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Empresas do setor criativo vivem o dilema entre inovar
conti-nuamente, em resposta à demanda de seus consumidores,
ou frear essas mesmas inovações a fim de obter lucro
Por CharlEs KirsChbaum, suzanE strEhlau, riCardo amaral
culturais
Estilos culturais
52 vol.7 nº2 mar/abr 2008
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boa parte do que conhecemos sobre gestão de inovação baseia-se na idéia de que a inovação surge nos laboratórios de alta tecnologia de uma grande empresa, sendo depois paulatinamente lançada no mercado com obsolescência progra-mada. Pelo menos é isso o que observamos na forma como, por exemplo, a Intel e a Microsoft introduzem seus novos produtos.
Contudo, o que surge hoje em um labo-ratório só chegará ao público em dez ou 20 anos. Esse ritmo permite às empresas extraírem o máximo de lucro dos lançamen-tos. Assim, embora inovar seja hoje pratica-mente uma obrigação imposta aos gestores, a inovação desenfreada eliminaria uma gorda parcela dos lucros.
Mas e o que dizer das organizações atuan-do no setor das indústrias criativas? Será que os estilos artísticos podem ser produzidos dentro de estúdios de gravação e filmagem, galerias de arte e em outras organizações? Neste caso, veremos que mudanças de ten-dências fora de controle podem passar desper-cebidas pelos gestores e custar a sobrevivência de populações inteiras de organizações.
a difusão dE Estilos. No filme O Diabo Veste Prada, temos um exemplo genuíno de difusão de novos estilos controlada por um grupo restrito de gestores. Miranda Priestly (Meryl Streep) explica para sua assistente Andrea Sachs (Anne Hathaway) como o tom azul de sua malha havia sido definido pelas maisons mais importantes de Paris, copiada por uma longa cadeia de empresas, até ser utilizada por algum camelô de Chinatown.
Nesse exemplo, observamos como a alta-costura é organizada de forma que poucos indi-víduos, muito influentes, são capazes de ditar tendências. Por definição, a aceitação da existên-cia de uma “alta costura” já pressupõe tratar-se de uma indústria elitizada. Assim, para tentar sua sorte em uma indústria criativa elitizada como essa, um gestor deve conseguir arregimen-tar e fortalecer a elite formadora de opinião.
Um cenário muito distinto pode ser obser-vado em muitas outras indústrias criativas. Tomemos, por exemplo, a “cultura do K7”, difundida nos anos 80. Jovens gravavam músi-cas em K7 e depois cortavam com tesouras as cintas magnéticas e as colavam novamente gerando formas completamente diferentes de música. Essa forma criativa, e inesperada, de consumo de música foi a precursora do “sam-pleado”, técnica difundida entre DJs e músicos de hip hop na produção de músicas que combi-nam trechos de outras músicas.
Se oS produtoS culturaiS
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Sobre a forma de conSumo
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gvexecutivo 53“ninguém sabE”. Se os produtos culturais podem ser transformados e reinterpretados pelos consumidores ininterruptamente, o con-trole dos gestores sobre a forma de consumo passa a ser muito baixa. Os acadêmicos Thomas Lawrence e Nelson Phillips sugeriram que, nas indústrias criativas, essa é a regra: os gestores sempre devem estar preparados para as “sur-presas” de seus consumidores.
A custos relativamente muito baixos, em comparação aos custos dos laboratórios de alta tecnologia, jovens adolescentes podem comprar instrumentos musicais e constituir um novo grupo de rock de garagem. Aqui no Brasil assis-timos a um número enorme de estilos que sur-giram de regiões periféricas das grandes cidades: samba, rap e assim por diante.
Se, por um lado, há profusão de novas ten-dências e estilos, por outro o público está sem-pre sedento por novidades. As emsem-presas são forçadas por seu público a procurar inovações e lançá-las, nem que sejam apenas incremen-tais. Mas o problema é que nem sempre essas organizações acertam. Essa sensação de que “ninguém sabe ao certo”, proposta pelo econo-mista Richard Caves, faz com que as organiza-ções apostem em várias tendências.
frEando as inovaçõEs. O sociólogo Paul DiMaggio defende que, diante da pressão dos consumidores por novidades e inovação contínu-as, a atitude das organizações vai no sentido inver-so, pois, na prática, elas tentam frear as inovações.
Por exemplo, as gravadoras tentam mui-tas vezes influenciar as rádios a tocar apenas as suas músicas, e assim esperam moldar o
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gosto do ouvinte. Veja o caso da indústria fonográfica americana, que conseguiu por muitos anos manter o estilo swing no topo do consumo popular por meio de um sistema de produção que contava com o alinhamento das gravadoras, músicos, sindicatos e rádios. No entanto, essa estrutura não se mante-ve. Entre outros fatores, novas tecnologias possibilitaram a produção barata de LPs e a lei americana dissolveu o oligopólio da indústria radiofônica, de forma que novos estilos como o rock e o country conseguiram difundir-se e ganhar os jovens nos anos 50.
A mudança radical na forma de difusão de novos estilos e tendências faz com que o poder relativo dos “atores” na indústria seja redistribuído. Podemos então observar ondas de falências, mas, ao mesmo tempo, o surgimento de novos líderes de mercado e formadores de opinião. Muitas vezes, para garantir a sobrevivência, antigos “elefantes brancos” são obrigados a mudar sua estrutura. O acadêmico Richard Peterson mostrou que muitas gravadoras passaram a buscar inovações em uma rede extensa e pulverizada de pequenos selos, que estavam mais próximos das novas tendências.
tECnologia E aCEsso. A questão tecnoló-gica também altera o poder de certos “atores” no setor das indústrias criativas. Os pesquisa-dores Philip Evans e Thomas S. Wurster nos mostram que a tecnologia digital permitiu a separação completa de conteúdo e mídia, o que tornou ainda mais complicado o entendi-mento estanque dessas categorias.
Hoje um DVD carrega o filme, sua versão em formato para iPod, canções em MP3, jogos e toda uma parafernália de conteúdos em formatos
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gvexecutivo 55Charles KirsChbaum, professor do Centro universitário da Fei, kircharles@fei.edu.br suzane strehlau, professora do Centro universitário da Fei, sstrehlau@fei.edu.br riCardo amaral, sócio-consultor da Pollex, ricardo@pollex.com.br
tintos para serem lidos em aparelhos diferentes. A música pode ser ouvida em um telefone, em um aparelho para vídeo, em um videogame portátil e, eventualmente, num CD player. E, não à toa, observamos a indústria publicitária abrindo agên-cias desenvolvedoras de conteúdo para a mídia.
Outro esforço comum é a tentativa de influen-ciar o gosto dos consumidores, principalmente os líderes de opinião. Se na “alta costura” ou nas artes plásticas a elite de críticos quase sempre dita o que é legítimo consumir, na música pop, por exemplo, os críticos muitas vezes se resignam a tentar dar um sentido para as novas tendências.
Mas nem sempre essa divisão entre “altas artes” e “artes baixas” é fixa e rígida. No jazz, por exemplo, organizações como a revista Down Beat tiveram sucesso em fortalecer a mediação do
consumo do jazz pela interpretação dos críticos. Na indústria de vinhos, críticos ligados à revista Wine Spectator foram capazes de estabelecer novos critérios de avaliação, distintos dos crité-rios europeus tradicionais.
idéias E tEndênCias. Concluímos com algu-mas idéias para a gestão de indústrias criativas. Em primeiro lugar, como proposto por Richard Peterson, há alguns fatores externos à organiza-ção que podem ser monitorados: mudanças tecnológicas, demográficas, na legislação e na estrutura da indústria. Por exemplo, os novos meios digitais, em conjunto com as mudanças nas leis de proteção autoral e o surgimento de novas instituições como o Creative Commons, efetivamente mudaram a forma de competir na indústria fonográfica. Também as cópias piratas forçaram a revisão de seu modus operandi.
Em segundo lugar, as organizações podem mudar suas estruturas para possibilitar um moni-toramento mais capilarizado das novas tendências. Outra medida possível é trazer consumidores e artistas fisicamente para dentro da organização, integrando-os ao processo de desenvolvimento, de forma similar ao modelo de open innovation.
Finalmente, é preciso repensar o conceito de atuação. Cada vez mais, veremos empresas de criação organizadas em clusters multidisciplina-res, combinando criadores de conteúdo e conver-sores tecnológicos. A idéia de indústria fonográfi-ca, cinematográfifonográfi-ca, publicitária e editorial sepa-radas como hoje será improvável no futuro.6