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SABEMOS MUITO POUCO DE CAMÕES

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Academic year: 2021

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SABEMOS MUITO POUCO DE CAMÕES

Sabemos muito pouco de Camões, Mal sabemos quem foram os seus pais, Quanto ao seu nascimento há discussões, Dos seus estudos não se sabe mais.

Passou dezassete anos aos baldões Na Índia e em paragens orientais. Fazia belos versos muitas vezes. N’Os Lusíadas canta os Portugueses. Quando voltou a Portugal, saiu O seu livro. Camões era tão pobre Que não se sabe como o conseguiu. Talvez tivesse a ajuda de algum nobre E ajuda com certeza ele pediu.

Enfim, o livro sai e se descobre Que aquele altivo português de gema Pusera a nossa História num poema.

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Esse poema chama-se epopeia

Que era uma forma usada antigamente Em que um herói levando a vida cheia De combates terríveis segue em frente E acaba vencedor, porque guerreia Em nome do seu povo e é tão valente Que em coragem e força é sobre-humano. O povo aqui é o peito lusitano.

Para o fazer, Camões usou a oitava Que é feita de oito versos a rimar. Até ao sexto as rimas alternava, Nos dois finais a rima vai a par. Com oitavas assim, organizava Essa história que tinha de contar

Em cantos que são dez e a nós, ao lê-los, Espanta como pôde ele escrevê-los.

A Dom Sebastião, que assim se chama O jovem rei de Portugal, oferece

O seu poema e lhe promete a fama Que a nossa terra junto ao mar merece. Diz como navegou Vasco da Gama

Mas conta a nossa História, não se esquece Do que antes sucedeu, nem dos perigos

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O inimigo às vezes é Castela,

Que nem bons ventos traz, nem casamentos; Outras vezes são Mouros, na querela

Com os Cristãos em todos os momentos, E depois, pelo mundo, ao ir à vela,

São Muçulmanos sempre e aos seus intentos Camões dá nomes feios e cruéis,

De que o menos cruel é «infiéis». E assim vai n’Os Lusíadas contando Como é que Portugal se originou E teve reis que o foram aumentando, E depois como é que navegou

Até chegar à Índia, mas quando Lá foi parar, na Índia não parou, E foi mais longe ainda, coisa rara!, E se mais mundo houvera, lá chegara. Também é importante ter presente Que há deuses e deusas em conflito, Coisa que enche de espanto toda a gente Porque pintam o bom e o bonito

Fazendo andar a história para a frente, O que para o leitor é esquisito,

Pois Camões é cristão, muito cristão, Mas quanto à fantasia é bem pagão.

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O que ele aqui nos conta tem três planos: O dos deuses de outrora, céu além,

O dos homens, na terra e oceanos, E no fundo do mar, deuses também. Façam o que fizerem, os humanos Vão encontrar os deuses e convém Lembrar essa maneira de fazer Uns belos versos para a gente ler. Às vezes é difícil a leitura

Dos nomes que esses deuses pagãos tinham: Apolo ou Febo para o Sol na altura

E Marte para a Guerra. Outros alinham: Baco, que é contra nós nessa aventura, E Vénus, deusa amada, a quem convinham Os feitos portugueses e que é filha

Do pai Júpiter que acima deles brilha. Neptuno é o deus dos mares, o dos ventos, Eolo, também faz aparições,

E há vários outros deuses turbulentos, Velhos mitos e grandes invenções: Ulisses e Eneias são portentos

De manha e luta, ardis, complicações, E há deusas, como Tétis ou Diana, Muito formosas na aparência humana.

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E há muitos outros mitos que se agitam E as Ninfas, criaturas que nos rios, Montes, vales, floresta e mar habitam E aparecem em vários desafios.

São como raparigas que espevitam Nos poetas rasgados elogios. N’ Os Lusíadas bem se fala delas

E são sempre, mas sempre, muito belas. Parece hoje uma banda desenhada

E afinal a gente não estranha

Que o Super-Homem voe, e nos agrada O Senhor dos Anéis, o Homem-Aranha, E tantos divertindo a criançada

Com repentina e mágica façanha, Usando seus poderes sensacionais, Batman, Harry Potter, muitos mais… No poema, Camões introduziu

Muitos termos tirados do latim:

Pôs «lenho» em vez de «nau», substituiu «Véu» por «cendal» e mais coisas assim, E do mundo de outrora repetiu

Antigos nomes e o fez tim-tim Por tim-tim, logo a começar então Por Taprobana, a ilha de Ceilão.

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E à nossa língua deu um brilho novo E uma moderna musicalidade,

Com palavras que são de todo o povo E algumas mais difíceis, é verdade. Só de ver como o faz eu me comovo, Como ele exprime a nossa identidade, Dizendo o que se pensa, sabe e sente, De uma maneira muito cá da gente. Dos chamados clássicos, Camões Muita coisa aprendeu e imitou. Um clássico só dá boas lições: É um modelo antigo que ensinou Gerações, gerações e gerações

E que a nossa cultura assim marcou. Ora Camões os clássicos leu bem

E os soube usar melhor do que ninguém. De Homero, da Ilíada e Odisseia,

De Virgílio e da Eneida e seus heróis, Tinha Camões sempre a memória cheia E muito o inspiraram esses dois:

«Canto as armas e o homem» é a ideia Do começo da Eneida, o que depois A sua voz imita em altos brados: «As armas e os Barões assinalados»...

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E assim ele começa anunciando

O que é que vai cantar, homens e feitos Que os portugueses foram praticando Com esforço e valor de heróicos peitos, A triunfar na guerra e dominando Mares que a Neptuno eram sujeitos. Há nesse começar um grande estilo, E, acreditem, vale a pena ouvi-lo:

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CANTO PRIMEIRO

As armas e os Barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

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De grego Ulisses, de Eneias troiano, Cessem as grandes rotas que fizeram; Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. Se na proposição Camões coloca

O que nos quer contar, logo a seguir As suas musas, Tágides, invoca,

Ninfas do Tejo às quais passa a pedir Dêem ao seu engenho ardente, em troca Da flauta amável que fazia ouvir,

Aquela força retumbante e cheia

De um instrumento próprio da epopeia. E vós, Tágides minhas, pois criado

Tendes em mi um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente,

Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente,

Por que de vosso Tejo já se diga

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Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa,

Que o peito acende e a cor ao gesto muda. Segue a dedicatória e é bem vistosa:

Nela Camões o jovem rei saúda,

Porque ao nascer nos trouxe a evidência De Portugal manter a independência. E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antiga liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade,

Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande. Vereis amor da pátria, não movido

De prémio vil, mas alto e quase eterno; Que não é prémio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno, E julgareis qual é mais excelente,

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Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Fantásticas, fingidas, mentirosas,

Louvar os vossos, nem com as patranhas De antigas musas: só com gloriosas

Acções de portugueses e tamanhas, E verdadeiras, mais que fabulosas. Ouvi meu canto então, ó jovem rei, Que em vez de fantasias vos darei: Egas Moniz, Fuas Roupinho, Nuno, Os doze de Inglaterra e o seu Magriço, O Gama que no mar venceu Neptuno, Um Pacheco fortíssimo e com isso Mais reis e mais heróis, e lhes reúno Almeidas que morreram em serviço, Albuquerque terríbil, Castro forte,

E outros em quem poder não teve a morte. Pouco depois, começa-se a narrar

A viagem dos nossos marinheiros. Lá vai Vasco da Gama a navegar, E vão com ele muitos companheiros. Querem chegar à Índia pelo mar E são nessa viagem pioneiros.

No momento em que os vemos assim ir, É que os deuses resolvem reunir.

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Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas,

Que de animais marinhos são cortadas, Quando os Deuses no Olimpo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em consílio glorioso,

Sobre as cousas futuras do Oriente. Preocupa-os o nome já famoso Que os Portugueses têm claramente E também esta nova expedição: Uns são a favor dela e outros não. E Júpiter dizia: «Têm passados Na viagem tão ásperos perigos,

Tantos climas e céus experimentados, Tanto furor de ventos inimigos,

Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa Africana como amigos; E, tendo guarnecido a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota.»

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Mas Baco não podia estar de acordo Porque tinha ficado convencido

De que esta gente que ia agora a bordo O faria nas Índias esquecido.

Ele era o deus do vinho e era gordo E, aqui pra nós, bastante presumido. Porém Vénus mostrava-se a favor, Por ter aos Portugueses grande amor. É por isso que vemos Vénus bela, Afeiçoada à gente Lusitana,

Nas qualidades a lembrar-lhe aquela

Gente que ela tanto ama e que é a romana, E em toda a valentia que revela

A sua audácia em terra mauritana, E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina. Marte, que amava Vénus, decidiu

Apoiar tudo quanto ela dizia E com ar furioso repetiu

Que dar ajuda aos nossos se devia. E a Júpiter seu pai então pediu Que desse apoio a tanta valentia. Júpiter concordou, baixando a face,

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As naus já navegavam entretanto Perto de Moçambique e não sabiam Que terra fosse aquela nem, portanto, Que gentes afinal ali viviam

E que ao verem a armada, com espanto Em seus pequenos barcos acorriam

E um grita, outro exclama, um outro aponta, É isso o que Camões aqui nos conta:

Vasco da Gama, o forte Capitão, Que a tamanhas empresas se oferece, De soberbo e de altivo coração, A quem Fortuna sempre favorece, Para se aqui deter não vê razão, Que inabitada a terra lhe parece. Por diante passar determinava, Mas não lhe sucedeu como cuidava. Eis aparecem logo em companhia Uns pequenos batéis, que vêm daquela Que mais chegada à terra parecia, Cortando o longo mar com larga vela. A gente se alvoroça e, de alegria, Não sabe mais que olhar a causa dela. «Que gente será esta?» (em si diziam) «Que costumes, que Lei, que Rei teriam?»

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Procuraram então os navegantes Alguém que traduzisse e ali disseram Nessa conversa, a um dos visitantes Donde vinham, onde iam e quem eram, E recebendo bem os habitantes

Foi com muita alegria que lhes deram De comer e beber e acrescentavam Que agora de um piloto precisavam. O homem prometeu que se acharia Piloto que os guiasse e regressou A terra, e sendo já o fim do dia, Toda a gente dormiu e descansou. Porém Vasco da Gama não sabia Que uma traição ali se preparou

Com Baco a dar conselhos aos nativos, E por pouco não iam ficar vivos.

E na manhã seguinte, o Regedor Daquelas terras veio visitá-lo. O Gama deu-lhe prendas de valor E, para dar-lhe ainda mais regalo, Vinho e comida ali lhe mandou pôr. E tal como Camões veio a contá-lo, Tudo o Mouro contente bem recebe, E muito mais contente come e bebe.

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O Gama disse ao Regedor então

Que eram cristãos da Europa e deu-lhe a ver As armas que traziam no porão

E o outro teve medo e a valer: Encheu-se-lhe de raiva o coração E logo ali tratou de resolver Que haviam de cair numa cilada Que em breve ele teria preparada. Porque disto que o Mouro aqui notou, E de tudo o que viu com olho atento, Um ódio certo na alma lhe ficou, Uma vontade má de pensamento;

Nas mostras e no gesto o não mostrou, Mas, com risonho e ledo fingimento, Tratá-los brandamente determina, Até que mostrar possa o que imagina. Pilotos lhe pedia o Capitão,

Por quem pudesse à Índia ser levado; Diz-lhe que o largo prémio levarão Do trabalho que nisso for tomado. Promete-lhos o Mouro, com tenção De peito venenoso e tão danado Que a morte, se pudesse, neste dia, Em lugar de pilotos lhe daria.

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Baco, que então já tinha resolvido Perder os Portugueses, disfarçou-se De velho mouro ali bem conhecido E disse ao Regedor que logo fosse Contra os tais Portugueses prevenido, Pelas más novidades que lhe trouxe. E assentaram numa solução

Que era a de apanhá-los à traição. E Baco acrescentou: — «Eu entendido Tenho destes Cristãos sanguinolentos, Que quase todo o mar têm destruído Com roubos, com incêndios violentos; E trazem já de longe engano urdido Contra nós; e que todos seus intentos São para nos matarem e roubarem, E mulheres e filhos cativarem. E também sei que tem determinado De vir por água a terra, muito cedo, O Capitão, dos seus acompanhado, Que da tenção danada nasce o medo. Tu deves de ir também c’os teus armado Esperá-lo em cilada, oculto e quedo; Porque, saindo a gente descuidada, Cairão facilmente na cilada.

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E se inda não ficarem deste jeito Destruídos ou mortos totalmente, Eu tenho imaginada no conceito Outra manha e ardil que te contente: Manda-lhe dar piloto que de jeito Seja astuto no engano, e tão prudente Que os leve aonde sejam destruídos, Desbaratados, mortos ou perdidos.»

E assim se fez. E quando os nossos passam Aos seus batéis para alcançarem terra, Vêem muitos na praia que ameaçam E lhes fazem sinais de estar em guerra. Mas respondem com força e os rechaçam A ver qual foge mais e qual mais berra. O Regedor fingiu-se arrependido

E deu-lhes o piloto prometido. E este falso piloto os enganou, Dizendo que a cristãos os levaria E à ilha de Quíloa os guiou.

Mas Vénus muito atenta as naus seguia E fez soprar o vento e as desviou

Da ilha a que o piloto as conduzia. Assim salvou as naus e assim é-nos Mostrada a intervenção da deusa Vénus.

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Depois, quando o piloto quis seguir Dizendo de Mombaça que era boa, A vemos outra vez a impedir

Que para lá as naus cheguem a proa. Era artimanha só para fingir

Que havia cristãos lá, Baco inspirou-a Ao rei da terra, a quem tinha avisado; E ao Gama o rei mandou falso recado. O recado que trazem é de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto, Que os pensamentos eram de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Ó grandes e gravíssimos perigos, Ó caminho de vida nunca certo, Que aonde a gente põe sua esperança Tenha a vida tão pouca segurança! No mar tanta tormenta e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade avorrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o Céu sereno Contra um bicho da terra tão pequeno?

Referências

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