UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FÍSICA DE SÃO CARLOS
Gabriela Ruiz
Interferometria e o gato de Cheshire quântico
São Carlos
2020
Gabriela Ruiz
Interferometria e o gato de Cheshire quântico
Monografia apresentada ao Curso de Física Computacional, da Unidade IFSC da Univer- sidade de São Paulo, como parte dos requisi- tos para obtenção do título de Bacharel em Física Computacional.
Orientador: Prof. Dr. Diogo de Oliveira Soares Pinto
Versão original
São Carlos
2020
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica revisada pelo Serviço de Biblioteca e Informação Prof. Bernhard Gross, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Ruiz, Gabriela
S856m Interferometria e o gato de Cheshire quântico / Gabri- ela Ruiz ; orientador Diogo de Oliveira Soares Pinto. – São Carlos, 2020.
33 p. : il. (algumas color.) ; 30 cm.
Monografia (Graduação em Física Computacional) – Ins- tituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2020.
1. Teoria Quântica. 2. Interferometria. 3. Valores Fracos. I.
Pinto, Diogo de Oliveira Soares, orient. II. Interferometria e o gato de Cheshire quântico.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo apoio incondicional.
À minha vó, pela sabedoria.
Aos meus amigos, Mondini, Moyses e todos do Jubilados, Tandy, Juliana, Nayla, Lilo, Doguito e Prazer, por estarmos passando por essa jornada, empáticos e unidos.
Ao o meu orientador, Diogo, por construir um ambiente saudável e encorajador no GIQ e a todos os meus amigos deste grupo. Em particular, ao Vinicius, ao Tiago e ao Jeremias por alegrarem meu presente e me mostrarem um futuro mais positivo.
À minha irmã e ao Filipe, por tudo.
“Coma arroz tenha fé nas mulheres O que eu não sei Eu ainda posso aprender Se estou sozinha agora Estarei com elas mais tarde”
Fran Winant
RESUMO
RUIZ, G. Interferometria e o gato de Cheshire quântico . 2020. 33p. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Instituto de Física de São Carlos, Universidade de
São Paulo, São Carlos, 2020.
As propriedades quânticas de sistemas elementares, como pequenas partículas e pacotes de luz, são muitas vezes dadas como “estranhas” e até mesmo “fantasmagóricas”, adjetivo utilizado por Einstein. No entanto, podem ser exploradas para permitir uma revolução nas tecnologias de informação e comunicação, como apresentado no livro Quantum Com- putation and Quantum Information de Nielsen e Chuang. Uma das formas de desvendar esses mistérios por trás do poder dessas tecnologias é estudando os fundamentos da teoria quântica. Neste projeto, iremos discutir o fenômeno do gato de Cheshire quântico e anali- sar o aparente paradoxo de separação da partícula quântica (fóton) de sua propriedade (polarização). Para isso, iremos utilizar o formalismo da medição de valores fracos em um experimento de interferometria inicialmente apresentado por Aharonov e colaboradores, assim como uma construção alternativa proposta por Guryanova e colegas. Pretendemos estudar os fundamentos associados a essa estranha propriedade quântica, tal qual o forma- lismo matemático necessário, o teorema da não clonagem e, principalmente, o conceito de medição. Ao final, teremos testemunhado o desacoplamento parcial e também completo do fóton e de sua polarização, por meio do uso das medições fracas. Tal desacoplamento se apresenta conveniente, por exemplo, quando queremos estudar separadamente os graus de liberdade do sistema.
Palavras-chave : Teoria quântica. Interferometria. Valores fracos.
ABSTRACT
RUIZ, G. Interferometry and the quantum Cheshire cat . 2020. 33p. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Instituto de Física de São Carlos, Universidade de
São Paulo, São Carlos, 2020.
The quantum properties of elementary systems, such as small particles and light packets, are often given as “strange” and even “spooky”, an adjective used by Einstein. However, they can be exploited to enable a revolution in information and communication technologies, as presented in the book Quantum Computation and Quantum Information by Nielsen and Chuang. One way to unravel these mysteries behind the power of these technologies is to study the fundamentals of quantum theory. In this project, we will discuss the phenomenon of the quantum Cheshire cat and analyze the apparent paradox of separation of the quantum particle (photon) from its property (polarization). For this, we will use the formalism of weak measurements in an interferometry experiment initially presented by Aharonov and collaborators, as well as an alternative construction proposed by Guryanova and colleagues. We intend to study the fundamentals associated with this strange quantum property, such as the necessary mathematical formalism, the non-cloning theorem and, mainly, the concept of measurement. In the end, we will have witnessed the partial and also complete decoupling of the photon and its polarization, through the use of weak measurements. Such decoupling is convenient, for example, when we want to study the degrees of freedom of the system separately.
Keywords : Quantum theory; Interferometry; Weak values.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Esquema do Interferômetro de Mach-Zehnder
Fonte: Elaborada pela autora . . . 21 Figura 2 – Esquema do Interferômetro 1
Fonte: Elaborada pela autora . . . 24 Figura 3 – Esquema do Interferômetro 2
Fonte: Elaborada pela autora . . . 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Resultado das Medições de Valores Fracos . . . 26
Tabela 2 – Resultado das Medições de Valores Fracos do Cheshire Completo . . . 30
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO . . . 15
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS . . . 19
2.1 Valores fracos . . . . 19
2.2 Interferômetro de Mach-Zehnder . . . . 20
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES . . . 23
4 CONCLUSÃO . . . 31
REFERÊNCIAS . . . 33
15
1 INTRODUÇÃO
Através da natureza determinística da mecânica clássica, podemos analisar a evolução de um sistema por meio de um sistema idêntico ou até mesmo análogo. Por exemplo, para estudarmos a dinâmica de uma maçã que é solta da árvore e sofre uma ação de aceleração da gravidade, podemos estudar qualquer outra maçã (ou mesmo qualquer outro corpo) que possua as mesmas condições iniciais da primeira. Entretanto, na mecânica quântica, independente das condições iniciais serem as mesma, a evolução é probabilística, e prever o resultado da medida de um estado sem alterá-lo é uma tarefa mais complicada. Tal evolução probabilística surge por uma característica única à teoria quântica, a “ aleatoriedade intrínsica ”, termo cunhado no artigo de Manabendra Nath Bera et al (1) que é definido em comparação ao termo “ aleatoriedade aparente ”.
O segundo termo expressa a falta de conhecimento sobre o sistema, normalmente por complexidade do estado inicial (como em casos de sistemas caóticos ou de muitos corpos), motivando o desenvolvimento da mecânica estatística. Caso soubéssemos o estado inicial com exatidão, teríamos como prever uma evolução exata. Portanto, a aleatoriedade aparente implica a existência de variáveis inacessíveis, ou variáveis ocultas, que trariam predições exatas. Já o primeiro termo é definido pela impossibilidade da predição completa da evolução, independentemente do estado inicial ser conhecido com exatidão. A única possibilidade que temos é a de fazer predições probabilísticas e, assim, processos estocásticos e probabilidades são necessários e inevitáveis.
Portanto, a mecânica quântica é qualificada como uma teoria probabilística, em que mesmo tendo total informação sobre o estado do sistema, o resultado das medições ainda será aleatório, em princípio (2).
Ao realizar a medição de um observável do sistema (posição, velocidade, spin etc.), teremos a informação de um único valor possível dentro de um grupo de possibilidades do estado do sistema quântico. Portanto, para reconstruí-lo por inteiro, idealmente, deveríamos realizar infinitas medições, a fim de encontrar todos os valores do grupo. Porém, ao realizá- las, perturbamos o sistema e perdemos a informação inicial, possuindo apenas o resultado da primeira medição. Sendo assim, reconstruir a informação implica em fazer médias estatísticas sobre um número grande de sistemas preparados identicamente (2).
Porém, se em vez de preparamos os sistemas com estados iniciais iguais, pudessemos
clonar o sistema desconhecido de interesse, seria possível fazer as medições em seus clones
para saber as informações do original, sem precisar interagir com ele. Este foi o pensamento
que motivou a construção do teorema de não-clonagem, que é lido: Não existe operação
quântica que possa duplicar perfeitamente um estado quântico arbitrário (3). Ao realizar
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um teste por absurdo, o resultado do teorema mostra que não existe aparato físico que possibilite a clonagem (duplicação) de uma polarização arbitrária, não excluindo a possibilidade de um dispositivo clonar duas polarizações especiais, como verticais e horizontais.
Portanto, teremos que utilizar sistemas preparados identicamente, com mesmas condições iniciais, porém que sofrerão uma evolução probabilística, chegando a diferentes estados, evocando novamente a necessidade da medição de infinitos corpos. A forma pela qual fazemos esta medição pode variar, porém, um dos conceitos mais importantes e elucidativos é a medição projetiva (4-5), definida por von Neumann.
Para medir um observável R , propriedade microscópica de um sistema quântico, modificaremos o Hamiltoniano do sistema ao acoplar este observável com uma nova variável que irá representar o aparato, por sua vez, um sistema auxiliar macroscópico, podendo ser chamado de ponteiro ou medidor. Este acoplamento estabelece uma correlação entre os autoestados do observável e os estados distinguíveis do ponteiro, assim saberemos o valor do autoestado do observável ao “observar” o ponteiro (não estamos nos preocupando em como medir este ponteiro). Dessa maneira, a medição quântica definida por von Neumann passa a ser um procedimento de amplificação de uma propriedade microscópica do sistema, fazendo-a manifestar-se em um sistema macroscópico.
Matematicamente, podemos definir esse processo da seguinte forma: o objeto mi- croscópico de interesse (I) possui uma variável dinâmica R que queremos medir, enquanto o aparelho auxiliar macroscópico (II) possui uma variável indicadora A . Ambos os opera- dores correspondentes ( R e A ) possuem um conjunto completo de autovetores, da seguinte forma
R |ri
(I)= r |ri
(I)e A |α, mi
(II)= α |α, mi
(II). (1.1) Como o sistema auxiliar é macroscópico, podemos prepará-lo de forma a conhecermos seu estado inicial α = 0 , | 0 , mi , em que α é o autovalor do aparelho, e m rotula todos os outros números quânticos necessários para especificar um autovetor único. Introduzimos assim a interação entre I e II, para produzir uma correspondência única entre o valor r do objeto (I) e o indicador α
rdo aparelho (II). Após deixar esse sistema combinado (I)+(II) evoluir, por um operador de evolução temporal U (não sendo necessário definí-lo com detalhes), e considerando o estado inicial geral do objeto como sendo
|ψi
(I)=
Xr
c
r|ri
(I), (1.2)
chegaremos no resultado
U |ψi
(I)⊗ | 0 , mi
(II)=
Xr
c
r|α
r; ( r, m ) i . (1.3)
Este estado final é uma superposição coerente de autovetores macroscopicamente distintos,
em que a probabilidade, no estado final, de que a variável indicadora A do aparelho (II)
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tenha o valor α
ré igual a |c
r|
2, exatamente o mesmo que a probabilidade no estado inicial (Equação 1.2) que a variável dinâmica R do objeto (I) tenha o valor r .
Entretanto, quando definimos as medições desta forma, protocolando interações, podemos ficar incertos da sua generalidade ou mesmo de sua realidade física. Usando uma passagem do artigo “Against ‘measurement’” de John Bell (4):
“ What exactly qualifies some physical systems to play the role of ‘measurer’? Was the wavefunction of the world waiting to jump for thousands of millions of years until a single-celled living creature appeared? Or did it have to wait a little longer, for some better qualified system . . . with a PhD? ”.
∗Este comentário nos indica que uma medição nada mais é do que uma correlação entre dois sistemas quaisqueres, que ocorre a todo tempo, com ou sem interação humana.
Porém, nós utilizamos um dos sistemas como macroscópicos com estados distinguíveis apenas porque, assim, podemos de fato “visualizar” a informação do sistema microscópico que não seria acessível de outra forma.
Foi possível analisar que, nesta medição, temos a perturbação do sistema, seja ao acoplarmos com o medidor, seja ao projetarmos os valores ao final da evolução temporal.
Em seu artigo “How the Result of a Measurement of a Component of the Spin of a Spin − 1 / 2 Particle Can Turn Out to be 100”, Yakir Aharonov define uma nova forma de medida, as medidas de valores fracos (5). Estas perturbam muito pouco o sistema enquanto ainda obtemos informações sobre este e vemos, assim, fenômenos quânticos interessantes. Notaremos, no entanto, que para alcançar a não perturbação temos que pagar uma penalidade: as medições são imprecisas e, portanto, devem ser repetidas várias vezes.
Definimos operacionalmente os valores fracos como parâmetros complexos que caracterizam completamente as correções relativas às probabilidades de detecção que são causadas por uma interação intermediária. Quando a interação é suficientemente fraca, essas correções relativas podem ser bem aproximadas por valores fracos de primeira ordem.
A generalidade do valor fraco quântico, como uma ferramenta para descrever experimentos, prevê muitas aplicações. Em especial, estudaremos o fenômeno de desacoplamento de um objeto de uma de suas propriedades, batizado de gato de Cheshire quântico.
∗
Com a tradução livre deste trecho como sendo: “O que exatamente qualifica alguns sistemas
físicos para desempenhar o papel de ‘medidores’? Estaria a função de onda do mundo
esperando para pular por milhares de milhões de anos até que uma criatura viva unicelular
aparecesse? Ou teve que esperar um pouco mais, por algum sistema melhor qualificado. . .
com doutorado?”.
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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 Valores fracos
Para definirmos os valores fracos iremos utilizar o conceito de pré e pós seleção. Já havíamos discutido que na mecânica clássica, sabendo o estado inicial de um sistema e seu Hamiltaniano, temos uma evolução determinística, portanto, ao fazer uma medida em um tempo futuro, não iremos extrair novas informações. Entretanto, na mecânica quântica, mesmo quando temos dois sistemas com o mesmo estado inicial, podemos encontrar valores diferentes em suas medições (2).
A pré seleção é exatamente preparar o sistema com o estado inicial |φi desejado. Já a pós seleção será um estado |ψi escolhido, que trará resposta “sim” após uma medição final, enquanto estados ortogonais ao escolhido, trarão resposta “não”, ambos com probabilidade 1 (6). Assim, é como se criássemos condições de contorno para o problema, restringindo as possibilidades.
Ao realizar a medição de valores fracos, estamos caracterizando uma correção rela- tiva à probabilidade de detecção, | hf | ii |
2, dado uma pequena perturbação intermediária, U ˆ ( ), que resulta em uma detecção de probabilidade modificada | hf | U ˆ ( ) | ii |
2. Podemos definir melhor o operador unitário, dado que, na mecânica quântica, qualquer quantidade observável é representada por um operador Hermitiano. (5) Tal operador pode gerar uma transformação contínua ao longo de um parâmetro através do operador unitário matematicamente definido como
U ( ) = e
iAˆ(2.1)
em que ˆ A representa o operador de um observável do sistema quântico. Se este for um operador de momento angular, a transformação unitária gera rotações de um ângulo , ou então, se ˆ A é um hamiltoniano, o operador gera translações ao longo de um intervalo de tempo , e assim por diante. A probabilidade de termos um estado pré selecionado |ψ
ii que evoluirá através do operador unitário proposto até chegar ao estado pós selecionado
|ψ
fi será igual a
P
= | hψ
f| e
iAˆ| ψ
ii |
2. (2.2) Porém, como iremos considerar que esta evolução é muito fraca ( pequeno), podemos fazer uma expansão em Taylor
P
= | hψ
f| 1 + i A ˆ + · · · | ψ
ii |
2(2.3) e assim chegaremos na expressão
P
= P + 2 Im hψ
i| ψ
fihψ
f| A ˆ | ψ
ii + O (
2), (2.4)
20
onde P
será a probabilidade após a expansão, enquanto P é a probabilidade antes da expansão. A correção é dada por:
P
P = 1 + 2 Im A
w−
2hRe A
2w− | A
w|
2i+ O (
3), (2.5) em que A
wé o valor fraco de primeira ordem do observável sendo estudado, que pode ser generalizado para a ordem n -ésima como
A
nw= hf | A ˆ
n|ii
hf | ii (2.6)
Neste caso, mostramos a expansão até segunda ordem, porém, a expansão completa da série de Taylor para P
/P é totalmente caracterizada por valores fracos complexos A
nwde todas as ordens n . Quando os termos de ordem superior na expansão podem ser desprezados, existe uma relação linear entre a probabilidade e o valor fraco de primeira ordem chamado de regime de interação fraca. Esses termos podem ser desprezados sob duas condições: (a) a correção relativa P
/P − 1 é ela própria suficientemente pequena, e (b) Im A
wé suficientemente grande em comparação com a soma das correções de ordem
superior.
Os valores fracos possuem três papéis principais:
Parâmetro de evolução Um valor fraco grande pode ajudar a amplificar um sinal do detector para estimar com sensibilidade um pequeno parâmetro de interação desconhecido ( ) no regime de interação fraca (linear).
Número complexo É um número complexo cujas partes reais e imaginárias são men- suráveis, portanto, podem ser usados para medir diretamente outras quantidades complexas normalmente inacessíveis na teoria quântica que podem ser expandidas em somas e produtos de valores fracos complexos.
Média condicionada A parte real do valor fraco fornece uma janela mensurável para as características não clássicas da mecânica quântica, podendo ser relacionada a uma média condicionada de um observável.
2.2 Interferômetro de Mach-Zehnder
O fenômeno do gato de Cheshire quântico será estudado a partir de um experimento de interferometria, utilizando um interferômetro do tipo Mach-Zehnder.
Esse aparato, o qual leva o nome de seus criadores Ludwig Mach e Ludwig Zehnder,
é um arranjo experimental óptico que permite realizar experimentos de interferência,
difração e polarização com um feixe de luz coerente, ou feixes de baixíssima intensidade
(monofotônicos) em que um fóton de cada vez interage com o interferômetro. No primeiro
21
caso, estuda-se o comportamento ondulatório da luz e no segundo caso, seu comportamento como partícula (7). A 1 mostra o seu esquema de funcionamento básico.
Figura 1 – Esquema do Interferômetro de Mach-Zehnder Fonte: Elaborada pela autora
Um feixe de luz coerente (o feixe de referência no caso clássico) ou um fóton
(no caso quântico) incide sobre um separador de feixe BS
1. O separador de feixe é um
espelho semi-prateado que reflete 50% do feixe incidente e transmite os outros 50%. O
separador divide o feixe incidente em dois feixes secundários, no caso clássico, ou cria uma
superposição de estados, no caso quântico. Os espelhos M
1e M
2são refletores perfeitos
que dirigem os feixes clássicos para o separador de feixes BS
2, e no caso quântico geram
uma nova superposição de estados (7).
23
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Em 1865, Lewis Carroll publicou o livro Alice no País das Maravilha (8). Neste clássico da literatura infantil, temos a célebre cena do gato Cheshire que desaparece deixando apenas seu sorriso para trás, separando gato (objeto) de sorriso (propriedade).
Em 2013, os físicos Aharonov, Popescu e Skrzypczyk publicaram um artigo (9) em que apresentam a separação de um fóton (objeto) de sua polarização (propriedade), através de um experimento de interferometria. Este fenômeno foi batizado de gato de Cheshire quântico. Desde a apresentação deste fenômeno, diferentes artigos foram publicados, apresentando variações nos experimentos e análises complementares ao original (10-11), além de realizações experimentais (12-13).
Para este efeito ser visualizado, precisamos recorrer ao uso da medição de valores fracos, dado que teremos que saber tanto a posição quanto a polarização do fóton, conheci- mentos que não são adquiridos simultaneamente através das medições projetivas. Portanto, teremos que utilizar estados pré e pós selecionados que serão definidos pelo interferômetro de Mach-Zehnder.
Utilizando o interferômetro proposto no artigo de Aharonov e colegas (9), apre- sentado na 2, teremos uma fonte produzindo um feixe de fótons únicos horizontalmente polarizados; a polarização horizontal será representada por |Hi , enquanto a vertical será
|V i .
Após passar pelo primeiro separador de feixe, no esquema apresentado como BS
1(do inglês beam-splitter), teremos o fóton no estado
| Ψ i = √ 1
2 ( |Li + |Ri ) |Hi (3.1)
Escolhemos este para ser o estado pré selecionado do nosso sistema. Temos que |Li é a
representação do fóton no braço esquerdo do interferômetro e |Ri no braço direito. Através
do esquema da 2, conseguimos analisar o protocolo de operações dadas pelo interferômetro,
que segue:
24
Figura 2 – Esquema do Interferômetro 1 Fonte: Elaborada pela autora
Operações do Interferômetro 1
• O fóton horizontalmente polarizado sai da fonte;
• Ao passar pelo primeiro separador de feixes BS
1, gera uma superposição de estados nos braços direito |Ri e esquerdo |Li ;
• No braço direito, encontra uma placa de meia onda (em inglês Half-wave plate) HWP que irá alterar a polarização do braço direito para uma polarização vertical |V i ;
• Ainda no braço direito, teremos um alterador de fase (do inglês Phase-shifter) PS que adicionará um fator de fase i ;
• Os feixes dos dois braços se encontrarão no segundo separador de feixe BS
2;
• No braço direito teremos um detector D
3e no esquerdo teremos um divisor de feixe de polarização (do inglês polarization beam-splitter) PBS que refletirá a polarização vertical |V i , que será detectada por D
2, e transmitir a horizontal
|Hi que será detectada por D
1.
O estado pós selecionado | Φ i será detectado por D
1| Φ i = √ 1
2 ( |Li |Hi + |Ri |V i ), (3.2)
25
e qualquer estado ortogonal ao pós selecionado será detectado por D
2ou D
3.
Para fazermos as medições de posição e polarização, iremos inserir detectores nos braços do interferômetro.
O detector de posição não poderá absorver o fóton nem alterar sua polarização.
Matematicamente, esses detectores medem os seguintes operadores projetivos
|Li hL| = Π
Le |Ri hR| = Π
R, (3.3)
para o braço esquerdo e direito, respectivamente. Caso detectarmos o fóton do lado direito, teremos que o estado final será |φ
0i = |Ri |Hi , ortogonal ao estado pós selecionado. Assim, sabemos que, dado o estado pós selecionado, o fóton terá passado pelo braço esquerdo, sempre que for detectado por D
1.
Agora, para a medição da polarização, devemos adicionar detetores de polarização, matematicamente definidos como
σ
iL= Π
Lσ
i= |Li hL| σ
i, (3.4)
em que o índice superior indica que a medida está sendo efeituada no lado esquerdo, enquanto σ
isão as matrizes de Pauli
σ
z= |Hi hH| − |V i hV | , σ
x= |Hi hV | + |V i hH| ,
σ
y= −i |Hi hV | + i |V i hH| . (3.5)
Consequentemente, |Hi e |V i são autoestados de σ
z, enquanto os autoestados de σ
xe σ
ysão polarizações lineares diagonais (circulares).
Voltando a ideia de que apenas o detector D
1disparou e, portanto, o fóton deverá ter passado no lado esquerdo, temos que ao medir σ
zR, a probabilidade do resultado ser +1 ou − 1 é diferente de zero, assim permitindo que a polarização seja encontrada no braço direito do interferômetro.
Entretanto, temos um grande problema ao falarmos destas medidas. O primeiro
caso, de medir as propriedades local e polarização em experimentos separados (e portanto,
diferentes fótons), é que sabemos (através do teorema da não-clonagem) que os fótons agem
de forma probabilística e o resultado de um fóton não dita o resultado do outro. Assim,
não poderíamos acreditar que de fato a propriedade foi separada do corpo. O segundo caso,
de medir as propriedades posição e polarização juntas em um mesmo experimento (com o
mesmo fóton), é o fato de que uma medida projetiva perturba o sistema e o estado anterior
a ela é perdido. Assim, não seria possível visualizar o efeito. Portanto, o experimento exige
uma abordagem diferente das medidas projetivas padrões. Através do uso das medidas de
valores fracos, poderemos analisar o mesmo experimento (mesmo fóton) sem perturbar
muito o sistema, desde que façamos o experimento repetidas vezes.
26
Calculando as medidas dos valores fracos no caso dos observáveis apresentados, teremos
h Π
Li
w= h Φ | Li hL | Ψ i h Φ | Ψ i , h Π
Ri
w= h Φ | Ri hR | Ψ i h Φ | Ψ i , hσ
iLi
w= h Φ | Li hL | σ
i| Ψ i
h Φ | Ψ i . (3.6)
O resultado pode ser visualizado na seguinte tabela:
Tabela 1 – Resultado das Medições de Valores Fracos Gato de Cheshire ( h Φ | | Ψ i )
Medições σ
xσ
yσ
zΠ Esquerdo (L) 0 0 1 1 Direito (R) 1 i 0 0 Fonte: Elaborada pela autora
Assim, temos que o fóton é encontrado com certeza no braço esquerdo, entretanto, a polarização diagonal e circular ( x e y ) é nula e surge no braço direito.
O ponto crucial é que, em princípio, todos os valores são válidos simultaneamente, dado que todas as medições de valores fracos podem ser realizadas ao mesmo tempo.
Ao medir, por exemplo, hσ
zRi
we h Π
Ri
w, será indicado que a polarização está presente, porém o fóton não. O resultado que encontramos seguindo o artigo original mostra que a propriedade não foi completamente desincorporada, apenas a polarização circular do fóton foi separada, a polarização linear ainda está ligada a ele.
A proposta de Guryanova, Brunner e Popescu (o mesmo autor do artigo original)
em seu artigo (10) propõe a separação completa do spin e do fóton. Fazendo algumas
alterações no interferômetro, agora esquematizado na 3, chegamos ao desacoplamento
completo do objeto e propriedade.
27
Figura 3 – Esquema do Interferômetro 2 Fonte: Elaborada pela autora
Vamos analisar agora o protocolo de operações atrelado a esse novo interferômetro:
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Operações do Interferômetro 2
• A fonte produz pares de fótons emaranhados em polarização;
• O fóton que passa para o braço auxiliar |Ai será chamado de fóton auxiliar;
• O fóton do outro braço será chamado de fóton Cheshire
• O fóton Cheshire passa pelo primeiro separador de feixes BS
1, gerando uma superposição de estados nos braços direito |Ri e esquerdo |Li ;
• No braço direito encontra uma placa de meia onda (em inglês Half-wave plate) HWP que irá alterar a polarização do braço direito para uma polarização vertical |V i ;
• Os feixes dos braços direito e esquerdo irão se encontrar no segundo separador de feixe BS
2;
• No braço direito teremos um detector D
3e no esquerdo teremos um divisor de feixe BS
3que unirá o feixe do lado auxiliar;
• Ao passar pelo último separador de feixes BS
3, o lado direito será detectado em D
2e o esquerdo em D
1.
Para os estados pré e pós selecionados, teremos o emaranhamento
∗destes, ou seja, o estado será a superposição dos estados pré e pós selecionados, da forma
h Θ i = h Φ | Ψ i + h Φ
0| Ψ
0i (3.7)
Em que | Ψ i e | Ψ
0i são estados pré selecionados em t
1, enquanto | Φ i e | Φ
0i são estados pós selecionados em t
2.
∗