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POLÍTICAS PÚBLICAS E OS GUARANI KAIOWÁ QUE VIVEM NO TERRITÓRIO URBANO DE CAARAPÓ- MS 1

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POLÍTICAS PÚBLICAS E OS GUARANI KAIOWÁ QUE VIVEM NO

TERRITÓRIO URBANO DE CAARAPÓ- MS

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Rosany Dias Ferraz Dacome2 Estela Márcia Scandola3

Palavras-chaves: povos indígenas; índios urbanos; políticas indigenistas; políticas sociais e

povos indígenas.

Resumo

Este artigo versa sobre o atendimento das políticas públicas à população guarani kaiowá no território urbano de Caarapó–MS. A pesquisa objetivou o encontro entre estudiosos dos povos indígenas e das políticas sociais, construindo um marco teórico para a temática, bem como conhecer, a partir dos gestores municipais, a compreensão sobre a destinação de ações e serviços considerando a equidade étnica.

1 : “Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

Caxambú- MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010”

2

Assistente Social da Prefeitura Municipal de Caarapó e especializanda em gestão social.

3 Mestre em Saúde Coletiva da Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul e diretora do Instituto Brasileiro

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POLÍTICAS PÚBLICAS E OS GUARANI KAIOWÁ QUE VIVEM NO

TERRITÓRIO URBANO DE CAARAPÓ- MS

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Rosany Dias Ferraz Dacome5 Estela Márcia Scandola6

1. Introdução

Caarapó-MS tem aproximadamente vinte mil habitantes, dos quais em torno de três mil estão nas aldeias. Porém, há imprecisão nesses números, uma vez que no Censo Municipal de 2006, eles são computados como moradores da zona rural, e compõem uma estimativa e, na zona urbana, não houve recorte étnico. Mesmo com a presença dos guarani kaiowá vivendo fora do território demarcado7 e com presença constante em todos os momentos da vida na cidade, inclusive ocupando diferentes espaços políticos, há reconhecimento explícito da “aldeia” – território demarcado, como o foco da atenção e a situação de urbanidade é remetida à discussão da igualdade, desconsiderando a etnicidade.

O processo histórico de incorporação dos guarani kaiowá como força de trabalho nos ciclos de exploração da região, iniciou-se com a Compania Erva Mate Laranjeira, cuja empresa criada para expropriação dos ervais das terras guarani tinha como principal aliada a sedentarização obrigatória e a liberação de terras para a posse dos não índios, impondo, inclusive, novas formas de organização como o grande número de famílias numa mesma área e a criação da figura do capitão com poder de mando nas aldeias.

Os ciclos econômicos subseqüentes como a exploração da madeira, seguida da pecuária, soja e atualmente o setor sucroalcooleiro influenciaram decisivamente no modo de vida do povo guarani kaiowá. Este grande povo tem como base na organização social, política e econômica, a família extensa, que são grupos familiares com maneiras de organização para a ocupação dentro do tekoha, que é determinada por relações de afinidade e laços de sangue. Sendo que estas famílias são compostas pelo casal, filhos, genros, irmãos, netos, constituindo assim unidades de produção e consumo.

O objetivo da economia indígena é o de assegurar o sustento das famílias e o fortalecimento das relações de produção coletiva. Sendo que sua economia é organizada a partir dos laços de parentesco, essas relações são fundamentais para se compreender os processos de produção e distribuição dos produtos do trabalho no interior das comunidades indígenas. Sua principal atividade econômica esta voltada para a produção de alimentos, onde cada um tem suas responsabilidades, existindo uma divisão sexual do trabalho, sendo raro

4 : “Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

Caxambú- MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010”

5

Assistente Social da Prefeitura Municipal de Caarapó e especializanda em gestão social.

6 Mestre em Saúde Coletiva da Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul e diretora do Instituto Brasileiro

de Inovações pró-Sociedade Saudável do Centro Oeste – IBISS/CO

7 O termo „desaldeado‟ refere-se, no senso comum, aos índios que não vivem nas aldeias, imputando-lhes,

inclusive a perda de sua identidade. Porém compartilhamos da visão que esse termo não dá conta da abrangência e do sentido de deslocamento desses povos e de suas identidades. Assim, usaremos o termo „vivendo fora do território demarcado‟ para referirmos a essas famílias e grupos.

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encontrar um ou outro que não seja capaz de desempenhar suas funções produtivas no dia a dia. Para Brand:

Ao contrário do que é verificado nas sociedades ocidentais, essas economias são voltadas para as necessidades macro familiares, e a produção é, tradicionalmente dirigida para o consumo e para o exercício da reciprocidade e não para o mercado, fato que caracteriza uma economia anti-excedente (BRAND, 2001,p.62)

As economias indígenas são voltadas para a satisfação das necessidades de toda a comunidade, para o índio a economia não determina as relações sociais é apenas mais uma parte destas relações, produzindo um modo de viver no qual é importante a natureza, a religião, a cultura, o lazer e as festas. As dimensões econômicas, política, religiosa e social não podem ser separadas. (PORANTIM,2007)

O espaço territorial dos guarani se organiza como agrupamentos que são constituídos por famílias extensas, espalhadas no tekoha, movimentando-se intensamente dentro de um espaço que eles consideram apropriados como territórios de ocupação, esse movimento ou caminhar é chamado pelos guaranis de oguatá.

Deslocando-se constantemente, como sempre fizeram, nunca deixaram de viver em seu território tradicional. No entanto, com diferentes processos de enfrentamento da realidade, os povos indígenas que habitam o sul do estado, estão presentes em diversas formas como afirma Scandola:

É possível encontrar povos indígenas e suas crianças nas mais diversas situações, como as aldeias em territórios demarcados, aldeias urbanas, frentes de trabalho, grupos familiares urbanos, área de retomada, acampamento, grupos em trânsito, famílias dispersas em assentamentos rurais e ainda vivendo em escombros e periferias urbanas em condições iguais ou piores que os demais da mesma localidade. (SCANDOLA. 2006, p. 4)

2. A presença dos guarani kaiowa na cidade: território de quem?

“nós estamos onde está melhor pra gente viver...não há de ser um não índio a dizer onde a gente deve morar...o direito de ir pra cá e pra lá é de todo mundo {...} se eu quiser ir pra aldeia , eu vou, se eu quiser ficar na cidade, eu fico.Não é isso que vai dizer se eu sou índia ou não sou índia” Enir Terena8

*.( Audiência Pública, Campo Grande, apud Scandola, 2006)

A partir da Constituição Federal de 1988, a idéia da diversidade, do respeito pelas diferenças, os conceitos vão mudando trazendo novos contornos a esta realidade. Segundo Martins:

A Carta Magna assegura uma interação entre os povos indígenas e a sociedade envolvente em condições de igualdade, que se funda na garantia do direito à diferença. Desse modo, a Constituição Federal de 1988 garante aos povos indígenas o direito de exercerem seus usos, costumes e tradições, assegurando, portanto, as formas de solução de suas próprias relações, não havendo, assim, a obrigatoriedade de obedecerem aos padrões de capacidade os quais não partem de sua cultura. (MARTINS, 2005,p 92)

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O não índio, no senso comum brasileiro, interpreta o modo de vida dos povos indígenas a partir dos parâmetros da civilização ocidental, sem contar com a visão preconceituosa que prevalece nas regiões onde eles convivem em processos de consumo comum. Saber quantos índios vivem hoje no Brasil é uma questão controvertida e difícil, posto que: não há referência da população indígena nos recenseamentos oficiais, a situação de marginalização étnico-social, a dificuldade de acesso aos lugares onde eles vivem e a própria definição do que é ser índio. Quando os guarani kaiowa vivem na cidade, há agravamento desta situação, exatamente por temerem a discriminação e, com isso, poucos se autodeterminam.

Muitos deles se juntaram à sociedade não índia e vivem a difícil experiência de conviver entre mundos diferentes tendo que fazer escolhas a partir, na maioria das vezes, da negação da identidade. Segundo o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, existem vários casos de povos indígenas que, mesmo com as terras demarcadas e sem ocorrência de invasões, não vislumbram perspectivas de continuar vivendo em suas terras, especialmente devido à falta de assistência por parte do órgão indigenista e onde as atividades econômicas não garantem condições de vida.

Nas ultimas décadas vem crescendo o número de indígenas que vivem em periferias das cidades que até já foram denominados de aculturados, integrados e desaldeados, sendo essas denominações utilizadas para desconsiderar o pertencimento étnico a partir do deslocamento territorial.

Entre os motivos que levam os índios a abandonarem as aldeias está a busca por sobrevivência, já que com a demarcação, houve redução da área destinada ao plantio, à coleta e à caça, além de os espaços tornarem-se insuficientes para a acomodação física das comunidades, levando-os à migração para o trabalho assalariado. Além disso, a ocorrência de conflitos e disputas de lideranças no interior das comunidades, sem espaço para caminhar para o distanciamento, dentro do território determinado, faz buscar a cidade como uma saída para morar.

Existem ainda grupos indígenas que se mantém sua cultura estando em diferentes locais do território que consideram como seu, conforme relata Scandola:

A necessidade de sobrevivência por um lado, a busca de qualidade de vida, trabalho e, acima de tudo, o direito de estar nos territórios tradicionais ou de seus antepassados, sejam eles transformados em cidades ou em propriedade privada de não índios, requer que se olhe não mais os povos ocupando o que não é seu ou circunscrito geograficamente nas terras demarcadas. São cidadãos que vivem em diferentes territórios, cuja marca não é apenas o espaço geográfico, mas os significados presentes em cada espaço. È o direito de estar, ir e vir em espaços que lhes conferem significações ( SCANDOLA. 2006,p.2)

A atração exercida pela sociedade de consumo, também é um fator a ser considerado quando se buscam razões para o deslocamento de indígenas para a cidade, como as suas promessas de conforto e acesso a bens.

Na cidade, no entanto, as regras de subsistência são bastante diferentes que as aldeias, com necessidade de empregos e renda para o custeio de manutenção como as despesas de alimentação, aluguel, água, energia e etc. Além disso, o acesso ao emprego não está garantido seja pela inexistência destes, seja pelo preconceito. Assim, freqüentemente se juntam a outros grupos sociais moradores de periferias, vivendo em situação de extrema pobreza, muitos estão em moradias de lona e outros objetos de sucata, alijados de serviços

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como água tratada, energia, posto que esses serviços são pagos. Enfim, os guarani kaiowa que moram nas cidades, enfrentam os mesmos problemas e as dificuldades sócio-econômicas que as demais populações empobrecidas da cidade, com o agravante da discriminação. Segundo Silva:

O preconceito arraigado, historicamente, inerente as diferenças étnicas, neste caso os povos nativos, está presente na sociedade atual, como um poder invisível que permeia os espaços sociais, mas ao mesmo tempo visível quando o olhar do observador se fixa na sutileza dos sinais, nas entrelinhas das palavras e dos gestos. (SILVA 2005,p. 14)

3. A expressão dos gestores municipais sobre a atenção das políticas sociais aos guarani kaiowa que vivem na cidade

Ao entrevistarmos os gestores de políticas públicas, percebemos que não há a negação da presença dos guaranis kaiowá como moradores de Caarapó. No entanto, as políticas sociais existentes no município para populações indígenas são voltadas para o território demarcado, como podemos observar:

O atendimento aos guarani kaiowas são relacionado diretamente (...) aos residem na reserva indígena Tey‟kue(...)pois todo o atendimento é feito lá na aldeia, nós não temos aqui em Caarapó um atendimento específico, voltado para essa população (...) todo o trabalho que é feito, é específico para os índios que residem na aldeia(GESTOR II)”

Atende à população guarani kaiowá, tanto na aldeia como na sede do município, no entanto o atendimento diferenciado é somente na aldeia, onde está instalado ou implantado o CRAS Indígena, lá são realizadas várias ações como: atendimento sócio educativo, situações emergenciais, situações de risco como estupros atendendo às famílias nos casos de enforcamento com atendimento psicossocial. (GESTOR IV)

Através das entrevistas com os gestores das políticas públicas do município, percebe-se que o trabalho está voltado ao atendimento da população indígena que está no território demarcado, Te‟ýikue. No entanto no perímetro urbano não há recorte étnico, que, conforme unanimidade dos gestores entrevistados, as secretarias atendem à população guarani kaiowá, tanto na aldeia como na sede do município. Diferentes justificativas podem ocorrer para que não haja o atendimento:

Nem sempre são identificados, as vezes são confundidos com paraguaios [...]Não há um preparo específico para atendimento dessa população, quando residem na sede do município.( GESTOR I)

Os índios que moram aqui na cidade que são chamados de ´desaldeados´ não tem atendimento diferenciado, não vou dizer que temos um trabalho voltado para as famílias que são caracterizados como “desaldeados”, quanto à Escola elas freqüentam o Ensino Regular, não tem assim, uma política diferenciada para essas famílias. (GESTOR II)

Temos várias atividades, voltadas para a população guarani kaiowá, no entanto essas atividades são direcionadas aos residentes na aldeia (GESTOR III)

Atende à população guarani kaiowá, tanto na aldeia como na sede do município, no entanto o atendimento diferenciado é somente na aldeia, ( GESTOR IV).

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Essa população que cresce em visibilidade nas periferias, pode ou não ser identificada como guarani kaiowa ou ser confundida com paraguaios, ter ou não o registro documental da FUNAI. Agregue-se a esta situação, a migração entre municípios e entre aldeias e os serviços públicos trabalham com população adstrita.

A maioria daqueles que se autodeterminam9 como índio nas cidades sabe a que povo e etnia pertencem, ainda que não mantenha contato com a sua comunidade original, mantendo maior ou menor manifestação dos costumes e hábitos culturais como os que estão nos territórios demarcados. Na gestão das políticas sociais, no entanto, há regras como local de moradia nos critérios de acesso a direitos.

O oguatá também é visto como uma dificuldade pelas políticas sociais, pelo fato de os guarani kaiowá não se prenderem à idéia de território demarcado, uma vez que toda a região faz parte de seu tekoha, eles se movimentam de um lugar para o outro, conforme nos conta o gestor:

Quanto à população da cidade o atendimento é complicado, pelo fato de que mudam muito, hoje estão em um local, amanhã eles podem ir para outras cidades como: Amambaí, Dourados, Juty ficando dias ou meses, o que dificulta o trabalho dos agentes de saúde, que não podem manter os registros em dia. (GESTOR I).

Os serviços de saúde do município têm dificuldades no relacionamento interétnico, uma vez que não falam a língua guarani, não tem conhecimento da cultura no que se refere ao conhecimento tradicional sobre uso de medicamentos e forma de tratamento de doenças, diferentemente do que não ocorre com o pessoal da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA que, mesmo tendo a maioria dos profissionais não indígenas, tem agentes comunitários de saúde indígena, cujo papel, além daquele para o qual foram contratados, são tradutores para o restante da equipe e dispõe de pessoal de apoio para melhor entendimento do modo de ser dos guarani kaiowá.

No atendimento realizado pelo hospital da cidade, o gestor afirmou que o maior empecilho é a ausência de uma pessoa que fale a língua e trabalhe no interior da unidade de saúde. Além disso, as condições oferecidas para a contratação não têm atraído os guarani kaiowá para o trabalho no hospital:

O atendimento é difícil no hospital quando vem alguém que não fala português. Nós até tentamos contratar alguém da aldeia para trabalhar no hospital, mas na FUNASA a remuneração é maior e, além disso, não tem os plantões. Lá se trabalha de segunda a sexta. A língua é um problema grande uma vez que é muito difícil, explicar um sentimento em outra língua. (GESTOR I)

A Fundação Nacional de Saúde – FUNASA até o momento, só faz o atendimento se o guarani kaiowa estiver no território demarcado e possuir documentação indígena. Para este órgão, aqueles que deixam o território demarcado e passam a viver em cidades devem ser atendidos pela rede de saúde pública gerida pelo município, como todos os outros cidadãos. Sobre o tipo de atendimento que é feito o gestor nos esclarece que:

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Inclusive eu e minhas irmãs que moramos fora da aldeia... ou que fomos tiradas dela até mesmo antes de existirmos.

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Fazemos todo tipo de atendimento e encaminhamentos sempre que solicitado pela Funasa. Quando são moradores da aldeia, a Funasa tem um convênio para esses pacientes, os moradores da cidade são atendidos como todos os outros. (GESTOR I)

Nesta afirmação, é importante lembrar que a unidade hospitalar que atende os guaranis que estão em território demarcado, recebe um adicional por tratar-se de população indígena. No entanto, quando o atendimento hospitalar é realizado atendendo uma solicitação de uma ESF, gerido pelo município, o hospital não recebe adicional. Ou seja, o guarani que mora na aldeia, para o hospital, tem um atendimento melhor remunerado que o urbano.

A FUNASA faz atendimento tanto na Aldeia Te‟ ýikuê como na Güyrarocá, do distrito de Cristalina, que está em processo de organização já que a terra foi retomada, mas todos os procedimentos legais ainda não foram concluídos. Isso tem significado que, mesmo embora os processos judiciais não tenham sido concluídos, as políticas públicas para guarani kaiowá do território demarcado, estão sendo planejadas e executadas.

Na política de educação, esta já vem trabalhando há 10 anos de forma diferenciada no território demarcado. O trabalho consiste na capacitação de professores como o projeto Ara

Verá em parceria com a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS e a

Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, para formação superior dos professores guarani kaiowá, dividindo com os professores não índios o espaço e a prática pedagógica, como esclarece o gestor:

Este ano já começamos com a UFGD, uma turma de 11 alunos, que já fizeram o Ará Verá e agora estão freqüentando o Ensino Superior. Nós precisamos enquanto Secretaria de Educação, oferecer condições para que o professor seja capacitado e se capacitando oferecer uma educação melhor ainda. Ter políticas que tenha essa função de capacitar, orientar, melhorar a vida até mesmo de nossos professores. (GESTOR II)

Também são feitos investimentos através do FNDE, em infra-estrutura tanto na Te‟ýikue como na Güyrarocá. Segundo o gestor na cidade, entretanto, não há nenhuma atividade específica direcionada para as crianças indígenas que estão fora do território demarcado, muito embora, muitas sejam identificadas através da documentação expedida pela FUNAI, que é o registro administrativo, como afirmam os gestores:

Eles tem lá o registro de nascimento deles e todo registro do índio, ele é tirado na reserva indígena através da Funai , o registro deles é diferente (Gestor II)

São reconhecidos quando apresentam documentação indígena, o que geralmente ocorre, pois o registro feito na aldeia pela Funai, é diferente. (GESTOR I)

A Constituição Federal e a Convenção 169 garantam aos povos indígenas o direito a uma política de educação específica, ou seja, o uso da língua materna e a construção de currículos adaptados à tradição desses povos. Como se constatou em Caarapó nenhuma escola urbana se enquadra nos critérios da Convenção 169, no que se refere à educação diferenciada para povos indígenas que residem na cidade ou mesmo para aqueles que residem na aldeia e freqüentam as escolas fora do território demarcado.

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Os pais, moradores da cidade, são estimulados a enviarem suas crianças a voltarem a estudar na aldeia, sendo que a maioria mantém resistência a esse tipo de atitude orientada pelos gestores públicos. A recomendação de que voltem para as aldeias não apresenta sentido para os indígenas, em função de não terem nessas aldeias as condições mínimas necessárias para a sobrevivência e, por outro lado, não acreditam que a escola do território demarcado tenha as mesmas condições de ensino para os seus filhos que as escolas do território urbano.

Na cidade, uma criança guarani que freqüenta uma escola de maioria não índia dificilmente vê tratados temas ligados à realidade de seu povo na escola. Uma das primeiras dificuldades que os alunos encontram nas escolas urbanas é a inexistência de professores para trabalharem na língua materna, o guarani. Conforme afirma o gestor:

Uma das dificuldades que os alunos encontram em nossas escolas aqui na sede é porque aqui não tem a língua materna o guarani, é tudo na língua portuguesa e lá na Reserva Indígena a pré escola, e as séries iniciais, são trabalhadas na língua materna que é o guarani, até o terceiro ano eles são alfabetizados dentro da língua materna que é o guarani, e depois são alfabetizados no português, a educação indígena tem essa característica, de alfabetizar dentro da língua guarani, (GESTOR II)

Há que se destacar a importância da abordagem de temas relacionados à cultura indígena, pela escola pública, principalmente nas escolas freqüentadas por crianças indígenas cujos pais migraram para a cidade. Neste caso, o deslocamento da aldeia para o território urbano significa não reconhecimento da sua cultura no espaço escolar.

Conforme dito pelo gestor não há nenhuma diferença para o atendimento, no que se refere à formação dos professores da rede que lecionam na sede do município:

Não dá para trabalhar dentro da sua especificidade, não. Então essas crianças que moram na cidade e que freqüentam as escolas (municipais), eles recebem o tratamento igual para todos, do não índio, é diferente de quando ele mora na reserva indígena porque lá é toda uma Educação Escolar Indígena. (GESTOR II)

O gestor reconhece a dificuldade das crianças guarani kaiowá no que diz respeito à adaptação, no entanto a que se respeitar a posição dos pais que optaram por morar fora do território demarcado. Além disso, a discussão sobre estar no território demarcado ou na cidade é considerado como opção dos pais, não considerando as dificuldades que foram imputadas para que isso ocorresse ou mesmo a constituição do espaço urbano como sendo um território também guarani kaiowá:

Temos que respeitar aí a questão da escolha, o pai é quem escolhe e tem a liberdade de ver o que é melhor para o seu filho, tem casos assim, as dificuldades são essas, porque, a criança até se adaptar a uma outra cultura, acaba sofrendo danos porque ela sai de um ambiente totalmente diferente e passa a se envolver em uma cultura totalmente diferente. Mas depois essas crianças que nós temos, esses casos desses alunos índios, eles estão bem, muito bem mesmo na escola, conseguiram romper essas diferenças (GESTOR II)

É perceptível que estar no espaço urbano parece significar que o guarani kaiowa está abrindo mão da sua identidade e cultura, sendo obrigatória sua adaptação aos não índios.

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Na política da Assistência Social do município, há um serviço organizado no território demarcado por meio do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS indígena. Este é responsável pela atenção aos que vivem na aldeia. No CRAS da cidade, embora visível a presença de famílias guarani kaiowa no atendimento, não há recorte étnico. Há presença significativa de famílias que são beneficiárias de programas sociais, cuja maioria é moradora da periferia. Segundo o gestor:

Na cidade há perda da identidade. Os indígenas estão preparados para mudanças exteriores, por exemplo, as vestimentas, mas não estão prontos psicologicamente para mudanças interiores, tendo em vista seus costumes, tradições, fatores hereditários, havendo choque de identidades, sofrendo quando vêm para a cidade. [na aldeia] tem suas garantias nas suas peculiaridades, com atendimento específico a eles, o que não acontece aqui na sede do município.(GESTOR IV)

A documentação para atendimento na política de assistência social pode ser o registro administrativo da FUNAI e mesmo reconhecendo a presença de guarani kaiowa, não há atividades específicas ou pessoas que dominem a língua para o atendimento. Segundo a gestora, a língua para os que vivem na cidade, não é impedimento de acesso aos serviços da assistência social:

não há necessidade de um funcionário que fale a língua, pois os indígenas que estão na cidade falam o português perfeitamente. Na aldeia o atendimento é acompanhado por uma funcionária que fala a língua materna (GESTOR IV).

A negação das necessidades dos guarani kaiowa que vivem fora do território demarcado seguem uma justificativa para gestão das políticas sociais que desconsideram equidade e alteridade como mandados legais, sobretudo como possibilidades de riqueza a serem compartilhadas a partir da diversidade étnica presente nos espaços do viver para além da aldeia.

As entrevistas realizadas nos permitem perceber que vários projetos são realizados no território demarcado, mas também confirma que não há nenhum trabalho específico voltado ao atendimento desta população, crescente a cada dia no espaço urbano do município. A idéia de integração etnocêntrica mantém-se fortemente em detrimento da autodeterminação e é fundamental que se mantenha um questionamento a todos: afinal, são os territórios demarcados pelos não índios também demarcação para o cerceamento de direitos aos que dele saem?

4. Considerações Finais

Falar sobre os direitos dos povos indígenas e suas relações com as políticas públicas é tarefa complexa, necessária e desafiante. Exige o entendimento do processo histórico e das lutas que conquistaram direitos e os desafios da atualidade para transformá-los em realidade.

Um dos primeiros e grandes desafios é o de romper com a lógica do pensamento hegemônico de produção e consumo de bens baseados na expropriação do trabalho e do ambiente, tão diverso e perverso para as comunidades indígenas que vivem permanentemente em processos de resistência e convivência. Nesse conflito permanente a autodeterminação

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pode ser ou não utilizada pelos guarani kaiowa como estratégia de acesso as políticas públicas.

O desenho de políticas públicas baseadas em princípios como a equidade e a alteridade, conquistado e garantido em legislações contradizem com quaisquer ações voltadas para delimitar direitos a partir do local de moradia, posto que a autodeterminação dos povos é o mandado ora em vigor. Conviver com a diversidade em detrimento do etnocentrismo, continua sendo pauta e desafio para toda a sociedade e, para os gestores públicos, partícipes desse mesmo mundo, a negação da possibilidade de políticas públicas com equidade é um caminho menos conflituoso com o estabelecido.

A presença dos guaranis kaiowá no território urbano, determinada por diferentes motivações, não deve ser vista como um problema, e sim como a presença de uma diversidade de grupos que fazem parte de nossa história e de nossas relações, que, como os demais, pensam, acertam, erram, desejam... enfim são seres sociais que se inserem no contexto urbano, político e contraditório, tanto para índios quanto para não índios, sendo que estes ainda se somam a negação da sua existência enquanto povo ou a discriminação na convivência dos espaços públicos.

Ao Serviço Social, profissão que tem dentre os pressupostos do seu exercício, trabalhar com o acesso aos direitos, reconhecendo as assimetrias sociais, econômicas e culturais, sobretudo a capacidade de organização de novos patamares de lutas sociais no acesso as políticas públicas, o desafio está posto.

Os mecanismos para a promoção da igualdade de acesso as políticas públicas com equidade étnica são de múltiplas dimensões e áreas de atuação, como o fortalecimento das organizações tradicionais, a promoção de ações de enfrentamento da discriminação nas políticas públicas, a instalação da discussão étnica nos colegiados, sobretudo uma ação de des-confinamento de direitos dos povos indígenas, por meio de políticas estruturantes que coadunam com o modo de viver de cada povo.

Os direitos estabelecidos e a estabelecer não podem condicionar o seu acesso ao local de moradia mesmo porque o oguatá continua sendo uma forma guarani de demarcação

tekohá. E, as diferentes formas do viver enriquecem a convivência em projetos societários

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAND, Antonio. Desenvolvimento Local em comunidades indígenas no Mato Grosso

do Sul: a construção de alternativas. Revista Internacional de Desenvolvimento Local

UCDB. Campo Grande 2001

BRASIL, Decreto nº 5.051, de 19 de Abril de 2004. Brasília; Presidência da República Casa Civil. Subsecretaria para Assuntos Jurídicos

CIMI. Outros 500: construindo uma nova história. Conselho Indigenista Missionário. São Paulo. Editora Salesiana, 2001.

MARTINS. Tatiana Azambuja Ujacow. Direito ao pão novo: o princípio da dignidade humana e a efetivação do direito indígena. São Paulo: Editora Pilhares, 2005.

PORANTIM. Em defesa da causa indígena. Ano XXVIII – nº 239 – Brasília DF. Março,2007.

SCANDOLA. Estela Márcia.. Crianças dos povos indígenas: apurar o olho e o coração na conquista dos direitos. IBISS- CO. Campo Grande-MS, 2006

SILVA. Terezinha.Aparecida Batista da. A luta por uma escola indígena em Te’ýikue, Caarapó-MS. Dissertação de Mestrado em Educação da UCDB Campo Grande, 2005.

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