Sonetos da Morte de Alma Welt
Guilherme de Faria
Ophelia (1851-52) - pintura célebre de Sir John Everett Millais- The Tate Gallery, London
Memória imaginada (de Alma Welt) Posso bem imaginar-me já sem vida Chorada pelos meus e alguns peões, Rodo em sua dor já garantida
E Matilde, minha bá, aos borbotões, Ela, que talvez arme um escândalo Com sua exuberância em prantear;
Lucia com o incenso seu de sândalo E o Galdério, com o olho a marejar, De novo prestes no colo a me pegar Murmurando ao me colocar na mesa:
“Hoje temos leitoinha pro jantar”, Ao ver-me lá, assim, ainda mais branca, Qual o manjar da Mutti, a sobremesa, Dela o único que lembro, pra ser franca...
09/01/2007
Republico aqui mais alguns desses sonetos de "morte anunciada" da Alma, para que os leitores os comparem:
Visões (de Alma Welt)
Sonhei minha vida e minha morte E sei detalhes que nem posso explicar, Que levantam questões de toda sorte Como aquela expulsão do meu pomar...
Mas meu corpo nu sobre uma mesa E a marca vermelha no pescoço...
Posso mesmo ver isso com clareza Antes que comece um alvoroço:
Ouço um denso silêncio meio tenso No velório que é meu e inusitado
(mulheres de chapéu preso com lenço)*
Que a Matilde furiosa romperia Atirando alva toalha de bordado:
"Seus ímpios, cubram já a minha guria!”
14/01/2007 Notas
Estarrecida, descobri agora a pouco este soneto inédito na Arca de minha irmã, e qu e atesta a sua espantosa vidência, o sexto sentido que a acompanhou a vida toda, e que,
passaria no seu espantoso velório?
*...(mulheres com chapéu preso com lenço)- As trabalhadoras da vinha, camponesas que trabalham sob o sol com chapéus de palha presos com um lenço debaixo do queixo, por causa do vento da coxilha. Elas e suas filhas é que encheram a grande sala do nosso
casarão no velório da Alma, colocada nua como seu corpo foi resgatado da águas por Rodo e carregada nos braços por Galdério por um longo trecho de campina até ser coloca da sobre a mesa e começar a inusitada visitação sem que ninguém ousasse cobri-la, até a Matilde, furiosa, irromper jogando uma toalha de renda sobre o alvíssimo corpo deslumbrante, gritando aquilo que Alma ouviu na sua visão. (Lucia Welt)
A propósito, republico aqui um soneto (relacionado a esse episódio) que descobri e publiquei aqui em 22 de julho de 2008, que explica o porquê de Alma ter sido colocada (nua!)
sobre a mesa da nossa sala de jantar:
A leitoinha (de Alma Welt) Galdério, prepara a tua charrete Que hoje não quero cavalgar!
Leva-me como quando eu tinha sete E dormia no teu colo ao regressar E me tomavas nos braços com candor Ao salão me transportando sem eu ver, Me punhas sobre a mesa por humor, Dizendo: “Hoje leitoinha vamos ter!”
E eu já despertada mas fingindo Não resistia e gargalhava afinal Sem ousar abrir os olhos, sensual,
Pois sentia o teu olhar tão inocente Percorrer meu pequeno corpo lindo Que queria ser tomado docemente...
09/07/2006
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Fiquei estarrecida ao descobrir hoje este soneto na arca da Alma. Ficou claro para mim, de repente, o gesto insólito, aparentemente incompreensível de Galdério ao pegar o corpo nu da Alma, quando de sua morte afogada no poço da cascata, e vir com ele nos braços como um sonâmbulo para depositá-la sobre a mesa do salão onde começou o seu espantoso vel?
Vide o blog "Vida e Obra de Alma Welt":
http://www.almawelt.blogspot.com/
onde publiquei, já há tempos, a carta que escrevi na ocasião fatídica, narrando as circunstâncias da morte e do velório de minha amada irmã. (Lucia Welt)
Visão (de Alma Welt)
Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!
Nua, estranhamente, sobre a mesa Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja De peões, peonas e algum fã.
Mas olho o meu corpo de alabastro, Absurdo e belo ali, e não à toa Eu noto algo nele que destoa:
Sobre a alvura do pescoço bailarino Uma faixa vermelha como um rastro Da corda que selou o meu destino...
03/01/2007
Obra original disponível em:
http://www.overmundo.com.br/banco/sonetos-da-morte-de-alma-welt