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EDJA LEMOS FERNANDES A MULHER NEGRA E O CINEMA BRASILEIRO: REPRESENTAÇÕES, GÊNERO E IDENTIDADE

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS - FAFIC PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS -

PPGCISH

EDJA LEMOS FERNANDES

A MULHER NEGRA E O CINEMA BRASILEIRO: REPRESENTAÇÕES, GÊNERO E IDENTIDADE

MOSSORÓ/RN 2018

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS - FAFIC PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS -

PPGCISH

EDJA LEMOS FERNANDES

A MULHER NEGRA E O CINEMA BRASILEIRO: REPRESENTAÇÕES, GÊNERO E IDENTIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas – PPGCISH da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e Humanas, na Área de Concentração: Sujeitos, Saberes e Práticas Cotidianas, Linha de Pesquisa:

Cotidiano, Identidades e Subjetividades.

Orientador: Guilherme Paiva de Carvalho Martins

Co-Orientadora: Daiany Ferreira Dantas

MOSSORÓ/RN 2018

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EDJA LEMOS FERNANDES

A MULHER NEGRA E O CINEMA BRASILEIRO: REPRESENTAÇÕES, GÊNERO E IDENTIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas – PPGCISH da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e Humanas, na Área de Concentração: Sujeitos, Saberes e Práticas Cotidianas, Linha de Pesquisa:

Cotidiano, Identidades e Subjetividades.

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho Martins

Co-Orientadora: Profa. Dra. Daiany Ferreira Dantas

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho Martins

___________________________________________________________________

Profa. Dra. Daiany Ferreira Dantas

___________________________________________________________________

Profa. Dra. Eliane Anselmo da Silva

___________________________________________________________________

Profa. Dra. Ady Canário de Souza Estevão

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Em honra aos meus pais, Edna e Raimundo, e ao meu companheiro André Bisneto.

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AGRADECIMENTOS

Ao pai celestial e o mundo espiritual que me acompanham nessa caminhada terrena, me dando a dádiva da vida e a oportunidade de ser melhor a cada novo dia.

A minha mãe Edna Lemos, pela vida, conselhos e pelo incentivo diário, pois sem a senhora eu não seria capaz de seguir nesse mestrado. Muito obrigada por ser além de tudo isso, sempre meu melhor exemplo. Ao meu pai, Raimundo Lindoberto, por sempre estar presente na minha vida, por ser um ótimo pai e conselheiro. Muito obrigada pelas discussões acerca do tema e da vida.

Ao meu esposo André Bisneto, pela paciência infindável comigo em meus piores dias. Pela disponibilidade e ajuda na construção desta dissertação e pelo amor e dedicação a nossa relação. Te amo de forma poética e profunda. Aos meus dois fofinhos, Toddy Malaquias e Nina Simone, por serem os melhores animais de estimação que podem ser e me ajudarem a desopilar entre um capítulo e outro.

Aos meus amigos Lúcia Souza, Beatriz Fernandes, Walkderson Silva, Marília Assunção, Bany Narondy, Rowan Sarmento, Roberta Pereira e Fernanda Isla. Pelo apoio, presença e amizade; muito obrigada.

Aos meus orientadores, Guilherme Paiva e Daiany Dantas por toda a assistência, reuniões, presença e discussões para podermos apresentar esse material finalizado ao programa de mestrado. Com certeza levarei vocês para a vida, muito além dos muros da academia. Agradeço também às professoras, Eliane Anselmo e Ady Canário, que compõem a minha banca, pela disponibilidade de tempo e por aceitarem fazer parte desta caminhada. Obrigada.

Meus sinceros agradecimentos a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a conclusão deste trabalho. Sem vocês, nada disso aqui existiria;

grata.

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É horrível Iembrar que criaturas humanas tratem aos seus semelhantes assim. Que não lhes doa a consciência de levá-los a sepultura asfixiados e famintos1.

1 Maria Firmina dos Reis, Úrsula, p. 93.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo investigar as representações das mulheres negras no cinema brasileiro. A pesquisa abordará a questão da construção da identidade negra e de suas dificuldades dentro do âmbito nacional, pautando a miscigenação como ferramenta de apagamento da negritude. Através de teóricas feministas, como Hooks (2015), Ribeiro (2018) e Carneiro (2015), buscaremos entender as questões acerca de gênero e da hipersexualização dos corpos negros no cinema. Com as contribuições da semiótica cultural, através do estudo de Lotman (1978), e do estudo sobre o cinema negro, seremos capazes de compreender como ocorre a construção de arquétipos que disseminados através das mídias acabam se tornando estereótipos e eixos de representações. Com base nisso faremos análises de quatro filmes, S.O.S. Mulheres ao mar 1 (2014), S.O.S Mulheres ao mar 2 (2015), Aquarius (2016) e Tô Ryca (2016).

Palavras-chave: Feminismo Negro. Identidade. Gênero. Representações. Semiótica Cultural.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the representations of black women in Brazilian cinema. The research will address the issue of the construction of black identity and its difficulties within the national scope, guiding miscegenation as a tool to erase blackness. Through feminist theorists, such as Hooks (2015), Ribeiro (2018) and Carneiro (2015), we will try to understand the question about gender and hypersexualization of black bodies in the cinema. With the contributions of cultural semiotics and the study of black cinema, we will be able to understand how the construction of archetypes occurs that spread through the media end up becoming stereotypes and axes of representations. Based on this we will analyze four films, S.O.S. Women at sea 1 (2014), S.O.S Women at sea 2 (2015), Aquarius (2016) and Tô Ryca (2016).

Keywords: Black Feminism. Identity. Genre. Representations. Cultural Semiotics.

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LISTA DE FIGURAS

Imagem 1 - A redenção de Cam ...42

Imagem 2 - Esquema semiótico ...81

Imagem 3 - Esquema básico de comunicação...90

Imagem 4 - Elementos significantes da linguagem do cinema...91

Imagem 5 - Apartamento nos anos setenta...107

Imagem 6 - Apartamento nos dias atuais e Clara centralizada... 107

Imagem 7 - Ladjane, atual empregada doméstica de Clara...108

Imagem 8 - Clara e sua amiga Letícia com as suas respectivas empregadas domésticas...109

Imagem 9 - Rapazes chegando na aula...110

Imagem 10 - Clara se surpreende...110

Imagem 11 - Juvenita vaga pela casa em sonho de Clara...112

Imagem 12 - Close-up no olhos de Juvenita...112

Imagem 13 - Juvenita verifica o valor das jóias...113

Imagem 14 - Clara observa Juvenita...113

Imagem 15 -Abertura do filme, câmera “caminha” pelo corpo de Selminha...119

Imagem 16 - Selminha e sua amiga Luani caminham para pegar o ônibus...120

Imagem 17 - Selminha e Luani vão ao trabalho e são humilhadas por uma mulher rica...122

Imagem 18 - Selminha se hospeda em um hotel de luxo...122

Imagem 19 - Selminha é barrada no shopping...123

Imagem 20 - O sobrenome de Selminha é o dinheiro...123

Imagem 21 - Selminha volta à periferia...125

Imagem 22 - Dialinda na cozinha, fazendo o almoço de Adriana...126

Imagem 23 - Dialinda chora e pede para ir com Adriana...126

Imagem 24 - Dialinda se alimentando...127

Imagem 25 - Dialinda se veste para procurar um namorado...128

Imagem 26 - Dialinda de passeio pelos pontos turísticos...128

Imagem 27 - Dialinda briga com Charlesnilson...129

Imagem 28 - Dialinda trabalhando nos Estados Unidos...130

Imagem 29 - Dialinda dirige o carro...130

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Imagem 30 - Dialinda é presa...132 Imagem 31 - Mulheres negras entoam fala com Dialinda...132 Imagem 32 - Dialinda de peruca loira...133

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...14

1 A MULHER NEGRA E A HISTÓRIA: É possível falar sobre feminismo interseccional? ...17

1.1 O processo de miscigenação racial no Brasil: um breve histórico...17

1.2 Feminismo e gênero: um breve sobrevoo...21

1.3 Conversando sobre a interseccionalidade...24

1.4 Entendendo o conceito de Lugar de fala...29

1.4.1 O outro do outro ...30

1.4.2 Então, o que é lugar de fala?...32

1.5 O significado da emancipação para as mulheres negras...35

2 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NO CINEMA NACIONAL...39

2.1 A construção de uma identidade racial...39

2.2 O cinema como aparelho ideológico do estado...43

2.2.1 O prazer visual no cinema...46

2.3 Os limites da representação ...49

2.4 Arquétipos e estereótipos de raça...53

2.4.1 Beleza e identidade...55

2.4.2 Arquétipos, caricaturas e estereótipos...59

2.4.3 Imaginário e representação social...66

2.5 O cinema negro...70

3 SEMIÓTICA CULTURAL E O CINEMA...77

3.1 A ilusão da realidade...78

3.1.1 O limite do plano cinematográfico...83

3.2 Níveis da linguagem cinematográfica e seus elementos...88

3.3 O discurso cinematográfico e a significação...90

3.3.1 A linguagem do cinema ...95

3.4 Estrutura da narrativa...96

3.4.1 O tema, o tempo e o espaço no cinema...98

3.4.1.1 O tempo e o espaço...101

3.4.2 O ator como representação do ser ...103

4 ANÁLISE FÍLMICA...105

4.1 Aquarius...106

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4.2 Tô Ryca...114

4.2.1 A encenação do popular...115

4.2.2 A análise do filme Tô Ryca (2016)...118

4.3 S.O.S. Mulheres ao Mar...125

4.3.1 S.O.S. Mulheres ao Mar 2...129

CONSIDERAÇÕES FINAIS...135

REFERÊNCIAS...137

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INTRODUÇÃO

O cinema, tem estreita e contínua relação com a história, e é como bem sabemos uma ferramenta de representação das sociedades e culturas. Produto cultural, influencia o meio e é influenciado por ele. Questionar o mundo das práticas discursivas do cinema nos levar a caminhos que facilitam o entendimento da sociedade na qual estamos inseridos. O cinema, assim como inúmeras outras ferramentas midiáticas, passa ao longo dos anos por diversas transformações, ganhando formas mais imersivas, estas que auxiliam na articulação entre arte, política, cultura e tradição.

O cinema contemporâneo, hibridização em potencial de saber tecnológico, artístico e estético, é um espaço de discursivização do real e do ficcional, no qual o político, inscrito nas demandas do social, cria condições de possibilidade para (in)visibilidades dos regimes de verdade urdidos sob a égide da biopolítica. (TASSO, 2013, p. 38)

Assim, compreender o discurso cinematográfico em sua essência é buscar entender, além de suas ferramentas, o seu discurso, de forma detalhada. A representação que vemos na tela acaba nos envolvendo e nos deixa em um estado de sinestesia. E como Dubois (2004) nos lembra, o cinema é um conjunto que produz e alimenta o nosso imaginário, onde seu maior poder está galgado em seu discurso simbólico e seus mecanismos não produzem apenas imagens, mas sim, afetos.

Bourdieu (1989) nos diz que estamos expostos a diversos universos simbólicos como a arte, a religião, a língua, etc; E que estes nos ajudam na construção do mundo simbólico. Portanto, ao assistir a um filme a decodificação da informação que estamos recebendo passa por todos esses universos simbólicos que trazemos em nosso “mundo estruturado”. Ao analisar um filme não vamos apenas levar em conta a história que a narrativa nos conta, mas também, nosso conhecimento estruturado do mundo ao nosso redor.

Se o cinema é por sua vez, como nos fala Bernardet (1993), uma reprodução da realidade, e uma reprodução da visão do homem em seu contexto histórico, podemos afirmar que os diálogos, imagens e construção de personagens são feitos de forma planejada. Assim, ao assistirmos um filme não o entendemos apenas com as informações que o enredo nos passa, mas também, a partir da nossa construção como indivíduo, do sentimento de reconhecer-se na tela e da

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nossa forma de ver o mundo.

Em nossa pesquisa tivemos como objetivos compreender sobre os processos miscigenatórios que ocorreram com mais força no Brasil pós-colonial, bem como acerca do lugar de fala e das lutas do feminismo negro dentro do nosso país. Além disso, tentamos entender como se dá a representação da mulher negra no cinema nacional, seus arquétipos e como estes influenciam no imaginário social.

Discutiremos também a semiótica cultural, a fim de analisarmos os quatro filmes escolhidos, para responder a nossa pergunta problema, que seria a existência dentro desses filmes de uma representação que influencie positivamente a construção da identidade negra nesse momento atual. Para desenvolvermos a pesquisa aplicamos a análise semiótica de Yuri Lotman (1978) e fizemos uma pesquisa bibliográfica a fim de respondermos a pergunta que move esse estudo.

No primeiro capítulo, fazemos uso das análises de teóricos como Carneiro (2011), Fanon (2008), Ferreira (2014), Munanga (1999) e Hall (2000). Seus estudos foram importantes para desenvolvermos a nossa pesquisa, pois precisávamos entender todo o processo sobre a tentativa de apagamento da negritude brasileira, principalmente através de políticas de embranquecimento, como a disseminação de falsas informações que acabavam por causar rupturas na identidade dos negros e negras em diáspora. Ainda no primeiro capítulo também temos as contribuições de Lauretis (1994), Butler (2003), Hooks (2015), Almeida (2018), Vidal (2014), Ribeiro (2017) e Alcoff (2016), acerca de feminismo, para entendermos sobre lugar de fala, estruturação do racismo na nossa sociedade, gênero e identidade.

Em nosso segundo capítulo iremos aprofundar a nossa discussão sobre a representação da mulher negra no cinema brasileiro, e para isso iremos beber a luz dos conhecimentos de Borges (2018), Braga (2015), Rodrigues (1988) Munanga (1999), Silvio Romero (2001), Nogueira (2006), Maffesoli (2001) Hall (2003), Hooks (2017), Mulvey (2001), Blumer (2013) e Bourdieu (1989). Esses autores irão nos mostrar o caminho para o debate sobre poder simbólico, construção de uma identidade, imaginário, vivência social, arquétipos e estereótipos assimilados aos corpos negros, hipersexualização da mulher negra, construção da beleza e cinema negro.

O nosso terceiro capítulo é o semiótico, construído a partir das contribuições

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de Lotman (1978), sobre o homem como representação do ser, a ilusão da realidade causada pelo cinema, signos culturais, limites de representações, limites de planos e telas, bem como questões mais técnicas que estão presentes dentro da composição da narrativa e fatos que tem como objetivo a reativação da história. Aqui iremos entender que sem o sentimento de identificação com a realidade do cinema, este não poderia existir.

Em nosso último capítulo, o quarto, iremos analisar quatro filmes recentes que possuem entre si representações de mulheres negras em papéis distintos. No primeiro filme Aquarius (2016), iremos conhecer a história de Clara e de suas duas empregadas domésticas, Juvenita e Ladjane. No segundo filme, Tô Ryca (2016), teremos Selminha, mulher que vive na periferia do Rio de Janeiro, mas consegue ascender socialmente por meio de uma herança de família. O terceiro filme, por sua vez e o quarto são da mesma Franquia. S.O.S. Mulheres ao Mar 1 e 2 nos apresenta três protagonistas, entre elas, Dialinda, que assume diversos arquétipos e estereótipos ligados ao cinema brasileiro.

Para tanto, buscamos compreender os discursos narrativos que muitas vezes passam despercebidos à maioria do público que está imerso no processo de prazer visual do cinema. Assim, considerando os fatores apresentados, esse trabalho procura entender como ocorre a representação da mulher negra no cinema brasileiro, bem como compreender a construção da identidade dessas mulheres, a fim de verificar se mesmo com avanços jurídicos e sociais, o racismo ainda se perpetua de forma estrutural e institucional.

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1 A MULHER NEGRA E A HISTÓRIA: É possível falar sobre feminismo interseccional?

1.1 O processo de miscigenação racial no Brasil: um breve histórico

Com o tráfico negreiro em seu auge, a igreja católica, bem como os portugueses que aqui chegaram, perceberam que para facilitar a dominação de toda a população, era necessário criar pontos a fim de se distinguirem das demais etnias que compunham o país. Esse processo os separou em três partes: a primeira que ficava no topo da pirâmide social, composta pelos brancos europeus, onde eles se enquadravam e se autodenominavam de “sociedade civilizada”. Após eles, no meio da pirâmide, estavam os indígenas, considerados por estes como “selvagens com alma”, e por sê-los podiam ser doutrinados pela igreja católica. E por último, na base, foram colocados os negros e negras em diáspora, considerados inferiores a todos os demais. Foi inclusive acrescido nessa época que o negro se tratava de um ser inferior intelectualmente e socialmente. Nesse momento a racialização da população negra aconteceu, para justificar a escravidão.

O Brasil, é um país que sempre buscou na miscigenação o apagamento da negritude na sua história. A intenção era a de chegar a um ponto étnico único e criar uma população branca e nacionalista. Esse processo de miscigenação incentivado pelo governo teve início em 1914, com a chegada da ideia de eugenia, o que nos anos 20 seria transformado em um movimento higienista. O primeiro contato que se teve com a ideia, se deu no Rio de Janeiro, através de uma tese orientada por Miguel Couto. O significado da palavra eugenia quer dizer, segundo Ferreira (2017)

“bem nascido”, e no Brasil o termo foi associado à higiene social. Os intelectuais da época viram na ideia uma solução para o desenvolvimento do país, e assim, o transformaram em um movimento que acreditava que as epidemias brasileiras eram culpa da população negra, recém liberta com a abolição. A teoria eugênica surgiu para validar a segregação hierárquica.

Além desse processo eugenista, na década de 30, durante o governo de Getúlio Vargas foram dados diversos incentivos para imigrantes brancos, a fim de promover uma miscigenação que culminasse no desaparecimento dos traços negróides através das décadas. Ainda em trinta, Gilberto Freyre (2003) publicou uma das suas obras mais famosas, “Casa grande e Senzala”, livro onde ele estabelece que no Brasil há uma democracia racial. Nesse livro, ele descreve o

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brasileiro como sendo uma raça, resultante da mistura entre o índio, o negro e o branco e que por sê-lo, em nosso país o racismo não existiria, pois as três raças convivem de forma harmoniosa.

A pluralidade racial que foi encontrada no Brasil durante o processo colonial, possivelmente determinou a desigualdade e os processos de exclusão social pelo racismo. A mentalidade da elite da época - pensamento que acompanha muitos ainda hoje - o negro e o índio eram grandes obstáculos para se construir uma nação que se pensava branca. Nesse debate intelectual nacional que se tinha na época, o que se queria, era chegar a um denominador em comum sobre o povo brasileiro. A procura, era a de saber como transformar toda essa variedade em uma única coletividade de cidadãos, em uma só nação. A miscigenação, portanto, foi uma das ferramentas utilizadas para hierarquizar a população negra.

Em primeiro lugar, a miscigenação vem dando suporte ao mito da democracia racial, na medida em que o intercurso sexual entre brancos, índios e negros seria o principal indicativo de nossa tolerância racial, argumento que omite o estupro colonial praticado pelo colonizador sobre as mulheres negras e indígenas, cuja extensão está sendo revelada pelas novas pesquisas genéticas que nos informam que 61% dos que se supõe brancos em nossa sociedade tem a marca de um ascendente negra ou índia inscrita em seu DNA. (CARNEIRO, 2011, p. 66)

Com as políticas de miscigenação encabeçadas tanto pelos intelectuais quanto pelo governo, a população negra era colocado em último lugar na pirâmide social, na qual era necessário que seus traços e sua existência desaparecessem com o tempo, para se obter uma sociedade mais civilizada e um povo homogêneo.

Essa relação, é claro, era imposta como condição construída socialmente. A miscigenação foi e ainda é uma ferramenta eficaz, que coloca o negro retinto na base e o branco no topo, dando aos que se encontram no meio o benefício simbólico de estar mais próximo do ideal humano. Fanon (2008), nos fala inclusive sobre isso, quando ele diz que o negro busca em suas relações atingir o ideal humano que permeia o imaginário social, ou mesmo quando ele tem que provar-se duas vezes melhor para ser reconhecido por um feito simples.

Isso tem impactado particularmente os negros brasileiros, em função de tal imaginário social, que indica uma suposta melhor aceitação dos mais claros em relação aos mais escuros, o que parece ser fator explicativo da diversidade de expressões que as pessoas negras e/ou seus descendentes costumam receber ou adotar para se definir racialmente. Talvez o termo

“pardo” se preste apenas a agregar os que, por terem sua identidade étnica e racial destroçada pelo racismo, pela discriminação e pelo ônus simbólico

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que a negritude contém socialmente , não sabem mais o que são, ou, simplesmente, não desejam ser o que são. (CARNEIRO, 2011, p. 67)

A miscigenação racial no Brasil, causou portanto, uma fragmentação na identidade dos negros brasileiros. Além disso, outro ponto que contribuiu negativamente para a ruptura da identidade negra, foi a suposta representação durante décadas, permeada de estereótipos raciais e a hipersexualização da mulher, no cinema, na televisão - na mídia em geral - com o intuito de menosprezar e fazer o negro risível. E essa não deixa de ser mais uma das características do racismo, como nos diz Carneiro (2011): Uma das características do racismo é a maneira pela qual ele aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de ser representado em sua diversidade (p.70).

Além disso exposto, Fanon (2008) nos explica que a identidade negra é construída para se opor à branquitude e essa construção perpassa a não identificação com elementos que compõem essa identidade branca. Nesse passo, podemos afirmar que foi a eles causado o que Pinto e Ferreira (2014) chamam de desqualificação sistemática, pois foram criadas referências estereotipantes de ordem física, intelectual e social que foram legitimadas e difundidas, suscitando um dano irreparável na estrutura das relações sociais. Esse processo levou a um racismo velado, causando aos negros vivências humilhantes em seu dia a dia.

Ao negro sempre recai um olhar que lembra que ele é negro, isto é, o fato de ser negro nunca é esquecido e todas as suas inúmeras outras características são postas de lado diante de sua pertença racial. Ele é, antes de tudo, negro. Qualquer coisa que faça está vigiada pelo fato de ser negro. Isso não acontece com o branco. Como padrão de normalidade sua identidade não é questionada. (PINTO; FERREIRA, 2014, p. 262).

Após o mito da democracia racial se introjetar na sociedade brasileira, tanto socialmente quanto estruturalmente, devido à miscigenação, se tornou difícil a construção da identidade racial, pois o sentimento de pertencimento a grupo acabou enfraquecendo. Munanga (1999) nos coloca que esse processo interfere na autoestima da população negra, já que o grupo interioriza os preconceitos negativos que são projetados contra eles e acabam por assimilar valores culturais do grupo branco, como forma de afastar o racismo.Segundo Hall (1996), essa fragmentação da identidade, seja completa ou parcial, nos mostra como é traumático para o negro brasileiro processar a “experiência colonial” que os sujeitou e posicionou aos regimes dominantes de representação. Produz, nas palavras de Fanon por

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“indivíduos sem uma âncora, sem horizontes, sem raízes” (FANON, 2008, p. 176). A questão da identidade para a população negra brasileira é ainda mais profunda, pois há um receio em se autodenominar negro ou negra, tendo em vista os estereótipos e os adjetivos negativos ligados à cor, disseminados ao longo dos anos.

As teorias racistas, agregadas à historicidade das relações raciais no Brasil, desenvolveram a perspectiva que prima pela exclusão e trata as diferenças como deficiências, prejudicando a construção de uma identidade baseada na negritude, já que todos sonham desenvolver um dia a identidade branca por julgarem-na superior. Por conta disso, a população negra acaba tendo dificuldades em desenvolver uma identidade que culminaria no engajamento em políticas com o objetivo de melhoria de sua condição social. (PINTO;

FERREIRA, 2014, p. 262)

Dessa forma, o negro nasce e sobrevive dentro de uma ideologia de que o branco é o ideal a ser atingido, e a busca por essa identificação se torna marcada por inúmeras opressões e contradições. A construção da identidade acontece através do reconhecer-se a partir do que não é, no outro. Contudo não podemos focar nessa dicotomia nós/os outros, como nos fala Hall (2000) o significado de

“ser”, ou seja, o processo de construção identitário não é completamente fixo ou completo, ele é deslizante.

a posição de Hall enfatiza a fluidez da identidade. Ao ver a identidade como uma questão de ‘tornar-se’, aqueles que reivindicam a identidade não se limitariam a ser posicionados pela identidade: eles seriam capazes de posicionar a si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas, herdadas de um suposto passado comum. (WOODWARD, 2000, p. 29)

O autor também nos diz que as fronteiras das diferenças são constantemente modificadas em relação a diversos pontos de referências. O negro brasileiro é colocado nos espaços periféricos, a ele é renegado o lugar do “outro”

cotidianamente, muitas vezes sem perceber que está sendo compelido a isso.

Compreendido o que foi posto, afirmamos então que o racismo brasileiro é estrutural e institucional, e que este segue sendo amplamente disseminado através da cultura, sendo a hipersexualização da mulher negra um exemplo disso.

A questão do “eu” versus o “outro” é abordada por diversos autores, como por exemplo, Edward Said (1993) e Néstor García Canclini (2008) e trata sobre formas de construção de grupos e também, do ideal de nacionalismo. Tendo em vista que no processo de construção da identidade partimos da identificação com as outras pessoas da nossa sociedade e também da não identificação com estas,

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acabamos por nos separarmos entre o “eu”/”nós” e o “outro”/”eles”. Sendo o “outro”

definido como aquilo que é externo, que é negativo. Ou seja, que não corresponde ao “nós” ou “eu”, e portanto é ruim. Para Woodward (2000) essas diferenças se dão nas coisas mais banais, na pesquisa dela temos como exemplo a marca do cigarro que é usado por duas nações vizinhas - que são inimigas. Além disso ela mostra que a forma caricaturada do “outro” é uma ferramenta para se afirmar enquanto “eu”, enquanto pertencente a devida localidade ou grupo.

1.2 Feminismo e gênero: um breve sobrevoo

Para facilitar a nossa discussão, precisamos pensar o gênero como base nos estudos de Lauretis (1994). Ela nos diz que gênero é uma representação, e que mesmo sendo, terá implicações concretas, sociais e subjetivas, na vida das pessoas. Essa representação do gênero, por conseguinte, é a sua construção, e essa construção vem ocorrendo no mesmo ritmo que em tempos passados. Ela ocorre na mídia, nas escolas, na família, ou seja, através dos aparelhos ideológicos do estado. Mas também, de forma mais discreta na comunidade intelectual, no feminismo e nas práticas artísticas de vanguarda. A autora deixa claro, que a construção do gênero também ocorre por intermédio de sua desconstrução.

quer dizer, em qualquer discurso, feminista ou não, que veja o gênero como apenas uma representação ideológica falsa. O gênero, como o real, é não apenas o efeito da representação, mas também o seu excesso, aquilo que permanece fora do discurso como um trauma em potencial que, se/quando não contido, pode romper ou desestabilizar qualquer representação.

(LAURETIS, 1994, p. 209).

O termo gênero, para a autora a cima, é uma representação de um pertencimento à uma classe, a um grupo ou categoria. Esse pertencer é o que faz com que o indivíduo construa uma relação com as pessoas que pertencem ao mesmo lugar. Assim, para Lauretis (1994) o gênero representa não um indivíduo, mas, sim,uma relação social do indivíduo com o meio, e vice e versa. Dentro do feminismo muito se foi avançando ao longo das décadas, antes era pensado que havia uma identidade definida, que as mulheres possuíam um lugar comum - socialmente falando. Contudo, essa suposição causou um grande problema dentro da teoria feminista, pois, como nos diz Butler (2003), se um indivíduo é mulher, com certeza, não é tudo que este o é.

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Acreditar que todas as mulheres partem de um lugar comum é presumir que a opressão contra as mulheres possui uma estrutura universal e hegemônica, na qual não há divisões raciais, de classe, étnicas e sexuais. Seguindo o pensamento de Butler (2003) é impossível separar a noção de gênero das intersecções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.

Talvez exista, na presente conjuntura político-cultural, período que alguns chamariam de “pós-feminista”, uma oportunidade de refletir a partir de uma perspectiva feminista sobre a exigência de se construir um sujeito do feminismo. Parece necessário repensar radicalmente as construções antológicas de identidade na prática política feminista, de modo a formular uma política representacional capaz de renovar o feminismo em outros termos. (BUTLER, 2003, p. 22)

Tendo em vista que é tempo de empreendermos uma crítica capaz de libertar o conceito de gênero dessa necessidade de construir uma base única à todas as mulheres. Podemos afirmar que a noção que temos hoje de gênero dá sinais que não funciona mais como uma premissa básica para o feminismo.

Portanto, um novo tipo de política feminista se torna mais interessante para contestar as noções de gênero e identidade; “isto é, uma política feminista que tome a construção variável da identidade como um pré-requisito metodológico e normativo.” (BUTLER, 2003, p. 23). Pensando nisso, Hooks (2015) ainda acrescenta que além de não podermos afirmar que todas as mulheres partem do mesmo princípio, também não podemos dizer que “todas as mulheres são oprimidas”.

Essa afirmação sugere que as mulheres compartilham a mesma sina, que fatores como classe, raça, religião, preferência sexual etc. não criam uma diversidade de experiências que determina até que ponto o sexismo será uma força opressiva na vida de cada mulher. O sexismo, como sistema de dominação, é institucionalizado, mas nunca determinou de forma absoluta o destino de todas as mulheres nesta sociedade. Ser oprimida significa ausência de opções. É o principal ponto de contato entre o oprimido(a) e o opressor(a). (HOOKS, 2015, p. 197)

A autora ainda acrescenta que muitas mulheres nessa sociedade possuem escolhas, e que portanto, a palavra que poderia ser usada como coletiva seria discriminação de gênero e exploração, mas não opressão. Embora o impulso do uso dessa palavra fosse para construir uma unidade empática e solidária entre as mulheres, ela proporciona tensões dentro do movimento, e pode ser usada de forma errônea, levando-nos a ignorar as diferenças de classe e raça. Fazendo assim com que os interesses de mulheres brancas e de classe média fossem o foco central do movimento feminista em detrimento das necessidades das demais mulheres que o

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compunham. Segundo a autora, o problema se encontra na universalidade da expressão.

Enquanto as mulheres brancas universitárias levantavam suas bandeiras por igualdade aos homens na esfera pública, elas acabavam por escantear quem assumiria suas funções na esfera privada. Estas seriam mulheres negras e as brancas de classes menos privilegiadas. Sendo assim, o feminismo, em sua narrativa mais ampla e difundida, nasceu por meio daquelas que tinham ferramentas e visibilidade - na maioria das vezes devido a sua condição sócio-financeira - Hooks (2015), nos fala que não foi discutido quem seria chamada para essas funções, e, portanto, o feminismo inicialmente não foi pensado para todas.

A autora definiu esse “mais” como profissões, sem discutir quem seria chamado para cuidar dos filhos e manter a casa se mais mulheres como ela própria fossem libertadas do trabalho doméstico e tivessem o mesmo acesso a profissões que têm os homens brancos. Ela não falou das necessidades das mulheres sem homem, sem filhos, sem lar, ignorou a existência de todas as mulheres não brancas e das brancas pobres, e não disse aos leitores se era mais gratificante ser empregada, babá, operária, secretária ou uma prostituta do que ser dona de casa da classe abastada.

[...] Problemas e dilemas específicos de donas de casa brancas da classe privilegiada eram preocupações reais, merecedores de atenção e transformação, mas não eram preocupações políticas urgentes da maioria das mulheres, mais preocupadas com a sobrevivência econômica, a discriminação étnica e racial etc. (HOOKS, 2015, p. 194)

O que a autora nos conta é que nesse momento, de início do feminismo, ao colocar todas as mulheres dentro da mesma categoria, muito foi esquecido e lutas que já estavam acontecendo, bem como a fala e vozes de mulheres negras que já estavam presentes na luta, acabaram por ser silenciadas. Isso mostra como a teoria feminista nasceu dentro de um pensamento colonialista e que a legitimação do que é conhecimento ou não, do que é uma teoria ou não, parte do ideal branco europeu.

Para Hooks, isso mostra que:

A recusa feminista, no passado, de chamar a atenção para hierarquias raciais e às atacar, suprimiu a conexão entre raça e classe. Apenas se analisando o racismo e sua função na sociedade capitalista é que pode surgir uma compreensão profunda das relações de classe. A luta de classes está indissoluvelmente ligada à luta para acabar com o racismo. (HOOKS, 2015, p. 196)

Aqui no Brasil, como sabemos, o racismo se desenvolveu de uma forma muito singular. Ele não foi legitimado como prática excludente, mas foi reconhecido, segundo Almeida (2018), pela Lei 1390/51 de 3 de julho de 1951, conhecida como Afonso Arinos. Há também a Lei 7716/89, no âmbito penal, que torna o crime de

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racismo imprescritível e inafiançável. Mesmo com leis que buscam o combate, o racismo é presente nas relações sociais e nos discursos. Logo, ele está nas práticas do cotidiano e no imaginário social, caracterizando, assim, um racismo velado.

Mesmo não sendo legitimado pelo estado, estamos em quinto lugar de maior população feminina encarcerada, sendo 67% de mulheres negras. Ou seja, “duas em cada 3 mulheres presas são negras. Há, portanto, um alarmante dado que aponta para a juventude negra como foco de ação genocida do Estado brasileiro.”

(BORGES, 2018, p. 15). Dado este fato, não podemos mais negar que o racismo é uma das bases para as desigualdades sociais no Brasil.

A cor e a raça da população brasileira vêm adquirindo grande importância nas análises dos conflitos e desigualdades de nossa sociedade, onde operam claramente práticas de discriminação por cor e aparência. Neste sentido, podemos dizer que os não brancos sofrem discriminação em diversas instâncias da experiência cotidiana, como na educação, na ocupação e oportunidades de emprego. (SCHUCMEN, 2010, p. 48)

Reconhecemos, portanto, como problemático o conceito de opressão como algo indiscriminadamente partilhado por todas as mulheres, partindo dos debates do feminismo negro. Pois essa assertiva sugere que todas nós compartilhamos das mesmas experiências e sofrimentos, das mesmas vivências, e os fatores como classe e raça ficam postos à margem da discussão, fazendo assim com que não avancemos teoricamente. A busca por um feminismo interseccional pode ser considerada a procura por ter voz em um espaço majoritariamente branco. É de fato, deixar com que todas as mulheres possam identificar a teoria dentro das suas experiências e vivências e, por conseguinte, transforma-las.

1.3 Conversando sobre a interseccionalidade

A interseccionalidade é um conceito historicamente novo em sua nomenclatura, e foi registrada pela professora norte-americana Kimberlé Crenshaw no ano de 1989. Ela definiu como o estudo ou a visão de que as mulheres vivenciam a opressão em diferentes configurações e graus de intensidade. Os padrões culturais de opressão, para ela, não só estariam interligados mas também unidos pelos sistemas interseccionais da sociedade. Os exemplos disso incluiriam raça, classe social, etnia, capacidades físicas/mentais e gênero.

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Em outras palavras, certos grupos de mulheres têm que lidar com múltiplas facetas na vida, que possuem diferentes camadas. Não há um tipo de feminismo tamanho único. Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida cotidiana. (VIDAL, 2014, p.1)

Uma forma prática de encarar como a interseccionalidade funciona dentro do feminismo, é pensar em níveis, camadas de opressões: há mulheres que sofrem com o sexismo, e existem aquelas que sofrem com o sexismo e o racismo. Muito além de identificar essas nuances, propor um feminismo multifacetado para que ele possa sair dessa branquitude para à realidade. Exemplificando: o ser nasce dentro do sexo feminino e torna-se mulher através da performatividade do gênero. Se esse ser for branco, e dentro do padrão normativo da beleza ocidental, ela - pois se identificará como mulher - sofrerá ao longo de sua vida com o machismo recorrente do patriarcado.

A principal coisa que a ‘interseccionalidade’ está tentando fazer, eu diria, é evidenciar que o feminismo, que é excessivamente branco, classe média, cisgênero e capacitista, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas facetas e camadas presentes em suas vidas. (VIDAL, 2014, p. 2)

Se no caso a mulher em questão for negra, sofrerá também com o racismo proveniente da estrutura colonial. Podemos ultrapassar um pouco e pensarmos em outras camadas, como por exemplo a gordofobia, a transfobia, a LGBTIQIfobia.

Porque esse feminismo atual, majoritariamente branco e de classe alta, não engloba, por exemplo, a vivência e a voz de uma mulher negra, gorda, periférica e trans. São esses casos que temos que pensar quando falamos de interseccionalidade. Para entendermos essa estruturação pós-feminista na qual estamos inseridas, precisamos escutar as demais mulheres que fazem parte do feminismo. Uma vez que elas são silenciadas constantemente, não só em casa, mas na universidade e dentro do próprio movimento feminista. Contudo, não devemos confundir a interseccionalidade com hierarquização de opressões. Não podemos quantificar a subjetividade do sofrimento, mas entender que não se combate o sexismo enquanto perpetuamos o racismo, uma vez que as opressões são o reflexo de uma mesma estrutura exploratória.

Vidal (2014) ainda nos conta que toda vez que o tema racismo é tocado dentro do movimento feminista, ele não é tratado de maneira diferente de outros espaços, algumas vezes há o argumento de que as mulheres negras estão

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buscando dividir o movimento. Inclusive ela ainda nos diz que muitas mulheres brancas, tentam se apropriar do termo que nunca fora antes delas, buscando afirmar que o único privilégio que se pode ter é pela cor da pele. Como já elucidamos anteriormente, temos que levar em consideração muitas coisas que cercam a vivência de cada uma, pois a classe social, o acesso a oportunidades, bem como as capacidades físicas e mentais e o gênero são levados em questão quando pensamos uma interseccionalidade no feminismo.

A autora continua a contar-nos como é difícil para mulheres privilegiadas aceitarem que também podem se beneficiar do sistema patriarcal, heteronormativo, supremacista e branco. É indigesto lembrar, mas precisamos nos atentar que as relações de poder permeiam a nossa sociedade e devido a isso, acabamos por silenciar vozes que deveriam ser ouvidas.

Quando vozes são marginalizadas dentro de um movimento, até o ponto em que há mulheres que nem sequer pensam que o feminismo é para elas, o único resultado disso é que o movimento está enfraquecido e cada vez menos eficaz. Interseccionalidade ainda é um termo relativamente novo para as massas — mas, sua mensagem é algo com o qual certamente qualquer feminista pode estabelecer uma relação ao começar a ouvir e incluir diferentes grupos de mulheres, suas múltiplas facetas e experiências de vida nos debates em geral e respeitá-las. (VIDAL, 2014, p. 05)

Esse é o principal argumento sobre a necessidade da teoria interseccional.

Nós precisamos dela, pois precisamos de um feminismo real, que dê voz a todas nós. Que possamos discutir e lutar em diferentes frentes, mas, juntas. Para Hooks (2014) a questão que envolve toda a discussão não é se as mulheres brancas são mais ou menos racistas que os homens brancos, mas o fato delas serem racistas. O racismo como já vimos é estrutural, e nós temos enraizado em nossos hábitos toda uma carga de estereótipos e preconceitos raciais, fruto não só de uma prática colonialista, mas também, de um imaginário repetido ao longo das décadas pelos aparelhos ideológicos do estado. Se voltarmos no passado e chegarmos em um dos atos que impulsionou o movimento feminista, vamos perceber que ele nasceu com um propósito bem simples, melhorar a vida de mulheres brancas.

As sufragistas brancas sentiram que os homens brancos insultaram a natureza feminina branca recusando conceder-lhes os privilégios que estavam a ser outorgados para os homens negros. Elas reprovaram os homens brancos não pelo seu sexismo mas pela sua vontade em permitir que o sexismo obscurecesse alianças raciais. Stanton, entre outras mulheres brancas apoiantes dos direitos das mulheres, não queria ver os negros escravizados, mas também não desejava ver melhoramento no

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estatuto do povo negro enquanto o estatuto das mulheres brancas permanecesse igual. (HOOKS, 2014, p. 92)

Essas nuances dentro do movimento sempre estiveram bem claras, se permanecermos um pouco nesse momento histórico, podemos nos lembrar que em muitos momentos foi citada a presença de Soujorner Truth - feminista negra - em muitas convenções de direitos das mulheres, afim de provar que o feminismo sempre fora anti-racista. O que se esquece de mencionar, são os grandes protestos após a fala de Truth, acusando-a de traição ao movimento. Ou seja, a presença de mulheres negras no início do movimento servia apenas para ilustrar. Podemos perceber que o que moveu a indignação das mulheres brancas na época do sufrágio foi perceber que homens negros teriam mais direitos - no caso o poder de votar - do que elas. Foi interpretado que a lei que permitia aos homens negros participarem da votação colocava-os de igual para igual.

Voltando um pouco à contemporaneidade e contextualizando ao nosso país, devido a nossa estrutura, conseguimos perceber claramente como a atuação das mulheres negras muitas vezes é negligenciada. Algumas feministas fazem falas fervorosas sem ao menos considerar o lugar de fala que não ocupa. Bom, a necessidade da interseccionalidade, como estamos percebendo, é vital para o movimento feminista, e é reconhecido pelas pautas do feminismo negro, pois ajuda as mulheres negras a organizar suas lutas diárias. A interseccionalidade é mais do que uma reinvindicação, é hoje uma reparação.

O feminismo interseccional é de extrema relevância atualmente porque auxilia na organização das pautas das mulheres negras levando em consideração as suas reais necessidades, já que elas sofrem a tripla opressão: racismo, machismo e opressão social de classe. (ANUNCIADA, 2015, p. 1)

É necessário esclarecemos que as pautas dos movimentos são diferentes porque as experiências dessas mulheres são diferentes. Enquanto durante a segunda guerra mundial as mulheres brancas clamavam à sua entrada no mercado de trabalho, as mulheres negras já estavam trabalhando desde que nasceram.

Dentro das cozinhas, como domésticas e babás. Se em 2012, somente no Distrito Federal, 80% das empregadas domésticas eram negras2, em 50 e 75, não podemos ter dúvidas de que eram essas mulheres que cuidavam dos trabalhos domésticos

2 Informação retirada do boletim especial do emprego doméstico. acessado em:

encurtador.com.br/bcdW7

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dos expoentes feministas de suas épocas. Ainda durante a segunda guerra, Hooks (2014) nos diz que:

A competição pelo trabalho entre as mulheres trabalhadoras negras e brancas, foi usualmente decidida a favor das mulheres brancas.

Frequentemente as mulheres negras foram forçadas a aceitar trabalhos considerados demasiado árduos ou pesados para as mulheres brancas.

Nas situações de trabalho segregadas racialmente as mulheres trabalhadoras negras eram usualmente pagas com salários mais baixos do que as mulheres trabalhadoras brancas. E era tão pequena a associação entre os dois grupos, que as mulheres negras nem sempre sabiam a disparidade entre os seus salários e os das mulheres brancas. (Hooks, 2014, p. 97)

Infelizmente a realidade entre os salários das mulheres negras e brancas hoje em dia não mudou muito. Uma mulher negra pode chegar a ganhar 60%3 a menos que um homem branco e 45%4 a menos que uma mulher branca. Logo, podemos perceber que o quadro mudou muito pouco se comparado com os anos anteriores. Nesse passo, a teoria interseccional se mostra de extrema necessidade, pois ainda há muito a se fazer em busca do combate às desigualdades sociais em nosso país. Ainda dentro desse cânone podemos buscar entender que se as feministas tivessem feito comparações entre as mulheres brancas e negras, de forma explícita, ficaria óbvio que os dois grupos não partilhavam das mesmas opressões.

As feministas brancas não desafiaram a sua tendência racista-sexista em usar a palavra “mulher” para se referirem apenas às mulheres brancas; elas apoiaram isso. Para elas serviram duas propostas. Na primeira foi-lhes permitido proclamar os homens brancos como os opressores do mundo, enquanto faziam parecer linguisticamente que não existia nenhuma aliança entre as mulheres brancas e os homens brancos baseada na partilha racial e imperialista. Na segunda tornou-se possível às mulheres brancas agirem como se houvessem alianças entre elas e as mulheres não brancas na nossa sociedade e fazendo isso, elas conseguiram desviar a atenção do seu classicismo e racismo. (HOOKS, 2014, p. 102)

Como a autora nos fala, há outras formas de alienar e excluir pessoas.

Quando as feministas brancas faziam analogias entre mulheres e negros, estavam concomitantemente ignorando a presença das mulheres negras. Ao pensar um feminismo interseccional estamos entendendo que não devemos falar apenas sobre um grupo majoritário feminino. A interseccionalidade, e a pluralidade dentro do movimento é pauta que já vem sendo debatida exaustivamente desde a década de

3 Dado referente ao ano de 2017, IPEA, acessado em: encurtador.com.br/lsvY9 4 Dado referente ao ano de 2003, Dieese, acesso em: encurtador.com.br/iU278

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90, ela não é um plano para o futuro, mas isso é em parte negligenciado quando há apropriações dos lugares de fala de um grupo.

1.4 Entendendo o conceito de Lugar de fala

O termo lugar de fala nasceu em meados dos anos 80, dentro do debate feminista, e hoje ele aparece com frequência nas discussões que ocorrem dentro das plataformas de mídias sociais. De forma elementar o termo busca o final de uma pessoa intermediária entre as falas, ou seja, procura deixar com que a pessoa que sofre determinada situação de opressão possa falar sobre suas vivências e experiências. O conceito em si, nos conta que ao tomarmos o lugar de fala de outra pessoa apresentamos apenas a nossa visão sobre as vivências de determinado grupo. É um mecanismo que surgiu com o intuito de frear o silenciamento das vozes das minorias sociais.

Quando um homem fala por nós, dentro do movimento feminista, por exemplo, ele apresenta a sua visão sobre a mulher. Por mais conhecimento sobre o tema que ele possa ter, ele irá indiscutivelmente mostrar a sua visão sobre a situação. O conceito nos ajuda a entender como o que falamos e como falamos determinado assunto, marca as relações de poder e reproduz, ainda que sem intenção uma série de -ismos excludentes, reforçando preconceitos. O lugar de fala serviria para equilibrar as relações de poder, por assim dizer, tendo como base que a ideia de “ser universal” sucumbiu dentro sociedade atual. E o que surge são vários sujeitos.

Ademais, é fundamental advertimos que o lugar de fala não é exclusivamente o falar sobre experiências próprias, todos podem falar, mas alguns terão seus discursos mais legitimados do que outros. O lugar de fala se torna importante porque será ele quem irá nos contar qual é o posicionamento desses sujeitos silenciados. Logo, saber de onde falamos é importante para pensarmos as hierarquias, as questões das desigualdades, gênero, raça e classe.

Avançando um pouco nesse certame, temos que pensar como se dá o processo de pertencimento das mulheres negras nessa sociedade e como elas são vistas através dessa hierarquia opressiva. Perceber que a mulher negra dentro do movimento feminista é sistematicamente e constantemente silenciada, vai nos

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ajudar a entender a como funciona o do lugar de fala dentro do movimento, bem como o feminismo interseccional.

1.4.1 O outro do outro

Simone de Beauvoir (2008) já falava em seu livro O segundo sexo que a mulher é vista como o outro dentro da sociedade, pois o homem é visto como humano, como ser, mas a mulher é vista como seu oposto, ou seja, o outro beauvoriano. Ao passo que pensarmos que a mulher branca é vista como esse outro, podemos afirmar que dentro da sociedade patriarcal e racista a mulher negra é vista como o outro do outro. Ainda de acordo com Beauvoir (2008), esse outro se daria devido à relação de submissão e dominação que o homem mantém com a mulher, pois seriam objetificadas perante a visão masculina. Este olhar a confinaria em um papel submisso que comportaria as relações hierarquizadoras as quais todas nós temos conhecimento.

Essa noção dicotômica entre o nós e o outro, já existe muito antes das cavernas, como nos diz Woodward (2000), ela funciona para diferenciar um grupo de outro, para nos identificarmos enquanto sujeito social. Se a identidade é construída a partir de um princípio comparativo com as outras pessoas ao nosso redor, o outro do outro ocuparia ainda mais um local marginalizado dentro do social.

Para a filósofa francesa, a mulher foi constituída como o outro, pois é vista como um objeto, na interpretação que Beauvoir faz do “em si” sartreano. De forma simples, seria pensar na mulher como algo que possui uma função.

Uma cadeira, por exemplo, serve para que a gente possa sentar. Seres humanos não deveriam ser pensados dessa forma, pois isso seria destituir- lhes de humanidade. Mas esse olhar masculino, segundo a pensadora, coloca a mulher nesse lugar, impedindo-a de ser um “para si”, sujeito em linguagem ontológica sartreana. (RIBEIRO, 2017, p. 37-38)

A teoria Beauvoiriana mesmo sendo até hoje base epistemológica em termos de feminismo mundial - algo que a própria autora não previu - é um exemplo claro daquilo que criticamos nessa fase pós-moderna. Pois a mulher negra, além de ser mulher, ela possui ainda o fator de raça e muitas vezes o de classe. Na sociedade brasileira, raça e classe possuem o mesmo significado, quando um negro é visto é associado automaticamente à margem social. Kilomba (2012), então nos apresenta o conceito de que a mulher negra é o outro do outro e nos explica o porquê:

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As mulheres negras foram assim postas em vários discursos que deturpam a nossa própria realidade: um debate sobre o racismo onde o sujeito é o homem negro; um discurso de gênero onde o sujeito é a mulher branca; e um discurso sobre classe onde “raça” não tem lugar. Nós ocupamos um lugar muito crítico, em teoria. [...] Nós habitamos um tipo de vácuo de apagamento e contradição “sustentado pela polarização do mundo em um lado negro e de outro lado, de mulheres. (mirza, 1997: 4). Nós no meio. Este é, é claro, um dilema teórico sério, em que os conceitos de “raça” e gênero se fundem estreitamente em um só. Tais narrativas separativas mantém a invisibilidade das mulheres negras nos debates acadêmicos e políticos.

(KILOMBA, 2012 _apud RIBEIRO, 2017, p. 38)

Para a pesquisadora acima citada é importante buscar o enfrentamento desse vácuo, que insiste em não ver a mulher negra na discussão epistemológica e além de tudo não a enxergam em uma categoria de análise. Sendo assim, as mulheres negras, por não serem nem brancas, nem homens, ocupariam esse lugar invisível na sociedade, elas sofreriam uma perda dupla, pois estariam na antinomia da branquitude e da masculinidade. Tudo isso que está sendo falado aqui não é novo na teoria feminista, já vem sendo amplamente discutido dentro da base do feminismo negro. A amplificação desses conhecimentos é um processo longo e árduo, tendo em vista que o apagamento de autoras negras é comum dentro da sociedade brasileira.

O que Kilomba (2012) e Ribeiro (2017) nos fala sobre isso é que dentro de um aspecto de relações de poder, o lugar da mulher branca é fluído, pois algumas vezes ela exercerá o poder por ser branca, assim como o lugar do homem negro, também seria fluído, pois ele mesmo sofrendo com o racismo, não sentiria os danos relacionados ao machismo. É importante frisar, mesmo que rapidamente, que mesmo os homens negros se beneficiando da estrutura patriarcal, eles se encontram abaixo das mulheres brancas na pirâmide das relações de poder e social.

Reconhecer que esse status oscila é possibilitar uma visibilidade das mulheres negras.

Explico: mulheres brancas ganham 30% menos do que homens brancos.

Homens negros ganham menos do que mulheres brancas e mulheres negras ganham menos do que todos. Segundo pesquisa desenvolvida pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2016, 39,6% das mulheres negras estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas pelos homens negros, com 31,6%, mulheres brancas com 26,9%, e homens brancos com 20, 6%. Ainda segundo a pesquisa mulheres negras eram o maior contingente de pessoas desempregadas e no trabalho doméstico.

(RIBEIRO, 2017, p. 40)

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Para a autora temos que nos atentar a pensar as políticas públicas que incluam todo mundo, caso contrário, os negros - mulheres e homens - não serão beneficiados por estas. Se as mulheres negras já compõe toda essa localidade vulnerável social, se não olharmos atentamente para elas, será impossível pensar em um avanço mais profundo. Para a mulher negra, ser vista como o avesso da branquitude e da masculinidade dificulta que ela seja vista como sujeito.

Dentro do movimento negro, podemos considerar que a mulher negra é o que Collins (2000) nos fala, uma “forasteira de dentro”, pois ela é tratada como essa

“uma de fora” dentro do movimento. A busca por voz e por um lugar de sujeito político percorrido pela mulher negra é indiscutivelmente histórico e por isso que pensar um feminismo interseccional significa de fato incluir os demais grupos dentro da teoria. Reconhecer que partimos de lugares diferentes, seria rescindir um discurso excludente, pois assim poderíamos visibilizar outras formas de ser mulher no mundo.

1.4.2 Então, o que é lugar de fala?

Ainda existem muitas dúvidas sobre o conceito de lugar de fala, devido a sua fonte ter se dado dentro dos movimentos sociais e nas discussões das redes sociais na internet. Usaremos para explicá-lo a conceituação da filósofa feminista Djamila Ribeiro (2017). Antes de conceituar é importante sabermos que quando falarmos sobre discurso, estaremos nos referindo às noções foucaultiana, sendo assim, estaremos falando de poder e controle, de um sistema estruturante do imaginário social. Ainda sob a ótica da autora podemos afirmar que o lugar de fala possui uma origem inconsistente.

acreditamos que este surge a partir da tradição de discussão sobre feminist stand point - em uma tradução literal “ponto de vista feminista” - diversidade, teoria racial crítica e pensamento decolonial. As reflexões e trabalhos gerados nessas perspectivas, consequentemente, foram sendo moldados no seio dos movimentos sociais, muito marcadamente no debate virtual, como forma de ferramenta política e com o intuito de se colocar contra uma autorização discursiva. Porém, é extremamente possível pensá-lo a partir de certas referências que vêm questionando quem pode falar. (RIBEIRO, 2017, p. 58)

É a partir dessa teoria do “ponto de vista feminista” que podemos falar de lugar de fala. A autora nos diz aquilo que a essa altura podemos perceber, que a mesma pessoa pode se encontrar em diferentes posições, dependendo é claro de

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suas características. Logo o fator representativo das experiências das mulheres dentro da ótica feminista estaria enraizado na interseccionalidade. Collins (1997) acrescenta que essa teoria se refere a experiências compartilhadas por grupos, pois, para ela, a noção de grupo é contínua e ultrapassa as experiências individuais.

Para Ribeiro (2017) quando se fala de pontos de partidas, está se falando muito mais das condições sociais que permitem ou não que determinado grupo tenham acesso a lugares de cidadania, do que de experiências individuais. Seria para a autora, então, muito mais um debate sobre a estrutura social que nos circunda, privilegiando uns em detrimento de outros.

Ao ter como objetivo a diversidade de experiências, há a consequente quebra de uma visão universal. Uma mulher negra terá experiências distintas de uma mulher branca por conta de sua localização social, vai experienciar o gênero de uma outra forma. [...] Seria preciso entender as categorias de raça, gênero, classe e sexualidade, como elementos da estrutura social que emergem como dispositivos fundamentais que favorecem as desigualdades. (RIBEIRO, 2017, p. 61)

Seguindo essa linha de pensamento, a autora ainda afirma que mesmo uma mulher negra, por exemplo, em uma situação de classe média, não estaria isenta de sofrer racismo e a discriminação de oportunidades. Porque há a associação de que aquele indivíduo é negro. Muitos são aqueles que se fixam na experiência individual, principalmente aqui no Brasil. Mas esquecem que aquele indivíduo será ligado através do imaginário social à um grupo. Os críticos partem, portanto da condição de determinado ser, enquanto esquecem as diversas condições que colocam todo um grupo em uma situação desigual e hierarquizada. As experiências desses grupos, portanto, faz com que as suas produções intelectuais, vozes e saberes sejam tratados de forma subalterna. Além disso, ao juntar com as condições sociais, eles acabam silenciados estruturalmente.

É importante salientar que esses grupos criam suas próprias ferramentas de enfrentamento dessas condições, se organizando intelectualmente, politicamente, socialmente e culturalmente. O ponto é que mesmo assim, essas condições acabam por invisibilizar e deslegitimar essas produções. No caso da população negra, ela é impedida de acessar certos espaços devido esse lugar social. Podemos entender, portanto, que é possível falar sobre o lugar de fala através do ponto de vista feminista.

Logo, não poder acessar determinados espaços, culmina em não ter as produções deste grupo nesses espaços, e as vozes desses grupos, não são

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ouvidas, catalogadas. Existem poucos negros na universidade no Brasil, e na pós- graduação menos ainda. Nesse passo, se essas pessoas, devido à estrutura, não conseguem galgar determinados lugares, elas acabam por não serem ouvidas e o ato de falar vai mais além do que o próprio sentido da comunicação, ele também significa existir. E ao falar sobre esse direito básico de existência digna, estamos falando do lugar social e de como esse lugar imposto dificulta uma possibilidade de transcendência social.

Bom, sintetizar a teoria do ponto de vista feminista e lugar de fala somente a vivências, para Ribeiro (2017) seria errôneo, pois sabemos como a opressão estrutural inibem que indivíduos de certos grupos tenham à fala e, por conseguinte, a humanidade.

O fato de uma pessoa ser negra não significa que ela saberá refletir crítica e filosoficamente sobre as consequências do racismo, que sua vivência não comporta ou que ela nunca passou por isso. E, sabemos o quanto alguns grupos adoram fazer uso dessas pessoas. Mas o fato dessa pessoa dizer que não sentiu racismo, não faz com que, por conta de sua localização social, ela não tenha tido menos oportunidades e direitos. [...] Por mais que sujeitos negros sejam reacionários, por exemplo, eles não deixam de sofrer com a opressão racista. O contrário também é verdadeiro: por mais que pessoas pertencentes a grupos privilegiados sejam conscientes e combatam arduamente as opressões, elas não deixarão de ser beneficiadas, estruturalmente falando, pelas opressões que inflingem em outros grupos (RIBEIRO, 2017, p. 68).

Podemos afirmar que a discussão é sobre a estrutura e que o lugar social não dá ao indivíduo uma consciência discursiva sobre o lugar. Contudo o lugar que é ocupado socialmente faz com que tenhamos experiências distintas e outras perspectivas. A teoria de lugar de fala e a do ponto de vista feminista nos faz questionar a ideia de mulher universal, bem como a de negritude, além de outras identidades, é claro. O que buscamos é quebrar essa universalidade e promover uma multiplicidade de vozes, para que se possa quebrar o discurso autorizado e único.

Para Ribeiro (2017) esses questionamentos são fundamentais para entendermos os lugares de fala, ela nos pergunta quem foram os sujeitos autorizados à fala dentro desse projeto colonial e seu questionamento vai além, ela nos interroga se quando existe algum espaço para falar, se as mulheres negras terão suas falas legitimadas se tratarem de outros assuntos que não seja sua experiência de mulher negra. E mais, a autora nos diz que as narrativas das pessoas que foram impostas ao lugar do outro, serão narrativas que visam trazer

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