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Leonardo Francisco de Azevedo (UFJF)

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Academic year: 2021

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"Ela não imaginava que no Brasil pudesse ter pesquisa de ponta":

inserção e trabalho de pesquisadores/as brasileiros/as em

universidades estrangeiras

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Leonardo Francisco de Azevedo (UFJF)

Resumo: O presente trabalho é parte de uma investigação de doutorado cujo objetivo é

compreender a experiência de pesquisadores/as brasileiros/as que, financiados por uma agência nacional de fomento, realizaram seu doutorado completo no exterior. A partir de três eixos centrais - a decisão de ir para o exterior, a inserção no país e na instituição estrangeira e o retorno (ou não) ao Brasil após concluir o doutorado, pretende-se compreender as diferentes dimensões e sentidos dessa experiência; e os limites e potencialidades dessa política científica de internacionalização e formação de recursos humanos altamente qualificados. Nos deteremos aqui ao segundo eixo de análise: a experiência na instituição internacional. Frente à utopia do cosmopolitismo e universalismo da ciência moderna ocidental, estes sujeitos vivem, de diferentes maneiras, a experiência do doutorado em uma universidade de outro país. Pretende-se melhor compreender como é Pretende-ser um pesquisador brasileiro em universidades centrais na geopolítica internacional do conhecimento científico.

Palavras-chave: internacionalização do ensino superior; migração qualificada; mobilidade

acadêmica.

1. Considerações iniciais

O presente trabalho é parte de uma investigação de doutorado cujo objetivo é compreender a experiência de pesquisadores/as brasileiros/as que, financiados pela principal agência brasileira de fomento à pesquisa e concessão de bolsas, realizaram seu doutorado completo no exterior. Para isso, foi feito um recorte temporal de 16 anos (1999-2014), considerando todos os pesquisadores que iniciaram e concluíram seu doutorado nesse período2.

Tal recorte se justifica pela pretensão de não fazer uma análise restrita à apenas um governo ou a uma situação conjuntural específica. Nos 16 anos retratados tiveram três diferentes presidentes no Brasil, em 04 mandatos.

1 Trabalho apresentado no “44º Encontro Anual da ANPOCS”, em 2020, no “GT05 - Ciência, tecnologia e

sociedade”.

2 Exclui-se do recorte todos aqueles que iniciaram o doutorado antes de 1999 ou concluíram depois de 2014,

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Diferente de pesquisadores brasileiros que em meados do século XX realizaram seu doutorado pleno no exterior por ausência de cursos de pós-graduação no país (SCHWARTZMAN, 2009), estes bolsistas optaram por fazer seu doutorado no exterior mesmo já tendo no Brasil um consolidado sistema de pós-graduação, com programas de doutoramento de excelência, com inserção internacional. Pretende-se descobrir, a partir da pesquisa, onde se encontram esses pesquisadores hoje e quais as redes por eles estabelecidas – familiares, afetivas, profissionais – que deram sustentação e viabilizaram esse tipo de deslocamento.

A hipótese inicialmente ventilada era que estes jovens pesquisadores haviam optado por fazer doutorado pleno no exterior não apenas pelo título, mas em busca de prestígio, status e pela experiência de morar por um longo tempo em um país estrangeiro, sendo os países escolhidos aqueles que ocupam posição central no imaginário ocidental – países da Europa ocidental e Estados Unidos. Acreditava-se também que estes estudantes fizeram essa opção devido a uma trajetória que permitiu vislumbrar tal tipo de mobilidade como possível e eficaz, através de redes estabelecidas e de um “campo de possibilidades” (VELHO, 2003) alargado. Através da pesquisa, observamos que tais hipóteses se confirmaram em parte. A experiência é mais complexa e envolve diferentes perspectivas, como a que aqui apresentaremos.

Buscamos compreender uma dimensão da experiência internacional de pesquisadores e estudantes pouco apresentada “oficialmente”. Normalmente, nas construções biográficas e autobiográficas, enaltece-se as experiências internacionais e isso se torna um adicional nos capitais acadêmico (BOURDIEU, 2004) e de mobilidade (MURPHY-LEJEUNE, 2002) dessas pessoas. Entretanto, as dificuldades e “fracassos” nessas experiências normalmente ficam restritas a círculos familiares e de amizades próximas. Pretendemos aqui explorar também esse lado. Enxergar todos os aprendizados com a experiência, as dificuldades e desafios encontrados por essas pessoas. Apurar e analisar essas experiências nos tornam mais capazes de compreender o processo de formação desses pesquisadores e auxiliar na elaboração de políticas de internacionalização mais efetivas, construídas não apenas a partir de discursos institucionais ou governamentais, mas da realidade concreta daqueles que as vivenciam.

Cabe apontar que os dados aqui apresentados são preliminares, considerando que a pesquisa ainda se encontra em andamento. Apresentaremos aqui as primeiras análises já realizadas, sendo que os dados coletados ainda não foram analisados em sua totalidade.

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2. “Cérebros” em movimento - breves apontamentos teóricos e desenho da pesquisa

A circulação global de pesquisadores e intelectuais não é algo novo ou recente na história mundial e do Brasil (BURKE, 2017; CARVALHO, 1981; GARCIA JR., 2009). Porém, nas últimas décadas esse fenômeno ganhou novos contornos e interpretações. Desde o conceito de “fuga de cérebros”, que surgiu com vigor no período pós-Guerra, descrevendo a migração de recursos humanos qualificados de países periféricos para países centrais e, numa interpretação de jogo de soma zero, acreditava que o pesquisador migrante era uma perda permanente para o país de origem e um ganho permanente para o país de destino, passando pelo conceito de “brain gain”, que diametralmente oposto, acreditava que estes pesquisadores emigrados, a partir de redes estabelecidas no exterior e inserções bem consolidadas, poderiam garantir ganhos substantivos para o país de origem, até chegar aos conceitos de “circulação de cérebros” e “diáspora científica” que buscou complexificar esse tipo de mobilidade, compreendendo a prática científica como notadamente internacional e circular, sendo impossível descrever tal fenômeno apenas em termos de ganhar ou perder (CARNEIRO et.al. 2020; GUIMARÃES, 2002; RAMOS e VELHO, 2011;VIDEIRA, 2013).

De forma diversa a outros tipos de circulação internacional de pessoas - fortemente criminalizados e marginalizados por rígidas leis de migração, sobretudo dos países centrais - a circulação internacional de estudantes e pesquisadores é um tipo de mobilidade desejada, seja pelos países periféricos e semiperiféricos do sistema-mundo (WALLERSTEIN, 1974), cujo deslocamento é tido como uma política estatal para formar seus recursos humanos em centros de pesquisa e universidades internacionais (CONTEL e LIMA, 2007;2011); seja pelos países centrais que desejam recrutar “jovens talentos” para suas universidades e instituições de pesquisa. Além disso, a circulação internacional para fins acadêmicos tornou-se um vetor decisivo na competição entre elites, sendo que “títulos, diplomas e competências adquiridos no estrangeiro vêm-se mostrando recursos cabais nos debates sobre a reforma do Estado, nas transformações do campo científico e na atribuição de poderes a instituições supranacionais” (ALMEIDA et.al., 2004, p.9).

No que se refere ao Brasil, as políticas de mobilidade acadêmica e estudantil ainda estão fortemente baseadas na lógica “brain drain”, ou seja, há um temor tão grande, por parte das agências, em que os estudantes brasileiros enviados para o exterior não retornem, que uma série de restrições e exigências contratuais para o retorno desses pesquisadores são impostas, sem

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considerar o processo de reinserção profissional desses sujeitos no país. Tal postura “imobilizou as agências de fomento e estigmatizou o pesquisador que, por diferentes motivos, permaneceu fora ou daqui saiu para fazer uma carreira no exterior” (CARNEIRO et.al. 2020, p.23). Tal posicionamento dificulta que o país realize um levantamento atualizado e consistente sobre o número de brasileiros qualificados no exterior, tampouco políticas consolidadas de diáspora científica (CARNEIRO et. al. 2020). Além disso, há quem aponte uma falta de clareza, por parte do Estado brasileiro, em quais os propósitos para se investir na formação de pesquisadores no exterior. Os programas existentes de fomento de formação de recursos humanos no exterior - doutorado pleno, doutorado sanduíche, pós-doutorado - não estão ancorados a um projeto mais amplo, sendo sua eficácia reduzida a análises internas, como o valor gasto, o tempo que leva para sua execução, a necessidade de se enviar esses pesquisadores para o exterior, etc. (VELHO, 2001).

Há estudos que apontam que o Brasil tem demonstrado, historicamente, ter capacidade para reter seus “cérebros” que se formam no exterior. Dentre as razões estão: as exigências, nas políticas de fomento, de que o beneficiário volte ao país assim que conclua seu período no exterior; emprego garantido ao retornar - sobretudo entre as primeiras gerações; além de acordos internacionais para que os “países receptores” não concedam vistos permanentes para esses pesquisadores. Tais mecanismos foram eficientes em garantir o retorno dos beneficiados por tais políticas. Outros fatores como não domínio da língua estrangeira, dificuldades de adaptação e vínculos familiares no Brasil foram também responsáveis pelo retorno de grande parte desses brasileiros (SCHWARTZMAN, 1978; BALBACHEVSKY & MARQUES, 2009). Esses atores inclusive foram responsáveis pela rápida consolidação das universidades e do sistema de pós-graduação até os anos de 1990.

Ramos e Velho (2001), entretanto, apontaram que essa visão tradicional de brain drain, que encoraja uma política punitivista por parte das agências nacionais, dificulta ainda mais o acompanhamento do trabalho de expatriados brasileiros no exterior, reduzindo a possibilidade deles colaborarem com trabalhos e pesquisas realizadas no Brasil. Ou seja, não há, por parte das agências, uma perspectiva de compreender a circulação de pesquisadores brasileiros na ótica de brain circulation ou de diáspora científica. Para as autoras, essa é uma preocupação infundada, considerando a alta capacidade do Brasil em reter seus doutores (até então), como também “o temor do brain drain não tem induzido medidas para resolver o desequilíbrio entre

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a formação de alto nível e a criação de oportunidades de trabalho qualificado no Brasil” (RAMOS e VELHO, 2001, p.945).

Apesar de relevante, todo o debate apresentado acima é deficiente em demonstrar a experiência concreta daqueles que protagonizam essas políticas de mobilidade acadêmica internacional. Há um desconhecimento dessa experiência cotidiana tanto na literatura específica sobre o tema, como também pelos tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas. Videira (2013) e Fontes (2007) apontam que a mobilidade acadêmica internacional é um fenômeno complexo, tanto em sua configuração como em seus impactos, sendo necessário avançar em pesquisas que realizem análises longitudinais e que observe trajetórias individuais de pesquisadores.

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE3, em seu relatório “Estudo sobre os Doutores Titulados no Exterior: expansão da base de doutores no exterior e novas análises (1970 – 2014)”, que pretende ser uma “base precursora” sobre o tema de brasileiros que obtém doutorado no exterior, apontam a necessidade de mais estudos que investiguem o tema, com vistas a produzir subsídios para os tomadores de decisão e para elaboração de políticas específicas. Sugerem que os estudos se aprofundem não apenas em questões relacionadas para onde foram esses pesquisadores, mas o que estudaram, onde se encontram atualmente e qual o papel desses pesquisadores na “contribuição ao desenvolvimento brasileiro” (CGEE, 2015, p.45-6).

Sendo assim, a presente pesquisa pretende contribuir na superação dessa lacuna de pesquisas - teóricas e empíricas - sobre o tema, podendo também servir como subsídio para elaboração e aperfeiçoamento de políticas de formação de recursos humanos altamente qualificados no exterior.

Para realizá-la fizemos inicialmente uma análise quantitativa. Foi solicitado à CAPES (agência analisada), através da Lei de Acesso à Informação4, os dados dos pesquisadores

3 O CGEE é uma Organização Social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, do

Governo Federal Brasileiro, responsável por “Subsidiar processos de tomada de decisão em temas relacionados à ciência, tecnologia e inovação, por meio de estudos em prospecção e avaliação estratégica baseados em ampla articulação com especialistas e instituições do SNCTI”. Disponível em: <https://www.cgee.org.br/missao-e-objetivos>. Acesso em 28/07/2020.

4 A lei de acesso à informação (lei nº12,527, de 18 de novembro de 2011) garante a qualquer interessado solicitação

de informações a órgãos públicos (executivo, legislativo e judiciário) referentes à políticas, medidas e ações sob sua responsabilidade. Apenas informações referentes a dados pessoais ou considerada de caráter sigiloso não são disponibilizadas. Os órgãos são obrigados a dar uma resposta à solicitação dentro de um prazo definido, fornecendo as informações requeridas ou a justificativa da não disponibilização (BRASIL, 2011).

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contemplados com as bolsas no período retratado (1999-2014). A partir desses dados (nome completo, período, país e instituição estrangeira), iniciou-se o trabalho de localizar, individualmente, cada um desses ex-bolsistas (2079 pesquisadores), em plataformas virtuais de currículo, nacionais e internacionais - Plataforma Lattes, Academia.edu, Research Gate, Linkedin, dentre outras. A partir dessa pesquisa foram localizados aproximadamente 95% destes ex-bolsistas. Com essas informações foi possível apurar os dados, excluindo aqueles que não se encaixavam na proposta da investigação: pessoas que receberam bolsa para realizar apenas parte do doutorado no exterior, outros que não concluíram o doutorado, dentre outras situações. Após esses ajustes, chegamos a um total de 1915 pesquisadores.

A partir dessas informações, mapeamos os circuitos produzidos por esses atores: quantos pesquisadores foram para quais países, quais foram esses países, quantos estão no Brasil, quantos estão no exterior, qual o tipo de vínculo que possuem, dentre outras características. A partir da realização dessa espécie de cartografia, chegamos a algumas conclusões. Dentre elas:

a) Há mais homens do que mulheres no grupo analisado (59,5%);

b) Apenas cinco países são responsáveis por receber aproximadamente 80% de todos esses pesquisadores brasileiros. São eles: Estados Unidos (30%); Reino Unido (17%); França (15%); Espanha (9%) e Alemanha (8%);

c) A grande maioria retornou e se encontra atualmente no Brasil (82%), mas há 6% nos Estados Unidos, 2% na França, 2% no Canadá e 2% no Reino Unido;

d) A grande maioria se encontra hoje empregada em Faculdades, Universidades e Institutos de pesquisa (76%).

A partir desse levantamento, partimos para a realização de entrevistas semiestruturadas. Levando em consideração a diversidade do grupo - gênero, área de conhecimento, país em que fez o doutorado e região e país em que se encontram atualmente, fizemos contato com um grupo abrangente de pesquisadores que foram beneficiados pela política aqui analisada e conseguimos retorno de 39 pessoas para a realização das entrevistas. A partir dessas conversas foi possível melhor compreender o que levaram essas pessoas a irem para o exterior, como foi a experiência em um país e instituição estrangeira e como foi o processo de finalização do doutorado e retorno. No presente trabalho nos debruçaremos no segundo eixo de análise: a experiência no país e instituição estrangeira.

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3. Se tornar pesquisador/a no exterior

Frente à utopia do cosmopolitismo e universalismo da ciência moderna ocidental, estes sujeitos vivem, de diferentes maneiras, a experiência do doutorado em uma universidade estrangeira. Ser um pesquisador brasileiro em universidades centrais na geopolítica internacional do conhecimento científico não é um processo simples e homogêneo. Não se pode afirmar, a partir das entrevistas realizadas, que há apenas um tipo de experiência desses pesquisadores e pesquisadoras nas instituições estrangeiras. Porém, algumas regularidades puderam ser observadas e é a partir delas que apresentaremos a análise das entrevistas realizadas - análise essa que ainda são preliminares.

O ambiente altamente internacionalizado dessas universidades foi evocado por grande parte dos pesquisadores como um fator favorável para uma inserção nas instituições estrangeiras relativamente bem-sucedida. Entretanto, alguns aspectos foram apontados como dificultadores nesse processo: o (não) domínio da língua estrangeira; ambientes altamente competitivos, hierárquicos e pouco acolhedores; desconhecimento, por parte de orientadores estrangeiros, sobre a realidade das universidades brasileiras. Tais elementos produziram desde pequenos desafios, superados pelos ex-bolsistas, como situações extremas de segregação e desconfiança.

3.1. Ambientes altamente internacionalizados

Apesar do desafio de ser estrangeiro e estar em uma instituição internacional, o ambiente altamente internacionalizado dessas universidades foi apontado por vários desses pesquisadores como um fator que facilitou o processo de adaptação àquele novo ambiente. Alice5, por exemplo, fez o doutorado no norte da Inglaterra. Para ela, o fato das universidades do Reino Unido terem uma estrutura de financiamento muito dependente de estudantes internacionais fez com que elas criassem uma estrutura consistente para recebê-los. Apesar das dificuldades inerentes à experiência de um aluno estrangeiro, a instituição estava preparada para dar o suporte necessário - e sua orientadora, que também era estrangeira.

5 Todos os nomes aqui utilizados são pseudônimos, como forma de garantir o anonimato dos interlocutores da

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eu sentia dificuldade de ser estrangeira, eu tinha muito claro que dificuldade que eu tinha todos os colegas estrangeiros tinham, que são os códigos culturais que muitas vezes tu demora pra entender, o que que é aquilo que determinadas atitudes revelam né? E os ingleses são muito educados, polites, como eles falam, e é difícil tu entender alguns processos, mas não pelo fato de ser brasileira. Eu acho que as universidades britânicas especificamente, de um modo geral, elas vivem do dinheiro dos alunos do exterior, porque as taxas que os estudantes estrangeiros pagam são 10 vezes maiores que as taxas que os europeus pagam. Então eles estão muito equipados, pelo menos na minha experiência, do pouco que eu circulei das universidades que eu circulei, eles estão muito preparados para essa internacionalização da universidade. Então a secretária era muito preparada, a professora era japonesa. Pelo fato dela ser estrangeira em uma universidade britânica, ela tinha muita sensibilidade para conduzir as minhas dificuldades. As minhas dúvidas, por exemplo, burocráticas né? Eu não sentia, não posso dizer que eu tive algum tipo de, como eles falam, harassment6, no ambiente acadêmico (Alice).

Rodolfo, que fez doutorado na França, também apontou um contexto semelhante no laboratório que trabalhava lá. A diversidade de nacionalidades entre os pesquisadores que lá trabalhavam produzia um ambiente integrador.

A equipe tinha, na época, uns 10 alunos de doutorado, sem falar dos 10 pesquisadores permanentes né, digamos. Então tinha metade desses 10 eram franceses e outra metade era estrangeira. Seja da Romênia, seja da Itália. Eu do Brasil e tudo mais. Tinha também um alemão. Então o ambiente era bem internacional. Entre os pesquisadores permanentes, havia pessoas que tinham vindo de fora, então era um ambiente onde você sentia que havia possibilidade de se integrar e fazer parte do quadro permanente, do laboratório, havia oportunidades (Rodolfo).

Discursos como estes surgiram em várias entrevistas. Para eles, tal ambiente “internacionalizado” produzia acolhimento necessário para o trabalho nessas instituições, apesar da condição de estrangeiros. Entretanto, muitos deles apontaram que somente isso não era suficiente para evitar conflitos e tensões no período que lá estiveram. Desde questões estruturais, como o domínio da língua, até questões mais pontuais, relacionadas à instituição em que estavam ou a relação que tinham com o orientador, foram citadas como dificultadores nesse processo.

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3.2. Domínio da língua estrangeira

Se o ambiente altamente internacionalizado foi um fator que facilitou a adaptação à instituição estrangeira, o domínio da língua surgiu com um desafio para diferentes pesquisadores, de diferentes maneiras: nas aulas, na escrita da tese, na relação com os colegas e orientador. Podemos compreender, através de Bourdieu (1987) o domínio de uma língua estrangeira como uma forma de capital, sendo que determinada língua pode ser valorizada em determinada sociedade, em determinado momento do tempo. O inglês tem, atualmente, o estatuto de uma “língua universal”, através da qual se consegue comunicar em diferentes países e de diferentes maneiras. No meio acadêmico, ser fluente em tal língua facilita seu processo de inserção e comunicação internacional.

Bauder et.al. (2017) em pesquisa realizada sobre mobilidade internacional de pesquisadores de instituições canadenses e alemãs, mostra como a experiência em países de língua inglesa, entre os entrevistados, eram mais valorizados do que tal vivência em países de outras línguas - sobretudo entre os alemães. Tal visão parte da compreensão do inglês enquanto língua “universal” da ciência, logo ter uma experiência intensa em um país com a língua nativa o qualifica na capacidade de publicar e se comunicar internacionalmente

Apesar de ser um grupo diversificado, em termos de estrato social, grande parte dos interlocutores da presente investigação advém de uma classe média tradicional, com pais com ensino superior e que cultivaram, desde a adolescência, o aprendizado da língua estrangeira em seus filhos. Eduarda, que realizou doutorado no Reino Unido, por exemplo, é filha de professores universitários. Então tanto o aprendizado de uma língua estrangeira como a de cursar mestrado e doutorado foi algo incentivado por ambos, considerando também que ela já tinha uma grande intimidade com o meio acadêmico.

Para os meus pais sempre foi importante as línguas. Então desde o colégio eu tinha aula particular de inglês. Não particular né, cursos privados, além do colégio, para reforçar. Tinha inglês no colégio, que era fraco, daí meus pais me colocaram na aula de inglês para aprender. Ajuda um pouco, mas não resolve. O que ajudou mesmo foi o período nos Estados Unidos. Porque eu tive cursos da minha área em inglês, aí é específico né? Uma coisa é inglês informal, de turismo. Outra coisa é trabalho, que é outro departamento (Eduarda).

Ela também pôde realizar intercâmbio para os Estados Unidos durante sua graduação, o que a permitiu adquirir, ainda jovem, um “capital linguístico” que tornou a possibilidade de

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realizar o doutorado no exterior ainda mais viável. Apesar disso, Eduarda apontou que o fato de não ser nativa tornava os estudos no exterior mais desafiador.

a precisão na utilização do vocabulário, e isso é difícil pra estrangeiro, porque estudava em inglês e na hora das provas, digamos, você estava em desvantagem, na verdade. Você está em desvantagem porque você não tem o domínio maravilhoso da língua como quem tem, quem é a língua mãe, a língua materna. Por exemplo, um australiano que vai estudar em Cambridge é muito mais fácil, a desenvoltura dele na língua para fazer provas e tudo. Mas eu não senti tanta dificuldade não, tive uma nota boa, não fui o melhor como eu estava acostumada no Brasil, mas foi bom, eu me esforcei muito também. Mas o fato de eu ter feito o intercâmbio da CAPES, já ter ido para os Estados Unidos antes, me ajudou muito (Eduarda).

Já Samuel, que fez doutorado nos Estados Unidos, também era filho de professores universitários e morou com eles, ainda criança, também nos Estados Unidos, pois os pais fizeram parte da formação naquele país. Logo, a questão da língua, longe de ser uma barreira, era um facilitador no processo de inserção na universidade no país estrangeiro.

por sorte, eu já falava bem inglês, fui melhorando lá, mas por conta disso, que meus pais eram acadêmicos e eu tinha ido com eles para os Estados Unidos quando eu era criança, e fui mais vezes depois, porque eles voltaram para fazer outras atividades lá, então eu fiz, enquanto era garoto, então eu não fui só essa vez quando tinha 5 anos, que nós ficamos um ano, eu fui com eles por período de 3 a 6 meses em outras épocas também, para ficar nos Estados Unidos. Então a língua foi tranquila (Samuel).

Tal situação é completamente diferente daqueles que, mesmo tendo estudado uma língua estrangeira na adolescência ou durante a graduação, não tinham tido uma experiência internacional anteriormente. Alice, por exemplo, apontou que o lugar para onde ela foi se falava um inglês completamente diferente do que ela tinha estudado no Brasil, o que tornou muito difícil sua vida lá.

eu tive a dificuldade da língua. Em primeiro lugar, como todo bom brasileiro, esses cursinhos clássicos de inglês são de inglês americano, e eu fui para o norte da Inglaterra. Então não é o sotaque da Rainha, é um sotaque muito bizarro. Então a comunicação, por mais fluência que eu tivesse, e eu tinha me formado em curso de inglês, a comunicação te coloca no fim da linha, o último da fila, sabe (Alice).

Tal dificuldade também emergiu no processo de escrita da tese em outra língua.

quando vem a fase da escrita [...] foi o período… assim, eu passei 6 meses para escrever 15 páginas, sei lá. Por que essa experiência da língua para mim

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foi muito profunda. Porque uma coisa é aprender a falar, outra coisa é aprender a ouvir, outra coisa é aprender a escrever. Então nesses primeiros anos eu aprendi a falar, falava com fluência, compreendia, era capaz de ver notícia sem legenda, sem nada assim, eu criei uma fluência confortável. Mas quando chegou a hora de escrever eu falei ‘caramba, será que eu vou ter que escrever em português e traduzir para o inglês?’ Eu falei ‘não, isso aqui eu vou ter que aprender também’. Então eu tive muita dificuldade até que saísse o primeiro capítulo. Lenta, aquele inglês bem tosco até, eu diria. E nesse sentido os amigos ingleses me ajudaram muito. Muita gente revisava o texto, muita gente me dava dicas de expressões, a orientadora também... E depois desses seis meses, que foi um parto longo e doloroso, parece que o cérebro encarou aquilo como exercício físico né? ‘Bom, agora eu já consigo carregar 20 kg então eu vou’….. depois desses seis meses mudou uma chave e aí foi suave (Alice).

A relação com outros estrangeiros sendo mediadas pela língua inglesa também foi apontado por alguns desses pesquisadores como um desafio no processo de comunicação e de aquisição de fluência na língua estrangeira. Gabriela, por exemplo, estudou inglês desde adolescente, mas sua dificuldade em aprender língua estrangeira se tornou um desafio na interação com outros estrangeiros, quando foi para os Estados Unidos.

Eu falava um pouco, sempre fiz aula de inglês, mas eu não tenho facilidade pra língua então eu não era uma pessoa fluente, mas isso nunca me preocupou. Quando eu cheguei aqui em Boston eu comecei a trabalhar muito neste laboratório, então fiz amigos, foi uma das épocas mais legais da minha vida, eu fiz muita amizade lá. No laboratório, era gente da Índia, da Indonésia. Eles tinham um sotaque muito diferente, era dificílimo de entender o que eles estavam falando. No meu laboratório tinha uma indiana, um indonésio e um chinês e eles tinham sotaque pra caramba de estrangeiro e eu tinha muita dificuldade de entender, mas eu fiquei super amiga deles. E lá em Boston também tem muitos brasileiros, e isso me atrapalhou, porque também eu tinha muito amigo brasileiro e quando estava com eles não falava inglês (Gabriela).

Porém, há várias trajetórias, com diferentes desafios sendo apontados. Eduardo, por exemplo, fez o doutorado nos Estados Unidos, mas antes passou pelo Japão, onde fez o mestrado. Para ele o inglês já não era um problema - estudava desde a adolescência - mas o japonês, que também se interessou e começou a estudar durante sua graduação.

No Japão a língua é mais difícil, a cultura bem mais diferente. Nos Estados unidos a adaptação foi fácil. [No Japão] coisa de 3 anos eu já usava fluente o inglês lá, apesar de os japoneses falarem um inglês bem sofrível, meu japonês não era tão bom assim no começo. E a gente sempre tinha muito pesquisador que vinha de fora, fazer experimento, vinha gente da Itália, da Austrália, da Hungria, do Canadá, da Coreia, da China, do Vietnã. Então sempre falei inglês lá no Japão. Quando eu fui para os Estados Unidos… quando eu fui pro Japão

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eu já era quase fluente, mas ainda tinha problemas com a língua, depois que fui para os Estados Unidos, morei lá 6 anos, aí não tive problemas (Eduardo).

Dominar diferentes idiomas, sobretudo o inglês, qualifica estes sujeitos a interagirem em diferentes níveis e perspectivas, com um “campo de possibilidades” (VELHO, 2003) muito mais amplo daqueles que possuem restrição no domínio da língua estrangeira. Porém, há diferentes níveis de interação, com diferentes exigências. Se os desafios cotidianos podiam ser superados mais facilmente, outros processos, como a escrita da tese, exigiam muito mais desses interlocutores. Dentre o grupo analisado, os que já possuíam um certo “capital de mobilidade” (MURPHY-LEJEUNE, 2002), com experiências de viagens internacionais anteriores, sofreram menos com esse processo de interação e trabalho na universidade estrangeira do que aqueles cuja experiência com o inglês havia ficado restrito, até então, ao Brasil.

3.3. Relações sociais e de poder na instituição estrangeira

Além da língua, cujo fator ultrapassa a instituição estrangeira em que estavam vinculados, estar em uma instituição com uma estrutura diferente da brasileira, com pessoas novas e com outra cultura organizacional e de interação se tornou um desafio para muitos desses pesquisadores. Com vistas a melhor apresentar essas dificuldades, organizamos os dados coletados analisando o ambiente universitário competitivo, hierárquico e pouco acolhedor de algumas instituições; e o desconhecimento da realidade brasileira por parte de pesquisadores e colegas.

3.3.1. Ambientes competitivos e hierárquicos

O ambiente pouco acolhedor e altamente competitivo de algumas dessas instituições - cabe lembrar que muitos dos interlocutores da presente pesquisa estiveram nas universidades que lideram os rankings internacionais - foi apontado por alguns deles como um dificultador na experiência nessas instituições. Houve quem via nisso um grande problema e tinha pouca disposição para incorporar tal modelo de trabalho, mas houve também quem se adaptou e gostava de trabalhar daquela maneira.

Mariana, por exemplo, fez o doutorado em uma prestigiada universidade norte-americana. Para ela, o fato de ser negra e brasileira afetava a forma com que ela se relacionava

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com os colegas da instituição, além de não conseguir se adaptar à lógica de competitividade e trabalho daquela universidade.

É um nível de competitividade fora do normal. Porque é isso, as pessoas acham que elas serão, se elas já não são, a referência da disciplina, então se eu sou a referência, você não pode ser a referência, concorda? Se eu sou a referência em determinado assunto, como que o outro vai ser referência. [...] Por outro lado, eu vejo também a minha experiência, principalmente como uma pessoa que não é americana, então por melhor que nós possamos ser, eles não acham que você vai ser tão bom quanto eles, é um fato [...] Então assim, é uma competitividade, mas por outro lado, também existe essa questão de um ler o texto do outro, faziam grupos, eu pelo menos eu via isso. [...] [mas] eu não participei. Não sei se é porque eu não consegui me inserir, não sei se é porque eu não adotei algumas linguagens deles, ou se eles também me discriminavam. Eu também não tenho um parâmetro (Mariana, grifo nosso).

Fernando, que foi para uma outra famosa universidade norte-americana, também apontou que era um ambiente altamente competitivo e que exigia dele muita dedicação. Mas ele gostava desse ambiente e incorporou um ethos de trabalho semelhante.

Era bem competitivo. Mas isso dependia muito do seu orientador. Então eu notava assim, que orientadores asiáticos exigiam mais trabalho, orientadores europeus... porque lá em Stanford tinha de tudo né, tinha professor americano, professor europeu, professor asiático. E os asiáticos costumavam exigir um pouco mais dos estudantes, mas eu sempre fui um cara que trabalhava bastante. Sempre gostei bastante de ficar no laboratório. Eu era o cara do laboratório do meu orientador que mais trabalhava. Até meus colegas indianos e americanos notavam isso. E assim, a gente brincava, eles brincavam, sempre fui famoso por ficar lá... eu ficava na universidade sei lá, 80h por semana. Então eu trabalhava fim de semana, domingo. E minha esposa buscava também atividade. Eu fui casado para lá e minha esposa buscava atividades, se envolver em atividades, para não ficar em casa. E até por isso ela me apoiava bastante, e eu trabalhava domingo, fim de semana, feriado. Então para mim era normal isso (Fernando).

Além da competitividade, o fato de ser estrangeiro também colocava esses sujeitos em posições desiguais de poder dentro da hierarquia universitária. A diversidade cultural e de nacionalidades se esbarrava em questões institucionais e estruturais. A experiência do Rodolfo, que fez doutorado na França, ilustra um pouco isso.

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Não tive nenhum tipo de dificuldade maior por eu ser brasileiro. Todo mundo tinha chances iguais, digamos assim. Bom, quase, quase... dava para saber que o chefe da equipe dava os melhores projetos para os franceses, porque ele tinha um certo medo do pessoal fazer um trabalho importante e ir embora e deixar aquele projeto - nós somos da computação né, fazemos software - de deixar o software sem manutenção. Entendeu? E os resultados da equipe depende da capacidade de produzir software inovador né, de demonstrar que é o mais rápido que já foi criado, ou que é o mais capaz de resolver mais casos do que todos os softwares que já foram criados antes, etc. etc. Então o chefe da equipe, ele tentava deixar somente as pessoas que ele sabia que iam ficar mais tempo acessíveis, trabalhar na parte central dos componentes, nos componentes centrais, se você entende bem. Mas para mim isso não foi um problema, porque eu tinha mais liberdade para trabalhar em outras coisas que eles não estavam fazendo. (Rodolfo).

Cristina também observou fenômeno semelhante na universidade belga em que fez o doutorado. Apesar da diversidade de nacionalidades que compunham os laboratórios e grupos de pesquisa, os líderes e coordenadores eram sempre belgas, devido à exigência do flamenco, que quase nenhum estrangeiro falava.

C. Quando eu cheguei nesse laboratório, embora ele seja um laboratório muito internacional, todos os group leaders eram belgas [...] Com a exceção de um ou dois, eu tô falando de um laboratório de 200 pessoas, tá? Um grande laboratório. [...] [Há] a barreira da língua. Eu, por exemplo, como estrangeira, eu nunca tive oportunidade, nesta universidade, de lecionar, de orientar. Porque eu não falava flamenco.

L. Entendi. E isso acabava que quase nenhum estrangeiro falava né?

C. Exatamente. Então todas as oportunidades de evolução de carreira dentro dessa universidade, elas na verdade são quase que - bom, eram, não sei como que está hoje, sei que hoje tem group leaders estrangeiros nesse laboratório -. Essas oportunidades são quase que exclusivas para os nativos, para os belgas (Cristina).

Não há dúvidas de que as universidades são espaços sociais atravessados por disputas políticas e de poder. Nesse contexto, grupos se formam, ethos se estabelecem e hierarquias se constituem. Se inserir em contextos universitários distintos, com outras configurações e significados, se torna desafiador para esses pesquisadores. Se, de maneira geral, há tais dificuldades em termos do ambiente universitário como um todo, ele se torna mais evidente nas relações estabelecidas diretamente com orientadores, supervisores e professores.

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3.3.2. Relação com orientadores/as estrangeiros/as

A relação com os orientadores foi outro ponto apontado por alguns desses interlocutores como dificultador no trabalho desenvolvido na instituição estrangeira. Tais relações podem ser conflituosas em qualquer contexto, mas num ambiente em que traduções linguísticas e mediações culturais precisam ser constantemente acionadas, tais interações podem se tornar ainda mais difíceis. Ana, por exemplo, foi para um centro de pesquisas na Alemanha em que os orientadores e colegas de trabalho pouco conheciam sobre o Brasil. A concepção de sermos um país “atrasado” em termos científicos trouxe surpresas e tensões nas interações na universidade estrangeira.

Eu me lembro de ter tido uma situação com a minha co-orientadora, que ela falou assim: ‘o doutor fulano de tal, que era pesquisador do instituto, comprou uma câmera, termográfica, super moderna. E depois ele vai dar uma palestra sobre essa câmera porque é uma boa aquisição pro instituto’ [...] E dai eu falei pra ela, com a minha ingenuidade: ‘eu já trabalhei com câmera termográfica’. Ela arregalou um olho desse tamanho assim, ela não imaginava que no Brasil pudesse ter pesquisa de ponta, sabe? [...] Então ela falou: ‘nossa, você já trabalhou com isso?’ ‘Sim, trabalhei, tenho dois artigos nisso. Até fui pra Congresso mostrar meu trabalho, é bem legal. Olha, se ele precisar de ajuda – [...]se ele tiver alguma dúvida, ele pode perguntar pra mim, que eu sei como funciona. Eu sei as dificuldades de usar a câmera e tal.’ E claro, foi um pouco mal visto isso né? (Ana, grifo nosso).

Vitor, que fez doutorado no Canadá, viveu uma situação semelhante, mas em que o desconhecimento sobre a universidade brasileira se articulava com preconceito e falta de uma postura pedagógica.

Eu lembro uma vez da gente falando no experimento, não eu vou fazer o teste em três resomas de cada planta... ‘três? Você acha três um número estatístico...’ eu ‘não, a gente só está fazendo um teste inicial’... daí ele perguntou ‘é isso que eles te ensinam no Brasil, quer dizer estatístico... se um morre você vai ficar lá em fifty fifty, é isso que eles te ensinam?’ ... e eu senti poxa desnecessário falar isso, ofensa gratuita, achei preconceituoso né. E por fim além de ter pouco a perder e preconceito...eu não estava sendo produtivo, eu não era produtivo quando eu cheguei lá, o ritmo de estudo e de trabalho é muito diferente, o que os alunos de mestrado fazer lá não é de perto o que eu fazia aqui (Vitor).

Já Fernando apontou que a única dificuldade vivenciada no doutorado foi a relação que teve com o primeiro orientador, recheada de desconfianças e preconceito.

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Meu orientador conhecia ele de nome, porque ele era muito famoso, mas não conhecia pessoalmente. Só tinha ouvido falar. E na verdade é o seguinte. Quando eu fui aceito na universidade nos Estados Unidos, eu fui aceito por outro professor. Era um professor inglês, muito famoso também, e esse era bem famoso na minha área mesmo, na área que eu fazia o mestrado. Comecei a trabalhar com esse pesquisador em inglês, só que assim, eu sofri bastante preconceito no começo. Ele mesmo me aceitou e ele mesmo... eu achei que eu não fui nem um pouco bem tratado no laboratório dele. Literalmente era o fato de ser brasileiro né, porque um outro colega meu, israelense - eu trabalhava com um israelense que era amigo meu - entramos ao mesmo tempo, com o mesmo orientador, esse inglês, e o tratamento era visivelmente diferente [...]. Por exemplo, eu e esse meu amigo israelense, a gente fazia as mesmas disciplinas, tinha a mesma formação. [...] Nós dois já tínhamos o mestrado, e quando a gente foi, a gente tinha as reuniões com o orientador inglês, ele fazia as mesmas perguntas para nós dois: ah, o que você vai fazer de disciplina? Daí meu amigo israelense dizia primeiro: ah, eu vou fazer tal disciplina. E eu falava: ah, vou fazer as mesmas disciplinas. E ele sempre falava assim: ah, mas porque você vai fazer essa disciplina? No Brasil você não tem nada disso, você nunca aprendeu isso daí? E assim, com o israelense estava tudo certo, e comigo sempre tinha algum problema. E coisas desse tipo. Daí no laboratório, por exemplo, sempre tinha, se criavam dificuldades, e como eu vinha de um país onde tinha uma empresa diretamente ligada com o que pesquisávamos, por várias vezes esse meu orientador inglês me ameaçou: é, eu não posso passar nada para você porque você vai entregar para a empresa do seu país. E assim, sendo que eu não tinha nenhum vínculo com a empresa. Então assim, foi complicado trabalhar com ele. (FERNANDO)

Essa situação vivenciada pelo Fernando exemplifica várias das dificuldades enfrentadas por esses pesquisadores nessa relação com orientadores estrangeiros. O desconhecimento sobre a realidade acadêmica brasileira, por parte de certos grupos e pesquisadores internacionais, produz um discurso recorrente do “subdesenvolvimento” científico, que pode ser acionado em situações específicas, como forma de disfarçar preconceitos e desconhecimento sobre o Brasil. Além disso, há também a produção de uma certa desconfiança ética e postura do pesquisador. O fato de ter um amigo israelense com o mesmo estatuto, frente o mesmo professor, só evidencia o preconceito sofrido pelo Fernando. Tal ‘medida’ foi inexistente no caso da Mariana, que era a única negra na interação com os colegas estrangeiros.

4. Conclusões

Considerando que os dados aqui apresentados são preliminares, não foi possível apresentá-los em sua totalidade, tampouco realizar análises profundas - considerando também

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o escopo e o limite do texto. Mas a partir dos trechos das entrevistas aqui apresentados, evidencia-se que as experiências internacionais de estudantes e pesquisadores não é marcada apenas por relações de sucesso e produtividade. Há uma série de relações, mediações e arranjos sendo constantemente produzidos e organizados, fazendo com que estes pesquisadores sejam obrigados a negociar constantemente seu papel, posição e discurso.

Não se pode afirmar, a partir dessas entrevistas, que há apenas um tipo de experiência desses pesquisadores e pesquisadoras nas instituições estrangeiras. O ambiente altamente internacionalizado dessas universidades foi evocado por grande parte dos pesquisadores como um fator favorável para uma inserção relativamente bem-sucedida. Entretanto, alguns aspectos foram apontados como dificultadores nesse processo: o (não) domínio da língua estrangeira; ambientes altamente competitivos, hierárquicos e pouco acolhedores; e o desconhecimento, por parte de orientadores estrangeiros, sobre a realidade das universidades brasileiras são alguns dos elementos que produziram desde pequenos desafios, superados pelos ex-bolsistas, como situações extremas de segregação e desconfiança. Cabe o aprofundamento dessas análises, com vistas a melhor compreender como tais experiências se articulam com os projetos pessoais e profissionais desses pesquisadores, bem como com as expectativas institucionais e estatais envolvidas nesses acordos e financiamento dessas práticas de mobilidade.

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