RESUMO – CAPÍTULO 5 A RELAÇÃO CAPITAL/RENDA NO LONGO PRAZO
PRISCILA VAZQUEZ DIAS
No capítulo anterior foram estudadas as metamorfoses do capital desde o século XVIII. Constatou-‐se que, a despeito de todas as transformações, o valor total do estoque de capital mensurado em anos de renda nacional não parece ter se alterado de modo substancial no longo prazo.
Outro fator relevante analisado foi o fato de que, com exceção do período de Guerra e pós-‐guerra, constata-‐se que a relação capital/renda sempre teve tendência a ser mais alta na Europa.
Contudo, alguns fatos ainda precisam ser explicados, o que será o objetivo do capítulo 5. Para tanto, Piketty elabora algumas perguntas bases que deverão ser respondidas ao longo do capítulo, quais sejam:
-‐ Por que a relação capital/renda parece ter voltado a níveis históricos tão altos na Europa?
-‐ Por que esse nível seria estruturalmente maior do que na América do Norte? -‐ Quais as forças "mágicas" que implicam que o valor do capital represente seis ou sete anos de renda nacional numa sociedade e TRÊS a quatro anos em outra? -‐ Há um nível de equilíbrio para a relação capital/renda?
-‐ De que forma ele é determinado e quais são as conseqüências para a taxa de remuneração no capital?
-‐ Qual a relação entre o nível da razão capital/renda e a divisão da renda nacional entre renda do trabalho e a renda do capital?
Para tentar responder tais perguntas e mostrar como a relação capital/renda tem aumentado nas ultimas décadas, o autor apresenta uma equação que permite relacionar a razão capital/renda com suas taxas de poupança e de crescimento:
A SEGUNDA LEI FUNDAMENTAL DO CAPITALISMO:
ß = s/ g onde
ß = razão capital/ renda s = taxa de poupança g = taxa de crescimento
relembrando: a = r x ß ou ß = a/r onde:
a = participação da renda do capital na renda nacional r = taxa de rendimento
logo:
a/r = s/g
(participação da renda do capital na renda nacional sobre a taxa de rendimento é igual a taxa de poupança sobre a taxa de crescimento)
Por meio dessa lei, Piketty busca mostrar como um país que cresce pouco e poupe muito pode acumular um grande estoque de capital à longo prazo. Ou seja, em uma sociedade em estagnação, a riqueza acumulada no passado ganha extrema relevância. Isso pode ter conseqüências relevantes para a estrutura social e a distribuição da riqueza.
O crescimento que se leva em conta na lei ß = s/g é o da renda nacional, isto é, a soma da taxa de crescimento da renda nacional por habitante e da taxa de crescimento da população. Essa regra permite resumir a evolução histórica da relação capital/renda e explicar por que ela parece ter retornado a níveis muito altos atualmente, depois dos choques de 1914-‐1945 e da fase de crescimento rápida na segunda metade do sec. XX. Essa lei também permite compreender porque a Europa tende a acumular mais capital do que a América do Norte. A comparação entre as taxas de poupança e de crescimento utilizadas para se encontrar a razão capital/renda será o método utilizado por Piketty para mostrar a dinâmica do retorno do capital. Contudo, antes de realizar as comparações, ele explica alguns conceitos básicos para facilitar a compreensão.
O primeiro conceito que explica é o de que a segunda lei fundamental do capitalismo é UMA LEI DE LONGO PRAZO. A lei ß = s/g só é válida à longo prazo (diferença essencial em relação à lei a = r x ß). Além disso, a mencionada lei é válida apenas se nos concentrarmos nas formas de capital acumuláveis pelo homem. Por fim, ela não é válida se o preço dos ativos evoluir, em média, da mesma forma que os preços dos bens de consumo.
Além de ser aplicável somente a longo prazo, essa lei é totalmente independente dos motivos que levam os habitantes de um país a acumular riqueza. Na prática, acumula-‐se capital por todo tipo de motivo, os quais coexistem e as pessoas não sabem separá-‐los com clareza (pag. 168).
A lei ß = s/g não explica os choques de curto prazo que afetam a relação capital/renda – assim como não explica a existência de guerras mundiais ou da crise de 1929, eventos que podem ser considerados choques de amplitude extrema -‐, mas permite compreender para que nível de equilíbrio potencial a relação capital/renda tende a convergir no longo prazo, para além dos choques e das crises.
Após encerrar a explicação sobre como a segunda lei só é aplicável à longo prazo, ele passa a discorrer sobre A VOLTA DO CAPITAL NOS PAÍSES RICOS DESDE OS ANOS 1970.
Nesse tópico Piketty destaca que se está assistindo à volta triunfal do capitalismo privado nos países ricos desde os anos 1970, ou, mais do isso, ao ressurgimento de um novo capitalismo patrimonial. Tal evolução estrutural, segundo ele, pode ser explicada por três fatores, que se acumulam e se complementam, ampliando ainda mais o fenômeno, quais sejam (pag 171):
- desaceleração do crescimento (sobretudo da expansão demográfica, que, com a manutenção de uma poupança elevada, conduz automaticamente a uma alta estrutural e sistemática da relação capital/renda)
- movimento de privatização e transferência gradual da riqueza pública para a privada desde os anos 1970-‐1980
- fenômeno de recuperação de longo prazo dos preços dos ativos imobiliários e das ações.
Após elencar os três fatores, Piketty passa a explicá-‐los.
O primeiro mecanismo é o baseado na desaceleração do crescimento, na manutenção de uma taxa de poupança elevada e na lei dinâmica ß = s/g.
As diferenças de taxa de crescimento têm enormes efeitos na acumulação de capital a longo prazo e explicam, em larga medida, por que a relação capital/renda é estruturalmente mais alta na Europa e no Japão do que na América do Norte. Por exemplo, se a população de um determinado país para de crescer e existe uma poupança que se mantém ou se acumula, a razão capital/renda apresenta um índice maior.
Os países que poupam mais costumam ser aqueles onde a população é a mais estagnada e envelhecida. “Há inúmeras razões para explicar as diferentes escolhas de poupança e, portanto, não há nada de surpreendente nas divergências encontradas entre países – elas podem resultar de fatores culturais, percepções sobre o futuro e cada história nacional particular. O mesmo vale para as escolhas de fertilidade ou de política migratória, que no final das contas determinam a taxa de crescimento demográfico.”(pag. 173)
Piketty afirma também que, “se combinarmos as variações das taxas de crescimento com as taxas de poupança, nota-‐se que é possível explicar com facilidade por que diferentes países acumulam quantidades distintas de capital, e também por que a relação capital/renda teve um crescimento forte desde 1970.” (pag. 273)
É possível explicar o essencial da acumulação de capital privado nos países ricos entre 1970 e 2010 pelos volumes de poupança observados entre essas datas, sem que seja necessário supor uma forte elevação do preço dos ativos. Os movimentos de alta e baixa dos imóveis e ações são dominantes no curto prazo, mas tendem a se compensar no longo prazo.
A Poupança privada compreende :
- a poupança direta dos indivíduos ( a parte da renda disponível das famílias que não é consumida de imediato)
• diretamente ( no caso das empresas individuais)
• indiretamente (por meio de seus investimentos financeiros – corresponde aos lucros reinvestidos pelas firmas, chamados de lucros retidos, que podem representar o equivalente à metade da poupança privada total em certos países)1
“No que concerne aos pesos dos lucros reinvestidos na poupança privada total, as variações entre países se explicam, em grande parte, pelas diferenças entre os sistemas jurídicos e fiscais e estão mais relacionados a diferenças contábeis do que a verdadeiras diferenças econômicas. Sob essas condições, faz mais sentido tratar os lucros reinvestidos das empresas como poupança realizada em benefício de seus proprietários, e, portanto, como um componente da poupança privada”. (Pag. 176)
Piketty faz a ressalva de que a noção de poupança considerada na segunda lei geral do capitalismo é a da poupança líquida da depreciação do capital, ou seja, a poupança realmente nova uma vez deduzida a parte destinada a compensar o uso dos imoveis ou dos equipamentos.
Por outro lado, a renda disponível das famílias mensura a renda monetária da qual dispõem as famílias em um país. Para passar da renda nacional à renda disponível devem-‐se deduzir todos os impostos, taxas, débitos, e somar as transferências monetárias (pensões e aposentadorias, seguro-‐desemprego, assistência às familias, beneficios em geral). Deve-‐se salientar que a diferença entre renda disponível e renda nacional mede, por definição, o valor dos serviços públicos de que as famílias desfrutam diretamente, sobretudo os de educação e saúde financiados pelo governo.
“Até o início do século XX, o Estado e as diversas administrações públicas desempenhavam um papel limitado na vida econômica e social, de modo que a renda disponível representava cerca de 90% da renda nacional. O papel do Estado aumentou consideravelmente ao longo do sec XX, e com isso a renda disponivel passou a representar hoje não mais do que uns 70-‐80% da renda nacional nos diversos países ricos. A consequencia automática disso é que, se contabilizarmos a riqueza privada em anos de renda disponível (e não de renda nacional), como às vezes se faz, obteremos níveis bem mais altos”. (pág. 179)
Piketty segue falando sobre a PRIVATIZAÇÃO DA RIQUEZA NOS PAÍSES RICOS. Nesse tópico, Piketty explica que a forte alta da riqueza privada que se observa nos países ricos entre 1970 e 2010 é explicada pela desaceleração do crescimento e pela manutenção de uma poupança elevada, conforme a lei ß = s/g.
1 OBS: lucro reinvestido = parcela dos lucros de uma empresa que não é redistribuída aos acionistas, mas sim destinada a novos investimentos para garantir o crescimento da empresa. (definição do site glossário financeiro, disponível em:
Entretanto, segundo o autor, a amplitude que ganhou o retorno do capital privado se deu por dois efeitos complementares ao mecanismo principal, quais sejam: (i) o movimento de privatização e transferência gradual da riqueza pública para a riqueza privada e (ii) o fenômeno de recuperação no longo prazo dos preços dos ativos.
Para explicar a privatização, o autor retoma a ideia vista nos capitulos anteriores de que a participação do capital público no capital nacional sofreu grande queda ao longo das últimas décadas, o que se observa ser um fenômeno bastante geral que concerne o conjunto de países ricos. Paralelamente à queda da participação do capital público no capital nacional observa-‐se a alta participação do capital privado no capital nacional. Observa-‐se também que o capital nacional se expandiu consideravelmente, mas com menos vigor do que o capital privado.
Piketty cita o exemplo extremo da Itália em que mais de um terço da poupança privada foi absorvido pelos déficits públicos. Mas de que forma isso se deu? A riqueza privada italiana se expandiu mais fortemente que a riqueza nacional mas esse crescimento foi, em parte, ilusório, já que uma parte da população italiana devia a outra. Em vez de pagar impostos para equilibrar os orçamentos públicos, os italianos que dispunham dos meios emprestam dinheiro ao governo comprando títulos do Tesouro ou ativos públicos, o que lhes permitiu aumentar seu patrimônio privado sem que houvesse contrapartida para a riqueza nacional. (pag. 183)
De forma menos intensa que na Itália, esse quadro pode ser observado em todos os países ricos. Na maioria dos países a poupança pública foi negativa, isto é,o governo investiu menos do que tomou emprestado ou seus empréstimos financiaram despesas correntes. A despoupança pública e a queda do patrimônio público dela decorrente representam uma parte significativa do aumento da riqueza privada.
O último fator que explica a alta da relação capital/renda ao longo das ultimas decadas é a RECUPERACAO HISTORICA DOS PRECOS DOS ATIVOS. Como visto no capítulo anterior, os precos dos ativos imobiliarios e acionarios ficaram historicamente baixos logo após a II Guerra Mundial devido às diversas razões já elencadas anteriormente, como politicas de controle de alugueis e de regulação financeira e um clima politico pouco favoravel ao capitalismo privado. Depois esses preços se recompuseram progressiamente desde 1960 e se aceleraram a partir de 1980.
O autor destaca que "o preço do capital, para além das bolhas de curto e médio prazo que sempre o caracterizam e das eventuais divergências estruturais de longo prazo, é sempre uma construção social e política: ele reflete a noção de propriedade que prevalece numa sociedade e depende de inúmeras políticas e instituições que regulem as relações entre os diversos grupos sociais envolvidos -‐ e, em particular, entre os donos do capital e aqueles que não o detêm". (pág 186) Para explicar melhor essa questão, Piketty dá alguns exemplos técnicos de variações interessantes entre países, provando como o preço do capital depende sempre das regras e das instituições do país estudado.
Sobre os ativos externos, eles não são tão significativos quanto eram às vésperas da Primeira Guerra Mundial aos países ricos que os detinham. Atualmente a forte alta do capital nacional reflete a expansão do capital doméstico nos diferentes países, enquanto que os ativos externos representam um papel secundário. Contudo, observamos o crescimento dos ativos externos líquidos na Alemanha e no Japão.Apesar de o peso dos ativos externos detidos por Alemanha e Japão ser menor do que o constatado antes da I Guerra Mundial, sua trajetória de acumulação ocorreu de forma muito rápida, sendo importante fazer questionamentos sobre a continuidade desse processo.
Ao fazer tal constatação, Piketty questiona em que medida certos países devem se tornar propriedade de outros ao longo do sec XXI e se é possivel alcançar, ou até superar, as posições externas consideraveis observadas na epoca do colonialismo. Para explicar melhor essas questões, o autor já adianta que serão necessárias análises sobre os países produtores de petróleo e sobre nações emergentes como a China e também a consideração da desigualdade de riqueza no nível de cada país e não somente entre países. Contudo, essa análise será feita na terceira parte do livro.
O que é importante nesse capítulo é observar que simples lógica da lei ß = s/g pode conduzir a desequilíbrios internacionais muito fortes nas posições patrimoniais, como ilustra o caso Japonês. "Para um mesmo nível de desenvolvimento, ligeiras diferenças na taxa de crescimento ou nas taxas de poupança podem fazer com que certos países tenham uma relação capital/renda potencial bem mais elevada que outros, caso em que é natural esperar que esses países invistam nos demais, criando uma fonte poderosa de tensões políticas". (Pag 190)
O autor cita o caso Japonês explicando que, se os residentes do país têm uma forte preferência pelos ativos domésticos, como imóveis, isso pode implsionar os preços dos mesmos e fazer com que atinjam níveis nunca vistos, podendo causar bolhas. Isso mostra que é útil representar a evolução histórica da relação capital/renda e explorar as contas nacionais em estoque e em fluxo. Isso pode ajudar a detectar de antemão os excessos de valorização e a aplicar uma política prudencial e financeira adequada que atenue o entusiasmo especultaivo das instituições financeiras do país.
O autor também ressalta que uma característica da globalização financeira atual é que cada país é, em grande parte, propriedade de outros (retomando os questionamentos feitos há pouco), o que leva a uma forte vulnerabilidade dos pequenos países e a uma instabilidade da distribuição mundial das posições líquidas. De maneira geral, desde os anos 1970/80 assiste-‐se a um forte movimento de financeirização da economia e da estrutura dos patrimônios. Ou seja, o volume de ativos e passivos financeiros detidos por diferentes setores, como famílias, firmas, governo, se expandiu ainda mais intensamente do que o valor líquido dos patrimônios. Isso reflete a evolução sem precedentes das participações cruzadas entre empresas financeiras e não financeiras de um mesmo país, bem como das participações cruzadas entre países.
Destaca-‐se que o fenomeno das participações cruzadas é bem mais volumoso em pequenos países europeus do que nas economias de maior porte como EUA e Japão. Isso aumenta o sentimento de destituição -‐ as pessoas esquecem rapidamente que, se as firmas nacionais e a dívida pública pertencem em grande parte a outros países, eles detêm os ativos equivalentes no exterior por meio de contratos de seguro ou anuidades, além de diversos produtos financeiros. Essa estrutura do balanço introduz uma vulnerabilidade importante nos países menores, uma vez que pequenos erros de valorização dos ativos ou passivos financeiros detidos por uns e outros podem induzir enormes variações na posição patrimonial líquida.
Por fim, Piketty salienta que uma parte importante dessas posições internacionais reflete fluxos financeiros fictícios relacionados às estratégias de otimização fiscal ou regulatória (por meio de firmas-‐espelho montadas para arbitrar as diferenças regulatórias e fiscais entre o país de origem e o país onde elas operam, que oferece condições mais atraentes), e não a necessidades da economia real.
No tópico seguinte o autor tenta refletir sobre EM QUE NIVEL HA DE SE SITUAR A RELACAO CAPITAL/RENDA MUNDIAL NO SECULO XXI. A partir de alguns dados estatísticos e históricos, ele ilustra o papel central da desaceleração do crescimento na acumulação do capital.
a razão capital renda no nivel mundial continua aumentando ao longo do seculo XXI, em niveis que encontramos na europa nos secs XVIII e XIX.
Piketty encerra o capítulo 5 falando sobre o MISTERIO DO VALOR DA TERRA. Ele retoma a ideia de que a segunda lei fundamental só diz respeito às formas de capital que podem ser acumuladas , portanto, não leva em conta o valor dos recursos naturais sem qualquer melhoria feita pelo homem, em particular o caso
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das terras "puras". Ele afirma que essas terras não representam mais do que uma pequena parte do capital nacional, entretanto, seu valor é difícil de ser calculado. (faz referencia ao valor da terra nas sociedades tradicionais pra mostrar que o valor dela dependia, já em grande parte, da acumulação e da investimento.)