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Teodoro Adriano Costa Zanardi

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Academic year: 2021

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A PEDAGOGIA DA CONQUISTA1

ZANARDI, Teodoro Adriano Costa Orientadora: Profa. Dra.Ana Maria Saul Bolsa: FIP/PUC Minas

Resumo:

Este texto pretende relacionar criticamente as bases da dominação secular engendrada a partir da invasão da Ameríndia com a pedagogia opressora que se estabelece, desde então, dentro de um projeto colonizador, com a manutenção da exploração do homem pelo homem.

Palavras-chave: opressão. Exploração. Colonização. pedagogia

1. INTRODUÇÃO

A invasão da Ameríndia2 se constitui num dos principais eventos para um mundo globalizado, sendo o marco da intensificação das relações intercontinentais. Essa invasão é, igualmente, marca o início de uma relação de dominação entre povos em escala mundial através do processo de exploração da colônia (América) pela metrópole (Europa).

1 A relação pedagógica estabelecida no processo de conquista tem, aqui, o sentido dusseliano, onde

pedagógico “abrange todo tipo de ‘disciplina’ (o que se recebe de um outro)” e se vincula a questão ideológica e cultural. (CASALI, 1996, p. 251-252).

2 Uso a expressão Ameríndia para designar o continente o americano que se constituiu em periferia da

Europa a partir de 1492, distinguindo-o da América Latina que hoje se identifica com o chamado subdesenvolvimento em razão de seus baixos índices de desenvolvimento humano e se constitui periferia dos países do Atlântico Norte.

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As condições históricas que determinaram a subjugação latino-americana são fundamentais para a compreensão da opressão que hoje se mantêm às custas da exploração do homem e da natureza.

A exposição perpassa as bases históricas que legitimam uma relação “bancária”, que se desenvolve a partir da relação conquistador-conquistado, explorador-explorado, colonizador-colonizado e opressor-oprimido, com a sacralização dos valores dos opressores que se tornaram indiscutíveis e naturalizados e a domesticação dos oprimidos.

Assim, pretendo expor o momento que dá início a condição de inferioridade ameríndia e a centralidade do modo de vida europeu; que determinou o lugar do mestre (Europa) e discípulo (América Latina); que se prestaram e se prestam a manutenção das condições que proporcionaram e proporcionam a continuidade dessa relação “domesticadora”.

Este texto pretende desvelar como se deu pedagogicamente uma relação de dominação, onde o mestre europeu se incumbiu da “libertação” dos povos ameríndios através de um projeto de exploração seja através da violência, seja através da “hospedagem” da ideologia do opressor.

2. OS VALORES OPRESSORES DA CONQUISTA

Com a invasão da Ameríndia, inicia-se o processo pelo qual os valores dos opressores são frutos da racionalidade e universais enquanto o dos oprimidos se constitui no caos, na irracionalidade, no não-ser. (DUSSEL, 1977).

Já é pacífico que este processo se constituiu muito mais numa conquista do que na chamada descoberta, na medida em que os habitantes daqui tiveram sua história ignorada e subvertida, ou seja, “coberta”. Não obstante as minas de ouro, prata e as florestas terem se constituído num achado de fundamental importância para economia européia e sua afirmação como centro do mundo, os habitantes destas terras foram incluídos nas relações inter-subjetivas muito mais como objetos que como sujeitos.

Esse processo tem conseqüências sentidas até o presente com a construção de uma história alienada da realidade vivida pelos deserdados da terra: os colonizados.

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A colonização é determinante para a coisificação do Outro, em que se presentifica a negação como alteridade e a instrumentalização do ser humano. Fenômeno que não era novo na história européia nem na das tribos que aqui habitavam. O que se faz novo é o processo que se estenderá de forma cada vez menos violenta (fisicamente), com engrenagens mais sutis de dominação.

O processo de conquista engendrado pelos europeus pode se dividir conceitualmente em dois momentos (conquista e colonização) que Dussel (1993) nos apresenta como uno, pois nos primeiros séculos de colonização se caracterizou como um processo militar, prático e violento buscou fundamentalmentea sujeição, a alienação com a incorporação do Outro à totalidade dominadora como coisa, como instrumento, como oprimido, como “encomendado”, como “assalariado” (nas futuras fazendas de café) ou como africano escravo (nos engenhos de açúcar ou outros produtos tropicais).

Somente com a impossibilidade de coisificação do Outro e do grito que ecoava dos grilhões a que foram submetidos os índios e negros é que se estabelecem a relação de inclusão dialética do Outro como “si-mesmo”.

Os conquistadores-colonizadores retrataram o momento do início do processo de conquista. Obras que se constituem em referências para o desvelamento dos interesses europeus em terras ameríndias.

2.1. Os primeiros “mestres” no processo bancário de colonização: Colombo e Cortez

Vale pontuar que o “herói” Cristóvão Colombo deve ser considerado através daquilo que fez e deixou registrado para posteridade para que não restem dúvidas quanto aos objetivos que nortearam a chegada dos europeus por estas terras, inclusive os seus interesses, que de heróicos não tinham nada.

Na sua dupla missão, busca de ouro para coroa e evangelização na fé católica, Colombo (1984) revelou em seu diário o papel de Deus na colonização ao invocar a ajuda de “Nosso Senhor” para encontrar onde nasce ouro.

Apesar de descrever as terras “descobertas” como paradisíacas e férteis, a boa vontade dos índios que lhes forneciam mantimentos e teriam inclinação para a fé

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católica, Colombo não teve o menor escrúpulo em determinar o aprisionamento de vários índios (homens, mulheres e crianças) para “levar à presença dos monarcas a fim

de aprenderem a nossa língua, saber o que contém essa terra e, ao regressar falarem língua de cristãos, tendo adotado nossos costumes e as coisas da nossa fé”.

(COLOMBO, 1984, p. 59/60).

Colombo, o protótipo do conquistador, enxerga os índios como parte da paisagem, não fazendo distinção entre estes, as árvores e os outros seres vivos que habitavam as Américas. Não é outra a conclusão de Todorov:

Colombo fala dos homens que vê unicamente porque estes, afinal, também fazem parte da paisagem. Suas menções aos habitantes das ilhas aparecem sempre no meio de anotações sobre a Natureza, em algum lugar entre os pássaros e as árvores. (1983, p. 33).

Colombo tinha clara a necessidade de fortuna para o financiamento da fé e da conquista que não se restringiria à Ameríndia, mas de todos os cantos da Terra. E, o papel do ameríndio era servir de instrumento para o acúmulo de riquezas e a expansão dos domínios dos monarcas europeus e da Igreja Católica.

A fé católica, nesse sentido, tornou-se apenas o véu necessário para ocultação secular da escravização dos indígenas na medida em que a encomienda3, primeiramente,

e o requerimiento4, posteriormente, foram instrumentos que demonstram a indignidade

do expediente utilizado para evangelização dos povos da América.

A conquista foi o instrumento dos Reis de Espanha para o alcance desse duplo fim e a colonização o modo de concretização deste. Para tanto, pouco importava o sujeito que habitava o solo a ser conquistado na medida em que da terra só as riquezas 3 Sistema pelo qual os índios eram catequizados como remuneração pelos serviços prestados aos

colonizadores.

4 Intimação feita pelos conquistadores aos índios para que se convertessem ao catolicismo sob pena de

redução à escravidão no caso de não aceitação. Por muitas vezes, os índios não entendiam a proclamação que era feita, muitas vezes, em espanhol para que os índios não compreendessem. Las Casas denuncia esse sistema de conversão ao defender que era “como se o Filho de Deus, que morreu pela salvação de cada um deles, tivesse ordenado quando disse: Euntes docete omnes gentes, que se dessem tais leis a infiéis pacíficos e em seu próprio país e que se não recebessem a Fé incontinenti e sem outras prédicas precedentes ou doutrinas que se não se entregassem motupróprio à dominação de um Rei que nunca tinham visto e de quem jamais tinham ouvido falar e cujos mensageiros são tão cruéis e tão destituídos de qualquer sentimento e tão horrivelmente tirânicos e que por isso tivessem os índios que perder seus bens, suas terras, sua liberdade, suas mulheres e seus filhos com sua própria vida: eis uma coisa demasiado estúpida e absurda, digna de todo vitupério e toda zombaria, isto é, digna do Inferno.” (LAS CASAS, 1984, p. 44).

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tem valor e seus habitantes eram recipientes vazios a serem construídos dentro de princípios cristãos. Como conclui Todorov (1983, p. 47), “Colombo descobriu a

América, mas não os americanos”.

Outra fonte interessante para análise da conquista é o líder da destruição da civilização Asteca: Hernán Cortez. Suas cartas (1986) ao Rei Carlos V revelam com muito mais clareza a subjugação de várias civilizações ameríndias em nome do enriquecimento dos europeus.

Cortez (1986) narra a intenção de várias tribos (também exposta por Las Casas (1984)) e, até mesmo de Montezuma, líder dos Astecas, em se render à fé católica e à autoridade dos Reis de Espanha, mas ignora a submissão voluntária de vários índios em nome de uma busca incessante por ouro. Busca que determinou a destruição de várias cidades ameríndias, inclusive Tenochtitlán, assim descrita:

Esta grande cidade de Tenochtitlán está fundeada em uma lagoa de terra firme até o centro da cidade, por qualquer parte que se entrar, há duas léguas. Esta cidade é tão grande como Sevilha e Córdoba. As ruas principais são muito largas e retas. Todas as ruas, de trecho em trecho, estão abertas por uma travessia de água. Há duas pontes de vigas muito bem trabalhadas e fortes. Tem muitas praças, onde há contínuos mercados e pontos de compra e venda. Há uma praça tão grande que corresponde a duas vezes a cidade de Salamanca, com pórticos de entrada, onde há cotidianamente mais de sessenta mil almas comprando e vendendo. (CORTEZ, 1986, p. 45).

Cortez, que foi recebido por Montezuma, Imperador do Império Asteca, com todas as honrarias, teve sempre como meio para seus objetivos a subjugação através da dissimulação e a construção de uma rede de aliados e informantes que lhe permitiram aprisionar Montezuma e fazer guerra contra os índios em troca de ouro e escravidão.

Montezuma enxergava Cortez como o Outro com quem se poderia estabelecer uma relação intersubjetiva, já o conquistador só via coisas em lugar de pessoas, por isso engendrou um violento processo de instrumentalização para o enriquecimento.

O encontro dos Astecas com Cortez é significativo na medida em que revela a ruptura provocada pelo europeu da relação entre o homem e a natureza, passando à conquista e a submissão não somente do Outro, mas também da natureza. Desta forma, no processo de conquista, o europeu não enxergou o sujeito dotado de conhecimentos, que tinha mais a ensinar; portou-se como o único sujeito cognoscente e a exploração

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inconseqüente e desenfreada da natureza deu início aos desastres que hoje presenciamos.

3. LAS CASAS: O NASCIMENTO DE UMA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

O processo de reificação do ameríndio não se deu sem resistências. Além das rebeliões e massacres dos indígenas, o Frei Barlomé de Las Casas, que veio para Ameríndia em busca de riquezas, dedicou grande parte da sua vida à defesa da dignidade do indígena.

Até presenciar o célebre sermão do frei dominicano Antônio de Montesinos, na Ilha Espanhola, em 1511, Las Casas era apenas mais um encomendeiro. A partir de então, teve a revelação da radicalidade do evangelho no amor ao Outro, sendo que a opressão dos índios perpetrada pelos espanhóis se constitui na negação do Outro e, por conseqüência, a negação da missão evangelizadora. Vale destacar trecho do sermão de Montesinos:

Com que direito haveis desencadeado uma guerra atroz contra essas gentes que viviam pacificamente em seu próprio país? Por que deixais em semelhante estado de extenuação? Os matais para exigir que vos tragam diariamente seu ouro. Acaso não são eles homens? Acaso não possuem razão, e alma? Não é vossa obrigação amá-los como a vós próprios? Podeis estar certos que, nessas condições, não tereis mais possibilidades de salvação que um mouro ou um turco... (citado por BUENO, 1984, p. 14).

Em sua obra Brevíssima Relação da Destruição das Índias (1984), Las Casas detalha, pormenorizadamente, a situação de opressão e destruição perpetrada pelos espanhóis. Desvela a missão evangelizadora que seria uma das propostas para a colonização ameríndia, ou seja, deixa claro que a exploração era apenas de riquezas, sendo o pretexto de expansão da fé católica para a salvação dos povos ignorados pelos colonizadores. Para Las Casas (1984, p. 30), “a causa pela qual os espanhóis

destruíram tal infinidade de almas foi unicamente não terem outra finalidade última senão o ouro,...”.

Em terras européias se deram dois importantes debates sobre a condição do índio. Na primeira deliberação, os três freis jerônimos, após realizar entrevistas com

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alguns índios deveriam decidir se eles “tinham condições de viver por si sós, como

camponeses de Castela” (BUENO, 1984, p. 21). A questão girava em torno de duas

categorias basicamente: os índios eram “nobres selvagens” ou “cães imundos”. Bueno narra que:

Ao final de quase dois anos de investigações, o tribunal jeronímico concluiu que os índios não tinham condições de viverem livres e confinou grande parte deles em vilas ou “reduções”, onde, vítimas de varíola, a maioria sucumbiu poucos meses mais tarde. (1984, p. 21).

No debate perante a junta de Valladolid, em 1550-1551, nomeada pelo Rei de Espanha que convocou doutores da lei e teólogos5 para discutir a natureza jurídica do índio: se era sujeito de direito ou objeto de direito dos conquistadores.

Sepúlveda, historiador e adepto da teoria aristotélica da “servidão natural dos povos inferiores”, e Las Casas, dois teólogos de grande influência, tanto no clero quanto na realeza, se apresentaram para a defesa de suas teses perante essa junta de juristas e teólogos na realização do debate acerca da humanidade do índio; sua capacidade para absorver o cristianismo e ser integrado à civilização européia, dentre outros (GOMES, 2006). De um lado, Sepúlveda defendia a submissão do índio e, de outro, Las Casas, o fim das atrocidades contra a população ameríndia.

5 Segundo Bueno, a tese de Las Casas prevaleceu no veredicto final do juiz dos debates. Sendo rejeitada a

escravidão dos ameríndios, mas justificada a conquista e a submissão ao Reino de Espanha em razão da “pouca inteligência dos povos que habitavam a Ameríndia. Ressalte-se que essa decisão, que veio tarde para milhões de índios, deixou na ilegalidade a escravização dos índios que se perpetuou durante séculos através do regime de servidão.

Francisco de Vitória, da Universidade de Salamanca assim decidiu: ‘De tudo o que foi dito, conclui-se que, sem dúvida alguma, os bárbaros tinham, assim, como os cristãos, um poder verdadeiro tanto público como privado. Nem os príncipes, nem os cidadãos poderiam ser despojados de seus bens sob o pretexto de que não possuíam verdadeiro poder. Seria inadmissível recusar àqueles que nunca cometeram injustiças o que concedemos aos sarracenos e aos judeus, inimigos eternos da fé cristã. (...) Resta responder ao argumento segundo o qual os bárbaros são escravos por natureza, sob o pretexto de que eles são suficientemente inteligentes para governar a si próprios. A esse argumento eu respondo que Aristóteles certamente não quiz dizer que os homens pouco inteligentes sejam, por natureza, submetidos ao direito de um outro e não tenham nenhum poder sobre si próprios nem sobre as coisas exteriores. O que Aristóteles, na verdade, quiz dizer é que certos homens são chefes por natureza, a saber”, aqueles que brilham pela inteligência. Ora, ele certamente não que dizer que esses homens podem tomar em mãos o governo dos outros, sob o pretexto de serem mais sábios. Se há homens pouco inteligentes por natureza, Aristóteles não quer dizer que seja permitido apropriar-se de seus bens e de seu patrimônio, escravizá-los e pô-los à venda. Assim, admitindo que esses bárbaros sejam tolos e obtusos como dizem, nem por isso se lhes deve recusar um poder verdadeiro e nem se deve contá-los entre os escravos legítimos.’” (citado por BUENO, 1984, p. 23/24).

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As teses de Sepúlveda são muito representativas para revelar, ou melhor, para que se anulassem as tradições e os próprios habitantes da colônia:

1. É legítimo sujeitar pela força das armas homens cuja condição natural é tal que deveria obedecer aos outros, se recusarem essa obediência e não restar nenhum outro recurso.

2. É legítimo banir o crime abominável que consiste em comer carne humana, que é uma ofensa particular à natureza, e pôr fim ao culto dos demônios, que provoca mais que nada a cólera de Deus, com o rito monstruoso do sacrifício humano.

3. É legítimo salvar de graves perigos os inumeráveis mortais inocentes que esses bárbaros imolavam todos os anos, apaziguando seus deuses com corações humanos.

4. A guerra contra os infiéis é justificada, pois abre caminho para a difusão da fé cristã e facilita o trabalho dos missionários (Citado por TODOROV, 1983, p. 152).

Nos argumentos de Sepúlveda estão presentes subsídios para revelação do processo de anulação do Outro que caracterizou a conquista/evangelização da Ameríndia. Sepúlveda foi tradutor da obra de Aristóteles e, foi no filósofo estagirita que encontrou os subsídios para elaboração de suas teses sobre a teoria da escravidão natural:

É como se existisse uma raça nobre e livre num sentido absoluto e outra que não o fosse.

(...)

Vê-se, pois, que a discussão que vimos de sustentar tem algum fundamento; que há escravos e homens livres pela própria obra da natureza; que essa distinção subsiste em alguns seres, sempre que igualmente pareça útil e justo para alguém ser escravo, para outrem mandar; pois é preciso que aquele obedeça e este ordene segundo o seu direito natural, isto é, com uma autoridade absoluta. O vício da obediência ou do mando é igualmente prejudicial a ambos. Porque o que é útil em parte o é no todo; o que é útil ao corpo o é à alma. Ora, o escravo faz parte do senhor como um membro vivo faz parte do corpo – apenas essa parte é separada. (ARISTÓTELES, 1995, p. 21).

Não posso deixar de chamar atenção ao fato do debate ter se realizado sem audiência daquele que deveria ser o principal ator do processo emancipatório: o ameríndio.

O processo de negação do Outro engendrado pelos conquistadores ficou claro no pensamento de Sepúlveda, onde pela dominação, inclusive com utilização da violência, substituiu a tradição cristã, o sagrado, enfim, ao mundo vivido pelas populações

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conquistadas pela escravidão e, reflexamente, pela deturpação da Bíblia e pela homogeneização dos valores a partir da centralidade européia.

O dominado, assim, se viu obrigado a “hospedar” um texto estranho ao seu mundo. Um texto que se traduzia para o conquistador numa verdade universal: a Bíblia, para justificar a conquista, e a filosofia, para justificar a escravidão.

A conquista se constitui no processo de afirmação do indivíduo europeu sobre a coletividade ameríndia e, por conseguinte, sobre o mundo.

Inaugura-se o projeto de implantação da pax européia nas terras Ameríndias através da chamada Modernidade com o pretexto de civilizar e evangelizar se violentam os povos que projetavam um futuro que não se assemelhava aos padrões europeus.

Se a Modernidade tem um núcleo racional ad intra forte, como “saída” da humanidade de um estado de imaturidade regional, provinciana, não planetária, essa mesma Modernidade, por outro lado, ad extra, realiza um processo irracional que se oculta a seus próprios olhos. Ou seja, por seu conteúdo secundário e negativo mítico4, a “Modernidade” é justificativa de

uma práxis irracional de violência. O mito poderia ser assim descrito:

1. A civilização moderna autodescreve-se como mais desenvolvida e superior (o que significa sustentar inconscientemente uma posição eurocêntrica). 2. A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos, bárbaros, rudes, como exigência moral.

3. O caminho de tal processo educativo de desenvolvimento deve ser aquele seguido pela Europa (é, de fato, um desenvolvimento unilinear e à européia o que determina, novamente de modo inconsciente, a “falácia desenvolvimentista”).

4. Como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, a práxis moderna deve exercer em último caso a violência, se necessário for, para destruir os obstáculos dessa modernização (a guerra justa colonial).

5. Esta dominação produz vítimas (de muitas e variadas maneiras), violência que é interpretada como um ato inevitável, e com o sentido quase-ritual de sacrifício; o herói civilizador reveste a suas próprias vítimas da condição de serem holocaustos de um sacrifício salvador (o índio colonizado, o escravo africano, a mulher, a destruição ecológica, etcetera).

6. Para o moderno, o bárbaro tem uma “culpa” (por opor-se ao processo civilizador)16 que permite à “Modernidade” apresentar-se não apenas como

inocente mas como “emancipadora” dessa “culpa” de suas próprias vítimas. 7. Por último, e pelo caráter “civilizatório” da “Modernidade”, interpretam-se como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios (os custos) da “modernização” dos outros povos “atrasados” (imaturos)17, das outras raças escravizáveis, do outro

sexo por ser frágil, etcetera. (DUSSEL, 2005, p. 64-65)

A Modernidade se constitui, assim, como o projeto de exploração engendrado pelo conquistador que impõe seu modelo civilizatório que se faz incontestável e a tudo quantifica.

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4. ECOS DA PEDAGOGIA COLONIZADORA

O processo bancário em que consiste a conquista depende do sucesso na hospedagem da ideologia guiada pelos interesses do dominador em que o conquistado compartilhe dos mitos alheios e se sinta responsável (culpado!) pela situação de opressão. Assim, naturaliza-se a dominação e a comemora! (como visto na tentativa do governo Fernando Henrique Cardoso por ocasião dos 500 anos de invasão).

O que as comemorações da submissão secular revelam é a continuidade do processo de “domesticação” do presente para que o futuro repita o passado “domesticado”, onde a sina de submissão e o subdesenvolvimento e a exploração sejam os destinos das populações latino-americanas. Nesse sentido, o hoje ligado ao passado é algo dado e imutável e o amanhã é algo pré-dado, prefixado inexoravelmente. (FREIRE, 2005).

Iniciada em 1492, a colonização se perpetua através da alienação do mundo vivido pela maioria da população ameríndia. Aquilo que se iniciou através de uma práxis violenta e “domesticadora” utiliza, na atualidade, de instrumentos pacíficos como a educação, a política e o direito.

Santomé (1995, p. 169), pedagogo espanhol, critica o material didático espanhol por seu conteúdo predominantemente racista e discriminatório marcado pelos estereótipos e pelo silenciamento de acontecimentos históricos, sócio-econômicos e culturais que transformam aquilo que ele chama de “atos de descobrimento” em feitos heróicos que tinham por objetivo civilizar os bárbaros ou os seres primitivos.

Entretanto, o sucesso do silenciamento dessas vozes deve ser relativizado na medida em que a negação do Outro e a colonização dos mundos de vidas não se dá mecanicamente já que o ameríndio nunca deixou de ser sujeito (por mais que o europeu quisesse e queira acreditar nisso); a coisificação do ser humano se traduziu muito mais numa pretensão do conquistador que na adesão dos conquistados.

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As inúmeras rebeliões que determinaram a construção da América Latina (mesmo que abafadas) e que se perpetuam no presente, revelam a negação do inexorável e sua futuridade revolucionária que se encontra latente; da rejeição do puro ser em favor do permanente estar sendo.

A voz ameríndia se faz presente no reconhecimento de sua História, onde a opressão é percebida e subsumida para sua superação; a relação com opressor é igualmente subsumida para que se possibilite o reconhecimento da negatividade da qual faz parte o oprimido que nega a positividade do padrão opressor para que não haja puramente a inversão ou adesão ao modo de vida opressor.

Assim, o princípio da conflitualidade que se realiza no encontro de pretensões e que se dá através do diálogo conflitual (rejeitando a idéia de que o diálogo se dará pacificamente com a abdicação do opressor de sua condição hegemônica) realizada entre oprimido e opressor é a chave para a construção da identidade desses pólos que são faces de uma mesma humanidade.

É nesse sentido que Freire nos convida a comemorar as rebeliões contra a invasão iniciada em 1492. Comemorar a capacidade de todos os nascidos nesse chão americano, filhos e filhas da miscigenação dos povos, que cientes do que representou o processo de expansão européia, “dizem não à dominação de um Estado sobre outro, de

uma classe social sobre a outra”. (FREIRE, 2000, p. 74/75).

5. CONCLUSÕES

Com este texto espero ter colaborado para a compreensão de como as bases violentas em que se constituem os processos de conquista e colonização dos ameríndios; analisar como foi engendrada a hospedagem de uma ideologia que instrumentaliza o ser humano através de processos violentos e sutis onde a educação é utilizada como instrumento a serviço da perpetuação da opressão.

Busquei expor como os processos de conquista se consolidaram a partir do “silenciamento” da História dos ameríndios com a sua opressão e a busca de sua

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“domesticação” na intenção de alienar esses oprimidos do contexto fático opressor em que vivem, de suas causas e a quem serve a sua manutenção.

Todorov lamenta a oportunidade histórica perdida que simbolicamente se realiza no enfretamento entre Montezuma e Cortez:

O encontro de Montezuma com Cortez, dos índios com os espanhóis, é, antes de mais nada, um encontro humano; e não há razão para surpresa se os especialistas da comunicação humana levam a melhor. Mas essa vitória, de que somos todos originários, europeus e americanos, dá ao mesmo tempo um grande golpe em nossa capacidade de nos sentirmos em harmonia com o mundo, de pertencer a uma ordem pré-estabelecida; tem por efeito recalcar profundamente a comunicação do homem com o mundo, produzir a ilusão de que toda comunicação é comunicação inter-humana; o silêncio dos deuses pesa no campo dos europeus tanto quanto nos dos índios. Ganhando de um lado, o europeu perdia de outro impondo-se em toda Terra pelo que era sua superioridade, arrasava em si mesmo a capacidade de integração no mundo. Durante séculos seguintes, sonhará com o bom selvagem; mas o selvagem já estava morto, ou assimilado, e o sonho estava condenado à esterilidade. A vitória já trazia em si o germe de sua derrota; mas Cortez não podia saber disso. (TODOROV, 1983, p. 94).

No mesmo sentido, Freire (2005) aponta que a colonização brasileira se resumiu a uma empreitada comercial, pois os nossos colonizadores não tiveram intenção de criar uma nova civilização. Faltou aos colonizadores ânimo de integração.

Nesse processo de colonização sobrou desamor ao novo e uma nova dinâmica para o acúmulo de riquezas: a conquista.

O que emergiu desse momento é uma ecologia a serviço do desenvolvimento econômico europeu com a exploração de tudo que possibilita o enriquecimento da realeza e burguesia (européias).

Além disso, fica clara a alienação do ameríndio de seu processo de construção do conhecimento e produção de riquezas, passando a ser, para europeu, mão-de-obra desprovida de qualquer conhecimento relevante, ou seja, mero instrumento para obtenção de lucro.

Com isso se reifica o homem com o pré-estabelecimento de papéis a serem desempenhados. A idéia de interação conflitual é abandonada em favor da alienação que se constitui na inclusão do Outro não como Outro, nem como Eu, mas como instrumento de realização do Eu.

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A mercantilização se traduz num processo de instrumentalização das forças temidas no período medieval europeu com a exploração infinita das forças da natureza e do Outro como a negatividade do Eu.

Esse contexto opressor não foi, nem é, repita-se, garantido somente pela violência. O mundo das idéias se presta a criar um ambiente individualista e mercantilista que é imposto como inevitável e “natural”. Nesse mesmo sentido, instrumentos como a Educação serve para a reprodução de mundo de opressão que se traduz numa desigualdade que deve ser passivamente aceita.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América: as quatro viagens e o

testamento. Porto Alegre: L&PM, 1984.

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DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação. Trad. Luiz João Gaio. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1977.

DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da

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DUSSEL, Enrique. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.

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Referências

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