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O que é a filosofia?

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Academic year: 2023

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Claudionor Rocha*

Consultor Legislativo da Área de Segurança Pública e Defesa Nacional Luiz Henrique Cascelli de Azevedo (Graduado em Direito e em Filosofia, Pós-Graduado em Fenomenologia, Mestre em Direito Público e do Estado, Doutor em Teoria do Direito; autor dos livros “O Controle Legislativo de Constitucionalidade”, “Fenomenolo- gia, Morte e Incompletude” e o “Ius Gentium em Francisco de Vitoria, a fundamentação dos direitos humanos e do Direito Internacional na tradição tomista”).

O que é a filosofia?

(Uma aproximação do realismo)

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Resumo

Abstract Palavras-chave

Keywords

O presente artigo tem o propósito de aproximar-se, de forma sumária, da filosofia em perspectiva realista, isto é, procura tornar explícitos os fundamentos de uma filosofia realista, que enaltece o princípio da identidade – fonte da cognição humana – e o conceito de verdade como adequação. Como consequência, o artigo expõe e critica os conceitos ou posturas – tomando em consideração o conceito de verdade – decorrentes do idealismo racionalista na filosofia.

Filosofia, Verdade, idealismo racionalista, teoria do conhecimento.

The present article aims to convey, in a summary form, the realist perspective of philosophy. It delineates the foundations of a realist philosophy which strengthens the identity principle – source of human cognition – and the concept of truth. In so doing, the article exposes and criticizes concepts and positions derived from rational idealism in philosophy.

Philosophy, rational idealism, truth, knowledge.

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1. Conceito

Numa primeira e rápida aproximação, podemos entender a filosofia como a busca profunda e radical que o ser humano empreende pelo co- nhecimento de si mesmo e do meio circunstante. Dessa definição, sobres- saem elementos fundamentais:

a) atividade (prática) que todos podemos desenvolver.

Enquanto a ciência lida com a explicação da realidade a partir dos seus aspectos fáticos, empregando meios em- píricos, a filosofia trata de esclarecer qual a essência (o que é), o que significa, a substância (o porquê), o como, o sentido (inclusive da ciência). Nessa perspectiva, a fi- losofia também se distingue da religião na medida em que essa se caracteriza como prática devocional, moti- vada pela crença, voltada para o divino (transcendente).

b) reflexão de ordem gnosiológica:

b.1) sobre si mesmo (o florescimento da consciência);

b.2) sobre o meio circunstante, que implicará, in- clusive, no surgimento da teoria do conhecimento;

2. Metafísica

2.1) Perspectiva histórica e gnosiológica:

Nada melhor do que verificar, historicamente, o surgimento da postu- ra filosófica, valendo-nos de uma das notas características do ser humano:

a racionalidade, a capacidade cognitiva. Para tanto, vale ressaltar que a percepção da filosofia como um ramo do conhecimento, aliás como ramo fundamental, pode, didaticamente, ser verificada nas seguintes passagens:

- autonomização em relação aos mitos e à religião;

- a busca da causa primeira ou última (causa fundamental, causa das causas): Para os pré-socráticos (físicos), a causa fundamental era a água (Tales), o ar (Anaxímenes), o átomo (Demócrito), os quatro elementos (Empédocles), o indeter- minado (Anaximandro), o fogo e o vir a ser (Heráclito de Éfeso), a ciência dos números cuja ordem imutável domina e governa o vir a ser (Pitágoras), e, por fim, ultrapassando o mundo das aparências sensíveis e até mesmo o mundo dos números e das formas, a causa fundamental passa a ser iden- tificada no âmbito da inteligência com aquilo que ela encon- tra, em primeiro lugar, em todas as coisas do universo, isto é, o ser (Parmênides): o princípio da identidade (princípio da

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não contradição, princípio do terceiro excluído) como base do conhecimento humano.

2.2) Perspectiva Ontológica

Na busca sucessiva de causas explicativas, delineia-se a causa funda- mental, a causa primeira, qual seja o ser (extensão máxima, compreensão mínima). O ser e a sua expressão em modos ou aspectos universais (trans- cendentais ou paixões do ser): uno, verdadeiro, belo e o bem ontológico.

Fundamento da cognoscibilidade: o princípio da não contradição.

Essência e existência 1:

Então, se em Parmênides verificamos o ocorrência do ser (único, eter- no, imóvel, compacto, indiviso, indiferenciado), a atenção à realidade nos leva à constatação da existência de muitos seres. Podemos assim perceber que os seres são múltiplos, plurais, móveis, porque os vemos e sentimos, pois somos finitos, contingentes, compostos, móveis.

Muitos ao verem a aparente mutabilidade do ser2, esquecem- -se de sua própria percepção do ser, e acreditam apenas na mutabilidade. Tomás de Aquino sustenta que uma coisa, em qualquer momento, é alguma coisa, mas não é tudo que po- deria ser (não atingiu a plenitude do ser). O defeito que ve- mos é porque a coisa ainda não atingiu sua plenitude.

Portanto, em outras palavras:

1º) percebemos os seres em sua variedade e multiplicidade;

2º) podemos obter também o conceito de ser mediante a abstração, prescindindo de todas as diferenças formais que distinguem e diversifi- cam os variadíssimos seres particulares. Daqui extraímos a razão de ser como conceito universalíssimo do ser em comum, de onde podemos extrair, de igual modo, as propriedades do ser, aplicáveis analogamente a todos os seres, conhecidos como transcendentais (uno, verdadeiro, belo).

Há um caráter análogo do ser como consequência imediata de seu conceito de pluralidade e diversidade dos seres (todos são). Desse modo, de todas as coisas podemos encontrar um denominador comum, que é o ser. Há diferentes modos e maneiras de ser, o que entendemos por ana- logia (entre a univocidade e a equivocidade).

1 Aquino, Tomás. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2002; Gilson, Etienne. El Ser y La Esencia. Ver- sión castellana del P. Leandro de Sesma, O. F. M. Cap. Buenos Aires: Ediciones Desclée, de Brouwer.

2 Chesterton, G. K. São Tomás de Aquino e São Francisco. Tradução André Oides Matoso e Silva.

São Paulo: Madras, 2012

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A essência diz aquilo que uma coisa é e o que se expressa por sua definição.

Esse como ato formal: Há um conceito de essência como ato formal em um sentido amplíssimo e indeterminado, que identifica-se com o de ser.

Não obstante, ambos os conceitos - ser e essência - podem sofrer uma determinação na busca de diferenças genéricas e específicas.

Esse existencial: se no esse formal se determina a essência (quid est) de uma coisa (o homem), no esse existencial nos voltamos para um ho- mem concreto em sua existência (Pedro, João, Maria....).

“...por esta razão, somente é possível insistir na noção de ser se superada a ordem formal e se alcançada a ordem do real, na qual o ser realiza as próprias formas, enquanto é ato delas.”(...)

“A superação do formalismo somente pode ser obtida numa doutrina metafísica que conceba o ser como ato, e que o conside- re, precisamente porque o é, como arquétipo da atualidade.” (...)

“...dado que o ‘ser’ é mais própria e verdadeiramente dito dos indivíduos subsistentes: o ser é dito própria e verdadeiramente do sujeito subsistente, como diz Tomás num texto bem conhecido.

O ser pertence primeiramente à substância primeira, porque ela é sujeito real; a pessoa é, no primeiro sentido, o sujeito próprio do ser.”3

“...é preciso ter em conta(...) que as noções de essência e ato não só não são incompatíveis, mas são transcendentalmente harmô- nicas e complementares.”4

Aqui é oportuno distinguir 5 os conceitos fundamentais de substância, essência e acidente. Substância para Aristóteles tinha dois sentidos. O pri- meiro, estrito, é o da unidade que suporta todos os demais caracteres da coisa. Numa determinada coisa, encontramos seus caracteres, suas notas distintivas, seus elementos conceituais: o copo é grande, é de cristal, é frio, tem água dentro, foi feito de uma determinada maneira. O quid do qual se diz que é isto, que é aquilo etc. (Tomás de Aquino se refere à quidditas),

3 González, Ángel Luis, in Atualidade do Tomismo (Edição e coordenação de textos por Enrique Alarcón). Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2008.

4 Hay, F. El ser personal. De Tomás de Aquino a la metafísica del don. Pamplona: Eunsa, 1997 (apud in González, Ángel Luis, in Atualidade do Tomismo, op. cit.)

5 Morente, Garcia Manuel. Fundamentos de Filosofia (Lições Preliminares). Tradução de Guilhermo de la Cruz Coronado. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1979

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isto é, a coisa a partir da qual se predica tudo aquilo que se pode predicar, é isso que Aristóteles chama de substante, que jaz de baixo, substância. Esta é o correlato objetivo do sujeito da proposição: Sócrates é mortal, Sócrates é gordo, Sócrates é feio etc, enfim, Sócrates é substância.

Tudo o que dizemos da substância podemos, como Aristóteles, cha- mar de essência. Ela é a soma dos predicados que podemos predicar da substância. Esses predicados podem convir à substância, de modo que se lhe faltasse um deles não seria o que é (há outros predicados da substân- cia, que lhe convêm, mas sem os quais a substância continuaria a ser o que é, chamados de acidentes).

É de reconhecer-se, todavia, que Aristóteles também emprega o ter- mo substância num sentido genérico, envolvendo tanto os seus caracte- res essenciais quanto com os caracteres acidentais. Nesse caso, temos o que ele denominava substância individual. Aliás, o que existe realmente (ontologicamente) são as substâncias individuais (Fulano de tal) e não o conceito genérico, a ideia de homem: existe o cavalo que estou montan- do, que é considerado uma substância primeira, que difere do cavalo em geral, considerado uma substância segunda.

Mas a substância pode ser entendida em dois sentidos. Como subs- tância primeira é o que nos é afirmado de um sujeito (por exem- plo, o homem ou o cavalo individuais). Como substância segunda é a espécie na qual está contida a substância primeira, ou seja, aquilo que é afirmado de uma substância primeira (por exemplo, a espécie ‘homem’ ou a espécie ‘cavalo’). A substância primeira é a substância propriamente dita. A segunda é a essência (ou algo que forma parte da essência).6

“O existir da substância composta não é apenas o existir da for- ma, nem apenas o existir da matéria, mas de seu composto. A essência, por outro lado, é aquilo segundo o que se diz que a re- alidade existe. Por isso é conveniente que a essência, por meio da qual a realidade se chama de ente, não seja tão-somente a forma, nem tão-somente a matéria, mas ambas, mesmo quando apenas a forma seja, à sua maneira, a causa de seu ser.” 7

“A essência é como a estrutura interna limitante, estrutura vazia que só adquire consistência com o acto de ser. No quadro da meta-

6 Mora, José Ferrater. Dicionário de Filosofia, Tomo II (E-J). São Paulo: Loyola.

7 Tomás de Aquino. De ente et essentia, I. Apud Mora, José Ferrater, op. cit.

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física de Tomás de Aquino a essência é potência que em si recebe o acto de ser e o limita.” (...) Existir veio pouco a pouco a significar ser no sentido de realidade enquanto oposta a possibilidade. As- sim existir significa, na linguagem filosófica pós-tomista através de Descartes a Kant, o estado de actualidade dos entes em oposição ao estado de possibilidade.”8

“When existence is conferred on an essence, what was hitherto merely possible becomes actual. In the case of physical bodies, a form receives matter. Thus the concepts of essence and existence, potency and act, form and matter are mutually correlative. (...) The only exception to this is God, in whom essence and existence are identical.” 9

Os autores medievais que, como Santo Tomás, acentuaram o momen- to da ‘atualidade’ na existência, definiram esta última como a atua- lidade da essência, a última atualidade da coisa, a presença atual da coisa na ordem ‘física’, isto é, na ordem ‘real’ “.10

3.Teoria do conhecimento: realismo e idealismo 11

3.1) A diferença entre o realismo (tomista) e o idealismo (Cartesiano e Kantiano).

Para o realismo, o objeto das sensações do mundo exterior têm uma realidade independente. O mundo exterior tem um ser independente do conhecimento que venhamos a ter dele (postura diferente em relação ao idealismo).

A porta de entrada do realismo está na apreensão do ser, sobretudo do ente informado pelo ser, isto é, do ser concreto (“actus essendi”), especi- ficado por uma natureza sensível.

Não é o entendimento que conhece, nem tampouco a sensibilidade, senão o homem por meio de ambas (Tomás de Aquino, De Veritate, q.II, a. 6, ad. 3). Há uma operatio conjuncti do corpo e da alma, em razão da

8 Pires, Celestino. Logos (Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia), n. 2.

9 The Encyclopedia of Philosophy (Paul Edwards, Editor in Chief ), volume three. New York and London: The Macmillan Company & The Free Press; Collier - Macmillan Limited.

10 Mora, José Ferrater. Dicionário de Filosofia, op. cit.

11 Gilson, Etienne. El Realismo Metodico. Traducción de Valentín García Yebra. Estudio preliminar de Leopoldo Eulogio Palacios. 4ª Edicion. Madrid: Ediciones Rialp, S. A., 1974.

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qual não podemos duvidar, por exemplo, da existência do corpo, diferen- temente do idealismo.

Para o idealismo, por outro lado, a apreensão do ser se dá em uma representação: não podemos chegar a captar a coisa em si (ficamos en- cerrados no círculo de nossas próprias ideias).

O ser das coisas, para o idealismo, é o ser percebido e nada sabemos de um ser que seja independente do conhecimento.

Descartes (1596-1650) e o cogito.

Então, a existência do mundo exterior começa a ser objeto de “de- monstração”, abrindo o caminho para o idealismo absoluto.

De Descartes para Kant (1724-1804) e a abertura para a crítica.

A crítica de Kant funciona como um tribunal que julga a faculdade da razão em geral com respeito a todos os conhecimentos que ela pode aspirar independentemente de toda a experiência.

A crítica pretende estabelecer os limites à razão em sua viagem pelo mundo dos objetos.

3.2) A irredutibilidade entre o realismo e o idealismo: a impossibili- dade de um realismo crítico.

Não é possível a configuração de um realismo crítico, isto é, que resul- te da fusão do tomismo, seja com o cartesianismo seja com o kantismo.

Esse era o intento da neoescolástica ao procurar fundar a existência do mundo exterior em uma evidência primeiríssima, ponto irrefutável da filosofia (como o cogito).

São inconciliáveis o esse aristotélico com o nosse cartesiano. Afinal, para Aristóteles e Tomás de Aquino a existência do mundo exterior era evidente, não havendo necessidade de passar pelo crivo do cogito. O co- gito, assim, apesar de ser também uma evidência, não condiciona nossa certeza sobre a existência do mundo exterior.

Por conseguinte, o realismo (ir do ser ao pensar) anula-se se for crítico (ir do pensar ao ser): deve prevalecer o realismo que mira no ser o método de pensar, sem ter que buscar em nenhum “a priori” as condições do ser.

Aqui temos o realismo autêntico, metódico (para contrapor-se à dúvida metódica de Descartes), reflexivo ou dogmático.

3.3) A prevalência do realismo contra o idealismo.

Como vimos, o realismo metódico parte do ser, nele incluindo o pen- sar (ab esse ad nosse valet consequentia), ao contrário do idealismo que parte do pensar, nele incluindo o ser (a nosse ad esse valet consequentia).

Há três justificativas para a opção pelo realismo metódico:

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1º) Evidência: Considera-se a evidência de uma percepção, pois nem tudo que é percebido pode ser demonstrado.

Quanto aos erros do sentido (apontados por Descartes), podemos até considerar a ocorrência de ilusões visuais, mas isso não prova que todas as percepções visuais sejam ilusões.

2º) História: O idealismo não se constitui em uma filosofia viável, isto é, não conduz a alguma parte mediante um método de encaminha- mento adequado. Seu ponto de partida é o “cogito, ergo sum”; seu ponto de chegada é o da destruição da razão. Isso pode ser afirmado a partir da ideia de uma matemática universal, ou seja, o método de uma ciência particular – matemática –, deixa a esfera de seu objeto particular para ser aplicável a toda e qualquer ciência (o método de uma ciência passa a ser válido para todas). Consequência destrutiva: pensar o ser, defini-lo em termos de pensamento (prevalência da essência sobre a existência).

Desse modo, no idealismo a realidade deve ajustar-se ao modelo ma- temático. Esse procedimento inviabiliza a metafísica, que é a filosofia por excelência.

Kant acaba por destruir a metafísica ao eleger a física (seu método) como modelo de toda ciência verdadeira. Este racionalismo acaba por fragmentar a realidade, dando ensejo ao irracionalismo do nosso tempo.

3º) Cristianismo: A filosofia medieval tem como características ser uma filosofia cristã e realista.

Gilson cita Boaventura, segundo o qual as criaturas do mundo sen- sível significam os atributos invisíveis de 'HXV, porque Ele é a origem, modelo e fim de toda criatura e, como sabemos, o efeito remete à causa, a imagem ao seu modelo, o caminho ao fim que o conduz.

Enfim, o ser humano é capaz de formular ideias, mas, se se adota a perspectiva do idealismo, como justifica-las? Elas seriam inatas? Haveria, portanto, uma grande dificuldade em confrontá-las com a realidade.

Poderíamos dar um exemplo:12 quando uma criança olha pela janela e vê o gramado verde. O que ela conhece de fato? Ou será que conhece alguma coisa? Um cientista (racionalista) diz que a criança vê apenas uma espécie de neblina verde refletida no pequeno espelho do olho humano. Mas se ele não tem certeza da existência da grama, como pode ter certeza da existência da retina, observada através da lente de um microscópio? Se a visão engana, por que ela não pode continuar enganando?

12 Chesterton, obra citada anteriormente.

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Outra escola responde que a grama é uma mera impressão verde na mente e que a criança não pode ter certeza de nada a não ser a mente. A criança só pode ter consciência de sua própria cons- ciência (por acaso é a única coisa da qual sabemos que a criança não tem consciência alguma). Seria melhor dizer que há grama, mas não criança, do que dizer que há uma criança consciente, mas nenhuma grama. Para Tomás de Aquino, a criança é cons- ciente do “Ens”. Muito antes de saber que a grama é grama, ou que o eu é o eu, ela sabe que algo é algo: existe uma existência.

Para Tomás uma criança já tem como evidente que não pode ha- ver ao mesmo tempo afirmação e contradição. Pode ser uma lua, uma miragem, uma sensação, um estado de consciência, quando ela vê, sabe que não é verdade que ela não vê. Ou como quer que você chame aquilo que ela supostamente está fazendo – vendo, sonhando ou tendo consciência de uma impressão –, ela sabe que se o está fazendo, é uma mentira dizer que ela não está. Aqui tem algo anterior: uma coisa não pode ser e não ser.

4. O conceito de verdade como adequação 13

Diante do que colocamos, e na perspectiva de uma teoria do conheci- mento realista, o conceito de verdade é atribuído principalmente aos juízos do entendimento, como pertencendo aos atos da inteligência, mas que têm uma conformação com a realidade, expressando-a fielmente: “um juízo é verdadeiro quando afirma que é, o que é; e que não é, o que não é”.

Assim, a verdade do intelecto depende do ser: “não seria verdadeiro o entendimento que se ajustasse às coisas se elas não tivessem em si mes- mas sua verdade, a verdade do ente ou verdade ontológica.”

“Assim, a verdade identifica-se com o ente, e acrescenta-lhe uma rela- ção de conveniência a uma inteligência que pode compreendê-la.”

Donde se segue (de acordo com Tomás de Aquino - In de causis, lect.

6), “...qualquer ente se conhece na medida em que está em ato; e por isso a atualidade de cada coisa é como certa luz interior a ela”. Nossa inteli- gência depende da verdade ontológica, como uma dependência real.

Portanto, a verdade no entendimento humano (verdade lógica) con- siste na adequação do intelecto às coisas (“adequatio rei et intellectus”), sendo verdade afirmar que “João está nesta sala” se efetivamente estiver, sendo falso se João não estiver.

13 Alvira, Tomás; Clavell, Luis; Melendo, Tomás. Metafísica. Tradução de Esteve Jaulent. São Paulo:

Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio, 2014, p. 211.

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“Por natureza o entendimento humano se ordena à verdade, pois a inteligência tem a capacidade de conhecer as coisas como entes, o que não podem fazer os animais irracionais. Porém a adequação entre a in- teligência e os entes tem seu fundamento último no seu ser e no ser dos entes.”

5. Crítica ao relativismo, ceticismo e cientificismo

5.1) Perspectiva Ética e o desdobramento na vida moral cotidiana.

O Bem Ontológico, como vimos anteriormente, é tão amplo quanto o ser, é um “analogado do ser”, uma “paixão do ser”, como o são o uno, o verdadeiro e o belo, sendo, como esses, um transcendental em que o princípio da identidade ou da não contradição é o seu fundamento ló- gico insuperável (o referido princípio é apreendido em nossa capacidade intelectiva e lógica e se reflete inclusive em nossas inclinações naturais).

Este Bem Ontológico pode ser captado14 de forma sensorial: o bom em certa ordem especial (concreta) de realização do ser humano. Uma ação boa está relacionada com a liberdade do ser humano.

Nesse sentido, podemos constatar a objetividade da Ética, base da re- cuperação de uma vida moral autêntica e do atingimento do bem comum.

Aliás, mesmo partindo da psicologia e da antropologia, encontramos formas básicas do bem humano em todas as sociedades 15: vida, conheci- mento, jogo como experiência, experiência estética, sociabilidade, racio- nalidade prática e religião.

O mal, por outro lado, pode ser captado como privação do ser, ausência do ser devido, e na medida em que se ignora o bem como fim de todas as coisas, acarreta a desorganização (falta de ordem), destruição e corrosão.

No desenvolvimento da moral, poderiam ser indicadas duas etapas 16, sendo que, na primeira, haveria o domínio da felicidade comum (ênfase nas virtudes), na perspectiva de Aristóteles e Tomás de Aquino (Suma, II- -II), a partir de uma referência realista.

Numa segunda etapa, prevaleceria o relativismo da moral moderna com o domínio da obrigação que gira ao redor das leis, dos mandamen- tos, das normas, das proibições. Poderíamos sumariar:

14 Maritain,Jacques. problemas fundamentais da Filosofia Moral. Rio de Janeiro: Agir, 1977

15 Finnis, John. Lei Natural e Direitos Naturais. Tradução de Leila Mendes. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2007.

16 Pinckaers, Servais. The Sources of Christian Ethics. Translated from the third edition by Mary Tho- mas Noble. Washington: The Catholic University of America Press, 1995.

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Ockham e o nominalismo (ênfase no preceito). A felicidade individual. O positivismo e o subjetivismo no direito. Pre- ponderância da liberdade de indiferença do nominalismo em relação às inclinações naturais e ao fim comunitário. Virtude:

ato de vontade.

Também no âmbito desta segunda etapa poderíamos mencionar o individualismo17, também em sumário:

Indivíduo e a sociedade como duas entidades ontologica- mente diversas. Vida cotidiana: desconhecimento recíproco.

A parábola das estátuas pensantes. Substâncias ou organis- mos isolados ao invés de relações: Robinson Crusoé. A su- pressão da dependência. A desvinculação dos laços de sangue leva a uma maior autonomia. A privatização: exclusão do intercâmbio. Consequências do individualismo: a teoria do direito subjetivo. A lei – antes expressão da ordem natural – , agora torna-se expressão do poder ou da vontade do legis- lador. O direito – antes concebido como uma relação justa entre seres sociais – passa a ser o reconhecimento do poder.

A separação entre o homem e a natureza e entre o bem, o verdadeiro e o belo: abismo entre o ser e o dever-ser.

Vivemos, enfim, a cultura da “ ‘autenticidade’, ou individualismo expressivo 18, em que as pessoas são estimuladas a encontrar seu próprio caminho, a descobrir o seu próprio prazer, a ‘fazer tudo a seu próprio modo’ ” (“Mal-estares da Modernidade”).

Há uma ampla sensação de mal-estar e de vazio diante de um mundo

“desencantado”. Busca-se por algo dentro ou além que pudesse compensar a perda de sentido com a transcendência (volta-se para uma imanência).

Pode-se falar até em três formas que o mal-estar da imanência pode tomar: 1º- a sensação da fragilidade do sentido, a procura por um signifi- cado supremo; 2º- a estagnação sentida em nossas vidas; e 3º- a completa estagnação, o completo vazio do comum.

5.2) Perspectiva gnosiológica.

17 Dumont, Louis. O individualismo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1993; Elias, Nobert. A Sociedade dos Indivíduos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

18 Taylor Charles. Uma Era Secular. Tradução Nélio Schneider e Luzia Araújo. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2010.

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No relativismo cognitivo19 podemos apreender que “o conhecimen- to e por extensão a verdade, tem sido relativizado com base na alegação de que diferentes indivíduos apreendem diferentemente as coisas, ou na de que culturas ou sociedades operam com diferentes padrões de raciona- lidade e sistemas peculiares de avaliação das alegações de conhecimento.”

Promove-se, assim a relativização dos “artefatos humanos quanto dos fatos naturais, tanto do intelectual quanto do real, a uma instância a eles extrínseca, se está decretando que não existe uma realidade objetiva capaz de julgar e selecionar as crenças que formamos sobre ela.”

Acaba por gerar-se uma superposição ou colisão entre culturas di- versas que adotam sistemas de crenças diferentes não raro excludentes, inclusive sobre o que é certo e errado, “...tanto em termos morais quanto cognitivos, sem que se possam arbitrar objetivamente suas diferenças.”

“Está na moda a visão de que tudo é construção social.”

“O relativismo é ‘autodestrutivo’ porque, se correto, não tem como ser assim reconhecido por antes ter minado a própria noção de correção.”

O ceticismo 20 pode ser identificado naqueles que duvidam que o ho- mem pode conhecer algo com certeza ou que pode demonstrar a verdade de qualquer de suas convicções de crença. Há inclusive os que rejeitam a possibilidade de que se possa discernir entre a ciência e opinião, mesmo porque rejeitam a ideia de ciência.

Os céticos duvidam da nossa capacidade de conhecer, a partir da experiência do erro. Questionam as verdades estabelecidas sejam de or- dem metafísica, religiosa ou científica.

O ceticismo tem formas fundamentais: a) não existe verdade nem conhecimento; b) se houver verdade, somos incapazes de conhecê-la; c) mesmo que possamos conhecer a verdade, não a conhecemos.

O ceticismo relativo de Descartes.

A contradição do cético radical: ao postular que nada se pode saber ou quando afirma demonstrar o que não pode ser demonstrado. Os céticos rejeitam o apelo à razão como rejeitam o apelo à experiência sensível.

Já o cientificismo defende, a partir de uma perspectiva positivista, a su- perioridade da ciência sobre os outros campos da compreensão humana da realidade, como a filosofia e a religião, considerando-se os resultados práti- cos, a metodologia e o rigor. Pretende, desse modo, a aplicação do método das ciências a todas as áreas do conhecimento humano. Há uma supervalo- rização da ciência, em detrimento das demais atividades humanas.

19 Oliva, Alberto. Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

20 Zilles, Urbano. Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência. São Paulo: Paulus, 2005.

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Referências

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