26 Tais quais os direitos, as garantias estão previstas em normas, mas têm por finalidade “assegurar a máxima correspondência entre a normatividade e efetividade de tutela dos direitos”.27

O direito à liberdade é reconhecidamente um direito positivado no ordenamento jurídico brasileiro, mas o constituinte achou por bem, além de deixar expressa a existência do direito, por à disposição de todos os titulares desse direito um veículo

22 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra

Editora, 2000, tomo IV, p. 95.

23Curso de Direito Constitucional Positivo. 22.ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 411. 24 Op. cit., p. 411.

25Fundamentos Constitucionais do Processo: sob a perspectiva e eficácia dos direitos e garantias

fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 61.

26 DANTAS, Ivo. Constituição e Processo: Introdução ao Direito Processual Constitucional.

Curitiba: Juruá, 2003, p. 52.

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destinado à sua rápida proteção: o habeas corpus. De igual modo, ao enumerar o direito à informação, a Carta Magna previu como instrumento de tutela desse direito o habeas data. Para outros direitos não amparados por esses remédios, apresenta-se o mandado de segurança. Há, dessa forma, uma relação de necessária dependência entre os direitos e garantias. Faz-se necessária a previsão de direitos, de modo a dissipar dúvidas sobre sua existência, como se mostra essencial o tratamento das garantias, de forma a assegurar a reparação do direito lesado, ou de evitar ser consumada a agressão.

3.1.2 Dupla face da defesa: direito e garantia

Para Vittorio Denti, sob o primeiro aspecto, a defesa constitui direito do imputado, que se especifica no exercício dos poderes processuais necessários para o defensor atuar em juízo com o objetivo de influir positivamente na formação do convencimento do juiz. O direito de defesa não é simplesmente o direito à defesa técnica, ou seja, o direito a assistência de um defensor. Se assim fosse, seriam inconstitucionais todas as normas que prevêem a defesa processual da parte em juízo.

Sob a segunda perspectiva, a defesa constitui garantia, como exigência de regular desenvolvimento do processo, objetivando atingir um interesse público geral que transcende a esfera do imputado. Esta garantia somente é considerada satisfeita quando o contraditório é efetivo, quando a paridade de armas é real. Aqui se trata de assegurar o devido processo legal, de realizar um fair trial, o que requer, na maioria dos casos, a presença de um defensor.28

No sentir de Vittorio Grevi, sob uma óptica individualista que privilegia o interesse individual sobre o geral, a defesa é um direito, ficando o seu exercício na livre disponibilidade do imputado. A defesa, no entanto, também é uma garantia, tutelando não somente o acusado, mas atuando como autêntico pressuposto de justiça da decisão a ser proferida no processo.29

A defesa pode também ser considerada um direito, a depender do contexto em que está sendo tratada. Por exemplo, em relação ao direito fundamental de liberdade, a

28 DENTI, Vitttorio. “La difesa come diritto e come garanzia”. GREVI, Vittorio (org). Il Problema Dell

´autodifesa nel Processo Penale. 6.ª edição. Bologna: Zanichelli Editore, 1982, p. 49.

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defesa surge como garantia, tendo por finalidade proporcionar a proteção daquele direito. Em outro contexto, pode ser vista como um direito. Nesse sentido, quando se impetra habeas corpus30 com a finalidade de assegurar vista dos autos ao advogado do acusado, a função do remédio heróico é de proteger a ampla defesa, malferida com a negação judicial de análise dos autos. A função do writ é instrumental, servindo como meio para tutelar outro valor.

Enfocada sob o ponto de vista que enaltece o interesse privado do réu sobre o interesse geral, do correto exercício da função jurisdicional, a defesa pode ser entendida “como direito do acusado, que possui disponibilidade quanto às formas e os modos de exercício daquele direito”.31 Analisada segundo uma perspectiva pública, que ultrapassa o mero interesse do imputado, a defesa pode ser concebida como uma garantia, “não só do acusado, mas também de um justo processo”.32 Nesse caso, não é somente o próprio acusado que será beneficiado quando se respeita a ampla defesa. Portanto, “a defesa, vista como garantia, responde a objetiva exigência do processo, em razão do interesse geral da justiça”.33

Destarte, sob a perspectiva do sujeito processual, a defesa é um direito, mas no plano objetivo do processo representa uma garantia apta a atender a exigência de um processo justo, desenvolvido mediante um contraditório pleno e efetivo. A defesa, assim, pode ser tratada como direito ou como garantia, sem prejuízo da técnica jurídica.34 Além dessas concepções, não se pode deixar de reconhecer a ampla defesa

30

O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a impossibilidade de ser negada vista dos autos ao advogado no inquérito policial. O sigilo inerente aos procedimentos administrativos encetados na persecução penal não pode ser invocado em face do advogado: “...Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), ...”. (1.ª Turma. HC 90232/AM. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. j. 18.12.2006, DJ 02.03.2007, p. 38). Assim, o direito em foco pode ser objeto de habeas corpus, tal como foi na decisão do Excelso Pretório mas também não deve ser descartada a utilização do mandado de segurança. Sob a perspectiva do indiciado, há um interesse dele que seu advogado tenha acesso aos autos do inquérito policial, pois, do contrário, correrá o risco de sofrer uma restrição indevida do seu direito de liberdade, já que a defesa será arranhada ainda na fase do inquérito policial. Sob o ângulo do advogado, há uma lesão a uma prerrogativa institucional (art. 7.º, XIV da lei 8906/94) apta a ser sanada pela via mandamental. Destarte, os dois remédios podem viabilizar o direito ao acesso aos autos do inquérito policial.

31 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. “Defesa Penal: Direito ou

Garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 04. São Paulo: RT, 1993, p. 120.

32 MOURA, Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. Op. cit., p. 120. 33 Id. Ibid, p. 120.

34 José Carlos Vieira de Andrade entende que “todas as regras e princípios que garantem a liberdade e a

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como princípio expresso na Constituição Federal (art. 5.º, LV) e que “permeia todo o sistema processual, informando o andamento do processo penal em cada um de seus momentos”.35

3.2 Acepções do termo defesa

A palavra defesa é utilizada com diferentes significações.36 Com esteio na doutrina de Alex Carocca Perez37, apontam-se os sentidos mais freqüentes e importantes atribuídos à defesa.

3.2.1 Significado originário

Em um plano metajurídico, a defesa pode ser compreendida como decorrência do instinto de sobrevivência, conservação. É indubitável que cada qual é levado a oferecer reação diante de qualquer atitude agressiva. A origem da defesa, portanto, refoge ao contexto do Direito, sendo inerente à própria natureza humana.

Defesa significa reação a uma agressão, repulsa a um ataque. Uma reação em face da atuação de outra pessoa que pretende obter algo contrário ao seu interesse. Sem prévia ofensa, não se concebe defesa.

Em suas origens, a defesa está intimamente ligada à possibilidade de atuação na tutela de um interesse próprio, que o sujeito reputa digno de proteção. Não se trata de uma reação espontânea, mas motivada pela atuação prévia de outra pessoa. Surge, então, diante desse antagonismo de pretensões, um conflito, um litígio, a ser dirimido por um terceiro: o Estado.

35 GIANELLA, Berenice Maria. Assistência Jurídica no Processo Penal: garantia para a efetividade

do direito de defesa. São Paulo: RT, 2002, p. 115.

36 Para a Psicanálise, a defesa é o “conjunto de operações cuja finalidade é reduzir, suprimir qualquer

modificação suscetível de por em perigo a integridade e a constância do indivíduo biopsicológico. O ego, na medida em que se constitui como instância que encarna esta constância e que procura mantê-la, pode ser descrito como o que está em jogo nessas operações e o agente delas”. (LAGACHE, Daniel.

Vocabulário de Psicanálise: Laplanche e Pontalio. 4.ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 107.

37Garantía Constitucional De La Defensa Procesal. Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1998, p.13 e

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Da mesma forma que o ordenamento jurídico prevê normas proibindo condutas ofensivas aos bens de maior envergadura, tipificando os crimes, o sistema de Direito veda a reação física a essas condutas lesivas, salvo se presente alguma causa de exclusão da ilicitude.38 Afinal, não pode o direito exigir que toda pessoa se comporte como covarde, fugindo, ao invés de reagir; ou então ter de suportar uma agressão, sofrendo todas as conseqüências, para não atacar o agressor.

O palco adequado para o desenvolvimento da atividade defensiva é o processo, mecanismo escolhido pelo Estado para a solução dos conflitos de interesses. No processo penal, a defesa surge como necessidade inafastável de tutela da liberdade do acusado.

3.2.2 Defesa como direito individual

A Constituição de 1988 acolheu o modelo processual acusatório, em que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a instituições distintas. O legislador constituinte fez uma opção pelo sistema acusatório de processo penal, consectário de um Estado Democrático de Direito. Assim, é totalmente incompatível com o ordenamento constitucional, o modelo inquisitivo de processo penal, em que se concentram em uma só pessoa as funções jurisdicional, acusatória e defensiva. A defesa é uma exigência do processo penal do tipo acusatório. Em uma alusão newtoniana, pode-se dizer que a toda acusação corresponde uma reação: a defesa.

No Brasil, a defesa é direito fundamental39, daí decorrendo as características da irrenunciabilidade e da inalienabilidade.40 É irrenunciável, pois o acusado não pode, por

38 Estabelece o art. 23 do Código Penal:

“Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito”.

39 José Carlos Vieira de Andrade qualifica a defesa como direito fundamentalíssimo. (Op. cit., p. 338). 40 Opinam Andrés Bouzat e Alejandro S. Cântaro que as garantias processuais dos acusados, dentre as

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ato de vontade, decidir que não seja a si concedida a oportunidade de se defender.41 Conferir ao imputado a possibilidade de renunciar ao direito de defender-se importaria em alteração no correto desempenho da função jurisdicional, fulcrada na regularidade lógico-dialética do processo.42 Independentemente e, até mesmo contra o seu querer, há que se ter defesa no processo penal; defesa plena, efetiva, que contesta a acusação, refutando os argumentos explanados pelo Ministério Público, não se admitindo, portanto, a defesa meramente formal, um arremedo de defesa, em que não se trata das questões específicas dos autos, limitando-se a proferir afirmações vagas, genéricas, sem adentrar a análise do caso concreto. Aqui, adota-se o conceito de defesa como atividade que afaste a acusação. Não se olvida que o acusado pode manifestar livremente a opção por confessar a prática do delito. Tal comportamento processual, ainda que se admita a sua validade, não demonstra a prática de atividade defensiva.43 Advogado, na área penal, é profissional necessariamente parcial. Aquele que objetivar exercer suas funções com imparcialidade não pode atuar na função defensiva, podendo muito bem ocupar cargos junto ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público.44 O acusado não precisa de um defensor que pretenda ser um segundo juiz ou um outro órgão acusatório.

O profissional da advocacia que, por convicções religiosas, morais ou filosóficas, entender que não tem condições de atuar de forma plena na defesa de um acusado, não pode aceitar o munus, ou se já aceito, deve renunciar, para que o réu possa ser assistido por um advogado que atue com combatividade e parcialidade. Deixe-se claro que a atuação eficiente do advogado não pode transbordar para uma defesa criminosa.45 Há

41 Sobre a efetividade da defesa em juízo, adverte Alex Carocca Pérez: “[...] la defensa en juicio, es um

buen ejemplo al respecto, ya que reconocida nivel constitucional, no puede considerarse satisfecha, con el mero respeto a la libertad de cada persona para decidir si asume o no, ya que, entre otros muchos aspectos, el próprio Tribunal Constitucional ha puesto de relieve que constituye uma exigencia esencial del proceso y que, por otra parte, tampoco se agota en una mera obligación formal del órgano jurisdicional de verificar el cumplimiento de los requisitos procesales que podrían permitir que la parte pueda actuar o, en su caso, disponer de abogado que asuma su defensa técnica, sino que, además, deberá velar porque tal actividad pueda efectivamente llevarse a cabo y que la actuación de su defensor técnico sobrepase determinados mínimos. (Op. cit. p. 56).

42

PANSINI, Gustavo. La Contumácia nel Diritto Processuale Penale. Napole: Casa Editrice Dottore Eugenio Jovene, 1963, p. 42.

43 A confissão, inclusive, em caso de condenação, poderá melhorar a situação do imputado, pois constitui

circunstância atenuante (art. 65, III, “d”, do Código Penal).

44 Com maestria, escreveu Piero Calamandrei: “O advogado que pretendesse exercer seu ministério com

imparcialidade não só constituiria uma incômoda duplicata do juiz, mas seria deste o pior inimigo: porque, não preenchendo sua função de contrapor ao partidarismo do contraditor a reação equilibradora de um partidarismo em sentido inverso, favoreceria, acreditando ajudar a justiça, o triunfo da injustiça adversária”. (Eles, os Juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 123).

45 Torna-se ilícito ao advogado, por exemplo, instruir testemunha a prestar falsas declarações em juízo.

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limites éticos e jurídicos que devem ser levados em conta. O advogado que fornece orientação ao seu cliente sobre a melhor forma de realizar empreitadas criminosas também pratica o ilícito. A imunidade do advogado não alcança a atividade de assessoramento jurídico para a realização de atos criminosos.46

No processo civil, aplica-se o princípio da lealdade processual, devendo as partes comportarem-se de maneira transparente, expondo os fatos e tecendo suas considerações conforme a verdade, vedando-se a produção de provas sem qualquer relação com a demanda, com fito meramente procrastinatório. O art. 14 do Código de Processo Civil acolhe expressamente o princípio da lealdade processual47, estabelecendo ainda o art. 17 do mesmo diploma sanções para o litigante de má-fé.48

Por outro lado, no processo penal, não se aplica o princípio da lealdade processual, pois não há que se exigir do réu um compromisso com a verdade.49 Daí que o direito de defesa tem maior amplitude. O que está em jogo é a liberdade do indivíduo, bem por demais precioso para exigir do acusado um comportamento que lhe venha acarretar um prejuízo, pondo em risco sua liberdade. Se o réu tem ampla autonomia para prestar declarações, em conseqüência, o advogado terá liberdade de expor seus argumentos com base na declaração de seus clientes, ainda que com frágil apoio nos autos. Torna-se

depoimento inverídico nos autos de reclamação trabalhista. Conduta que contribuiu moralmente para o crime, fazendo nascer no agente a vontade delitiva. Art. 29 do CP. Possibilidade de co-autoria. Relevância do objeto jurídico tutelado pelo art. 342 do CP: a administração da justiça, no tocante à veracidade das provas e ao prestígio e seriedade da sua coleta.[...]”. (STF. 1.ª Turma. RHC 81327/SP. Rel. Min. Ellen Gracie. j. 11.12.2001, DJ 05.04.2002, p. 59).

46 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Op. cit., p. 784-785. O jurista norte-rio-grandense menciona, a

título de exemplificação, que o advogado “[...] não pode orientar seu cliente quanto à forma de empregar ou movimentar a propriedade de bens, direitos ou valores oriundos dos crimes relacionados no art. 1.º da Lei n.º 9.613, de 03 de março de 1998, sob pena de prática do crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, previsto no citado diploma legal, sem prejuízo de sua responsabilidade criminal pelo delito antecedente, caso em relação a ele também tenha tido alguma participação”. Id. Ibid., p. 785.

47

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II – proceder com lealdade e boa-fé;

III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.”.

48 “Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos;

III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.

49 Com igual posicionamento: PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal. O Direito de Defesa:

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perigoso o advogado filtrar com muito rigor as afirmações de seu constituinte, a fim de concluir que não há nenhuma tese para levantar em defesa dele. Nesse caso, tornar-se-ía um outro julgador, dificultando a tarefa do verdadeiro magistrado, que ficaria sem a antítese necessária a lapidar sua decisão com as tintas da justiça.50 Cada vez que as afirmações relativas à prática de um delito são postas em dúvida, tem-se mais uma chance de reavaliá-las, de atestar a procedências das mesmas, afastando eventuais obscuridades e contradições.

A inalienabilidade consiste na vedação da disposição do direito de defesa por seu titular, cujo exercício não pode ser atribuído ou repassado a terceiras pessoas. Daí que o réu tem controle sobre o exercício da defesa técnica, por possuir liberdade para constituir o defensor que preferir, podendo destituí-lo da representação processual a qualquer tempo, nomeando outro advogado. O juiz não interfere nessa atuação pessoal do imputado, a menos, naturalmente, que o seu defensor constituído não exerça com eficiência o seu munus, devendo o magistrado, nesse caso, intimar o réu para constituir novo advogado antes de nomear defensor dativo. O controle jurisdicional reside na eficiência da atuação processual do advogado, no sentido de evitar a inatividade do patrono judicial do réu, tornando-o indefeso.51 Aqui, exige-se do magistrado especial atenção para evitar um comportamento desidioso do advogado.

Portanto, a defesa pode ser concebida como direito integrante do patrimônio jurídico de cada acusado, da qual ele não pode se desfazer, tendo por finalidade preservar o imputado contra arbitrariedades e injustiças, sendo, por isso, um momento essencial do processo penal.52

50 “Os advogados fornecem ao juiz as substâncias elementares a partir de cuja combinação é gerada, no

junto meio, a decisão imparcial, síntese química de duas parcialidades contrapostas”. (CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 126).

51 O artigo 24.1 da Constituição da Espanha estabelece: “Todas las personas tienen derecho a obtener la

tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e interesses legítimos, sin que, em ningún caso, pueda producirse indefensión”. Em análise ao artigo em referência, em especial ao termo indefensión, colocado na parte final do dispositivo, Ernesto Pedraz Penalva aponta que o termo apresenta elevado grau de indeterminação. Para o autor, o Tribunal Constitucional Espanhol toma a expressão

indefensión em dois sentidos. Em uma acepção mais ampla, toda violação à norma processual prevista na Constituição seria considerada indefensión. Em sentido estrito, considera-se indefensión

constitucionalmente tutelada quando a violação perpetrada às normas processuais acarretar conseqüências lesivas ao direito de defesa, traduzindo um prejuízo real e efetivo ao imputado. (Derecho Procesal Penal: princípios de derecho procesalpenal. Madrid: Colex, 2000, tomo I, p. 226). Assim, na Constituição espanhola há previsão expressa vedando a chamada indefensión, exigindo, dessa forma, uma atuação efetiva e concreta do advogado (letrado).

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3.2.3 Defesa como garantia do processo

A defesa é atividade a ser desempenhada no decorrer de toda a jornada processual. Elio Fazzalari concebe o processo como procedimento em contraditório.53 Todo aquele que tiver a possibilidade de afetação de sua esfera jurídica pela decisão a ser proferida no processo há de ter a garantia de que as suas argumentações, suas irresignações, serão levadas em conta pelo órgão jurisdicional. Evidentemente, esses argumentos poderão ser rechaçados, afastados, mas não se admite é que a decisão os ignore, fazendo de conta que eles inexistem. Deve o juiz, pois, expor as razões pelas quais acolhe ou rejeita os pedidos formulados pelas partes. Trata-se da exigência constitucional da motivação das decisões judiciais.54 Observa-se, destarte, a ligação entre os princípios constitucionais do contraditório (art. 5.º, LV, CF) e da fundamentação das decisões emanadas do Poder Judiciário. (art. 93, IX, CF), pois somente tendo ciência das razões pelas quais seus pedidos foram rejeitados pelo magistrado, é que o réu terá condições de insurgir-se contra a decisão, com a finalidade de anulá-la ou reformá-la.

A garantia da defesa, no processo penal, não é destinada somente a tutelar aquela pessoa em face da qual se imputa a prática de um delito. Ao garantir o direito de defesa, a Constituição protege os interesses de toda a sociedade. É a chamada dimensão objetiva dos direitos e garantias fundamentais. Como atesta Guilherme de Souza Nucci, propugnar pela mais ampla proteção do direito de defesa não é “fomentar a impunidade e a mentira, mas consolidar a democracia e lançar as bases para uma sociedade futura cada vez mais justa e fortalecida”.55 A observância, no processo penal, da ampla defesa traduz garantia que estende seu manto protetor sobre todo o corpo social, e não apenas em benefício do acusado, pois há um interesse público no desenvolvimento de um processo que estabeleça um equilíbrio entre acusação e defesa.

53 Disserta o jurista italiano: “Existe, em resumo, o “processo”, quando em uma ou mais fazes do iter de

formação de um ato é contemplada a participação não só – e obviamente – do seu autor, mas também dos destinatários dos seus efeitos, em contraditório, de modo que eles possam desenvolver atividades que o autor do ato deve determinar, e cujos resultados ele pode desatender, mas não ignorar”. (Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 120).

54 O Supremo Tribunal Federal assentou a importância da análise, pelo órgão judicante, das teses

esposadas pela defesa: “... a decisão judicial deve analisar todas as questões suscitadas pela defesa do réu. Reveste-se de nulidade o ato decisório, que, descumprindo o mandamento constitucional que impõe a qualquer Juiz ou Tribunal o dever de motivar a sentença ou o acórdão, deixa de examinar, com sensível prejuízo para o réu, fundamento relevante em que se apóia a defesa técnica do acusado”. (STF. HC 74073/RJ. 1.ª Turma. Rel. Min. Celso de Mello. j. 20.05.1997, DJ 27.06.1997, p. 30227).

55O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2.ª edição. São Paulo: RT, 1999, p.

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3.2.4 Defesa como qualquer atividade desenvolvida pelo sujeito passivo no processo

penal

Utiliza-se o termo defesa para traduzir a oportunidade que a parte tem de se manifestar sobre os fatos a si atribuídos. É a chance que o réu tem de contradizer a acusação. Nesse sentido, confunde-se a defesa com o contraditório.Também a palavra defesa é empregada para expressar a atividade, função ou ofício que o acusado realiza contraposta à acusação; uma repulsa ao ataque fundado no direito de punir do Estado.56 Essa atividade pode ser desenvolvida pelo próprio réu bem como por seu advogado. Em alguns momentos processuais, como no interrogatório – ato personalíssimo – o advogado não pode responder às perguntas no lugar de seu cliente. O advogado pode orientar o interrogando antes do ato, mas após seu início, cabe apenas ao próprio interrogando rebater as acusações, caso entenda conveniente. O primeiro sentido está mais ligado ao princípio do contraditório, que determina a ciência do acusado de todos os atos do processo, para que, com suporte nesse conhecimento, possa produzir reação. Nesse sentido, pois, a defesa está relacionada à possibilidade de participação.

No segundo significado, que expressa a atividade desenvolvida pelo réu no processo penal, protegendo seus interesses, tal atividade tem início no momento em que se atribui a prática do crime ao acusado, seja por ocasião do auto de prisão em flagrante, do indiciamento ou do oferecimento da denúncia. Nesse sentido, dispõe a Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. É preciso que se interprete o enunciado da mencionada súmula sob uma óptica que privilegie uma defesa material, efetiva. Ausência de defesa e defesa deficiente acarretam a mesma conseqüência: violação à ampla defesa. Tratando-se de agressão direta e frontal a um princípio constitucional, a sanção de nulidade parece inevitável. Só não haverá decretação de nulidade em decorrência de uma defesa deficiente ou inexistente quando o provimento jurisdicional final for favorável ao acusado. Em outra situação, há prejuízo pelo simples fato de não ter havido defesa efetiva.

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3.2.5 Defesa como parte no processo penal

A relação processual penal se estabelece entre autor, juiz e réu. No processo penal, a defesa pode ser concebida como parte em oposição ao Ministério Público ou querelante (nos crimes de ação penal privada). Essa perspectiva está relacionada àquela tratada no tópico anterior, mas personificada nos indivíduos que a exercem.57

A adoção do modelo acusatório de processo penal no ordenamento jurídico do Brasil implica o reconhecimento de um processo de partes (adversary system). Assim, a defesa deve ser encarada como parte em oposição ao Ministério Público, não apenas formalmente, mas garantindo-se ao réu uma defesa adequada e eficiente.58 Com efeito, não há sentido em admitir-se que o resultado do processo seja obtido sem que o juiz tenha tido a oportunidade de colher os argumentos da acusação e da defesa. Cada parte dará sua interpretação da prova dos autos, ampliando o horizonte de conhecimento do magistrado, antes que este profira sua decisão.

O sentido de defesa como parte é bastante utilizado pela doutrina, pela legislação e na prática forense, quando em audiência o juiz faz constar no termo: “Dada à palavra à defesa, esta nada requereu”; ou ainda quando profere despacho: “Embora intimada para oferecer alegações finais, a defesa não se manifestou”.

No Código de Processo Penal pode-se mencionar o art. 474, caput, ao tratar da sustentação oral no tribunal do júri: “O tempo destinado à acusação e à defesa será de 02 (duas) horas para cada um, e de meia hora a réplica e outro tanto para a tréplica”.

Considerar a defesa como parte constitui uma das principais premissas do sistema acusatório. Com efeito, nesse sistema, distinguem-se com nitidez as funções de acusar, defender e julgar. O moderno processo penal é um processo de partes. Não sendo o acusado um objeto do processo, mas sujeito deste, tem o imputado o status de parte.59 Importante não só o reconhecimento da defesa como parte, mas também conferir a esta tratamento que expresse um equilíbrio da relação processual.

57 PEREZ, Alex Carocca. Op. p. 32.

58 MUSSO, Rosanna Gambini. “Diritto di difesa e diritto ad essere difesi adeguatamente: uma garanzia

indebolita negli Stati Uniti d´America”. Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Milano: Giuffré Edittore, 1993, p. 722.

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3.3 Conteúdo da defesa

Vistas as diversas acepções contidas no termo defesa, cumpre agora apresentar a divisão dessa atividade quanto à matéria a ser veiculada. Nessa perspectiva, a defesa pode ser compartida em defesa processual e de mérito.

A modalidade processual ou indireta “dirige-se contra a forma processual do ataque”60, insurgindo-se contra o modo mediante o qual a acusação é formulada. O acusado, nessa modalidade defensiva, pugna pelo cumprimento de normas constitucionais e também legais que estabelecem as diretrizes da atividade persecutória do Estado. “Refere-se, portanto, ao procedimento e sua regularidade: forma de citação, rito processual, competência, eventuais nulidades absolutas ou relativas”.61 Dessa forma, quando o acusado suscita a incompetência do juízo, não repele a materialidade nem a autoria do crime, mas pugna pela preservação da garantia do juiz natural, permitindo o julgamento da causa pelo juiz previamente estabelecido nas normas de competência. Nesse caso, o acolhimento da incompetência do juízo não leva à absolvição do réu, mas tão-só ocasiona a remessa dos autos ao juízo competente.

A defesa direta ou de mérito “é dirigida contra o conteúdo da acusação, e seu acolhimento enseja a finalização do processo, em virtude de sentença definitiva”.62 Nessa espécie de defesa, o réu promove ataque contra a imputação formulada, repelindo a materialidade do crime, a autoria, suscitando causas excludentes da antijuridicidade, da culpabilidade, que produzem a desclassificação do delito para outro menos grave ou ainda que levem à diminuição da pena.

Em quaisquer de suas modalidades, defesa processual ou de mérito, o seu exercício pode ocorrer no curso do processo, antes do julgamento, após a prolação da sentença, com a interposição de recursos ou, em caráter excepcional, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, com o manejo da revisão criminal. A defesa também é exercitável na fase de execução da pena, atacando-se a forma de cumprimento da sanção penal ou ainda se manifestando previamente em relação a qualquer ato do juiz que acarrete prejuízo ao patrimônio jurídico do apenado, como, por exemplo, uma

60 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; BASTOS, Cleunice A. Valentim. “Defesa Penal: Direito ou

Garantia. Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 04. São Paulo: RT, 1993, p. 115.

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decisão que determine a regressão de regime ou que aplique sanção disciplinar ao custodiado.

3.4 As modalidades do exercício da ampla defesa

Da garantia estampada no art. 5.º, LV, segundo a qual “aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa”, decorre a garantia da autodefesa. A garantia da ampla defesa desdobra-se em duas: a defesa técnica e a autodefesa. A primeira traduz no plano da persecutio criminis a exigência de profissional devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil a atuar no munus defensivo.

No que respeita à defesa técnica, há previsão constitucional expressa em relação ao preso63, garantindo a assistência por advogado. Ressalte-se que a norma alcança não somente o preso, mas toda e qualquer pessoa formalmente acusada da prática de um ilícito penal.

Doutra banda, a autodefesa consiste na execução da atividade defensiva pelo próprio imputado, devendo ser respeitada durante toda a persecução penal, seja na fase extrajudicial (inquérito policial), seja na fase judicial (ação penal). A autodefesa não se circunscreve, pois, ao momento do interrogatório64, manifestando-se em diversas outras fases procedimentais.

Estabelecida a premissa de que a garantia da defesa permite ao imputado desenvolver uma atividade de resistência à ação desenvolvida pela parte adversa, cabe agora investigar de que maneira o litigante pode realizar esse moto defensivo, fincando os seus marcos conceituais, sua repercussão e limites no âmbito da persecução penal.

As faculdades proporcionadas pela garantia da defesa podem ser desenvolvidas pelo próprio interessado ou por seu defensor. A primeira recebe o nome de autodefesa, a segunda é chamada de defesa técnica. Essas duas atividades interpenetram-se no decorrer da jornada processual.

63 Dispõe o art. 5.º, LXIII da CF/88: “O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.

64 Em sentido contrário, sustentando que a autodefesa ocorre somente no interrogatório: NUCCI,

(35)

O direito à autodefesa é, certamente, um direito constitucionalmente reconhecido, constituindo um aspecto necessário do direito de defesa do imputado. A autodefesa, por outro lado, não exclui a garantia da defesa técnica, com a conseqüente designação de um defensor, independentemente da vontade do imputado.65

Referências

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