A HISTÓRIA
A HISTÓRIA
DAS LÍNGUAS
DAS LÍNGUAS
UMA INTRODUÇÃO
UMA INTRODUÇÃO
TORE JANSON
TORE JANSON
tradução MARCOS BAGNO
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
J37H
Janson, Tore
A história das línguas: uma introdução / Tore Janson ; tradução Marcos Bagno. - 1. ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2015.
352 p. ; 23 cm (Linguagem ; 63)
Tradução de: The History of Languages: An Introduction Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-7934-101-4
1. Linguística - História. 2. Linguagem e línguas. 3. Linguística histórica. I. Título. II. Série.
15-19884 CDD: 410
CDU: 81’1
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ISBN: 978-85-7934-101-4
© da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, maio de 2015. Título original:The History of Languages: An Introduction
© Tore Janson, 2012
This translation is published by arrangement with Oxford University Press. Esta tradução é publicada por acordo com a Oxford University Press.
Direção: ANDRÉIA CUSTÓDIO
Capa e diagramação: TELMA CUSTÓDIO
Revisão: K ARINA MOTA
Sumário
Prefácio... 9
Parte I Antes da história 1. Línguas ágrafas ... 14
1.1. Quando as línguas passaram a existir? ... 14
1.2. Quarenta mil ou dois milhões de anos? ... 16
1.3. Qual foi a razão? ... 17
1.4. Línguas de coletores-caçadores ... 20
1.5. As línguas do passado eram como as de hoje? ... 22
1.6. Vocabulário e sociedade ... 24
1.7. Quantas línguas khoisan existem? ... 26
1.8. “Que língua você fala?” “Não sei.” ... 28
1.9. As muitas línguas da Austrália ... 30
1.10. Que é uma língua? ... 31
1.11. Quantas línguas existiam doze mil anos atrás? ... 34
2. Os grandes grupos linguísticos ... 36
2.1. Mudanças sociais e linguísticas ... 36
2.2. Germânico, eslavo, românico ... 37
2.3. Línguas indo-europeias ... 41
2.4. Línguas bantas ... 47
2.5. Como é uma língua banta? ... 49
2.6. Outros grupos linguísticos ... 51
2.7. Como se formaram os grupos linguísticos ... 54
A h i s t ó r i a d a s l í n g u a s — u m a i n t r o d u ç ã o Parte II A base da história 3. História e escrita...62 4. Os hieróglifos e o egípcio...65
4.1. Vales de rios e Estados...65
4.2. O Estado, a língua e a escrita ...66
4.3. Hieróglifos ...68
5. Chinês — o mais antigo sobrevivente...72
5.1. Escrever de outra maneira ...74
5.2. Cultura e Estados ...76
5.3. O grande Estado ...78
5.4. Unidade e divisões...81
5.5. Devorando outras línguas ...82
5.6. Vizinhos ...83
5.7. Escrita e sociedade ...85
Sugestões de leitura, revisão de conteúdo etc. ...87
Parte III Expansões de línguas 6. Grego — conquista e cultura...90
6.1. Língua e alfabeto ...90
6.2. Língua como criação ...93
6.3. As línguas são todas iguais? ...94
6.4. Alfabeto e dialeto ...97
6.5. De cidades-estados a império ...99
6.6. O novo grego...101
6.7. Aprendendo com os gregos ...102
7. Latim — conquista e ordem...105
7.1. Império e língua ...105
7.2. Troca de língua e extinção de línguas ...110
7.3. O latim como língua internacional ...112
7.4. A inuência do latim...115
8. Árabe — conquista e religião...117
8.1. Invasão e línguas ...117
8.2. O árabe como língua de alta cultura ...123
8.3. Declínio, divisões e dialetos ...124
8.4. Uma língua ou várias? ...125
Sugestões de leitura, revisão de conteúdo etc. ...132
Parte IV Línguas e nações 9. Dante escreveu em italiano? ...136
S u m á r i o 9.2. Latim e francês ...138
9.3. Oc, oil e si ...143
9.4. Língua escrita e nome de língua ...147
10. Do germânico ao inglês moderno...150
10.1. Como o inglês chegou à Grã-Bretanha ...150
10.2. Germanos, anglos e saxões...153
10.3. A língua dos anglos e saxões ...154
10.4. As runas na Grã-Bretanha ...156
10.5. O alfabeto latino e o inglês ...157
10.6. Os primeiros séculos da literatura inglesa ...160
10.7. Beda, latim, inglês ...162
10.8. O rei Alfredo e o saxão ocidental ...164
10.9. Os normandos e o francês...166
10.10. A transformação do inglês ...167
10.11. O novo padrão ...170
10.12. Estado-nação e língua nacional ...171
11. A era das línguas nacionais...174
11.1. Estado, escola e línguas ...176
11.2. Línguas nacionais e poetas nacionais ...180
11.3. Língua e política ...182
11.4. Línguas em competição ...184
Sugestões de leitura, revisão de conteúdo etc. ...187
Parte V A Europa e o mundo 12. Línguas da Europa e do mundo...192
12.1. O português no Ocidente ...192
12.2. Espanhóis, ingleses e os outros ...195
12.3. América: um continente, três línguas ...199
12.4. Portugal e o resto do mundo ...201
12.5. O inglês ultramarino ...203
12.6. O que aconteceu? ...204
13. Como as línguas nascem — ou são feitas ...206
13.1. Tráfco de escravos, mutilação linguística e nascimento de línguas ....206
13.2. Os crioulos são línguas? ...210
13.3. Notáveis semelhanças ...212
13.4. Línguas crioulas e mudança linguística ...214
13.5. Africâner: germânico e africano ...215
13.6. Africâner: dialeto ou língua crioula? ...217
13.7. Norueguês: uma língua ou duas? ...219
13.8. Como línguas faladas se tornam escritas — ou vice-versa ...222
13.9. Como as línguas passam a existir ...225
14. Como as línguas desaparecem...227
A h i s t ó r i a d a s l í n g u a s — u m a i n t r o d u ç ã o
14.2. Línguas sem futuro ...230
14.3. O realinhamento dos dialetos ...231
14.4. O que vai sobrar? ...232
14.5. Como as línguas desaparecem ...233
14.6. Shiyeyi e thimbukushu ...236
14.7. O desaparecimento de línguas: algo bom ou ruim? ...238
Sugestões de leitura, revisão de conteúdo etc. ...241
Parte VI Passado recente, presente, futuro 15. O apogeu do inglês ...244
15.1. O novo internacionalismo ...244
15.2. Francês, alemão, russo, inglês ...246
15.3. O tempo do inglês ...248
15.4. Imagens do inglês ...251
16. Chinês e inglês na China...255
16.1. Oriente e Ocidente ...255
16.2. Baihua, putonghua e a escrita simplifcada ...257
16.3. Da Antiguidade aos tempos modernos em cem anos ...259
16.4. Língua na escola, língua na vida ...260
16.5. O inglês e a China ...263
16.6. Palavras, escrita, pensamento ...264
16.7. O futuro...266
17. O que vem por aí?...268
17.1. Em duzentos anos ...269
17.2. Em dois mil anos ...278
17.3. Em dois milhões de anos ...281
Sugestões de leitura, revisão de conteúdo etc. ...282
Cronologia...285
Orientações para a revisão de conteúdo ...289
Lista de mapas, guras e tabelas ...291
Referências bibliográcas...293
Prefácio
H
á dois mil anos atrás, o inglês não existia. Agora ele está em uso, mas em algum momento no fu-turo não será mais falado. O mesmo vale para todas as línguas: elas aparecem, são usadas por um tempo e de-saparecem. No entanto, existem grandes diferenças en-tre elas. Algumas são usadas durante poucas gerações, enquanto outras existem por milênios. Algumas línguas são usadas apenas por um punhado de gente, outras são usadas por centenas de milhões.De que modo as línguas surgem e depois somem e por que elas têm destinos tão diferentes são questões relacionadas com o que acontece com os usuários das línguas. Em outras palavras, as línguas são contingên-cias da história. Mas os eventos históricos frequentemen-te também são contingências das línguas faladas pelas pessoas. A história, portanto, é afetada pelas línguas, e as línguas são parte da história. O papel das línguas na história é o tema deste livro.
A obra é concebida primordialmente como um manual didático para estudantes universitários e pre-tende ser acessível a estudantes de história, linguística e línguas em geral. A terminologia técnica foi evitada o
A h i s t ó r i a d a s l í n g u a s — u m a i n t r o d u ç ã o
máximo possível. Por outro lado, conceitos fundamentais, porém vagos, como “língua” e “nação”, vêm discutidos em detalhe.
O livro é uma história geral das línguas: começa no passado muito remoto e se encaminha através do tempo até o futuro distante. Obvia-mente, só um número restrito de línguas e áreas pôde ser incluído. Além de algumas das principais áreas linguísticas do mundo, selecionei casos menos conhecidos que ilustram de diversas formas como as línguas se relacionam com a história. Algumas línguas e áreas importantes quase não são mencionadas: teria sido um equívoco visar à exaustão numa obra de tamanho moderado.
Este manual didático é, de certa maneira, incomum: ele oferece uma visão geral de uma área normalmente não reconhecida como um campo de investigação independente. Os linguistas e historiadores que se aventuram nesse território limítrofe se valem de várias abordagens di-ferentes para atingir seus diversos objetivos. Na visão dos historiadores, o estudo das línguas faz parte da história social, embora tenha implicações políticas consideráveis, enquanto os linguistas veem o estudo da história como parte da sociolinguística histórica.
Questões de terminologia à parte, os desenvolvimentos linguísticos e históricos estão, com muita frequência, interligados, um fato que tende a ser obscurecido pela simples razão de que a história é tratada pelos historiadores enquanto os linguistas se ocupam das línguas. Se este livro conseguir contribuir para transpor a lacuna que separa os praticantes dessas disciplinas, ele terá servido a um propósito digno.
A visão profunda das relações entre línguas e sociedades é valiosa tanto para os linguistas históricos quanto para os historiadores. Também pode ser útil quando se leva em conta o presente e o futuro. Hoje em dia, as relações entre as línguas estão mudando muito em sociedades do mundo todo, e a língua inglesa está profundamente implicada em vários desses processos. Para compreender o que de fato está acontecendo e avaliar sua importância e suas consequências, pode valer a pena ver o presente na perspectiva daquilo que já aconteceu. Espero que este volu-me ajude a oferecer tal perspectiva.
Uma de minhas primeiras obras forneceu muito do material para esta aqui. Trata-se de Speak: A Short History of Languages, publicada ini-cialmente em 2002. Vários capítulos daquele volume aparecem neste, embora todo o texto tenha sido reelaborado e substancialmente revisa-do, na medida em que, às vezes, estava desatualizado ou precisava de
P r e f á c i o
aperfeiçoamentos. Venho tentando aprender mais e tenho mudado ou reformulado minhas opiniões em alguns aspectos. Diversos capítulos fo-ram acrescentados. Além disso, a obra anterior visava ao público geral, enquanto esta se dirige a faculdades e universidades. Tudo somado, esta não deve ser vista como uma nova edição, mas como um livro novo que incorpora partes do antigo.
Obviamente, um só autor não pode ser especialista em todas as lín-guas e todos os períodos tratados aqui. Busquei auxílio de muitas pessoas de diversos modos, ao longo dos anos. Algumas delas foram mencionadas em publicações anteriores. Lamento admitir não ser capaz de enumerar todos aqueles que me ajudaram de uma maneira ou de outra, mas devo muito a todos esses amigos e colegas. Agradecimentos especiais, porém, vão para Göran Malmqvist e Torbjörn Lodén, que prestaram um auxílio inestimável nos capítulos sobre o chinês, e para Gunvor Mejdell, pela ajuda preciosa com os capítulos sobre o árabe. Naturalmente, sou o único responsável pelos equívocos remanescentes e pelas opiniões expressas.
Antesda
história
Línguas ágrafas
1.1. Quando as língu as passaram a existir?
C
omo leitores, podemos inferir do Gênesis, o primei-ro livprimei-ro da Bíblia, que Adão foi capaz de falar tão logo foi criado, pois imediatamente lhe foi atribuída uma tarefa: “O Senhor Deus modelou do solo todo animal dos campos e todo pássaro do céu, que levou ao homem para ver como ele os designaria; e todo nome que Adão deu a todo ser vivo, tal foi seu nome a partir de então”.Nomear os animais e, assim, inventar uma parte da língua foi a primeira atividade de Adão. No entanto, ele não criou a língua como tal; ela já existia há vários dias antes que ele aparecesse. Deus disse: “Faça-se a luz” no início do primeiro dia, demonstrando-se capaz de falar desde o princípio.
Ainda que não aceitemos essa versão da história da criação, o texto nos diz algo sobre como as pessoas ten-dem a pensar a língua. Em primeiro lugar, é notável que Adão tenha sido criado com uma língua “embutida”. Se-ria fácil imaginar que o homem foi projetado primeiro e a língua acrescentada mais tarde. As crianças não falam ao nascer, e os seres humanos no estado primordial tam-bém podem ter carecido de linguagem. Mas na
1 . L í n g u a s á g r a f a s
tiva bíblica, a capacidade de falar e de nomear é representada como es-pecificamente humana. Essa capacidade distingue o homem das outras criaturas, que dele recebem seu nome. Adão é superior aos animais; a língua é seu instrumento de dominação.
O próprio Deus é um falante desde o início. Isso também pode pa-recer um tanto peculiar, já que ele não tinha ninguém com quem dialo-gar. Por outro lado, seria ainda mais extraordinário imaginar um Deus sem voz, uma divindade que não pudesse falar. Deus não é necessaria-mente inteligível, é claro, e pode usar algum outro modo de expressão mais sublime do que o empregado pelos seres humanos. Mas um deus sem linguagem seria um tolo ou um animal. Quem quer que seja supe-rior ao homem tem de dominar a mais importante faculdade humana.
Hoje em dia, sabemos que nossa espécie não foi criada em um ins-tante, mas se desenvolveu a partir de formas iniciais mais semelhantes aos macacos do que a nós. Mas em que momento os seres humanos real-mente se tornaram humanos? Em outras palavras, quando as formas iniciais se tornaram tão semelhantes a nós a ponto de admitirmos facil-mente que elas pertencem ao mesmo gênero que o nosso?
Tem-se sugerido frequentemente que os seres humanos se tornaram humanos exatamente quando a linguagem emergiu, e isso de fato vai bem na linha da narrativa bíblica. Para nós, é natural pensar que o que define os seres humanos é o fato de possuírem linguagem.
Infelizmente, isso não nos diz quando eles apareceram, pois não sabemos quando se pronunciou a primeira frase. Embora muitas pessoas competentes, da Antiguidade até hoje, tenham tentado determinar quan-do e como isso aconteceu, os resultaquan-dos têm siquan-do pouco esclarecequan-dores.
Podemos ter certeza absoluta de que as línguas humanas têm exis-tido há pelo menos cinco mil anos, já que essa é a idade aproximada dos primeiros textos escritos sobreviventes. As primeiras línguas usadas na escrita, o sumério e o egípcio, têm as mesmas características gerais das que são faladas hoje. Parece seguro supor que as línguas tenham existido por um período de tempo muito mais longo.
Longo quanto? Não está nada claro. Não existem indícios diretos e, assim, todas as sugestões são especulativas. As pessoas vêm tentando encontrar respostas razoáveis usando principalmente dois tipos de evi-dências. O primeiro são as informações sobre o desenvolvimento cultu-ral gecultu-ral do homem em tempos pré-históricos, fornecidas por achados e artefatos arqueológicos de diversos tipos. O outro são fatos sobre o
de- P a r t e I — A n t e s d a h i s t ó r i a
senvolvimento anatômico do ser humano. Aqui, também, a arqueologia fornece material na forma de ossos de diferentes períodos.
1.2. Quarenta mil ou dois milhões de an os?
A arqueologia pode nos falar sobre instrumentos de pedra usados em diferentes períodos. Esculturas, desenhos e pinturas também podem ser datados. A partir desse material, é possível chegar à conclusão de que, durante os últimos quarenta mil anos aproximadamente, os seres humanos parecem ter sido tão inventivos e criativos quanto as pessoas de hoje. Por exemplo, conseguiam idealizar várias ferramentas e produzir requintadas obras de arte. Daí se infere, em geral, que ao menos desde então as pessoas também vêm usando línguas com os mesmos aspectos básicos das que usamos hoje. Antes disso, por um período de cerca de dois milhões de anos, instrumentos de pedra eram feitos e gradualmente foram se sofisticando. No entanto, há poucos sinais de que as pessoas que os faziam tentassem, de algum modo, se expressar artisticamente.
Portanto, a evidência arqueológica sugere que nossos ancestrais usa-vam línguas com gramáticas complexas e amplos vocabulários, semelhan-tes aos atuais, há no mínimo quarenta mil anos. Se quem produz ferramen-tas tem de ser capaz de falar, as línguas têm de ter existido por muito mais tempo, presumivelmente por volta de dois milhões de anos. Mas ninguém sabe ao certo se realmente existe tal conexão entre as duas habilidades.
Especialistas da anatomia dos seres humanos pré-modernos susten-tam que o tipo de pessoas existente hoje, Homo sapiens sapiens, não mudou substancialmente nos últimos cem mil ou 150 mil anos. Isso significa, entre outras coisas, que durante esse período as pessoas estiveram equi-padas com o mesmo tipo de cérebro e de órgãos da fala que temos hoje, de modo que nem problemas intelectuais nem problemas anatômicos as impediam de usar a linguagem. Suas línguas eram tão flexíveis quanto as nossas, suas laringes tinham cordas vocais idênticas às nossas, e seus cérebros estavam equipados com todas essas fantásticas convoluções in-dispensáveis para falar e compreender a fala.
Em períodos mais remotos, não era necessariamente assim. Antes do surgimento do Homo sapiens sapiens, e por muito tempo depois disso, existi-ram os homens de Neandertal. Seus cérebros eexisti-ram pelo menos tão gran-des quanto os nossos, em média, mas a forma de seus crânios e de suas mandíbulas diferia da nossa em alguns aspectos. Isso pode tê-los
impedi-1 . L í n g u a s á g r a f a s
do de pronunciar alguns sons de fala agora de uso comum. No entanto, não temos nenhuma certeza disso, pois os restos de homens de Neandertal consistem apenas de fragmentos de ossos, e a fala é produzida por meio da atividades no tecido mole da boca e da garganta. Os estudiosos desse pro-blema, portanto, têm de estimar a forma do tecido mole com base na for-ma dos ossos, tarefa bastante difícil. Tampouco está muito claro em que medida as diferenças observadas teriam impedido a comunicação oral.
Os tipos de seres humanos que existiram há várias centenas de milha-res de anos atrás tinham crânios e mandíbulas ainda mais diferentes dos nossos, tornando menos provável a hipótese que pudessem falar como nós. Em suma, podemos ter razoável certeza de que as línguas como as que usamos têm existido há pelo menos quarenta mil anos, mas podem ter estado em uso por muito mais tempo. O limite mais recuado são dois milhões de anos, por volta do tempo em que o homem produziu instru-mentos de pedra pela primeira vez.
1.3. Qual foi a razão?
Essa é uma resposta sofrível, portanto, para quando as línguas sur-giram. Ela se relaciona, é claro, com a questão de como elas se origina-ram, um problema ainda mais difícil.
As línguas humanas são os sistemas de comunicação mais altamente desenvolvidos e flexíveis que conhecemos. O traço distintivo desses siste-mas é eles poderem ser usados para veicular mensagens de qualquer grau de complexidade de maneira incrivelmente rápida e eficiente. Seu grau de complexidade, sua variabilidade e sua adaptabilidade são exemplos do quanto eles são diferentes dos meios de comunicação usados por outros mamíferos. Contudo, há certas similaridades. Os sinais que empregamos são sons produzidos pela boca, conforme o ar que exalamos cria ressonân-cia no trato respiratório superior. A maioria dos mamíferos usa o mesmo princípio para sua produção de sons. Cães latem, gatos miam, ratos guin-cham, cavalos relincham e macacos gritam. Todos esses sons são feitos basicamente da mesma maneira. Já que tantas espécies geneticamente aparentadas produzem sons de um modo semelhante, parece provável que os precursores do homem também o fizessem, muito antes de nossa espécie se desenvolver.
Os sons de outros mamíferos também são sinais usados para fazer contato com outros indivíduos pertencentes à mesma espécie. Eles se
dife- P a r t e I — A n t e s d a h i s t ó r i a
renciam das nossas línguas primordialmente pelo fato de seus sistemas de sinalização de significado serem muito pouco desenvolvidos. É verdade que cada espécie pode produzir vários tipos diferentes de som e, dessa maneira, pode em certa medida veicular diferentes mensagens. Um cão tem à sua disposição certo número de sonorizações para expressar atitu-des como ameaça, medo, simpatia etc. Estudiosos da comunicação ani-mal descobriram que diversas espécies usam dezenas de sinais diferentes. Várias espécies de micos e macacos contam com sistemas bem amplos, compreendendo algumas dezenas de sons distintos. Curiosamente, nossos parentes mais próximos, os chimpanzés e os bonobos, parecem não usar sons para comunicação em sistemas muito mais avançados do que diver-sos outros macacos.
A fala humana difere dos gritos das outras espécies em muitos as-pectos. Há uma distinção importantíssima: para todos os outros ani-mais, o princípio geral de comunicação é um som específico para uma mensagem. Isso significa que o número de mensagens possíveis é muito restrito. Se uma nova mensagem tiver de ser incluída no sistema, um novo som tem de ser introduzido. Depois de algumas dezenas de sons, fica difícil inventar novos sons distintivos e também recordá-los para quando forem necessários.
A fala humana se constrói sobre o princípio da combinação de um número restrito de sons em um número infinito de mensagens. Numa língua típica, existem algo como trinta ou quarenta sons de fala distintos. Esses sons podem ser combinados em cadeias para formar um número ilimitado de palavras. Mesmo uma criança pequena, que só consegue produzir uma palavra por vez, usa um sistema de comunicação altamen-te superior a qualquer sisaltamen-tema utilizado por qualquer outra espécie. O número de palavras é ilimitado, enquanto outros animais simplesmente têm um conjunto restrito de sinais.
Além disso, as línguas humanas também permitem que várias pa-lavras sejam combinadas numa frase. Por meio desse processo, podemos criar um número infinito de enunciados, mesmo com um pequeno nú-mero de palavras. Essa propriedade básica de nossas línguas permite a elas expressarem ideias que podem ser infinitamente complexas e sutis. O sistema não tem nenhum limite teórico quanto às mensagens que podem ser veiculadas. Em princípio, tudo pode ser dito.
Ninguém sabe por que ou como emergiu esse sistema maravilhoso. Obviamente, deve ter envolvido alguma evolução da espécie, pois
ne-As línguas aparecem, são usadas por um tempo e desaparecem. O que ocorre com as línguas está di-retamente relacionado com o que acontece com seus usuá-rios, e o que ocorre com eles, individualmente, e coletivamente, também é afetado pelas línguas que falam.
Partindo desse pressuposto, esta obra examina como surgem as línguas, como elas se transformam, como desaparecem e o que está por trás de seus diferentes destinos.
A história das línguas – uma introdução estuda grande parte das línguas mundiais e mistura capítulos temáticos sobre processos gerais de
mudan-ça linguística com a análise dos processos ocorridos em línguas específi-cas, incluindo chinês, árabe, latim, grego, português e inglês.
A história das línguas – uma introdução é um manual didático para estudantes de letras, linguística e línguas como um todo, e de