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A infância, o brincar e a família contemporânea

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Ijuí 2015

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ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Ana Maria de Souza Dias

Ijuí 2015

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ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

A Banca Examinadora abaixo assinada aprova o Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul–UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

________________________________________ Profa. Dra. (orientadora)

________________________________________ Profa. (avaliadora)

Ijuí 2015

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DIDICATÓRIA

Á minha família pela capacidade de acreditar nessa realização. Pelo apoio, carinho, compreensão e amor incondicional a mim direcionados nos momentos mais difíceis de minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe Liséte, que dedicou amor incondicional a mim e meus irmãos, ensinando-nos a importância da família e da educação.

À meu pai Adilson, pelo exemplo de homem honesto e pai dedicado e por ter me ensinado da importância e da simplicidade e do bom humor.

Aos meus irmãos Andressa e Cristiano, que me proporcionaram crescer na diferença e valorizar os vínculos familiares.

Ao meu namorado Fernando, pelo apoio, pela paciência e pelo amor dedicado a mim, principalmente ao longo dessa trajetória.

À meu avô Henrique (in memoriam), pelos ensinamentos deixados acerca do amor e do trabalho.

À minha avó Ilsa, pelo exemplo de mãe, luta e perseverança, e por todos os momentos que foi além de avó, minha mãe.

À minha amiga e colega Andressa Noro, pela amizade e pelos momentos de compartilhamento profissional e pessoal que me permitiram crescer de forma impar durante os últimos anos de graduação.

À todos vocês meu agradecimento por estarem ao meu lado e contribuírem a seu modo para a conclusão dessa jornada.

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RESUMO

Este trabalho traz uma reflexão sobre a infância contemporânea de um modo nunca visto antes na história. Nesta direção, leva-se em consideração as transformações históricas, a sociedade, a formação da identidade, o consumismo, o universo infantil criado pela mídia, o brincar e o brinquedo, o psiquismo infantil. A escrita ainda traz a caracterização da família contemporânea, o declínio da função paterna e suas consequências na dinâmica familiar, na estruturação infantil e na sociedade. Autores da sociologia, filosofia e da psicologia dão o embasamento teórico, permitindo maior compreensão dos fenômenos que se apresentam na infância contemporânea.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 A SOCIEDADE CAPITALISTA E O INFANTIL CONTEMPORÂNEO ... 10

2.1 GLOBALIZAÇÃO E CAPITALISMO ... 10

2.2 O CENÁRIO INFANTIL CONTEMPORÂNEO ... 15

3 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS NA CONTEMPORANEIDADE ... 19

4 ONDE VIVEM AS CRIANÇAS HOJE? ... 27

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 34

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da infância contemporânea com suas peculiaridades e particularidades, tendo em vista questões históricas, sociais e familiares que incidem sobre essa criança e marcam nela traços que são constituintes.

Com este objetivo, essa produção escrita busca apresentar e responder questões que envolvem a criança contemporânea, como o consumismo, as novas configurações na identidade, a tecnologia, suas relações familiares e seu brincar.

Percebe-se que a concepção infantil é uma noção historicamente construída e que ao longo dos anos foi se modificando, desde uma época em que a criança não tinha espaço e lugar social até o adquição de um papel fortemente ativo, característico do momento atual.

Vemos que o lugar da infância também se modifica de acordo com a sociedade em que essa criança está inserida, pois é dentro desse sistema e das suas relações que a criança colhe os elementos necessários para se constituir como sujeito.

O tema desse trabalho é fruto de uma experiência em estágio em psicologia clínica com crianças, que gerou muita curiosidade sobre o universo infantil e familiar. Para a fundamentação do texto utilizo a pesquisa bibliográfica, que me permite apresentar um embasamento teórico sobre os fenômenos que me fascinaram naquela experiência de estágio. Para a construção do texto utilizo autores como: Sigmund Freud, Bauman, Hall Stuart, Walter Benjamin, Maria Rita Kehl e Ana Marta Meira entre outros trabalhos e artigos acadêmicos.

Esta monografia está estrurada em três capítulos. O primeiro capítulo traz uma análise da sociedade contemporânea, abrangendo a globalização; as interconecções via internet; a rapidez e o alcance nas informações; e a consequência disso na formação das identidades, que agora são indefinidas e momentâneas; o consumismo desenfreado; o avanço na tecnologia; a mudança nas relações afetivas, virtuais e sociais e o lugar da criança nesse cenário como um ser ativo.

O segundo capítulo traz uma leitura da criança contemporânea com novo espaço e lugar social. Trazendo a mídia como incentivadora do consumismo; as novas tecnologias, os brinquedos e o universo infantil contemporâneo; a

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importância do brincar na constituição psíquica; a presentificação da imagem em contrapartida com a palavra e o lugar do corpo e do outro nessa dinâmica.

O terceiro capítulo faz uma pesquisa sobre a família contemporânea incluindo discussões sobre as novas configurações familiares; os lugares de poder no núcleo familiar; as funções parentais; a desautorização da função paterna; a relação da crise familiar com a educação e o problema que a falta da lei causa na estruturação infantil e consequentemente no social.

Essa pesquisa é direcionada a todos aqueles que de algum modo tem contato com o universo infantil e que queiram entender um pouco melhor a criança e suas relações.

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2 A SOCIEDADE CAPITALISTA E O INFANTIL CONTEMPORÂNEO

2.1 GLOBALIZAÇÃO E CAPITALISMO

Atualmente nos encontramos em um tempo que é atravessado pela globalização. Globalização esta que se apresenta em todos os aspectos sociais contemporâneos, seja nas instituições ou mesmo nas relações mais íntimas, e que tem em seu núcleo o capitalismo que sempre foi de ordem mundial.

Ao caracterizar a sociedade moderna, podemos nomeá-la como uma sociedade mutável de transformações rápidas e constantes, que permite e exige ações de flexibilidade, e é justamente essa indefinição que diferencia o atual momento histórico dos demais já vividos. Sobre isso Anthony Giddens(1990) nos diz que:

Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes. (Giddens, 1990, p. 37-8).

Nota-se que na sociedade contemporânea, o ritmo e o alcance das transformações são cada vez maiores, visto que, as diferentes áreas do globo são interconectadas virtualmente, assim as informações atingem escalas indefinidas de tempo e espaço. Essa nova estrutura social de interconexões, altera intensamente as características mais íntimas e pessoais da vida cotidiana.

As consequências do modo de funcionamento dessa sociedade contemporânea afetam cada sujeito de um modo particular, seja em sua estruturação, subjetivação e construção de identidade, como nas suas relações sociais. Percebe-se que a identidade social, que por muito tempo proporcionou estabilidade ao mundo social está em declínio e no lugar dessa solidez surge um sujeito moderno com novas e fragmentadas identidades.

Hall (1998), nos traz em “Identidade cultural na pós modernidade” que a identidade na concepção do sujeito sociológico é construída através de uma interligação entre o mundo pessoal e o público. Ao nos projetarmos nessa identidade

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cultural, e internalizarmos seus significados como valores, nos alinhamos para ocupar lugares objetivos no mundo cultural e social.

Nessa perspectiva, a identidade costuraria sujeito e o mundo em que ele habita, criando assim uma estabilidade e unificação em ambos. Porém, é exatamente essa estrutura que está em transformação no mundo contemporâneo.

Vemos que essa transformação nas identidades começa a surgir a partir do século XX, quando questões como classe social, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade começam a não ser suficientes para assegurar nossa solidez social.

Podemos dizer então que nossa identidade é definida historicamente, e não como na sociedade tradicional, de forma biológica. A identidade é um espelho das paisagens sociais, estas por sua vez asseguram nossa subjetividade e objetividade cultural. Porém o que vemos são estruturas sociais entrando em colapso constante, logo as identidades tornam-se provisórias, variáveis e problemáticas.

O sujeito pode assumir identidades múltiplas e contraditórias, na medida em que ocorrem modificações nos sistemas de significação e representação cultural, assim podemos nos identificar momentaneamente. Esse constante deslocamento na posição do sujeito permite que a estrutura da identidade permaneça sempre mutável.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 1998, p.13)

Destaca-se também na sociedade contemporânea a forte influência das relações de consumo nas interações sociais e pessoais. Uma forte veiculadora do consumismo é a mídia que planta em nosso cotidiano a cultura do consumo desenfreado. Consumo que se torna cada vez mais necessário, na medida em que, os bens tornam-se frágeis e perdem seu reconhecimento social rapidamente.

Diferentemente da sociedade antiga, os bens perdem o seu valor utilitário e sua significação subjetiva e tradicional, dando espaço para um valor comercial que tem seu reconhecimento cultural constantemente modificado. Ora é venerado, ora é descartado, sem nenhuma estranheza.

Nota-se que essa insolidez no que diz respeito aos bens também afeta as relações sociais, hierárquicas, amorosas e trabalhistas. Tendo como modelo as

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relações mercantis, todas as demais relações tornam-se líquidas e inconsistentes. Segundo Bauman (2008), o que define a sociedade de consumidores é a reconstrução das relações humanas à semelhança das relações mercantis, de maneira a construir uma sociedade que interpela seus membros na condição de consumidores e que não conhece exceções (nem de gênero, nem de idade e nem de classe) para isso.

A sociedade capitalista contemporânea impõe incessantemente ao sujeito o consumo como sinônimo de felicidade e satisfação imediata. Com a aceleração e sem satisfação, o constante descarte ocorre em curto prazo, fazendo com que o bem adquirido perca seu valor. Assim, o sujeito em suas relações tornou-se produtor, promotor e sua própria mercadoria.

Ao mesmo tempo que o consumo assume papel significativo na sociedade e nas relações, a tecnologia avança com a produção de novos aparelhos e reatualização daqueles que já estão no mercado. Vemos aí, uma indústria dedicada a produzir e reproduzir dispositivos para suportar os sistemas cada vez mais avançados e sofisticados. Concomitantemente a essas mudanças materiais, vemos se estruturando um novo estilo de relações interpessoais e tecnológicas.

A internet provocou grande modificação social. Mesmo sendo uma ferramenta nova no mundo tecnológico e comunicativo, tem proporcionado aos usuários as mais diversas experiências. Ao se construir como uma das formas mais rápidas e fáceis de acesso a conteúdo diversificados e comunicação interpessoal, além de não ter barreira de tempo e espaço, a internet vem ganhando destacado lugar no cotidiano desses indivíduos

O cinema retrata muito bem essa relação homem-tecnologia no filme “HER”1 , no qual o enredo gira em torno de um homem que se apaixona pelo novo sistema operacional de seu computador e cria com este uma relação amorosa. O filme traz detalhes e emoções que se identificam muito com uma relação amorosa real entre dois seres humanos.

Muito bem estruturado, o enredo coloca em cena as novas modalidades de relações contemporâneas, que estão permeadas de solidão e fluidez, sejam elas de natureza afetiva, familiar, social ou virtual. Por tratar de uma questão tão delicada e

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Filme americano de comédia dramática, ficção científica e romance. Escrito,dirigido e produzido por Spike Jonse. Lançado em 2013.

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atual o filme foi muito bem avaliado pela crítica e ganhou diversas premiações. Levando em conta essa nova forma de socialização, não podemos deixar de lado os lugares do adulto e da criança, que nessa nova óptica são colocados como seres iguais incompletos e dependentes, inseridos em uma sociedade que transmite desmedidamente novos valores, crenças, informações, normas, imagens e estilos de vida sem nenhum pudor.

É um novo modelo cultural que provoca grande influência sobre a vida privada, as relações parentais e as estruturações infantis. Desenha-se concomitantemente a essas mudanças um lugar infantil profundamente ligado ao tecnológico, ao consumismo, ao real e às imagens em contrapartida com o simbólico 2

, com a palavra e a elaboração.

Ao analisar os séculos passados podemos sublinhar que a inserção da criança no discurso social, enquanto categoria, começa a surgir a partir do século XVII, com os discursos médico-científico e pedagógico. Em contrapartida o que vemos atualmente é que o conceito de criança é resultado de transformações no sistema político-econômico-social, que leva em conta o avanço e o desenvolvimento do capitalismo.

A representação contemporânea da infância é marcada então por valores burgueses de liberdade e felicidade. Liberdade, no sentido de ser detentora de direitos e até mesmo capaz de decidir sobre seu futuro, e a felicidade como um ideal social que é depositado na criança e constantemente reforçado pelos pais como demanda. É na tentativa de alcançar a felicidade que o capitalismo encontra espaço para capturar a criança.

O que se percebe através dos tempos é que o lugar da criança frente ao mercado foi se modificando, como esclarece Pereira(2002) :

[...] a criança não é mais colocada como dependente do adulto, seja no âmbito mais amplo da esfera econômico-política, seja no plano mais restrito da vida familiar e escolar, mesmo porque o lugar que o mercado concedeu para a criança tem sua história intimamente ligada às transformações das relações entre adultos e crianças. Olhada inicialmente como filho do cliente que se relacionava com o mercado a partir do uso de bens materiais e culturais que se ofereciam a ela à margem da sua opinião, a criança é

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Real, Simbólico e Imaginário são os três registros psíquicos de acordo coma teoria psicanalítica. O Real é o impossível, aquilo que não pode ser simbolizado e é impenetrável para o sujeito. O

Simbólico é o lugar onde se estrutura a linguagem e é através dessa que se manifesta. Essa linguagem é o que estrutura o sujeito. O Imaginário corresponde ao ego do indivíduo e é onde se instala as identificações.

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elevada ao status de cliente, isto é, um sujeito que compra, gasta, consome e, sobretudo, é muito exigente. (Pereira, 2002, p. 84).

Assim é inevitável que os vinculos familiares mudem, agora a criança deixa de ser superprotegida e passa a ganhar um lugar participativo na família e na sociedade consumista e materialista. Essas crianças passam ao mesmo tempo a ocuparem espaços públicos nas instituições extra-familiares, estabelecendo contatos afetivo-sociais cotidianos.

Logo, o que fica claro no contexto contemporâneo é que os lugares sociais do adulto e da criança não estão claramente definidos, como fora outrora na sociedade tradicional, e essa imprecisão causa um desconforto nas relações, sejam elas familiares, sociais ou educacionais.

Sabe-se que na sociedade tradicional e em muitas tribos ainda existentes, o que marcava a separação entre o indivíduo adulto e a criança era a passagem por determinados rituais, que afirmavam socialmente a posição que aquele individuo deveria ocupar a partir dali. Hoje, com a escassez desses rituais, vemos crianças e adultos habitarem os mesmos espaços ou até mesmos espaços opostos a sua faixa etária.

As crianças são forçadas a desenvolver um amadurecimento precoce, pois estão incluídas em ambientes de trabalho e tem contato por meio da mídia a conteúdos que são inapropriados para sua idade, seja pela exposição da violência ou até mesmo do erotismo, que provoca um despertar cada vez mais cedo para questões adultas. Em contraponto, o adulto se recusa a amadurecer, tanto socialmente quanto corporalmente, para isso apela aos procedimentos estéticos oferecidos pela mídia.

Como consequência disso, vemos surgir um esvaziamento do lugar do adulto, no que se refere ás suas responsabilidades para com a criança. Criança essa, que experimenta a afirmativa do “virar-se sozinho”. (Kincheloe, 2001; Souza, 2000).

Porém, não podemos deixar de destacar que esta construção contemporânea do infantil com lugares sociais e familiares diferenciados, é caracterizada por várias influências que foram se desenhando através dos tempos.

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2.2 O CENÁRIO INFANTIL CONTEMPORÂNEO

Como já afirmamos neste texto, a partir da metade do século XX, vários elementos, como as mudanças na centralização do poder, o início do desenvolvimento econômico, o crescimento das cidades, da industrialização, além da mudança do meio rural para o urbano, foram desenhando uma sociedade fortemente consumista.

Justamente nessa época, houve um súbito aumento na concorrência entre as empresas, e a classe média começa a ser bombardeada pelas propagandas que são transmitidas pela televisão . Este aparelho então, passa a ser uma forma de entretenimento acessível para a população em geral.

A televisão é hoje reconhecida como um dos meios de comunicação mais apreciados pela população. Com uma enorme contribuição social, seja por meio de entretenimento, educação, informação, cultura e principalmente publicidade. É uma mídia de baixo custo e de manuseio prático, que pode ser utilizada no meio familiar como também nos espaços sociais.

O lugar da Tv, ou melhor, a TV como lugar, nada mais é que o novo espaço público,ou uma esfera pública expandida. O exemplo brasileiro é um dos mais indicados do mundo para quem observar os detalhes de como se dá a expansão da esfera pública e, mais ainda, como se dá a sua constituição em novas bases. Ás vezes tenho a sensação de que, se tirássemos a TV de dentro do Brasil, o Brasil desapareceria. A televisão se tornou, a partir da década de 1960, o suporte do discurso, ou dos discursos que identificam o Brasil para o Brasil. Pode-se dizer que a TV ajuda a dar o formato da democracia. (BUCCI, 2004, p.32).

Vemos aqui, que a televisão surge e se perpetua como um instrumento de grande valor para aqueles que a utilizam. Porém, com as transformações sociais, os meios de comunicação, incluindo a televisão, foram ganhando novos lugares e formas de atingir o telespectador.

Durante essas transformações, a infância foi ganhando grande espaço do campo social/comercial, logo as mídias tambem viram sua atenção para a população infantil. Logo, começa-se a desenhar um tipo de publicidade que teria por intuito seduzir, impor e condicionar insconscientemente o pequeno consumidor, fazendo com que este perca a perceção sobre seus reais desejos.

O consumidor infantil encontra nos espaços de consumo e lazer(shoppings, salas de jogos..) o prazer, os desejos, as emoções, as descobertas e ao

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mesmo tempo são fabricadas nos sujeitos as perturbações na infância pós-moderna. A criança absorve o apelo de possuir ou de estar naquele(s) espaço(s), criando uma necessidade e uma significação tão intensa que a identifica. Esses espaços regem nos sujeitos, determinados modos de comportar, vestir, utilizar materiais e viver, além de disciplinar o corpo, os desejos são regulados e normatizados para se adequar ao grupo e espaço.” (BERTOLO, 2007, p.16)

Todavia, não foi só a televisão em si que começou a dar espaço para a criança, mas sim todos esses meios de comunicação em massa, como a música, o cinema, os vídeos e os jogos de computadores. Esses meios, com seu poder persuasivo, desenham novos idolos infantis, que associados a indústria do brinquedo formam um círculo envolvente de indução ao consumismo.

Com relação ao jogos, também muito presentes na infância contemporânea, na sua grande maioria são simulações dos desafios sociais que permeiam o universo adulto, exigindo do jogador eficiência, competitividade e rapidez. Esses jogos envolvem os instrumentos tecnológicos mais usados em nossa geração, como a televisão, os games e os computadores.

Esses instrumentos são objetos de grande uso, desejo e reconhecimento por parte dos adultos, assim a crianças ensaiam e brincam nas telas de ser adulto. Ali criam um ambiente quase social, onde podem se defender, serem hábeis, escolher e vencer, com a utilização de códigos já pré-definidos.

Com o decorrer dos anos percebemos cada vez mais que os meios de comunicação como a televisão, o computador e os iphones tem sido incluídos mais precoce e intensamente no mundo infantil, justamente por seus estimulos luminosos, visuais e sonoros. Essa forte sedução tem permitido que estes aparelhos sejam usados como babás eletrônicas facilitando assim a vida dos pais.

Segundo Pereira (2002, p. 85):

[…] Na sociedade de consumo a cidade se oferece em forma de vitrine e ser cidadão é habitar esse mundo com o desprendimento de quem vai às compras. Esse desprendimento, mais que revelar uma simples sensação, é denunciador do quanto a cultura do consumo, como expressão do capitalismo pós-industrial, tem levado a efeito sua intenção educativa. Essa educação não mais se restringe à família e à escola – embora também aconteça no interior destas –, mas expande-se a todas as esferas da vida cotidiana, desde os discursos interpessoais até às formas tecnológicas mais complexas da comunicação humana, entre as quais, especificamente, destacamos as imagens técnicas e os audiovisuais em geral. Diferentemente da linguagem escrita, pautada numa lógica linear e num modelo de abstração conceitual, cuja aprendizagem situa a criança como dependente do ensinamento do adulto, o mundo das imagens técnicas e dos audiovisuais não exige nenhuma formação prévia para o seu desvendamento, ainda que implique maneiras novas de produção e

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recepção. A seriação, o choque, a descontinuidade, a sobreposição, a simultaneidade, a virtualidade, a hiper-realidade etc. São elementos paradigmáticos da cultura desencadeados pela fotografia e pelo cinema, cujas mudanças operadas talvez só se façam perceber hoje com as tecnologias eletrônicas e digitais, seja na televisão ou no ciberespaço (Machado apud Flusser, 1998).

A mídia transmite e contesta na maioria das vezes valores éticos e morais que são instituídos na família, tirando assim seu valor e impondo uma cultura interessada apenas no lucro. Essas informações constantes e repetitivas não sofrem ponderação crítica e acabam ganhando valor de verdade, autoridade e permissividade.

O contato desmedido com essas informações e a falta de intervenção e esclarecimento sobre alguns dados podem estimular a realização de desejos que até então, eram sublimados e/ou reprimidos pela cultura. Além disso, algumas perturbações na capacidade subjetiva podem ser percebidas no que diz respeito a

discriminação entre o real, a fantasia, o momentâneo e o rotineiro. A criança como um ser em construção procura elementos em seu meio que

proporcionem a formação de sua subjetividade. Ao mesmo tempo em que colhe elementos externos vai moldando os internos, porém quando esta criança tem um contato constante com a publicidade desmedida, os elementos externos acabam se sobressaindo e afetando suas manifestações espontâneas.

A criança que observamos nos diferentes contextos sociais é um produto de ações da mídia e do consumo, a qual foi distituído um direito fundamental. […] a possibilidade de viver plenamente e segundo seu tempo uma idade importante que deve conduzi-la em direção a uma maturidade baseada no equilíbrio. (BERTOLO, 2007, p. 15)

Sabe-se que no processo de estruturação infantil, a criança espelha-se no adulto, imitando seus comportamentos. Atualmente nota-se uma dificuldade muito grande para o adulto escapar das armadilhas capitalistas e, assim acaba tornando-se um acumulador e consumista. Logo, essa criança internalizará a necessidade de comprar e consumir produtos com o intuito de satisfação de seus desejos.

Françoise Dolto (2005) declara que em meados de 1968, que a criança é considerada consumidora. O que vemos a partir daí foi uma ascensão dessa afirmativa reforçada pela mídia, que apresenta modelos de comportamentos que incentivam a adultização da criança com cosméticos, batons e roupas que tornam meninos e meninas miniaturas adultas. Seguindo essa ideologia a criança deixa inevitavelmente de vivenciar etapas essenciais do desenvolvimento e essa falha

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gerará problemas de estruturação nos futuros adultos.

Há na sociedade contemporânea uma forte semelhança com a Idade Média quando falamos de infância. Levando em consideração que na Idade Média a criança carregava o adjetivo de “pequeno homem”, pois suas vestimentas e sua circulação social era muito parecida com a do adulto. Apesar das mudanças observadas quanto ao lugar da infância na sociedade contemporânea, parece estar repetindo esse adjetivo com a adultização infantil.

Analisando o quadro econômico, social e subjetivo da criança contemporânea, nos deparamos com algumas questões, como: quais são as características dessa nova criança? Como lidar com essa nova e inédita configuração e representação infantil? Como a sociedade contribui diariamente para manter essa configuração? Que efeitos essas modificações infantis tem nas instituições familiares e mercantis? Como essa nova criança brinca e do que brinca? Como simboliza o mundo externo?

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3 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS NA CONTEMPORANEIDADE

A partir dessa contextualização social e histórica da infância, pode-se enfim falar dessa nova configuração infantil do século 21. Um século caracterizado por grandes inovações e transformações, como a informática, os avanços na ciência, as reformulações nas leis e por fim a internet. Transformações que afetaram todas as pessoas e até mesmo aos pequenos.

As crianças começam a ganhar um novo espaço e lugar social, institucional e afetivo que consequentemente cria um universo particularmente infantil. Universo este que coloca a criança como um “rei”, onde seus desejos são rapidamente atendidos, ou melhor, seus desejos são induzidos de forma sutil. Essa indução passa despercebida ao olhar do social, da família e da criança.

Os repertórios infantis atuais são muito diferenciados das últimas gerações, e consequentemente essa criança o viverá, sentirá e pensará de outra maneira. Suas expressões de fala como a palavra, o corpo, a brincadeira e a arte também contém traços inéditos.

Surgem assim, novos medos, novas limitações, habilidades, agressividades, comportamentos cotidianos e até mesmo transtornos psicológicos e físicos como resultado dessa imersão numa sociedade que vive o imperativo da felicidade e da rapidez.

Segundo Rossi (2007), o que víamos na década passada já não mais é visto hoje, pois os anúncios publicitários eram dirigidos aos pais, e a criança era usuário indireto. Hoje os anúncios são direcionados ao público infanto-juvenil, consumidores em potencial. Para além disso, a autora também destaca que a criança no meio consumidor sofreu um duplo deslocamento: inverteu-se a hierarquia estabelecida de pais para filhos e do tempo futuro para o tempo presente.

As tecnologias em tempo recorde criam uma gama de produtos destinados especificamente à infância, com conteúdos muito bem estudados para chamar a atenção e despertar o desejo da criança. Para isso, são usadas as mais diversas técnicas, levando em conta todos os recursos possíveis e aliando profissionais e pesquisas para atender e prender aquela criança ao produto oferecido.

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desse universo infantil. Para além dessa simples transmissão há uma publicidade que tem por objetivo seduzir, impor e condicionar inconscientemente o consumidor, fazendo progressivamente com que o mesmo perca a percepção sobre seus reais desejos. Vemos uma transmissão tecnológica e sedutora que traz aos lares, e aos espaços sociais onde esta criança circula, os produtos que ela precisaria para ser aceita e reconhecida socialmente. E para além da aceitação social os produtos também carregam promessa de felicidade.

A transformação do infantil como público-alvo no consumismo começou a se desenhar a partir da década de 1980, tendo como base o imperativo cultural, de que se é preciso ter para ser. Assim, o consumismo tornou-se uma prática social.

Como já destacado no capítulo anterior, os meios de comunicação, assim como a música, o cinema, os vídeos e os jogos de computadores desenham novos ídolos infantis que passaram a representar a criança e consequentemente ter influência na construção de sua identidade. Esses personagens aliados à indústria do brinquedo formam um círculo envolvente de indução ao consumismo, e que estão sempre se reformulando para permanecer presente no cotidiano infantil .

Ao mesmo tempo que surgem novos aparelhos destinados ao público infantil, os que anteriormente eram destinados somentes aos adultos também se atualizam, porém o que nos chama atenção é como essas transformações e como esses aparelhos são tomados por esses dois indivíduos. Para o adulto é necessário uma nova forma de pensar e agir, já para a criança estes aparelhos tomam lugar constitutivo e na forma de brinquedo são recobertos lúdicamente.

Cotidianamente vemos as crianças terem maior desenvoltura com as novidades tecnológicas, essa habilidade a torna independente da tradução e apresentação por meio do adulto. Por muitas vezes ela torna-se a tradutora dos significados tecnológicos para o adulto.

Nota-se que a criança foi criando um espaço social ativo, status de consumidor e um universo totalmente seu, logo tornou-se indispensável um aproprimoramento nas pesquisas e uma reconstrução do saber sobre o infantil. Entre os avanços trazidos por essa reconstrução, temos os livros especializados, espaços diferenciados e a articulação do estatuto da criança que prevê direitos e deveres a esta.

Assim como em outros momentos históricos, na contemporaniedade vemos que a infância e o brinquedo ganham diferentes dimensões e significações, que são

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desenhadas consequentemente pelas formações sociais. Sobre isso, Walter Benjamim traz em “Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação”, que o que se apresenta hoje é um brinquedo com dimensão homogeneizada, que traz um apagamento de singularidade, próprio da era capitalista .

O brinquedo foi ganhando diferentes traços culturais no decorrer dos anos, e foi incorporando as diversas transformações que ocorreram na sociedade. Para além dessa característica social, o brinquedo também tem função importante no desenvolvimento infantil, sendo portador de elementos reais e imaginários que permeiam o mundo infantil.

Ao olharmos para a história do brinquedo percebemos que até o formato físico foi se adequando de acordo com os avanços tecnológicos e industriais. Houve uma passagem do brinquedo artesanal insubstituível que era carregado por toda a vida do indivíduo, ao industrializado, sofisticado e facílmente descartável. Benjamin(1984) aponta que essa modificação na produção do brinquedo além de dispensar a atenção dos cuidadores, também afasta pais e crianças.

Assim o brinquedo foi se tornando cada vez mais estranho para o universo adulto. "[...]quanto mais atraentes (no sentido corrente) forem os brinquedos, mais distantes estarão de seu valor como, instrumentos de brincar; quando ilimitadamente a imitação anuncia-se neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva." (BENJAMIN, 1986, p. 93).

O conjunto de significações de um brinquedo foi sendo construído através do tempo pelo homem. São essas significações que permitem identificar e compreender as diferentes culturas e sociedades ao longo dos anos, pois o brinquedo também carrega representações que dizem da sociedade e de como essa sociedade vê o infantil. Logo esse objeto terá efeitos na socialização infantil e na integração na cultura em que está inserido.

O brinquedo possibilita à criança ser um ser ativo na brincadeira, e que esta brincadeira produza em seu desenrolar efeitos imprevisíveis. Por ser um objeto aberto para representações singulares, o brinquedo pode ter diferentes lugares na brincadeira, não condicionando a ação infantil a algo pré-determinado.

Para além do objeto em si na sociedade contemporânea, o brincar aparece como vazio, vazio de singularidade. Justamente pela padronização do brincar e da velocidade com que os estímulos são oferecidos à criança, num ritmo que segue

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sendo constantemente veloz e instantâneo. Os brinquedos raramente recebem exaltação, pois já está colocado que logo serão substituídos, em novas versões e consequentemente mais potentes.

A mídia tem grande contribuição nessa dinâmica, pois ao oferecer à criança constantes e excessivos estímulos acaba gerando uma fragilização e uma falta de referência que se revela na dinâmica do brincar infantil. Logo, a narrativa do brincar também se apresenta como fragilizada e esvaziada, povoada de exigência de novidades e adaptada aos imperativos do consumo.

Há crianças pequenas que apresentam traços de fragilidade psíquica sendo submetidas aos automatismo cotidianos sem encontrar, neste universo palavras que as sustentem em sua trajetória. Se escutarmos aquelas crianças que se encontram confrontadas somente com às telas, reclusas em suas casas, podemos observar a fragilidade que as marca. As crianças que apresentam quadros de psicoses, ao permanecerem neste lugar, manifestam em sua fala a repetição incessante de slogan televisivos. (MEIRA, 2004, p.152).

Assim como a significação histórica do brinquedo é importante, também a forma do brincar que ele proporciona interessa, pois é justamente esse brincar que terá efeitos no psiquismo infantil.

Segundo Winnicott (1975), a criança que brinca habita um lugar que não pode ser abandonado, pode ela traz para a brincadeira as representações dos desejos, sonhos, fantasias. O brincar teria como característica ser sempre criativo e contínuo no espaço e tempo, além de ser uma forma básica de viver.

A criança que brinca habita um espaço único que não pode ser abandonado facilmente, e também não permite intrusões, pois é lá que está o fora do indivíduo que não é do mundo externo. Porém, a criança traz objetos e fenômenos oriundos do mundo externo para representar sua realidade interna.

Assim, brincar é uma atividade sofisticadíssima na criação da externalidade do mundo e condição para o viver criativo, no qual se desenvolve o pensar, conhecer e aprender significativos. É brincando que se aprende a transformar e usar os objetos do mundo para nele realizar-se e inscrever os próprios gestos, sem perder contato com a própria subjetividade. Por meio do brincar podemos manipular e colorir fenômenos externos com significados e sentimentos oníricos, além de podemos dominar a angústia, controlar ideias e impulsos e, assim, dar escoamento ao ódio e a agressão. Brincar envolve uma atitude positiva diante da vida. Por meio do brincar, podemos fazer coisas, não simplesmente pensar ou desejar, pois brincar é fazer. O brincar é uma experiência que envolve o corpo, os objetos, um tempo e um espaço. É como a vida: tem inicio, meio e fim. (SILVA, 2006, p. 29).

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Atualmente o brincar infantil encontra-se fortemente povoado pela tecnologia, seja nos brinquedos, nos desenhos ou nos jogos. Logo, o mundo das telas ganha dimensão de encantamento, mas é importante salientar que ao mesmo tempo que o mundo está a um toque de sua mão, também cria uma espécie de aprisionamento. Esse deslumbramento com a tela e a máquina faz com que a criança se adapte a uma nova configuração de brincar.

Nos jogos artificiais é prerrogativa ter habilidade – manual, que leva à rapidez de apertar botões que marquem caminhos a seguir. Letras levam a determinadas escolhas de monstros, que levam a determinadas forças, que levam a determinadas batalhas, em um ciclo metonímico sem história a não ser uma sequência de lutas sem fim. (MEIRA, 2004, p.19).

Vários autores contemporâneos, ao falar da infância, destacam a forte presença do real e das imagens em contrapartida ao simbólico e as palavras. Bergés(1988) nos traz que os livros infantis atuais estão carregados de imagens o que acaba gerando uma certa economia imaginária no leitor e no ouvinte. Meira(2004) cita a sexualidade como um aspecto humano que já não tem mais encobrimento de romance e está remetida sempre ao puro ato.

Segundo Meira (2004) essa relação com as imagens não é banal:

As crianças percebem o desvio no olhar de seus pais, das letras, para as imagens. E acabam elas também ensaiando o navegar por essas vias plenas de imagens. Navegando neste mundo virtual, as crianças encontram, via Internet, por exemplo, possibilidade de “trocarem palavras” entre si, por intermédio da tela, sem que o interlocutor esteja à sua frente, ensaiando diálogos que farão parte da sua vida.( MEIRA, 2004,p. 24).

Como nos explicam os autores citados, ao nos depararmos com esse forte crescimento no oferecimento de imagens vemos consequentemente um empobrecimento imaginário nas crianças. Imaginário este que sustenta o brincar, suas fantasias, o faz de conta na cena, entre outros enlaces que sustentam os laços que a criança cria com seus semelhantes.

Benjamin refere-se ás fantasias que a criança revela no brincar, nas lutas, na destruição dos brinquedos. A diferença em relação aos games é que nestes o roteiro da fantasia é pré-programado, assim como sua travessia é virtual. A mimésis que se revela no brincar de “faz-de-conta” tem uma dimensão diferente quando é realizada virtualmente. O trabalho psíquico de inventar o personagem e de vesti-lo imaginariamente com traços, palavras, gestos, encontra-se subtraído no jogo virtual. A única escolha possível se dá entre as opções que o jogo oferece, cujo roteiro tem fases pré-determinadas, revelando uma mimésis do processo de produção, onde a escolha de objetos determina a possibilidade de trajeto. (MEIRA, 2004, p.

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37 e38)

Ao brincar as crianças acabam por encenar as cenas familiares, tanto amorosas quanto agressivas, que presenciam em seu cotidiano. Essas cenas tomam o brincar sem nenhum encobrimento, são enredos tal e qual as cenas que vêem. Há apenas objetos para dar corpo aos enredos, objetos que são brinquedos dados à criança como uma tentativa de distração, e não como um suporte para sustentação imaginária.

Percebe-se que essa ausência de sustentação gera em algumas crianças de nossa sociedade, uma dificuldade no brincar caracterizada por um vazio ali onde deveriam se colocar como sujeitos. Não atuam como sujeitos e sim, vão entregando essa função aos pais, entregam seu corpo como depósito do desejo destes.

[...] Não pintam as bonecas. São pintadas pelos pais, que lhes oferecem batons, roupas provocantes, esmaltes. Isso fala de um horizonte onde o corpo ganha primazia como marca subjetiva. […] Não sabem brincar. Ou talvez não tenham o que brincar. Sabem, sim, olhar, assistir cenas. Oferecer seu corpo para ser vestido pelo desejo dos pais que se dirige aos fantasmas que os fundam e que na ordem sexual lhes remete a incertezas. (MEIRA, 1997, p. 25)

O que se nota nessa atual e nova configuração é que os movimentos corporais da criança encontram-se domesticados e anestesiados, justamente pela excessiva presença dos aparelhos eletrônicos. Meira(2004) nos traz que há um apagamento corporal, pois para jogar simplesmente é exigido a movimentação dos dedos (que comandam o aparelho), e dos olhos (que acompanham as ações na tela). Vemos aqui um empobrecimento da experiência, e a decrescente importância da presença e da troca com o outro. Sem essa troca é impossível que haja conflitos e a presentificação de uma falta constituinte do sujeito.

É importante sublinhar que, ao mesmo tempo em que a criança está criando formas de brincar, simultaneamente está tecendo a sua imagem corporal.

Sabemos que a construção da imagem corporal da criança encontra-se marcada pelo discurso do Outro e pelos traços que deste venha a se apropriar. É a matriz simbólica que sustenta esta construção. Nela encontramos a linguagem e a cultura, na qual se inscrevem o brincar e o brinquedo. (MEIRA, 2004, p. 149)

Ao explorar suas possibilidades de movimentação corporal e criação, a criança permite que seu corpo seja tomado pelo lúdico. Porém, ao longo dos anos percebemos que a cultura vem estranhando essa essência infantil. Os

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comportamentos mais exploradores são condenados e até diagnosticados como hiperatividade, um transtorno a ser tratado e controlado o quanto antes.

A autora citada alerta que, com essa condenação do brincar, acabamos produzindo cada vez mais crianças hiperativas, que se mostram com pouca perseverança nas atividades que exigem envolvimento cognitivo e na tendência a atividades globais desorganizadas e inacabadas. Assim, podem apresentar comportamento imprudente e impulsivo e ainda criar relações marcadas por inibição social. Consequentemente podem desenvolver algum retardo no desenvolvimento da motricidade e da linguagem.

Os aparelhos eletrônicos causam à criança uma ausência do Outro, diferentemente dos objetos que eram utilizados pelas crianças de gerações anteriores, e que faziam parte das brincadeiras cotidianas. Esses brinquedos em sua essência exigiam uma troca de olhares, de palavras e de toques. Em não raras vezes os objetos eram dispensáveis, pois toda a brincadeira era articulada imaginariamente com formas invisíveis.

Este Outro hoje já não é mais indispensável no brincar contemporâneo. Sabemos que para Freud, esse outro primeiramente seria a figura materna, ou quem venha a desempenhar essa função. Sabe-se que é a mãe que introduz o bebê ao universo simbólico e que inscreve nele marcas primordiais que o estruturarão posteriormente. É exatamente durante esse processo que a mãe vai emprestando ao filho seu imaginário, recortando e o investindo com palavras, carícias e imagens para que assim, ele tenha a possibilidade de construir uma representação corporal.

De acordo com a teoria psicanalítica, a imagem e a representação corporal da criança começam a se desenvolver durante o estádio de espelho. Momento constitutivo na estruturação psíquica e que necessita obrigatoriamente de um outro, mais especificamente daquele que faz a função materna.

A presença do Outro no brincar e seus investimentos sobre a criança e seu corpo possibilitarão a criança fundar invenções próprias, fortalecendo sua imaginação. Nas atividades de contos e enredos percebe-se que a criança colhe elementos que utilizará nas suas brincadeiras, criando novas histórias que vão além da novela familiar que lhe é apresentada. Logo, o brincar vai se instalar nessa dimensão, enlaçando seu corpo, sua imaginação e suas fantasias.

Porém, o que se observa hoje é uma representação do lúdico infantil bem diferenciada de qualquer outro momento histórico. Essa diferenciação se dá

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justamente pelo fato da transformação quanto aos objetos, ao social e ao discurso que cerca as crianças. Há alguns autores que denunciam um empobrecimento do lúdico infantil, pois tomam como medida a antiga configuração do infantil.

Entre os elementos que cooperaram para essa nova expressão do lúdico, estão: o crescente individualismo, a competitividade incentivada diariamente pelo consumismo e a falta de elaboração das informações veiculadas pela mídia, os novos meios de circulação infantil e as representações que as cercam, sejam elas subjetivas ou de objetos.

Para além do social e da mídia também há um comportamento familiar característico contemporâneo que contribui para o empobrecimento da experiência infantil. Esse comportamento é protagonizado por uma preocupação exagerada com a limpeza, com a segurança e com a saúde, que cria uma ordem de regras com impossibilidades. Logo, o ambiente que resta é o fechado, geralmente de frente ao campo virtual. Só assim, na perspectiva familiar, a integridade infantil ficaria assegurada.

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4 ONDE VIVEM AS CRIANÇAS HOJE?

Concomitantemente às novas configurações sociais da contemporaneidade, a família como primeiro grupo social de qualquer sujeito também sofreu modificações no decorrer dos anos. São muitas transformações, sejam elas no âmbito social, afetivo ou dos lugares que cada um ocupa na dinâmica familiar.

É em meio a essas transformações em torno da família que começam a surgir novas configurações familiares, que ainda geram muita discussão e polêmica em órgãos judiciais e entre as pessoas que se negam a abandonar suas crenças, pois fogem da configuração familiar “papai-mamãe-filhos”.

Há um aumento significativo de famílias monoparentais(em que apenas um dos cônjuges fica com a criança, por razão de separação, viuvez..), famílias homossexuais (em que os cônjuges são do mesmo sexo), famílias reconstituídas (quando um dos genitores está ausente e em seu lugar entra outro sujeito do mesmo sexo: madrasta-padrasto). Entre essas novas configurações a mais presente em nossa sociedade é a família reconstituída.

Os novos arranjos familiares provocaram uma crise na configuração tradicional familiar, que tem em sua essência influências sociais , como a Revolução Industrial (que passou a demandar mais trabalhadores nas fábricas); o Movimento Feminista (como uma forma de dar espaço diferenciado à figura feminina); o Movimento da Juventude (exigindo novos valores); a Pílula anticoncepcional (que abalou a sexualidade feminina e consequentemente a maternidade); a Inseminação artificial (que possibilita gravidez sem que obrigatoriamente aconteça relação sexual), entre outros.

Com a grande inserção da mulher no mercado de trabalho, cada vez mais os cuidados parentais estão sendo desempenhados por babás, berçários, creches, entre outras instituições que se dedicam a criança. Esse fenômeno se torna ainda mais forte em grandes centros, tendo em vista que muitas vezes os pais passam o dia no trabalho e não tem família próxima para deixar o filho.

O avanço da ciência e da tecnologia trouxeram descobertas e feitos que marcam as novas possibilidades de construir uma família, não sendo esta necessariamente concebida por um homem e uma mulher e pelo ato sexual. Assim, cada indivíduo tem a liberdade para escolher se quer ou não constituir família, com quem e em que momento da vida. Independente de sexo, idade e qualquer outra

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complicação biológica que possa existir.

Além das modificações sociais e históricas em relação a família, surgem novas estruturas na organização da casa que também caracterizam a família contemporânea. Como a disposição dos quartos e dos ambientes de lazer, fortemente influenciados pela privacidade, agora são pensados levando em conta a individualidade e subjetividade de cada membro da família.

Levando em consideração os lugares de poder no núcleo familiar, assistimos a uma grande transformação tanto na instauração da lei dentro de casa como no lugar social e econômico que cada sujeito ocupa, desde os pais, até as crianças. Crianças que, como situado anteriormente, ganharam novo e destacado lugar econômico e social.

Roudinesco(2003), nos traz que a família atual é caracterizada pela descentralização do poder e por múltiplas aparências, e não mais pela parentalidade. A mulher nesse contexto ganha importância e lugar, pois é muitas vezes ao redor dela que se estruturam as famílias recompostas ou monoparentais, além da independência para gerar e criar seus filhos.

Na sociedade tradicional, a figura paterna que era incorporada pelo pai e que tinha como função promover o sustento familiar e a instauração da lei, veio no decorrer dos anos decaindo, justamente pelos novos ajustes sociais e suas dificuldades de se manter como lugar de referência.

Fleig(2008) diz haver na contemporaneidade um deslocamento da autoridade paterna e isso traz efeitos sociais e subjetivos. Se na modernidade a autoridade era calcada nas figuras paternas tais como Deus, o rei, o mestre, na contemporaneidade ela está do lado da ciência. Hoje, os pais não bancam mais sua autoridade junto aos filhos, pois deslocam seus argumentos ou justificativas para enunciados acéfalos, tais como os científicos. Como consequência disso, há uma demissão de autoridade no exercício das funções parentais: "Trata-se, na prática, de uma crescente desautorização da função paterna. São pais que se demitem do exercício de sua função; e essa demissão é veiculada no modo de se endereçar a seu filho" (FLEIG, 2008).

Assistimos na sociedade contemporânea além do declínio da função paterna, uma dificuldade feminina de exercer a função materna, justamente pela falta de referências familiares características de nossa época. As tradições familiares vêm

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perdendo seu espaço para outros meios, principalmente o econômico, que ditam os novos modos de relação.

Independente da configuração familiar, sua função é dar suporte para a que a criança atinja a maturidade, e que possa formar no meio familiar seus primeiros vínculos necessários para a sobrevivência. A família também deve oferecer à criança valores, papéis e histórias que desenharão posteriormente sua identidade.

Essa identidade, como já vimos no primeiro capítulo, se modifica de acordo com o período social e histórico em que os sujeitos estão inseridos. Assim as identidades que se formam na sociedade contemporânea são provisórias, variáveis e problemáticas, pois os sistemas de significação e representação cultural estão fragilizados.

É a família que possibilita o desenrolar do desenvolvimento psíquico, deixando marcas que fogem a consciência infantil e adulta. Assim se formam conceitos e linguagens que perpetuarão durante toda a vida do sujeito como referência e suporte para lidar com as mais diversas situações cotidianas.

Assim torna-se fundamental que a família ofereça á criança uma inserção na cultura, através do jogo entre a função materna e paterna, que vão assim marcando seu corpo e atribuindo sentido aos seus movimentos. Essa é a única forma que a criança tem para se estruturar e se inserir na linguagem, inscrevendo aí uma cadeia significante.

É a partir dos cortes, das marcas, das inscrições que o Outro irá realizando, que o corpo subjetivado será constituído, e não ao contrário como entende-se habitualmente no campo psicomotor. Não é que a criança já nasça com um esquema corporal, como uma superfície corpórea já dada, e que, deste modo, o corpo vá crescendo, são justamente os cortes, as inscrições, os que vão construindo a superfície corporéa de um sujeito. (LEVIN,1995, p. 54).

Tendo em vista o jogo entre as funções parentais, Freud desenvolveu uma teoria pautada no drama do mito do Complexo de Édipo. O desenrolar satisfatório desse drama fará com o sujeito consiga internalizar os limites necessários para se conviver em sociedade.

De acordo com Freud, o desenrolar desse complexo é recheado de investimentos eróticos e agressivos em relação às figuras parentais, e esses investimentos serão decisivos para a estruturação das neuroses e das instâncias

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psíquicas. 3

Analisando o quadro das famílias contemporâneas, nota-se que está muito presente o declínio da função paterna como algo subjetivo e social. Porém, é necessário lembrar que a função paterna é um papel e não uma pessoa em especifico, ou seja, não precisa ser desempenhada necessariamente pelo pai biológico. Deve ser um pai simbólico que vai exercer influência na estruturação psíquica da criança. Para além desse papel simbólico, o pai deve ter participação em sua história mítica.

Dessa forma pode-se afirmar que a procriação não é o que designa o lugar de pai e sim sua fala. É a palavra que une as duas funções de paternidade, a de nomeação e de transmissão sanguínea. O aparato biológico aponta o genitor, e seu discurso permite ocupa um lugar de dominação afastando o filho do mundo dos instintos, encarnado primordialmente na mãe.

Em direito romano, o pater é aquele que se designa a si mesmo como pai de uma criança por adoção, que a conduz pela mão. Como consequência a filiação biológica (genitor) é totalmente desconsiderada caso não se siga da designação pelo gesto ou pela palavra. Desse ritual resulta a posição de comando do pai no seio da família, bem como a sucessão dos reis e dos imperadores no governo da cidade. (ROUDINESCO, 2003, p.13). O máximo que podemos pensar é que, se existir em algum lugar um pai que faça essa função, e uma mãe idem, a família estrutura edipicamente o sujeito; é nessa estrutura chamada família que a criança vai se indagar sobre o desejo que a constitui, sobre o desejo do Outro, e vai se deparar com seu próprio desejo; é neste atravessamento que ela vai se tornar um ser de linguagem, barrado em relação ao gozo do Outro. (..)(KEHL, 2001,p .30).

Dentro do quadro contemporâneo familiar também é característico uma patologia que está relacionada com a dívida de não corresponder a configuração familiar tradicional, estruturada por mamãe-papai-filhos. Essa dívida de uma família perdida carregada por boa parte das famílias atuais, pode estar no núcleo da não autorização parental causando um sentido de culpa, incapacidade e deprimência por não ser aquilo que deveria ser.

A cultura contemporânea dita e dá instrumentos para que as famílias sejam diferenciadas das tradicionais, e essa anunciação coloca os indivíduos num lugar de ausência. Ausência de um ideal de transmissão que viria dos avós, para os pais e

3

As instâncias psíquicas se dividem em Id, Ego e Superego. O Id é fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos; o Ego é o aspecto racional da personalidade responsável pelo contraste dos instintos e o Superego é o aspecto moral da personalidade, produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade.

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finalmente para os filhos, e assim sucessivamente.

Essa falta de sustentação simbólica faz com as famílias não consigam manter uma posição e arcar com suas consequências, tanto no âmbito das posições sexuais e parentais como na autoridade e imposição da lei. Como consequência disso vemos, um crescente número de crianças/adolescentes delinquentes e superprotegidas.

Sobre isso, KEHL nos diz que:

Por um lado, as crianças são altamente investidas narcisicamente como a única esperança de adultos desgarrados de seu próprio lugar como filhos e herdeiros de algum passado. Também nisto a história cultural tem sua responsabilidade; crianças mimadas vendem muito mais brinquedos, sabonetes e refrigerantes. (...) (KEHL, 2001, p. 37).

É então, justamente aí que as mídias e consequentemente o capitalismo encontra uma oportunidade para adentrar na dinâmica familiar, proporcionando aos pais, e a qualquer outro sujeito que venha a ocupar as funções parentais, uma maneira de investir nos filhos. Esse investimento desenfreado acaba tornando-se vazio, pois sabe-se o preço da mercadoria, mas não o valor do produto.

Assim desenha-se uma relação familiar recheada pelo imperativo da perfeição “não posso errar com meu filho”. Os adultos que ocupam essa posição, na verdade, tentam se recuperar narcisicamente através dos filhos depositando neles o ideal de imortalidade e perfeição. Logo, poucos pais conseguem sustentar a lei que tornará seu filho um ser cultural.

Na medida que este pais não se autorizam, abrem espaço para uma espécie de abandono infantil, caracterizado pelo consentimento do filho para tudo. Esse abandono, não é físico nem afetivo, mas de autoridade e responsabilidade que deveria ser imposto pela função paterna.

(..) eu diria que em todos os “papéis” os agentes, ou atores, são substituíveis. Por isto é que o chamamos de papéis. O que é insubstituível é um olhar sobre a criança, ao mesmo tempo responsável e desejante, não no sentido de um desejo sexual abusivo, mas o desejo de que esta criança exista e seja feliz na medida do possível; o desejo que confere um lugar a este pequeno ser, e a responsabilidade que impõe os limites deste lugar. Isto é necessário para que elas obtenham um mínimo de parâmetros, inclusive éticos para se incluir como sujeitos. (KEHL, 2001, p.38).

Na contemporaneidade acompanhamos as mudanças nas estruturas familiares e no exercício da parentalidade, essas modificações também tem impacto

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sob as representações familiares que vão se desenhando ao longos dos anos. As famílias se desfazem e refazem rapidamente com novos membros, que ocupam lugares importantes nessa estrutura, lugares que são originalmente carregados de função para a criança. Sobre isso podemos pensar na função paterna, e em quem de fato ocupa esse lugar ao meio dessas modificações.

Há famílias em que as crianças não são criadas pelos pais biológicos e, muito menos são eles que ocupam as funções parentais. Muitas vezes é uma tia, uma avó ou até mesmo uma instituição que ocupa esse lugar. Porém, para cada uma dessas modalidades deve haver necessariamente alguém que assuma a autorização e o exercício de cuidar, proteger, amar e dar limites.

Faz muita diferença na estruturação subjetiva de uma criança ou jovem se ela tem acesso aquilo que a família pode transmitir de sua história, tradição e filiação. O frequente desamparo a que são relegadas essas crianças e jovens nos leva a interrogar o papel da educação em suas vidas, e essa é uma questão de enlace entre psicanálise e educação. (CABISTANI,2007, p.13).

Vemos que essa dinâmica social da desautorização também se dá no ambiente extrafamiliar. Como por exemplo, na escola:

Já não havendo um sistema social capaz de simbolizar a castração, a lei terá de ser incessantemente lembrada no plano concreto, o que exigirá uma conduta contínua do professor ao se colocar nesse lugar não tão agradável nos tempos modernos, do daquele que castra, que barra, que interdita, apesar de todo o discurso de liberdade e igualdade. (GUIMARRÃES, 2009, p. 6)

Característica da contemporaneidade, a crise na autoridade afeta consequentemente a educação. Segundo Arendt(1968), isso se dá por que a educação não pode abrir mão da autoridade e da tradição, estruturas que não dão mais norteamento ao mundo.

A educação desde a modernidade está estritamente associada com a escola. Porém, é necessário esclarecer que a educação é o campo de onde se pode transmitir saberes de uma geração a outra, utilizando redes e estruturas sociais. O ato de educar é depositado então, naquele que tem o reconhecimento de uma posição responsável e assume compromisso com um outro sujeito. Sobre isso Rickes e Stolzmann, nos dizem que:

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Sabemos o quanto a educação tem como efeito o deslocamento do corpo da mãe para o corpo social, com a consequente possibilidade de habitar o coletivo e compartilhar valores preconizados numa determinada época e cultura, deslocamento este que se produz por obra daquele que encarna a função paterna. Trata-se então de uma missão de pai (RICKES; STOLZMANN, 1999, p.45).

Essa problematização contemporânea com a lei acaba gerando impactos fortes na dinâmica social, e produzindo sujeitos perdidos quanto ao seu desejo e seu lugar. Sujeitos que não conseguem se implicar e acabam apenas imitando e mantendo-se numa posição de assujeitamento ao desejo do Outro.

Para esses sujeitos é inadmissível a existência de uma falta, de um furo e até mesmo de uma espera. Assim surge o imperativo da completude, da instantaneidade e da felicidade tão presente em nossa sociedade contemporânea. Logo, as crianças internalizam desde cedo que para ser é preciso ter, não importa o que ou qual seu valor, mas sim o reconhecimento social daquele objeto.

Segundo Calligaris(1999), o “ser moderno” é feito de ter e de aparecer, ou seja, não se passa de fato do ser ao ter, mas de um ser feito de regras tradicionais a um ser sustentado pela distribuição de bens. Qualquer bem é, portanto, um luxo, pois mais do que à simples satisfação da necessidade, serve também de funcionamento da diferença social. O acesso ao luxo é quem decide a classe e o lugar social de cada um. Qualquer bem consumido torna-se um grande diferenciador social. “Minhas posses me distinguem quanto meus atos.” (CALLIGARIS,1999, p.17).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessa pesquisa foi possível construir uma relação entre as condições históricas, sociais, econômicas, tecnológicas e subjetivas que atravessam a infância contemporânea, fazendo um comparativo entre a sociedade tradicional e a contemporânea.

Em meio as transformações sociais mais relevantes da contemporaneidade podemos citar a adultização infantil, que coloca a criança como um pequeno adulto, com lugar e papel ativo na família e na sociedade. Essa adultização infantil é fortemente reforçada pela mídia, que disponibiliza uma gama de objetos adultos em versão infantil, como cosméticos, vestimentas, entre outros.

Baseado nisso, pode-se dizer que a dinâmica atual da sociedade contemporânea está fortemente enraizada no capitalismo. Seguimento que exerce forte influência nos discursos sociais e, consequentemente em todos os aspectos humanos, colocando o objeto como a única possibilidade de reconhecimento social.

Esses objetos do modelo capitalista tornam-se o norte para a estruturação e formação das identidades, se tornando uma referência subjetiva, lugar este que outrora era ocupado pela função paterna. Ao mesmo tempo que essas mudanças aconteceram também começaram a surgir novas patologias que apontam a fragilização desse sistema.

É justamente nesse declínio da função paterna que as crianças tornam-se perdidas quanto ao seu desejo e quanto a lei. Permanecem assim a mercê das imposições da mídia, e do imperativo social de velocidade e felicidade aliados ao consumismo.

As consequências desse processo podem ser notadas no brincar infantil, que agora é empobrecido de fantasia e elaboração. É um brincar recheado de tecnologia e que dispensa uma elaboração e a presença de um outro, deixando suas capacidades imaginárias adormecidas, assim como seu corpo.

Para além da criança, os efeitos também podem ser notados na família que agora elege a criança como uma figura ativa e de poder, consequência do alto nível narcisico depositado desse pequeno que não pode ter frustrações.

Assim começa a dinâmica da desautorização familiar que causa fortes impactos na estruturação psíquica infantil e na sociedade como um todo, resultando em crianças com problemática nas relações sociais, na internalização da lei e no seu

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desejo como sujeito.

Esse trabalho teve como propósito a reflexão sobre a infância contemporânea partindo de questões sobre sua identidade, a importância do brincar e do brinquedo e como esses se estruturam hoje, além da importância da referência familiar.

Sobre a infância são infinitas as questões a serem estudadas, questões que não pude abordar devido a delimitação do assunto. Porém, espero que meu trabalho proporcione ao leitor uma curiosidade sobre o infantil e que dai possam surgir novas pesquisas que contemplem esse tema.

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