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O INTERNACIONALISMO DA UNIDADE DE CHIARA LUBICH E MOVIMENTO DOS FOCOLARES

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O INTERNACIONALISMO DA UNIDADE DE CHIARA LUBICH E MOVIMENTO DOS FOCOLARES

Por Fábio Régio Bento

Tipos de internacionalismo

Internacionalista não é somente aquele que estuda as relações de conflito e integração entre Estados, mas aquele que identifica também projetos possíveis para o mundo, para as relações políticas, econômicas, culturais entre os mais de 200 Estados do planeta terra.

Do localismo ao internacionalismo, a passagem de uma visão estritamente local a uma visão mais alargada sobre nosso território de vida e responsabilidade acompanha a história da humanidade e não é um fenômeno novo, mesmo sendo atualmente um fenômeno mais intenso do ponto de vista da quantidade e qualidade das experiências de comunicação internacional entre sujeitos diferentes.

Antes de se usar a palavra internacionalismo usava-se a palavra cosmopolitismo, e o contrário de cosmopolitismo era patriotismo ou provincianismo, conforme o juízo de valor (positivo ou negativo) em relação ao cosmopolitismo. Para os críticos, o cosmopolita seria um traidor da pátria, exceto se cosmopolitismo significasse a expansão da pátria no mundo (imperialismo), radicalização do patriotismo.

Cosmopolitismo significa compreensão do mundo como lugar de todos, de responsabilidade compartilhada, cujo contrário é o patriotismo, entendido não como amor pela pátria (o cosmopolita também ama sua pátria), mas como amor exclusivo pela sua pátria. O provincianismo é uma forma ainda mais radical de localismo que o patriotismo.

O internacionalismo de hoje, comparado ao cosmopolitismo de ontem, não é um fenômeno novo na sua existência, mas novo na sua intensidade: pela qualificação tecnológica e acesso econômico aos meios de comunicação, vários sujeitos locais, nacionais interagem constantemente com outros sujeitos locais, nacionais. Assim, o internacionalismo está se tornando mais um dado de fato, uma condição da

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modernidade, do que uma opção antes considerada excêntrica pelos localistas de vários tipos (patriotismo, nacionalismo, provincianismo).

Todavia, mesmo em uma sociedade de comunicação internacional intensa, o provincianismo ainda existe, resiste, como opção de negação do que antes era chamado de cosmopolitismo, ou mesmo como uma espécie de limitação cognitiva, quando o sujeito não consegue compreender suas responsabilidades para além dos limites estreitos de sua cidade ou mesmo de seu bairro.

Além do cidadão internacionalista, há, também, o internacionalista profissional, analista-intérprete das relações de conflito e integração entre Estados, analista movido, porém, por um objetivo, um projeto ou uma visão planetária sobre o mundo. Análise (realista), projeto (ideal) e estratégia de realização do projeto são três elementos constitutivos da atuação profissional do internacionalista.

Vejamos algumas possibilidades tipológicas de internacionalista segundo esses três elementos (análise, projeto, estratégia).

-Internacionalista de Estado – Diplomatas defendem profissionalmente os interesses de seus Estados de pertencimento. Analisam as relações internacionais e identificam ações estratégicas específicas para a realização dos interesses dos Estados para os quais trabalham (projeto). O trabalho com outros Estados, em blocos regionais como Mercosul, Unasul, não significa abandono da defesa dos interesses nacionais, mas opção pela defesa dos interesses nacionais de forma compartilhada, pela integração regional com Estados próximos geograficamente ou por afinidade de interesses.

-Internacionalista de Empresa – Empresas multinacionais e empresas apenas localmente situadas, mas que trabalham com exportação e importação contratam profissionais internacionalistas para que eles analisem as relações internacionais e identifiquem estratégias de atuação para a realização dos interesses da empresa nas suas relações com empresas e Estados diferentes dos seus Estados de origem. O internacionalista de empresa é um profissional do lobby e/ou das relações públicas da empresa no âmbito de suas relações internacionais. O internacionalista de empresa conhece não apenas as regras econômicas de comércio, mas identifica, também, os condicionamentos culturais (inclusive religiosos, se pensarmos, para citar um exemplo, no tipo de abate para a carne

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que países islâmicos importam), políticos, jurídicos, sanitários das relações comerciais entre empresas e Estados.

-Internacionalista de ONGs internacionais - Na enorme variedade de objetos de atuação de ONGs internacionais, o internacionalista de ONG analisa as relações internacionais e identifica estratégias de ação para a realização dos projetos da ONG ou grupo de ONGs para as quais trabalha.

O internacionalista atua a partir de uma experiência local, que pode ser um Estado, uma empresa, uma ONG internacional, e identifica as estratégias para a realização dos interesses do grupo que defende no mundo. O internacionalista não é um sem pátria, um sem Estado, sem território e cultura específicos. O internacionalista é um cidadão-profissional localmente situado, com um idioma de origem, uma cultura de origem, mas que alarga seus horizontes de responsabilidade e atuação por razões profissionais ou, também, por razões ideológicas, como no caso do internacionalismo socialista, das Internacionais Socialistas, entre as quais algumas ainda existem e reúnem diferentes partidos socialistas; ou o internacionalismo liberal, que reúne partidos liberais de Estados diferentes; ou o internacionalismo de grupos políticos de composição cultural leiga ou religiosa que são chamados de terroristas pelos Estados adversários que os combatem.

Entre os tipos de internacionalismo citados, ocorrem variações em relação à compreensão do que seja o mundo internacional, independentemente dos projetos e estratégias específicos de realização dos interesses dos grupos para os quais os internacionalistas trabalham. Assim, para o internacionalista niilista, ou cético, o mundo internacional é o lugar do caos permanente, da desordem incorrigível, e ele atuará no mundo sem nenhuma pretensão de colaborar com a sua ordenação, mas apenas buscando a realização dos interesses do grupo, empresa ou Estado para o qual trabalha.

Todavia, não há somente niilismo internacional. Entre os internacionalistas, há os que vão elaborando hipóteses ordenadoras do mundo internacional enquanto atuam pela realização dos interesses dos grupos, empresas ou Estados para os quais trabalham. Podemos citar o caso dos internacionalistas (alguns diplomatas, professores) que propõem a reorganização política multipolar do mundo como solução mais adequada para a composição internacional do poder entre Estados após o término do período

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bipolar que caracterizou as relações internacionais. O multipolarismo sugere a ideia de relativa paridade entre os mais de 200 Estados do mundo, reorganizados em blocos regionais por afinidade de interesses específicos e/ou proximidade geográfica. Em tal caso, a regionalização de Estados não é compreendida como negação do universalismo das relações internacionais, mas como uma sua modalidade possível de realização.

O internacionalismo da unidade de Chiara Lubich e Movimento dos Focolares

O Movimento dos Focolares (MF) nasceu em 1943, na cidade de Trento, norte da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, fundado pela italiana Chiara Lubich (Trento 1920 – Roma 2008). Para ela, o nascimento do Movimento dos Focolares está diretamente relacionado à realização de um trecho do evangelho de João: “Pai, que todos sejam um” (João 17, 21), interpretado em chave mais internacionalista do que apenas ecumênica. A busca da unidade entre todos os sujeitos tornou-se o leitmotiv de Lubich, separando unidade de padronização, uniformidade. A unidade (local e internacional) proposta por Lubich tem como característica peculiar o apreço pela diversidade, considerada pressuposto da unidade.

Professora de ensino fundamental, em pouco tempo criou-se ao redor de Lubich um movimento que, hoje, está em mais de 180 países, nos cinco continentes, contando com a participação de pessoas de todas as classes sociais, de todos os credos religiosos, também agnósticos e ateus.

De Trento, o movimento - que foi chamado de Focolares (em italiano, lareira) não por Lubich, mas pelos que dele principiaram a participar (ZAMBONINI, p.75) – difundiu-se por toda a Itália, pela Europa e, em seguida, América (começando pela Meridional), Ásia e África. Em um dos primeiros encontros internacionais, nas montanhas de Trento (Dolomitas), em 1959, estavam presentes já 10.000 pessoas, com representantes de 27 países, não somente da Europa, mas, também, de outros continentes. Foi quando Lubich lançou a proposta de “amar a pátria alheia como se fosse a própria”. Tema que foi objeto de sua reflexão também no Palácio de Vidro da ONU, Nova Iorque, em 1997, quando pronunciou um discurso por ocasião de homenagem que recebeu durante simpósio organizado pela World Conference on Religion and Peace (WCRP).

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Dos templos budistas do Japão e da Tailândia, aos centros hinduístas da cidade de Bombaim, Chiara chegou também à histórica mesquita muçulmana Malcom X, na cidade de Nova York, onde, pela primeira vez, uma mulher católica e branca foi convidada a falar a muçulmanos afro-americanos.

Recebeu inúmeros reconhecimentos, da UNESCO, do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais, além de Doutorados Honoris Causa e Cidadanias Honorárias em diversas partes do mundo. Criou projetos inovadores no âmbito político e econômico de alcance internacional, como o Movimento Político pela Unidade, e a Economia de Comunhão, criada no Brasil, em 19911.

O internacionalismo da unidade, de Lubich, mesmo sendo de matriz cristã, é diferente de algumas experiências internacionalistas tradicionais cristãs caracterizadas pela missionariedade de quem viaja pelo mundo para levar a mensagem cristã com o objetivo de conquistar neófitos (prosélitos) e formar novas comunidades. Tal internacionalismo da missionariedade religiosa foi desenvolvido de forma autoritária, com a imposição da cruz pelo poder da espada, na América, ou de forma inculturada, dialógica, como o fez Matteo Ricci entre os chineses.

Chiara Lubich não deixou de anunciar suas convicções cristãs em suas viagens pelo mundo, mas ela, mais do que propor a unidade (cristã) ao mundo, teve por objetivo a realização da unidade do mundo, com cristãos, membros de outras religiões e pessoas sem uma religião, mas que compartilham o propósito de vincular o mundo numa experiência de unidade movida pela valorização da diversidade de sujeitos, comunidades e Estados específicos de pertencimento.

O objetivo de Lubich não foi apenas o da santificação dos leigos por meio da vida evangélica no trabalho, escola. Também não foi apenas o da santificação do mundo do trabalho, da escola. Tais propósitos laicais típicos do Vaticano II estão entre os seus objetivos, mas em função do objetivo maior, a unidade do mundo (“Que todos sejam um”). A vida de unidade praticada nas comunidades locais do focolare está orientada a

1 Sobre a história e organização do Movimento dos Focolares cf. o site oficial do movimento. Disponível

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este objetivo maior, o da unidade do mundo. Um membro do focolare se distingue de outros cristãos católicos leigos por viver por esse objetivo específico, a unidade do mundo. Não se trata de diferença de valor, mas de diferença de objetivos. Enquanto outros leigos católicos vivem pela própria santificação e santificação de suas comunidades e campos de atuação, Chiara Lubich propõe esses mesmos objetivos, mas em função do objetivo específico, que é o da unidade do mundo, com seus mais de 200 Estados, em cinco continentes.

Pelo que observamos no estudo da doutrina e experiências de Lubich e seu movimento, o internacionalismo da unidade de Chiara não indica uma espécie de graduação em níveis de engajamento pela unidade, que iria do menor ao maior nível de pertença geográfica: nível municipal, estadual, federal, continental, mundial. O internacionalismo da unidade de Lubich indica que a unidade local é compreendida e vivida como experiência pela unidade global. Assim, lavar os pratos por amor em uma comunidade local tem por objetivo a construção da unidade global.

Tal unidade global é construída por meio de experiências de unidade em vários âmbitos, chamados pelo Movimento dos Focolares de “Cinco Diálogos”: diálogo entre os católicos; diálogo entre os cristãos (ecumenismo); diálogo inter-religioso; diálogo com os ateus; diálogo com a cultura. Todos esses diálogos se inserem no objetivo maior, que é o da unidade global, mantidas as diferenças culturais, políticas, religiosas, estatais entre os sujeitos desta unidade global.

Desde suas origens o movimento dos Focolares valorizou a pertença estatal das populações de Estados diferentes que aderiam ao movimento. Não lhes era pedida a renúncia às suas nacionalidades para a construção da unidade global, mas que amassem não apenas a própria pátria, também a do outro, como se fosse a própria.

Qual é a referência específica da unidade global proposta por Chiara Lubich? Para Lubich, o Testamento de Jesus, contido no evangelho de João, é “carta magna” de sua vida e do movimento dos Focolares, texto descoberto como tal desde o início do movimento, durante os bombardeamentos em Trento, quando ela e suas primeiras companheiras liam trechos do novo testamento em refúgios antiaéreos:

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“È la guerra. Siamo alcune giovani e io – in un ambiente buio, forse una cantina. Leggiamo al lume di candela il Testamento di Gesú, la sua preghiera per l’unità. Lo scorriamo tutto. Quelle parole difficili sembrano illuminarsi, a una a una. Abbiamo l’impressione di comprenderle. Avvertiamo, soprattutto, la certezza che quella è la ‘magna charta’ della nostra nuova vita e di tutto ciò che sta per nascere attorno a noi. (...) Nel nostro cuore una cosa è chiara: l’unità è ciò che Dio vuole da noi” (2009, p.53).2

Desde então, a expressão “Ut omnes unum sint” (“Que todos sejam um”, João 17, 21), passou a ser a expressão-resumo de sua vida e da vida do movimento que surgia ao redor dela. E desde o início do movimento dos focolares tal expressão foi entendida em sentido largo, incluindo também os povos do mundo inteiro neste ideal da unidade:

“Consce della difficoltà, se non della impossibilità di mettere in pratica un tale programma, ci sentiamo spinte a chiedere a Gesù la grazia d’insegnarci il modo di vivere l’unità. Inginocchiate attorno a un altare, offriamo a lui le nostre esistenza perché con esse – se crede – egli la possa realizzare. È – a quanto ci ricordiamo – la festa di Cristo Re. Ci colpiscono le parole della liturgia di quel giorno: ‘Chiedi a me, ti darò in possesso le genti e in dominio i confini della terra’ (Sal 2,8). Abbiamo fede e chiediamo” (Ibidem, p.53).3

Chiara interpreta sua vocação e a vocação de seu movimento à unidade de forma alargada, em vez de restrita apenas à unidade dos cristãos. Mais do que uma exegese do texto, emerge a compreensão de sua vocação suscitada na relação com o texto. Sua vocação à unidade é interpretada como algo mais referente ao internacionalismo do que como referência apenas ao ecumenismo, mesmo tendo o ecumenismo como experiência relevante contida na experiência de unidade global do movimento dos Focolares.

2 Todas as traduções, livres, foram feitas pelo autor do artigo. “É a guerra. Estamos algumas jovens e eu –

em um ambiente escuro, talvez um porão. Lemos à luz de vela o Testamento de Jesus, a sua oração pela unidade. Lemos todo o texto. Aquelas palavras difíceis parecem se iluminar, uma por uma. Temos a impressão de compreendê-las. Descobrimos, sobretudo, a certeza de que aquela é a ‘magna carta’ da nossa nova vida e de tudo aquilo que está para nascer ao redor de nós. (...) No nosso coração uma coisa é clara: a unidade é o que Deus quer de nós”.

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“Conscientes da dificuldade, até da impossibilidade de colocar em prática tal programa, nos sentimos impelidas a pedir a Jesus a graça de nos ensinar o modo de viver a unidade. Ajoelhadas em torno ao altar, oferecemos a ele a nossa existência porque com essa ele a possa realizar. Estávamos, conforme nos lembramos, na festa de Cristo Rei. Tocam-nos as palavras da liturgia daquele dia: ‘Peça-me, e te darei os povos e os confins da terra’ (Sal 2,8). Temos fé e pedimos”.

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O internacionalismo da unidade, de Chiara, é internacionalismo cristão, de matriz cristã, fundado na compreensão de sua vocação e de seu movimento a partir da leitura do Testamento de Jesus. Porém, tal unidade, mesmo sendo de origem hermenêutica cristã, para Chiara seria uma espécie de vocação universal da humanidade. Em 1984, ela escreveu:

“Come tutti possiamo costatare, oggi il mondo è caratterizzato da molteplici tensioni: tensioni fra est e ovest, fra sud e nord; tensioni nel Medio Oriente, nell’America Centrale; guerre, minacce di nuovi conflitti, l’esplodere di vari fenomeni di terrorismo e altri mali tipici della nostra epoca. Eppure, nonostante tutte queste tensioni, il mondo tende all’unità. È un segno dei tempi” (1984, p.25).4

Para ela, tal vocação universal da humanidade à unidade se manifesta em muitas experiências, também na dos movimentos ecumênicos (diálogo entre cristãos de igrejas diferentes); nas experiências de diálogo inter-religioso; em ideologias de grupos nãoreligiosos que “tendono a risolvere i grandi problemi di oggi in maniera globale” (Ibidem, p.25-26).5 Lubich cita também como sinais desta tendência do mundo à unidade a experiência de “enti e organizzazioni internazionali” e a dos “modeni mezzi di comunicazione”, que “favoriscono l’unità” (Ibidem, p.26).6

Para ela, de fato há no mundo esta “tensione all’unità”, e é “in questo contesto che noi dobbiamo vedere anche il nostro Movimento dei Focolari e la sua spiritualità” (Ibidem, p.26).7

Chiara compreende a sua experiência e de seu movimento não apenas em um contexto de vida religiosa, ou apenas social e nacional, mas no âmbito alargado da vida global, internacional, civil e religiosa.

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“Como todos podemos constatar, hoje o mundo é caracterizado por múltiplas tensões: tensões entre leste e oeste, entre sul e norte; tensões no Oriente Médio, na América Central; guerras, ameaças de novos conflitos, a explosão de vários fenômenos de terrorismo e outros males típicos da nossa época. Mas mesmo assim, não obstante todas essas tensões, o mundo tende à unidade. É um sinal dos tempos”.

5 “tendem a resolver os grandes problemas de hoje de maneira global”.

6 “entes e organizações internacionais” e a dos “modernos meios de comunicação”, que “favorecem a

unidade”.

7 “tensão à unidade”, e é “neste contexto que nós devemos ver também o nosso Movimento dos Focolares

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Em uma sua reflexão intitulada “Uma cidade não basta”, Lubich explica que, no âmbito da atuação do programa da unidade “una città è troppo poco” (2009, p.168),8

e convida a um alargamento de horizontes na atuação da unidade:

“Accordati con Lui e mira più lontano: alla tua patria, alla patria di tutti, al mondo. E ogni tuo respiro sia per questo, per questo ogni tuo gesto; per questo il tuo riposo e il tuo cammino” (Ibidem, p.168).9

Lubich vai além de uma interpretação meramente localista, provinciana da atuação do programa da unidade, compreendendo-o como programa global, de atuação internacional, continental, nacional, estadual, municipal, local:

“Il nostro ideale è, dunque, realizzare la preghiera che Gesù ha pronunciato la sera del Giovedì Santo, quando, istituita l’Eucaristia, istituito il Sacerdozio e dato ai suoi discepoli il Comandamento Nuovo, scende – come vuole la tradizione – una scala all’aperto verso il torrente Cedron: ‘Che tutti siano uno’ (cf. Gv 17, 21). Tutti uno. Finché tutti non saranno uno, quei ‘tutti’ che Gesù certamente ha pensado, il Movimento non può avere tregua. Questo il fine per cui siamo nati, lo scopo per cui egli ci ha suscitati” (Ibidem, p.65).10

Quem são esses “todos”? Os sujeitos e lugares da sua unidade internacionalista são famílias, igrejas, escolas, religiões, fábricas, parlamentos, partidos. Unidade “tra i partiti, nelle istituzioni, in ogni ambito della vita pubblica, nei rapporti tra gli Stati” (Ibidem, p.342).11 Portanto, também nas relações entre Estados, com seus povos e governos.

8 “uma cidade é muito pouco”.

9 “Coloca-te de acordo com ele e olha mais longe: para a tua pátria, para a pátria de todos, para o mundo.

E cada tua respiração seja por isso, por esse objetivo todos os teus gestos; por esse objetivo o teu descanso e o teu caminhar”.

10 “O nosso ideal é, portanto, realizar a oração que Jesus pronunciou na noite da Quinta-feira Santa,

quando, instituída a Eucaristia, instituído o Sacerdócio e dado aos seus discípulos o Mandamento Novo, desce – como diz a tradição – uma escada em lugar aberto em direção à Torrente do Cédron: ‘Que todos sejam um’ (cf. Jo 17, 21). Todos um. Até quando todos não serão, aqueles ‘todos’ que Jesus certamente pensou, o Movimento não pode ter trégua. Esta é a finalidade para a qual nascemos, o escopo para o qual ele nos suscitou”.

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A unidade internacionalista de Chiara não pede o sacrifício das diferenças entre os povos para a sua realização. Ao contrário, transforma as diferenças em material de enriquecimento recíproco entre os povos. Nesta unidade da variedade, “i popoli impareranno l’uno il meglio dell’altro”, (Ibidem, p.327).12

Em um seu discurso pronunciado no verão de 1959, nas montanhas de Fiera di Primiero, diante de representantes de 27 nações, Lubich manifestou claramente a compreensão cosmopolita do seu programa de unidade:

“Speriamo che il Signore componga un ordine nuovo nel mondo, egli, il solo capace di fare dell’umanità una famiglia e di coltivare quelle distinzioni fra i popoli, perché nello splendore di ciascuno, messo a servizio dell’altro, riluca l’unica luce di vita che abbellendo la patria terrena fa di essa un’anticamera della Patria eterna” (Ibidem, p.328-329).13

Unidade no esplendor da distinção entre os povos. Ou seja, a unidade de Chiara como unidade radicalmente oposta aos sistemas de padronização, de uniformização pela eliminação das diferenças, como ocorre no fenômeno da globalização econômica do consumo, com a padronização dos gostos para a uniformização do consumo planetário.

Para Chiara, ao contrário, trata-se de criar “l’unità salvando le distinzioni” (Ibidem, p.358).14 Unidade, portanto, que aprecia a distinção como matéria para a reciprocidade do amor entre pessoas e povos diferentes, que a realizam por meio do que ela chamou de “diplomazia della carità, che ha della diplomazia ordinaria molte espressioni e manifestazioni”,15

mas vai mais além de tal diplomacia, uma vez “che è mossa dal bene dell’altro ed è priva quindi d’ogni ombra d’egoismo” (Ibidem, p.331).16

12 “os povos aprenderão cada um o melhor do outro”.

13 “Esperamos que o Senhor componha uma nova ordem no mundo, ele, o único capaz de fazer da

humanidade uma família e de cultivar aquelas distinções entre os povos, para que no esplendor de cada um, colocado a serviço do outro, brilhe a única luz de vida que embelezando a pátria terrena faz dela uma antecâmera da Pátria eterna”.

14 “a unidade salvando as distinções”.

15 “diplomacia da caridade, que tem da diplomacia ordinária muitas expressões e manifestações”. 16 “que é movida pelo bem do outro e é privada, portanto, de qualquer sombra de egoísmo”.

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No seu discurso intitulado “Verso l'Unità delle Nazioni e l'Unità dei Popoli”,17 pronunciado na sede nas Nações Unidas (Nova Iorque) em 28 de maio de 1997, Lubich destacou que “escludere la guerra non basta, vanno create le condizioni perché ogni popolo senta di poter amare la patria altrui come la propria, in un reciproco e disinteressato scambio di doni”18

.

Mas quais seriam essas condições favoráveis à unidade dos povos e nações? Posteriormente, no evento “Juntos pela Europa” (2004), em seu discurso intitulado “L'Europa unita per un mondo unito”, Chiara Lubich destaca que o projeto de unidade global não é uma “speranza illusoria”. E volta ao tema da tendência do mundo à unidade, apesar dos conflitos visíveis, citando agora como sinal visível de que o mundo tende à unidade também “l'unirsi di Stati qua e là nel mondo”,19 um “consolidarsi di rapporti fra Stati presente in tutti i continenti”.20 E cita alguns exemplos de integração regional de Estados, além da União Europeia, como “la recente ‘Unione Africana’”21

. Ao citar experiências de integração de Estados específicos como sinais visíveis de que o mundo tende à unidade, Lubich demonstra ver com bons olhos esse procedimento típico da organização internacional pós-bipolar, com o agrupamento regional de Estados na construção política da unidade global. Para ela, esses agrupamentos são também mais um indicativo (sinal) da “tendência” do mundo à unidade. Integração regional de Estados como método de construção da unidade internacional. O título de sua conferência, “Europa unida por um mundo unido”, manifesta que tais agrupamentos regionais de Estados são úteis à unidade internacionalista se não forem agrupamentos fechados a outros agrupamentos. Talvez a experiência da integração regional de Estados (povos e governos) possa ser

17 “Em direção à Unidade das Nações e à Unidade dos Povos”.

18 Disponível em:

http://www.centrochiaralubich.org/it/documenti/video/134-verso-lunita-delle-nazioni-e-lunita-dei-popoli.html. Acesso em: 22/02/2013. Tradução: “excluir a guerra não basta, devem ser criadas as condições para que cada povo sinta de poder amar a pátria do outro como a própria, em uma recíproca e desinteressada troca de dons”.

19 “o unir-se de Estados aqui e acolá no mundo”.

20 “consolidar-se de relações entre os Estados presentes em todos os continentes”.

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compreendida como uma entre as condições favoráveis à unidade global. África unida, por um mundo unido; América do Sul unida, por um mundo unido, sem colonialismos de ontem e de hoje (neocolonialismo) numa unidade paritária entre Estados e continentes de igual valor.

Sobre a integração regional de Estados do Sul do mundo, o internacionalista brasileiro Paulo Visentini destacou que o objetivo da integração Sul-Sul “não é formar uma aristocracia dos emergentes, nem se tornar um grupo de oposição a uma ideia, a um país ou a um grupo de países, mas sim dar voz e poder aos países mais pobres, de modo a refletir a nova realidade do cenário internacional e o anacronismo de algumas estruturas do sistema multilateral” (2012, p.257).

Obviamente, a unidade internacional desejada por Chiara não é uma unidade neocolonialista entre Estados e continentes, não é uma unidade eurocêntrica. Para Lubich, não existe superioridade moral de Estados e continentes em relação a outros Estados e continentes, e

“La più alta dignità per l'umanità sarebbe, infatti, quella di non sentirsi un insieme di popoli spesso in lotta fra loro, ma, per l'amore vicendevole, un solo popolo arricchito dalla diversità di ognuno e per questo custode nell'unità delle differenti identità”22.

Sabemos que o terreno das relações internacionais se apresenta frequentemente como território de oncologia política. Chiara Lubich, desde o início de sua dedicação à realização do ideal da unidade afirmou que o método da unidade consiste em identificar nas situações recorrentes de ruptura das relações entre sujeitos diferentes a presença de Cristo Abandonado, que deveria ser buscado para ser amado. Para Lubich, a unidade é a meta, e “Gesú crocifisso e abbandonato” é “la chiave”.23 Unidade e Cristo abandonado

22 Disponível em:

http://www.centrochiaralubich.org/it/documenti/video/230-europa-unita-mondo-unito.html. Acesso em: 22/02/2013. Tradução: “A mais alta dignidade para a humanidade seria, de fato, a de não sentir-se como um conjunto de povos frequentemente em luta entre eles, mas, pelo amor recíproco, um só povo enriquecido pela diversidade de cada um e por isso guardião na unidade das diferentes identidades”.

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são “le due facce di una sola medaglia” (2009, p.52-65),24

onde “Gesú abbandonato è chiave dell’unità” (1984, p.49-120).25

E ainda: “il mistero di Gesú crocifisso e abbandonato è il motore di tutta la nostra rivoluzione” (1979, p.113).26

Cristo Crucificado é a figura chave da teologia política da unidade internacionalista de Lubich, por ela reconhecido também nas situações dolorosas de conflitos deletérios entre Estados. Cristo crucificado que ela não recusa, mas o procura com uma postura ativa, criativa de busca de superação dos conflitos. Por isso, em vez de paralisação da ação, ação de superação dos conflitos.

O ideal da unidade, de Lubich, é realisticamente sustentado na identificação de Cristo Crucificado nos conflitos deletérios que devem, segundo ela, ser enfrentados. Para ela, divisões, feridas, rupturas devem ser “abraçadas” em vez de rejeitadas27

. A regra do “amar a pátria do outro como se fosse a própria” também se sustenta no realismo de Cristo Crucificado e não em um sentimentalismo vago.

A um grupo de políticos ingleses, Lubich explicou, no parlamento britânico (Londres, junho de 2004) que “la chiamata all’unità ci ha fatto preferire i punti della terra dove più era forte la divisione” (2009, p.364).28

Em tais experiências, tomam-se decisões compartilhadas, com a escolha dos métodos considerados melhores para a realização efetiva do amor a Cristo Crucificado nessa situações internacionais de conflito.

O internacionalismo da unidade, portanto, de Chiara e movimento dos Focolares vai muito além do provincianismo que pode caracterizar experiências focadas exclusivamente na realidade local. Mas tal internacionalismo vai além também do

24 “as duas faces de uma só medalha”. 25

“Jesus abandonado é a chave da unidade”.

26 “o mistério de Jesus crucificado e abandonado é o motor de toda a nossa revolução”.

27 Disponível em:

http://www.centrochiaralubich.org/it/documenti/video/230-europa-unita-mondo-unito.html. Acesso em: 22/02/2013.

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internacionalismo da missionariedade proselitista que considerava o mundo terra de conquista cristã (com ou sem a espada).

Para Lubich, o testamento de Jesus contém “in sé il germe di ogni forma d'integrazione e unità tra i popoli, l'unità e il metodo per raggiungerla: l'amore scambievole”29

. A unidade internacionalista de Lubich é a unidade da integração fundada na reciprocidade entre sujeitos diferentes.

No discurso intitulado “Per un’interdipendenza fraterna”,30

na Segunda Jornada da Interdependência, no ano de 2004, em Roma, Lubich afirmou:

“Nella mia vita ho potuto conoscere innumerevoli persone, gruppi, popoli: sempre ho sperimentato che la tensione all’unità è un’aspirazione insopprimibile che pulsa nel cuore di ogni uomo, di ogni gruppo sociale, di ogni popolo” (2009, p.372).31

Para Lubich, a vocação à unidade é de toda a humanidade, como se o testamento de Jesus estivesse já dentro de cada ser humano de povos diferentes.

Neste mesmo evento internacional leigo, Chiara destacou novamente o horizonte, o alcance do programa de unidade ao qual dedicou sua vida:

“In piena seconda guerra mondiale, sotto un furioso bombardamento, in una cantina, alla luce fioca di una candela, abbiamo trovato nel Vangelo il Testamento di Gesù che proponeva l’unità universale: ‘Che tutti siano uno’ (Gv 17, 21). Capimmo che per quella pagina era sorto il Movimento. Quel ‘tutti’ sarebbe stato il nostro orizzonte: l’unità, la ragione della nostra vita” (2009, p.370).32

29 Disponível em:

http://www.centrochiaralubich.org/it/documenti/video/230-europa-unita-mondo-unito.html. Acesso em: 22/02/2013. Tradução: “em si o embrião de cada forma de integração e unidade entre os povos, a unidade e o método para atingi-la: o amor recíproco”.

30 “Por uma interdependência fraterna”.

31 “Na minha vida pude conhecer inúmeras pessoas, grupos, povos: sempre experimentei que a tensão à

unidade é uma aspiração insuprimível que pulsa no coração de cada ser humano, de cada grupo social, de cada povo”.

32 “Em plena segunda guerra mundial, sob um furioso bombardeamento, em um porão, com a luz fraca de

uma vela, encontramos no Evangelho o Testamento di Jesus que propunha a unidade universal: ‘Que todos sejam um’ (Jo 17, 21). Entendemos que para aquela página tinha nascido o Movimento. Aquele ‘todos’ seria o nosso horizonte: a unidade, a razão da nossa vida”.

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15 Conclusão

A unidade global de Lubich não é apenas espiritual, mas política, internacional. É teológica e sociológica. Ela não é provinciana: é internacional e local; unidade de base e de vértice, entre povos e governos de Estados diferentes, continentes diferentes.

Para Lubich, a unidade já existe no céu, “la vera patria” (1979, p.83),33 mas deve chegar no “mondo intero” (Ibidem, p.43), segundo a lógica de realização que emerge na oração do Pai Nosso: “come in Cielo, cosí in terra” (Ibidem, p.83).34

O objetivo de Lubich não é o da unidade entre os jovens, ou nas famílias, mas a unidade do mundo, também por meio da unidade entre os jovens e nas famílias.

No discurso e experiência de Lubich, lê-se unidade com apreço pelo pluralismo da diversidade, que significa não exigir que o outro, diferente, renuncie à sua pertença original, mas solicitar sua adesão ao projeto de unidade a partir do seu lugar original de pertença. Em vez de proselitismo, Lubich propõe a adesão a um estilo de unidade caracterizado pelo apreço da diversidade. Em vez da unidade padronizadora, uniformizadora, típica da globalização do consumo, a unidade proposta por Lubich caracteriza-se pelo reconhecimento da diversidade como valor, pressuposto obrigatório, permanente, da unidade.

Para Lubich, o outro, sujeito pessoal e coletivo, não é destituído de valor, vazio, mas detentor de valor. Em vez de praticar o método da missionariedade proselitista, ela identificou nos projetos dos sujeitos diferentes os valores que estão no mesmo projeto em comum de unidade universal. Unidade da variedade, na diversidade.

Vera Araújo, socióloga brasileira, amiga de Chiara, destacou que “a distinção sublinha, preserva e tutela a identidade de cada um, impedindo a sua absorção, dependência ou submissão, mas ao mesmo tempo, mantendo-a na unidade” (2005/6, p.860). E ainda: “Somente graças à distinção cada um se torna ator e toma iniciativas para alimentar e enriquecer a unidade” (2005/6, p.861).

33 “a verdadeira pátria”.

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16 Referências

ARAÚJO, Vera. Relazione sociale e fraternità: paradosso o modello sostenibile? In:

Nuova umanità. XXVII (2005/6) 162, p.851-870.

LUBICH, Chiara. Colloqui con i Gen. Roma: Città Nuova, 1979. _____. L’unità e Gesù abbandonato. Roma: Città Nuova, 1984. _____. La dottrina spirituale. Roma: Città Nuova, 2009.

VISENTINI, Paulo Fagundes. As relações diplomáticas da Ásia. Articulações regionais e afirmação mundial (uma perspectiva brasileira). Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.

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