• Nenhum resultado encontrado

Disciplina: INT. DE APOCALIPSE Professor: Dr. Leandro Lima AULA 03 Interpretação de Ap 4-7. AULA 03 - INTERPRETAÇÃO DE APOCALIPSE 4-7 Leandro Lima

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Disciplina: INT. DE APOCALIPSE Professor: Dr. Leandro Lima AULA 03 Interpretação de Ap 4-7. AULA 03 - INTERPRETAÇÃO DE APOCALIPSE 4-7 Leandro Lima"

Copied!
17
0
0

Texto

(1)

AULA 03 - INTERPRETAÇÃO DE APOCALIPSE 4-7

Leandro Lima

Os capítulos 1-3 do Apocalipse introduziram a realidade terrena da Igreja, representada nas sete igrejas da Ásia Menor. Cristo se apresentou com todos os seus atributos divinos e como alguém que está presente no meio da sua igreja, conhecendo plenamente a realidade dela. Era uma realidade de muitos confrontos, lutas e dificuldades. Havia problemas internos como divisões, imoralidade e problemas doutrinários. E, externamente, a perseguição do Império Romano alimentava esses problemas internos da igreja. Por um lado, a realidade extremamente frágil da Igreja foi revelada nos capítulos 1-3. Igrejas individualmente limitadas, pequenas, indefesas diante de uma sociedade voluptuosa e de uma máquina de guerra sem igual que era o Império Romano. Uma igreja que se revelou ainda mais frágil por aceitar as imposições do mundo, a fim de evitar o sofrimento e a morte. Roma, há séculos, vinha esmagado nações, como um leão faminto atrás de caça. Era o Império das conquistas, e, nesse sentido, parecia ser invencível. Como a igreja, uma instituição frágil, sem armas, sem líderes influentes na sociedade (exceto, possivelmente, os nicolaítas), podia enfrentar a força do Império? Essa igreja, que tinha como líderes vários judeus da Galileia, reconhecidos como iletrados, e o último deles, João, que estava preso numa ilha chamada Patmos, como poderia sobreviver ao poder avassalador do mal no mundo, encarnado nos cruéis e megalomaníacos imperadores romanos?

I. A VISÃO CELESTE DA GLÓRIA DO DEUS CRIADOR

Em termos místicos, João descreve sua subida ao céu como algo “imediato”, que dá a ideia de “no mesmo instante”. Ele também descreve o modo como foi até o céu, como sendo “em espírito”, o que não significa “no Espírito Santo”, mas que “espiritualmente”1 ele recebeu essa visão do céu, como se seu espírito tivesse deixado o corpo e ido até o trono de Deus (Cf. 2Co 12.2-3).

Novamente, ele utiliza a expressão chamativa para o próximo objeto: “e eis (vejam) um trono” (καὶ ἰδοὺ θρόνος), para descrever o modo como sua atenção foi chamada para o trono estabelecido no céu. É o primeiro objeto que ele enxerga ao chegar em espírito no céu. O simbolismo do objeto é autoevidente. Representa poder, autoridade e governo. Um trono governava o mundo naqueles dias: o trono de César. Tratava-se de um temível trono que esmagava os inimigos, que obrigava as igrejas a apostatarem da fé através de ameaças e subornos. Diante deste trono, as sete igrejas eram insignificantes.

Três pedras preciosas são utilizadas inicialmente para descrever o “aspecto da semelhança” divina: o jaspe, o sardônio e o arco-íris esmeralda2. As cores branca (jaspe), vermelha (sardônio) e verde (esmeralda), portanto, refletem o fulgor central do

1 No apócrifo de 1Enoque, o profeta também é levado aos céus, porém a descrição é diferente: “Na visão

foi-me dado presenciar o quadro seguinte: nuvens levaram-me ao interior da imagem, e uma névoa arrebatou-me ao alto; o curso das estrelas e dos raios conduzia-me e me impelia, e ventos transportando-me ao alto daquele panorama. Eles conduziram-transportando-me ao céu. Eu entrei por ele, até defrontar-transportando-me com um muro, todo feito de cristal e circundado de línguas de fogo. Isso começou a inspirar-me grande medo. Todavia, eu entrei pelas línguas de fogo adentro e aproximei-me de uma grande casa, toda construída de cristal. As paredes da casa assemelhavam-se a um assoalho assentado em cristal; e de cristal eram também os fundamentos da casa” (1En 14.6-7).

(2)

trono divino, e seus simbolismos nos remetem mais uma vez à história da redenção ao longo do Antigo Testamento3.

É sugestivo que o símbolo da misericórdia e da paz apareça logo após a descrição do fulgor da santidade do jaspe, e do vermelho do pecado e da redenção. Em três pedras, portanto, que descrevem o aspecto mais central do trono celeste que João viu, todo o conteúdo central da história da redenção é evocado: santidade - pecado/redenção - paz.

O próximo círculo ao redor do trono são vinte e quatro tronos. O número doze é emblemático na história bíblica, porque tanto Israel teve doze patriarcas, como a Igreja teve doze apóstolos4. Portanto, a utilização do símbolo dos vinte e quatro anciãos remete à unidade do povo de Deus, em ambos os testamentos, representados no céu. É uma descrição da Igreja gloriosa. Nos capítulos 1-3, as recompensas aos santos e fiéis foram, entre várias coisas, “coroa” (Ap 2.10, 3.11), “vestes brancas” (Ap 3.5, 3.18) e “se assentar no trono” (Ap 2.26-27, Ap 3.21). Portanto, João viu não apenas um trono maior do que todos os outros tronos (celestes e terrenos), mas viu também o povo de Deus, como reis diante do Senhor, desfrutando da recompensa conquistada por sua fidelidade na terra.

Os anciãos formam o círculo mais próximo do trono, logo após a descrição do brilho das três pedras. Não pode ser ignorado que as cores do trono apontam para a santidade, o pecado e a redenção, e esses presbíteros somente podem estar tão próximos do trono santo por causa do sangue que expia o pecado.

Mesclando os quatro animais de Ezequiel 1.5ss e os serafins de Isaías 6.2-3, os quatro viventes de Apocalipse unem-se aos anciãos no louvor celeste. Provavelmente, sejam a descrição de algum tipo de anjo (baseado em Ezequiel e Isaías), porém são anjos que carregam o simbolismo da criação divina representada por animais selvagens (leão), domésticos (novilho), semelhantes a homens (provavelmente macacos etc.) e aves (águia). As faces são exatamente as mesmas de Ez 1.10, portanto, não é preciso tentar extrair significado individual, apenas perceber que a criação divina está representada no céu (quatro viventes) juntamente com a Igreja (24 anciãos).

O texto do capítulo 4 finaliza com a participação conjunta dos quatro seres viventes (criação) e dos vinte e quatro anciãos (Igreja) na adoração ao Soberano Criador. A mudança do tempo verbal para o futuro expresso na frase “quando esses seres viventes derem glória”, pode indicar o louvor futuro da Igreja e da criação, quando estiverem estabelecidos o novo céu e a nova terra. Enquanto os seres viventes exaltam o Deus eterno assentado no trono, os vinte e quatro anciãos se prostram e depositam suas coroas, num reconhecimento final de que Deus é a origem de todo o bem, e que todo mérito da Igreja também procede dele, a quem deve unicamente ser rendida toda a glória.

No entanto, o texto termina apontando para um aspecto específico da obra divina: a criação de todas as coisas. É por esse motivo, prioritariamente, que as criaturas celestes do capítulo quatro de Apocalipse oferecem louvores a Deus.

3 G. K. Beale entende que essas pedras não devem ser tomadas individualmente como tendo sentidos

próprios, antes devem no seu todo remeter a uma ideia do fulgor divino (1999, p. 320). Entretanto, isso nos parece desconsiderar justamente a importância do simbolismo veterotestamentário expresso pelas cores das pedras. Seria o mesmo que dizer que elas foram tomadas aleatoriamente, sem qualquer significado.

4 O número não é estrito aritmeticamente falando. Doze é um número emblemático. Além das doze tribos,

mais tarde, também as duas meias tribos de Manassés e Efraim foram consideradas como tribos. E, além dos doze apóstolos, Matias, Paulo e Barnabé também foram reconhecidos. Mesmo assim, o simbolismo do número 12 permanece.

(3)

II. O LIVRO E O CORDEIRO

Após a descrição da glória celeste do Deus criador, expressa em termos de santidade, redenção e misericórdia, toda a cena celeste se condensa na visão de um livro. O olhar de João é atraído para a mão direita de Deus, onde está o livro (βιβλίον), provavelmente feito de papiro, todo enrolado e fechado com sete lacres5. Mesmo de longe, João viu que ele estava totalmente escrito, por dentro e por fora. Mas o fato de estar “fechado” produziu inquietações.

Há um livro, ele diz, na mão direita daquele que está assentado no trono, o Deus todo poderoso, a primeira pessoa da Trindade, o Pai. Ele não é descrito, apenas a seu respeito foram vistas cores que mostram sua santidade e sua misericórdia, mas agora se vê apenas uma mão direita, a mão poderosa, e nessa mão do todo poderoso está o livro. Esse livro passa a dominar toda cena dos capítulos 5 e 6.

Mais uma vez, o pano de fundo literário e teológico é o Antigo Testamento, onde diversas vezes “livros” são mencionados contendo profundos significados teológicos. O maior deles vem da ideia do próprio “livro da Lei”, frequentemente mencionado, o qual é não apenas a escrita dos Dez Mandamentos, mas de todos os preceitos dados por Moisés, incluindo o livro de Deuteronômio (Dt 29.21, 30.10, Js 1.8, 2Rs 14.6, Ne 8.1, Gl 3.10). Outro significado para “livro” no Antigo Testamento tem a ver com o propósito de Deus para a vida dos homens e sua duração. Nesse sentido, ele é o livro dos viventes (Êx 32.32-33, Sl 56.8, 69.28, 139.16).

No livro de Jeremias, a menção do registro de um livro adquire o significado de condenação, pois no livro são registradas as acusações divinas dos pecados de Judá (Jer 36.1ss). Do mesmo modo, um livro foi escrito contendo as condenações divinas contra Babilônia, o qual deveria ser lido em Babilônia e depois atado a uma pedra e lançado no Eufrates, simbolizando o modo como Babilônia seria destruída (Jer 51.60-64).

Em Daniel, o próprio livro escrito pelo profeta deveria ser selado e guardado para o futuro, como um modo de garantir o cumprimento das profecias: “Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará” (Dn 12.4).

O pano de fundo literário mais específico de Apocalipse 5 é, outra vez, o livro de Ezequiel. No capítulo 2, existe a menção a um livro: “Então, vi, e eis que certa mão se estendia para mim, e nela se achava o rolo de um livro. Estendeu-o diante de mim, e estava escrito por dentro e por fora; nele, estavam escritas lamentações, suspiros e ais” (Ez 2.9-10).

Portanto, o conceito de “livro” no Antigo Testamento aponta para a revelação dos propósitos de Deus para seu povo e para o mundo como um todo. Entre os aspectos revelados naqueles livros estavam a vontade de Deus, sua misericórdia e sua ira. O livro que João vê na mão de Deus, em Apocalipse, reúne todos esses simbolismos, como se verá no capítulo 6. Por ser escrito por dentro e por fora, percebe-se que tem “muito

5 Sobre se o livro é um rolo (scrooll) ou um códex veja a discussão em Beale, 1999, p. 342ss. Ladd

entende que o fato de ser um rolo é importante para o significado da revelação, pois somente quando o rolo inteiro fosse aberto é que, então, o conteúdo seria revelado. Assim, ele entende que os selos não são, em si, a revelação do livro, e que este é composto dos capítulos 8-22 (1980, p. 61). A probabilidade é, de fato, que fosse um rolo. Porém, ainda que fosse um códex, não faz diferença para a interpretação do sentido do livro. Trata-se de uma metáfora. Abrir os selos é abrir o livro. Cada selo quebrado pelo cordeiro revelará o conteúdo do livro. Assim que o último selo for aberto, não se mencionará mais o livro, portanto, significará que ele já foi aberto e revelado.

(4)

conteúdo”. Ele é o registro de todas as decisões divinas para o mundo, com atenção especial para sua Igreja, tanto no sentido de mostrar sua vontade, reafirmar sua graça e despejar sua ira sobre os perversos. Ele representa aquilo que Jesus disse que seria mostrado para João ao subir ao céu: “Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas” (Ap 4.1). Portanto, ele contém, em si mesmo, toda a história redentiva e julgadora para o mundo, que toma lugar desde os eventos relacionados com a primeira vinda de Jesus (encarnação, morte, ressurreição e ascensão) até a consumação do plano divino no fim dos tempos.

O anúncio da dignidade de Cristo é feito com detalhes que revelam a razão de ele poder abrir o livro desatando os selos. Um dos anciãos (presbíteros) que representam a igreja “apresenta” para João o vencedor, com uma palavra de consolo que literalmente pode ser traduzida assim: “Não chores, veja, ele venceu, o leão”. O sentido é: pode enxugar suas lágrimas, existe uma solução, na verdade “a solução”, ele venceu, olhe para ele, é o leão, ele está ali.

Os dois títulos utilizados pelo ancião para apresentar Jesus a João nos remetem, mais uma vez, à história da salvação no Antigo Testamento. Primeiramente, o ancião o chama de “o leão da tribo de Judá”. Literalmente, ele diz: “o leão, o da tribo de Judá”. A frase é um eco das palavras ditas por Jacó a seu filho Judá, entre as bênçãos que o patriarca concedeu a todos os seus filhos: “Judá, teus irmãos te louvarão; a tua mão estará sobre a cerviz de teus inimigos; os filhos de teu pai se inclinarão a ti. Judá é leãozinho; da presa subiste, filho meu. Encurva-se e deita-se como leão e como leoa; quem o despertará?” (Gn 49.8-9). Ao descrever Jesus como “o leão”, o ancião apontou para seu poder e sua ferocidade. Porém, ao dizer que é o leão, o da tribo de Judá, ele estabeleceu a primeira grande característica do vencedor que o torna digno de abrir o livro: sua descendência messiânica judaica, cumprindo as promessas divinas.

Em segundo lugar, ele é “a raiz de Davi”. Esse é um conceito messiânico oriundo do livro de Isaías. Antevendo os tempos da restauração do Exílio, o profeta anunciou:

Naquele dia, recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada. Naquele dia, o Senhor tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo, que for deixado, da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinar, de Hamate e das terras do mar (Is 11.10-11).

Jessé foi o pai de Davi, portanto, a promessa seria de um “novo Davi”, nascido a partir de uma raiz. O simbolismo é o da árvore derrubada, mas que, não obstante, sua raiz permanece viva, até que brote e cresça uma nova árvore. Assim, a promessa do Messias é anunciada em Isaías. No capítulo 53, ele volta a falar dele em termos de uma raiz: “Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse” (Is 53.2). Após todos os anos de cativeiro babilônico, após todos os séculos de liberdade cerceada na própria terra de Judá após o retorno do exílio, finalmente a raiz de Davi havia florescido. Por isso, ele é “digno” de abrir o livro, pois é o cumprimento de todas as antigas promessas divinas de libertação e restauração.

Assim, Cristo, lá no céu, se apresentou com toda legitimidade. Cristo não é um usurpador, ele é o rei por direito, o prometido, e cumprirá com toda legitimidade os propósitos de Deus.

(5)

A dignidade dele está no fato de que ele venceu, ele, que é o leão, o da tribo de Judá, a raiz de Davi, para abrir o livro. Sua vitória, portanto, foi desde o início planejada com este objetivo. Esta foi toda a razão de seu nascimento, de sua vida, de sua morte e ressurreição: abrir o livro. Isso nos dá, mais uma vez, uma noção da importância desse livro selado com sete selos.

A razão da sua dignidade (vitória), que o habilita a abrir o livro, não foi ainda totalmente explicada. A cena se completa quando João contempla o vencedor. Primeiramente, ele descreve onde está o vencedor: no meio do trono, dos quatro seres viventes e dos anciãos. Ou seja, João o vê no centro de tudo. O trono, os quatros seres viventes e os vinte e quatro anciãos são os elementos mais importantes de toda a visão, representando Deus, a criação e a Igreja. O vencedor se encontra numa posição central, no meio, entre todos eles. Por isso ele é o redentor da Igreja e da criação.

A razão de sua “dignidade” para abrir o livro é completada com a descrição que, então, o próprio João faz do que viu: “um cordeiro em pé” (ἀρνίον ἑστηκὸς). Todo o simbolismo da história redentiva do Antigo Testamento é, portanto, condensado nessa figura celeste de “um cordeiro”. Muitos animais eram sacrificados no Templo, mas o principal deles, sem dúvida, era o cordeiro. Símbolo máximo, portanto, de expiação e transferência de culpa. A docilidade do cordeiro em se submeter ao sacrifício é um dos elementos que deram a esse animal todo o destaque de um inocente pagando pelo culpado.

A descrição de João não é apenas de “um cordeiro em pé”, mas acrescida da descrição “como um assassinado” (ὡς ἐσφαγμένον). A estrutura compacta da frase grega6 sugere que ele se apresenta no presente como um resultado do que sofreu no passado, quando foi assassinado, por isso a expressão na tradução “tendo sido” é “desnecessária” (BEALE, 1999, p. 352), pois ela enfraquece o poder da imagem de morte que se impõe sobre Jesus. Portanto, trata-se de uma descrição forte de seu martírio e dos efeitos contínuos no céu de sua morte na terra. Na verdade, este é o motivo central da grande dignidade do cordeiro, que lhe conferiu a vitória para abrir o livro.

Porém, João tem mais coisas a dizer a respeito de sua “dignidade”. Ele tem sete chifres e sete olhos”. Embora o significado dos chifres não seja dado no texto, é notório que a palavra “chifre” (κέρατα), no contexto hebraico, significa “força, coragem e virilidade”7. Ao dizer que ele tem “sete” chifres, o cordeiro (como foi assassinado) assume a imponência de alguém invencível, todo-poderoso.

Além dos sete chifres ele tem também sete olhos. Para este simbolismo, a explicação é dada: são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra. Esta é uma descrição simbólica do Espírito Santo, o mesmo que desceu sobre Jesus para capacitá-lo a enfrentar a tentação de Satanás e a cumprir sua obra redentora (Mt 3.16-17). Também é o mesmo Espírito que Cristo, após sua exaltação no céu, enviou para capacitar sua igreja a realizar a missão de anunciar o Evangelho ao mundo (Jo 7.39, At 1.8, 2.1ss). Portanto, isso é, ao mesmo tempo, um símbolo de sua onisciência, bem como de que ele é a fonte do poder da Igreja na terra. Os contrastes que estas descrições evocam são impressionantes. Foi dito que ele é “o leão”, depois, um cordeiro como um

6 ὡς é um advérbio de comparação que pode ser traduzido por “como, igual, do mesmo modo”. O verbo

ἐσφαγμένον é um perfeito, particípio, passivo, nominativo, denotando uma ação completa sofrida no passado, que nesse caso pode ser traduzido como o resultado de uma ação do passado “como um assassinado” (BEALE, 1999, p. 352).

7 No Salmo 89.17 está escrito: "porquanto tu és a glória de sua força; no teu favor avulta o nosso poder”.

(6)

assassinado, e agora ele é descrito como “onipotente e onisciente”, aquele que capacita sua Igreja na terra para realizar sua obra.

A movimentação do vencedor, que se dirige e toma o livro, é descrita de forma abrupta, sem rodeios, sem solenidades, ao contrário do que, talvez, poderia se esperar da aproximação de alguém ao trono de jaspe. Porém, a descrição enfatiza “a dignidade”, ou seja, o direito que ele conquistou de fazer isso.

O verso 8 revela a primeira reação celeste ao ato do Vencedor de tomar o livro para si. O aspecto destacado ainda é a “dignidade”, ou seja, o direito dele de fazer isso. Os quatro seres viventes (representantes da criação) e os vinte e quatro anciãos (representantes da Igreja) são os primeiros a render-lhe adoração em reconhecimento de seu poderoso feito. Eles prostram-se diante dele, num reconhecimento de seu status de rei divino. O momento, portanto, simboliza a coroação de Cristo no céu, quando ele foi reconhecido por todas as criaturas celestes como “rei dos reis e senhor dos senhores”. Ambos os grupos oferecem ao Senhor Jesus música e incenso. A música claramente expressa uma atitude de adoração, e as taças de ouro cheias de incenso vêm com a explicação “que são as orações dos santos”. Introduz-se, portanto, a importância das orações da Igreja na terra e seus efeitos no céu. Destaca-se, acima de tudo, o momento ímpar em que Jesus tomou o livro para si, sendo coroado nos céus, cabendo-lhe, então, o governo de todas as coisas. Ele será o responsável (no cap. 6) por abrir um a um os sete selos, portanto, ditará o rumo dos acontecimentos no mundo. Ele conquistou o direito de fazer isso, e não abrirá mão de governar.

O conteúdo do “novo cântico” entoado pelos dois grupos mais importantes de criaturas celestes confirma a importância da primeira descrição já feita de Jesus para o seu direito de abrir o livro: “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto”. É a primeira vez que aparece a palavra “digno” desde que ela foi evocada nos céus para que se apresentasse alguém a fim de que o livro fosse aberto. E a explicação do motivo pelo qual Jesus é digno é “porque foste assassinado” (ὅτι ἐσφάγης), ou seja, a mesma expressão que João utilizou para descrever o cordeiro em 5.6. Essa é a razão de sua “dignidade”.

Quando isso aconteceu, segundo a perspectiva de João? Em algum momento após a morte de Cristo na cruz e sua ressurreição. O ato de Jesus de “tomar o livro da mão direita” de Deus é, provavelmente, uma descrição simbólica da Ascensão de Jesus. Ao retornar para o céu, na linguagem paulina, Jesus assentou-se à direita de Deus “nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro” (Ef 2.21). E sua função como legítimo governador do cosmos, porém com tarefa especial em relação à Igreja, aparece no verso seguinte: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja” (Ef 2.22).

Noutro texto, Paulo tem mais a falar sobre esse momento em que Cristo foi coroado no céu e suas implicações para a história da redenção. Ao defender a realidade da ressurreição de Cristo como garantia da ressurreição final da Igreja, Paulo declarou:

E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos pés. E, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe subordinou. Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem

(7)

sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (1Co 15.24-28).

Paulo descreve o atual reinado de Cristo no céu como ressurrecto dentre os mortos, com o objetivo de esmagar todos os inimigos, sendo o último deles, a morte. Ele fará isso até “o fim”, quando devolverá ao Pai o reino. Paulo exclui o próprio Deus de subordinação ao Filho, pelo simples fato de que foi o Pai quem entregou o reino ao Filho. Em Apocalipse, o Filho toma o livro da mão direita de Deus, pois o destaque está em seu “direito” de fazer isso, mas obviamente o Pai é quem permite que o Filho pegue o livro. Podemos dizer, portanto, que o livro é autoridade divina conferida pelo Pai ao Filho, para que ele reine sobre toda a criação e execute os planos divinos para o mundo, tanto no sentido de “esmagar” os inimigos quanto de “salvar” seu povo.

O aspecto da salvação do povo é fortemente evocado na continuação do cântico: “e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação”. De certo modo, temos aqui o resumo de toda a teologia do Apocalipse: o Cordeiro venceu morrendo; assim, ele conquistou o direito de salvar, pois literalmente comprou pessoas que procedem de todas as nações, e, ao tomar o livro em sua mão, começou a executar isso. O próprio Jesus descreveu isso com as seguintes palavras:

Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28.18-20).

Quando ele abrir o último selo do livro, a consumação terá chegado, todos os salvos terão sido selados, e virá, portanto, o fim.

E, assim, temos um retrato cósmico da história da redenção segundo a visão de Apocalipse 4-5. Deus é o Criador. Isso estabelece seu direito primordial de fazer redenção. Como Criador ele se assenta num trono de santidade e justiça. Suas ações são todas em decorrência desse princípio fundamental. O Criador ama e quer salvar sua criação, mas não poderá fazer isso por uma pura e simples imposição: é preciso conquistar um direito. O Redentor faz isso. Morre para viver. É derrotado para vencer. Retorna ao céu e toma o livro. Então, criação e redenção encontram o ponto em comum na coroa de Cristo.

Os dois círculos mais íntimos do trono encerram a solenidade de coroação com um “amém” (quatro seres vivente) e um prostrar-se em adoração (vinte e quatro anciãos). Assim, a criação e a Igreja rendem confiança e adoração ao Pai e ao Filho. Os céus estão em paz. A terra, ainda não.

II. OS SETE SELOS

O livro do Apocalipse é uma história que se repete sete vezes. Não devemos ler o livro de forma cronológica do capítulo 1 ao 22, como se a história fosse desenrolando-se desenrolando-sempre desenrolando-sequencialmente, mas desenrolando-seguindo uma técnica antiga de repetir (principalmente quando se estava se ensinando ou falando de uma maneira oral). É preciso lembrar que os crentes do primeiro século não liam o livro do Apocalipse como nós o lemos hoje, eles não tinham um rolo para cada um; tomavam conhecimento do Apocalipse pela leitura comunitária.

(8)

Assim, nos capítulos 1 a 3 de Apocalipse, temos o primeiro destes ciclos, onde, introdutoriamente, o apostolo João conta esta história em diálogo com as sete igrejas da Ásia, mostrando o Senhor Jesus e apontando para sua segunda vinda e para o juízo final.

Grande parte desta mesma história da salvação foi contada novamente nos capítulos 4-5. A realidade do trono celeste em contraste com os tronos terrenos, a supremacia e a santidade de Deus assentado no trono e rodeado de milhões de anjos. Tudo isso destacou a grandeza do Criador. A concentração da cena no livro fechado e selado na mão direita do soberano do universo demonstrou que, pelo menos em tese, o grande plano da história da redenção esteve ameaçado. Foi necessária uma “conquista” para que o livro pudesse ser aberto. Jesus, o cordeiro “morto”, que conquistou a morte, se apresentou no céu e reivindicou o livro para si, tendo-o recebido da mão direita daquele que se assenta no trono. Diante disso, foi reconhecido por todas as criaturas celestes e terrenas como o soberano. Em seguida, Jesus começou abrir os selos do livro, ou seja, começou a reinar. Portanto, a abertura dos selos são ações de Jesus impetradas na terra como Rei. Os eventos tomam lugar entre a primeira e a segunda vinda de Jesus. O PRIMEIRO SELO

Fazendo jus à autoridade conquistada, o Cordeiro, de posse do livro, imediatamente abre um dos sete selos.

Basicamente, há quatro posições que são mais ou menos aceitas para definir esse cavaleiro:

1) O Anticristo. Geralmente, os intérpretes associados ao dispensacionalismo teológico veem esse cavaleiro como o anticristo, e consideram a cor branco do cavalo uma paródia ou imitação de Cristo. Assim, ele recebe uma coroa e sai conquistando o mundo.

2) Uma referência genérica a conquistas militares. Autores como Mounce (1977, p. 154), Swete, (1951, p. 86), Charles (1989, p. 162) Morris (1989, p. 101-102) e Beale (1999, p. 375-376) veem todos os quatro cavaleiros como atividades julgadoras da parte de Deus sobre os homens. Portanto, como os últimos três cavaleiros claramente evocam a ideia de distúrbios e violência, o primeiro, para não destoar, necessariamente também precisa ser uma referência a guerras.

3) Cristo. William Hendriksen (1980, p. 116-123) sustenta que o cavaleiro é o próprio Cristo, por causa da identificação de Cristo no capítulo 19 como montando um cavalo branco.

4) O Evangelho. Autores como Vitorino8, Ladd (1980, p. 73-74) e Kistemaker (2004, p. 290-291) entendem que o Evangelho se encaixa melhor na descrição do símbolo.

Apesar do texto ser bastante resumido, várias características se destacam e são úteis para interpretar o símbolo. Sua cor é branca (λευκός). O cavaleiro montado tem um arco (τόξον). Então, recebeu uma coroa (στέφανος). A declaração “e saiu conquistador e para conquistar” deve ser entendia como “saiu” do livro, ou seja,

8 O comentário do século 4 é o mais antigo que existe. Ele diz o seguinte a respeito do primeiro selo:

“pois isso aconteceu primeiro; depois que nosso Senhor ascendeu aos céus e abriu tudo, ele enviou o Espírito Santo, cujas palavras, através dos pregadores, são como flechas acertando os corações dos homens e conquistando descrentes (…). Então, o cavalo branco é a palavra da pregação enviada ao mundo com o Espírito Santo” (VITORINO, 1885, Ap 6.1).

(9)

imediatamente, assim que o cordeiro abriu o selo, apareceu o cavaleiro e ele saiu9 conquistando e para conquistar. “Conquistando” é uma tradução melhor do particípio grego (νικῶν). E trata-se do mesmo verbo utilizado para descrever a vitória de Cristo em Apocalipse 17.14: “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele”. Igualmente, foi utilizado para descrever os vencedores nas igrejas, ou seja, aqueles que permaneceriam fiéis (Ap 2.11, 3.5).

A cor branca é um poderoso incentivo visual para manter a característica positiva do símbolo. A expressão “cavalo branco” (ἵππος λευκός) é exatamente a mesma utilizada para descrever o cavalo que Cristo utiliza para descer do céu em Apocalipse 19.11. Em Apocalipse, a cor “branca” sempre representa algo benéfico, desde os cabelos de Jesus (Ap 1.14), as roupas dos redimidos e dos anjos (Ap 3.4, 7.9, 7.13, 19.14), até a cor do próprio trono do Juízo Final (Ap 20.11).

Além do cavalo branco, ao cavaleiro é dada uma coroa. O termo grego στέφανος, em Apocalipse, é utilizado para descrever a coroa dos crentes (Ap 2.10, 3.11), dos anciãos (Ap 4.4, 10), da Igreja (Ap 12.1), e dos anjos (Ap 14.14). Diadema é a palavra para descrever as “coroas” do dragão e da besta (Ap 12.3, 13.1).10 Em Apocalipse 9.4, os anciãos têm ambas, as coroas e as roupas brancas: “Ao redor do trono, há também vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro anciãos vestidos de branco, em cujas cabeças estão coroas de ouro”.

O arco é uma arma utilizada por Deus no Antigo Testamento (Sl 21.12, 45.4-5, Is 49.1-2). Em Habacuque 3.8-13, o Senhor é descrito como um guerreiro que sai para salvamento do seu povo: “Tiras a descoberto o teu arco, e farta está a tua aljava de flechas. Tu fendes a terra com rios” (Hb 3.9). Ao mesmo tempo em que ele destrói os inimigo, salva o seu povo: “Na tua indignação, marchas pela terra, na tua ira, calcas aos pés as nações. Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu ungido; feres o telhado da casa do perverso e lhe descobres de todo o fundamento” (Hb 3.12-13). Portanto, não há nenhuma inconsistência em associar o arco como uma arma divina.

Portanto, todo os termos que descrevem o primeiro cavaleiro conduzem necessariamente a um entendimento positivo dele. Entendemos que não há motivo forte o bastante para atribuir algum significado maligno ou dúbio para esse cavaleiro montado no cavalo branco. Trata-se de um genuíno e real conquistador. Seria, portanto, o próprio Cristo?11 Há duas dificuldades que, não obstante, não são insuperáveis em relacionar estritamente o simbolismo com Cristo, mas que precisam ser apontadas: a arma do cavaleiro é um arco, enquanto que a arma de Cristo, no capítulo 19, é uma espada. Em segundo lugar, é o próprio Cristo quem está abrindo o selo, e parece um pouco estranho que ele próprio esteja saindo de dentro do livro, apesar de que o estilo apocalíptico permite isso. Porém, faz mais sentido pensar que não seja o próprio Cristo, mas algo intimamente ligado a ele, com grande e legítima semelhança com ele.

A solução para o enigma está na história da salvação que João está contando nos capítulos 4-7 de Apocalipse. A abertura dos selos acontece logo após a coroação de Cristo no céu, e o primeiro selo, é o primeiro ato do Rei dos reis e Senhor dos

9 Note-se que, no segundo cavaleiro, a indicação “saiu” é antecipada na estrutura da frase “e saiu outro

cavalo, vermelho”, deixando claro que esse “saiu” diz respeito à abertura do selo.

10 Duas exceções notadas não parecem inverter essa lógica. Em Ap 19.12 é dito que Cristo, em sua

segunda vinda, tem muitos “diademas”. E os gafanhotos que saem do abismo têm na cabeça algo semelhante a coroas. No primeiro caso, é possível dizer que Jesus conquistou as diademas dos inimigos, despojando-os. No segundo, é apenas semelhança com coroas reais.

11 Hendriksen diz: “Francamente, não vemos como alguém pode provar que o cavaleiro do cavalo branco

(10)

senhores. Nesse sentido, apesar do grande número de excelentes defensores da posição de que se trata de guerras generalizadas como um julgamento divino sobre o mundo, precisamos perguntar: Que sentido há nisso? Essa seria a primeira grande ação de Cristo após sua coroação no céu? Liberar guerras genéricas? O que isso acrescentaria ao que já acontecia antes de ele ser coroado? Além disso, guerras, conturbações e julgamentos divinos já estão descritos nos outros três cavaleiros.

A sequência de eventos esclarece o sentido o primeiro selo: O Cordeiro venceu, conquistou o direito de abrir o livro, apresentou-se perante o trono da majestade nos céus, pegou o livro e começou a abrir os selos, liberando em primeiro lugar o cavaleiro branco vitorioso e para vencer. Então, é preciso pensar na ordem dos eventos da história da salvação, relatados no Novo Testamento, para compreender o sentido. Jesus morreu, ressuscitou, subiu ao céu e fez o que em seguida? Enviou o Espírito Santo aos discípulos, a fim de capacitá-los a “pregar o Evangelho”. Atos 1.8 diz: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”. Antes mesmo de derramar o Espírito, Jesus já havia dito a eles: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.18-19). Ou seja, a primeira coisa que Jesus mandou seus discípulos fazerem após ele ter concretizado sua vitória foi: preguem o Evangelho em todo o mundo!

Portanto, o primeiro selo, a primeira ação do Cristo glorificado foi enviar seus discípulos, capacitados pelo Espírito Santo, até os confins da terra, para anunciar o Evangelho. Mais do que uma simples ordem, nisso está a garantia de que essa missão seria bem sucedida, graças ao poder conquistado por Cristo. Ele tornou o Evangelho o “poder” de Deus para a salvação de judeus e gregos (Rm 1.16), de maneira que ninguém poderia “prender” a Palavra (2Tm 2.9).

O SEGUNDO SELO

Há dois sentidos em que esse cavaleiro pode ser interpretado. O primeiro é mais genérico e segue a predição de Cristo em Mateus 24:6-8:

E, certamente, ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores. Ou seja, são sinais genéricos de conturbações sociais e um estado progressivo de violência entre as nações e entre os indivíduos, como decorrência de sua rebelião contra Deus12. Como um ato de juízo divino, aos homens que se recusam a crer no Evangelho (cavalo branco) só resta um estado cada vez mais aprofundado de desespero e ausência de paz. Em Isaías 57, inicialmente o Senhor oferece paz aos pecadores: “Como fruto dos seus lábios criei a paz, paz para os que estão longe e para os que estão perto, diz o SENHOR, e eu o sararei” (Is 57.20). Porém, a recusa dos perversos em aceitá-la faz com que seu estado seja irremediável: “Mas os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo. Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz” (Is 57.20-21).

12 Mesmo o mundo daqueles dias estando debaixo da Pax Romana, que ia da Armênia à Espanha, não

estava livre de conflitos localizados, obrigando a movimentação das legiões romanas de um lado para outro.

(11)

Porém, o aspecto mais particular dessa violência se expressa nas próximas palavras de Jesus em Mateus 24: “Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome” (Mt 24.9). Ou seja, a inquieta espada do cavaleiro do cavalo vermelho se volta especificamente para os cristãos, revelando o ódio do mundo aos seguidores fiéis de Cristo. As palavras de Cristo mais uma vez esclarecem esse fato: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34). Isso aconteceria justamente em decorrência da perseguição que o mundo ofereceria contra os cristãos, cabendo a estes confessar o nome de Cristo perante o mundo, ainda que isso lhes custasse a vida (Mt 10.32,38-39). O fiel Antipas, em Pérgamo, havia experimentado a espada do segundo cavaleiro justamente porque não havia negado o nome de Jesus perante as autoridades (Ap 2.14). Na verdade, a maioria dos crentes fiéis, entre as sete igrejas, que haviam sido conquistados pelo primeiro cavaleiro, agora precisavam enfrentar a espada do segundo. O TERCEIRO SELO

A peculiaridade do terceiro cavaleiro, além da cor preta (μέλας), é o instrumento que ele traz na mão. Todas traduções trazem a palavra “balança” para o termo grego (ζυγὸν). De fato, um dos significados possíveis é que seja uma balança de dois pratos que estabelece o peso por equilíbrio. A tradução “balança” parece fazer sentido porque, em conexão com o surgimento do terceiro cavaleiro, será anunciado o preço de mercadorias como trigo e cevada: Uma medida de trigo por um denário, três medidas de cevada por um denário. Porém, em todas as vezes que a palavra (ζυγὸν) aparece no Novo Testamento, ela significa jugo (Mt 11.29-30, At 15.10, Gl 5.1, Fp 4.3, 1Tm 6.1). E, além disso, o anúncio das mercadorias não fala de peso, mas de medida. A balança de dois pratos não serve para medir a quantidade de trigo ou cevada, havendo, portanto, uma incongruência entre a função da balança e o anúncio feito.

É evidente que a abertura do terceiro selo anuncia dificuldades de sobrevivência, pois o preço da medida de trigo e das três de cevada está muito alto, custando o salário inteiro de um dia de um trabalhador comum. Em situação normal, ele poderia comprar muito mais do que isso: um denário compraria quinze vezes mais trigo ou cevada, mas, como consequência da ação do cavaleiro preto, o dinheiro consegue comprar muito pouco. Mas ainda consegue comprar alguma coisa, portanto, isto não é uma descrição de um estado generalizado de fome. Por isso, no caso do instrumento ser de fato uma balança, o sentido seria de dificuldades comerciais. Porém, mais do que dificuldades econômicas genéricas que podem ser identificadas ao longo da história e que foram anunciadas pelo Senhor Jesus (Lc 21.11), o terceiro cavaleiro parece estar mencionado algo bem específico que acontecia nas sete igrejas da Ásia, pelo menos entre aquelas que permaneciam fiéis no testemunho. Ao sofrerem sanções econômicas pela recusa em participar da vida social e idolátrica da sociedade romana, ou das corporações de comércio como em Tiatira, restava aos cristãos enfrentarem a carestia, o desemprego, o insucesso financeiro, e, consequentemente, a limitação de seu poder econômico. Porém, a última declaração, “e não danifiques o azeite e o vinho”, encontra dificuldade em se harmonizar com isso. Especialmente porque a expressão grega traduzida por “e não danifiques” (μὴ ἀδικήσῃς), literalmente significa: “não

(12)

cometa injustiça”, o que é, contextualmente, difícil de encaixar em relação ao preço do trigo e da cevada13.

Provavelmente, a melhor tradução para a palavra (ζυγὸν) seja de fato jugo. O primeiro cavaleiro trouxe um arco, o segundo uma espada, o terceiro, portanto, traz um jugo. O que isso significa? No Novo Testamento, o simbolismo da expressão jugo tem a ver com “escravidão”. Por exemplo, Gálatas 5.1 utiliza a expressão nesse sentido: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. Do mesmo modo, em 1 Timóteo 6.1: “Todos os servos que estão debaixo de jugo considerem dignos de toda honra o próprio senhor, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados”. Nota-se que o Apóstolo Paulo está falando sobre escravos cristãos que estavam debaixo de jugo, os quais deveriam honrar os senhores para que o nome de Deus não fosse blasfemado. É evidente que, diante de muitos abusos sofridos pelos servos nas mãos de seus senhores, diversos escravos não perdiam a oportunidade de fugir ou de se vingar de seus senhores. Paulo, inclusive, escreveu em defesa de um escravo fugitivo cristão chamado Onésimo, tentando apaziguar o ânimo de um senhor cristão chamado Filemom (Fil 1.8ss).

Se interpretarmos o instrumento do cavaleiro com um jugo, além do aspecto da dificuldade de sobrevivência dos cristãos fiéis no primeiro século, evocado pelo símbolo da balança, teríamos acrescida uma questão bem específica: o real perigo de se tornarem escravos. O segundo cavaleiro, que possuía a espada poderia decapitá-los em nome de Roma, caso não abandonassem a fé cristã. Já o terceiro poderia fazer algo ainda pior, de certa maneira: torná-los escravos por imposição legal. Nesse caso, faz ainda mais sentido a expressão “uma medida de trigo por um denário e três medidas de cevada por um denário”. Se antes os cristãos podiam, por mais pobres que fossem, receber um denário por conta de seu trabalho diário, o qual daria condições razoáveis para sustentar sua família, agora, por um dia de serviço, receberiam apenas uma medida de farinha ou três de cevada, que está mais perto do sustento diário que os senhores ofereciam aos escravos. Também a expressão “não seja injusto com o azeite e o vinho” adquire um sentido mais pleno, pois representa a fidelidade que seria esperada dos “novos escravos”, os quais não deveriam se vingar de seus senhores, nem prejudicá-los de alguma maneira na administração dos bens deles e da comida própria deles (azeite e vinho). A palavra de ordem, portanto, seria “resignação”.

O QUARTO SELO

O fato de o cavaleiro ter o nome de “morte” e ser acompanhado pelo Hades, ou Inferno, aponta para o aspecto completo de morte produzido por este cavaleiro. No Novo Testamento, Hades tem o sentido de “sepultura” (At 2.27,31). Apesar de ter uma conotação de punição, como na Parábola do Rico e do Lázaro, deve-se ter em mente que a punição é um estado apenas para o ímpio (Lc 16.23, Cf. Mt 11.23). Quando o Senhor se apresenta em Apocalipse como aquele que tem as chaves “da morte e do Hades” (Ap 1.18), o sentido é que ele tem as chaves da morte e da sepultura, justamente por ter aberto sua própria sepultura e ressuscitado, podendo fazer o mesmo por sua igreja. Em Apocalipse 20.13, a morte e o além (Hades) entregam os mortos que estavam

13 Ladd e outros comentaristas inconsistentemente entendem que a menção ao azeite e vinho não se

referem à comida dos ricos, pois também havia azeite e vinho de baixa qualidade que os pobres consumiam. Sendo assim, põem um limite à escassez, ou seja, o cavaleiro preto fala de uma situação de necessidade, mas não de fome catastrófica, pois não diria respeito à grande tribulação (LADD, 1980, p. 76). Esse tipo de interpretação desvincula o texto da situação das sete igrejas, e não faz justiça ao contraste entre trigo/cevada e azeite/vinho tão evidentes no texto.

(13)

neles para irem ao juízo final, significando, portanto, a morte e a sepultura14. E, no final de tudo, a morte e o Hades são lançados para dentro do lago de fogo (Ap 20.14), significando a extinção completa da morte.

Impressiona como o número quatro aparece tantas vezes neste texto: Quarto selo, quarto ser vivente, quarta parte da terra e quatro instrumentos de morte. Sendo o número quatro em Apocalipse o número da criação, esta parece ser uma maldição divina sobre a criação e sobre os ímpios, acentuada pela cor “esverdeada” do cavalo. Porém, o pano de fundo do quarto cavaleiro é uma citação do livro de Ezequiel, uma ameaça de juízo contra Jerusalém, por causa dos pecados dela: “Porque assim diz o SENHOR Deus: Quanto mais, se eu enviar os meus quatro maus juízos, a espada, a fome, as bestas-feras e a peste, contra Jerusalém, para eliminar dela homens e animais?” (Ez 14.21).

A ação do quarto cavaleiro, portanto, parece ser mais ampla do que algo a atingir apenas as igrejas, sendo, antes, um agir julgador de Deus sobre a criação em geral. Mas as igrejas não podem ser deixadas de fora de sua ação, pelo menos não os cristãos “mortos” e os adúlteros como Jezabel. E os que não recebessem isso como punição, poderiam receber como provação, a qual poderia incluir a morte, ou a prisão (Ap 2.10). Espada e fome já foram evocadas no segundo e terceiro cavaleiros, mas aqui parece algo diferente. O termo espada do segundo cavaleiro (μάχαιρα) é diferente do termo do quarto (ῥομφαίᾳ). A espada do quarto é uma lança da Trácia, mais longa do que a do segundo, que é pouco maior do que uma faca. Portanto, isso parece sugerir um tipo de guerra mais generalizado. Do mesmo modo, no terceiro cavaleiro não temos a menção explícita à palavra “fome” (λιμῷ) como temos no quarto. Enfermidades e bestas são, sem sobra de dúvida, exclusividades do quarto cavaleiro. Portanto, além da espada e da escravidão, os cristãos precisavam estar preparados para enfrentar as guerras, a fome, as enfermidades e os animais selvagens, sofrimentos que poderiam ocorrer genericamente no mundo, atingindo crentes e incrédulos, mas poderiam ser mais incisivos nos próprios crentes, como decorrentes da perda da cidadania romana, da falta de acesso a bons tratamentos de saúde, ou, simplesmente, a um padrão de vida miserável por perderem os privilégios concedidos aos cidadãos fiéis ao estado romano.

Quanto ao termo “bestas”, não deixa de ser interessante que “bestas da terra” é a mesma expressão que descreve as duas bestas do capítulo 13, os dois maiores instrumentos do dragão para perseguir a Igreja, sendo a segunda especificamente chamada de “da terra” (Ap 13.11). Mas, talvez, muitos cristãos teriam que enfrentar uma versão bem mais literal dessas bestas, no coliseu ou nas arenas romanas espalhadas pela Ásia, onde, não poucas vezes, foram colocados para enfrentar animais selvagens para diversão das massas.

O QUINTO SELO

Provavelmente, muitos cristãos nas igrejas estavam com dúvidas sobre a vantagem de enfrentar o martírio. A religião intermediária, sem riscos ou sacrifícios, oferecida pelos nicolaítas e por profetizas protognósticas como Jezabel em Tiatira, apontava para uma maneira de evitar o martírio. Ao pensar nos muitos cristãos que

14 É importante notar que o texto está falando dos “corpos” dos mortos, tanto aqueles que estão no mar,

quanto aqueles que estão na terra, e não das almas. Em Apocalipse, as almas dos salvos são descritas junto ao trono de Deus (Ap 6.9, 20.4). Apesar de que o Apocalipse não descreva onde estão as almas dos perversos, com base no Novo Testamento pode-se dizer que estão apenas no Hades, neste caso significando mais do que apenas sepultura, mas local de punição.

(14)

haviam morrido nas arenas romanas, ou decapitados perante as autoridades (decapitação era um direito de cidadãos romanos), talvez, muitos crentes tivessem dúvidas sobre o que havia acontecido com a alma deles. Estavam no céu? Em algum lugar intermediário? No túmulo? Apesar do Novo Testamento ensinar que as almas dos crentes quando morrem vão ao céu, talvez esse ensino não estivesse suficientemente claro para algumas das sete igrejas. Porém, principalmente, deveria haver uma dúvida entre aqueles crentes no que dizia respeito à justiça de Deus. Afinal, por décadas, os cristãos vinham sendo assassinados dentro do Império Romano, e a justiça divina não parecia estar próxima de acontecer. Por esse motivo, o quinto selo revelou especificamente a situação dos mortos em Cristo e a relação da justiça de Deus com o sofrimento de seu povo.

João disse que viu “debaixo do altar” (θυσιαστηρίου) as almas dos que tinham sido assassinados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que sustentavam.

O aspecto central da mensagem do quinto selo aparece quando essas “almas” fazem uma reivindicação direta para Deus, ou seja, o sangue delas clamou por justiça: “Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”. O sangue, que escorria debaixo do altar do sacrifício, aqui sugere a comparação com o sangue deles, que também estava (almas) debaixo do altar.

A resposta à reivindicação das almas é composta de um aspecto positivo e outro negativo. O aspecto positivo é que recebem estolas brancas (στολὴ λευκὴ) e a ordem divina para que descansem por pouco tempo. Porém, uma condição é estabelecida para que a justiça divina se manifeste: um número precisa ser completado, ou seja, precisa alcançar sua plenitude. Trata-se do número dos conservos (σύνδουλοι) e irmãos que precisavam ser mortos.

O SEXTO SELO

Se no quarto selo o número quatro teve grande destaque, o mesmo acontece com relação ao número seis no sexto selo, onde seis grandes flagelos anunciam o fim desta era:

1) e sobreveio grande terremoto.

2) O sol se tornou negro como saco de crina, 3) a lua toda, como sangue,

4) as estrelas do céu caíram pela terra, como a figueira, quando abalada por vento forte, deixa cair os seus figos verdes,

5) e o céu recolheu-se como um pergaminho quando se enrola. 6) Então, todos os montes e ilhas foram movidos do seu lugar.

Por sua vez, seis classes de homens, começando pelos mais importantes até os menos favorecidos, se desesperam diante da ira divina:

1) Os reis da terra, 2) os grandes, 3) os comandantes, 4) os ricos,

5) os poderosos

6) e todo escravo e livre

A última classe composta de todo escravo e livre (πᾶς δοῦλος καὶ ἐλεύθερος) refere-se aos mais pobres da população, os escravos e os escravos libertos, que na escala romana ocupavam juntos a base da pirâmide (HENDRIKSEN, 1987, p. 134).

(15)

O número seis no Apocalipse está associado com as atividades malignas e também com o julgamento divino sobre estas, portanto, é significativo que o número seja tão contemplado no sexto selo.

A inclusão de todas essas classes num mesmo estado de desespero mostra que Deus não faz “acepção de pessoas” para o bem ou para o mal. Salvação ou condenação não depende de condição social.

A cena do desespero desses homens é dramática e, além de uma grande mensagem de alerta, é também mais uma indicação da corrupção da natureza humana: “se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro”. O esforço por se esconder lembra a atitude de Adão e Eva logo após o pecado (MOUNCE, 1977, p. 163).

A última frase atribuída aos pecadores fecha a cena de julgamento: “porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?”. Ou seja, qual é o homem, por mais poderoso, rico ou importante que tenha sido em vida, que poderá aguentar, ficar em pé, manter sua postura de falsa dignidade, quando estiver diante de Deus e do Cordeiro, no dia da ira deles?

Se o livro do Apocalipse fosse para ser lido numa sequência cronológica, como se cada capítulo descrevesse um evento subsequente, o mundo teria que acabar pelo menos sete vezes, pois temos sete descrições do fim do mundo em Apocalipse. No entanto, o mundo irá acabar uma vez só. O apóstolo João conta a mesma história sete vezes. E no sexto selo ele mostra, pela segunda vez, que haverá um dia de juízo, um dia da ira de Deus15.

Portanto, que história o apostolo João recapitula sete vezes através dos 22 capítulos do livro do Apocalipse? A história da vitória de Cristo e seu povo, que começa com a morte e ressurreição de Jesus, sua subida aos céus, onde ele se tornou Rei dos reis e Senhor dos senhores. Então, passou a executar os decretos de Deus, a pregação do Evangelho, a tribulação e o dia da vingança. Mas, para completar a história na seção dos setes selos, ele ainda precisará mostrar a salvação eterna dos justos.

IV. DUAS MULTIDÕES, UM SÓ POVO

Nos capítulos 4-6, João contou uma grande parte da história da salvação, a qual ele vai repetir mais cinco vezes até o final do livro. Ele mostrou o governo cósmico do Deus criador e a vitória do Cordeiro redentor, que lhe deu o direito de abrir o livro fechado e selado com sete selos. Ao abrir os selos, do primeiro ao sexto, reconhecemos a história da igreja vitoriosa na pregação, porém sujeita à tribulação e ao martírio, a esperança do juízo e a confirmação dele sobre os ímpios. O sexto selo mostrou todo o horror da destruição dos perversos na segunda vinda de Jesus. Porém, até aqui, João teve pouco a dizer sobre os salvos. Por isso, o capítulo 7, que finaliza a segunda divisão do livro, revela em detalhes como Deus preserva seu povo escolhido até cumprir todos os seus propósitos. É a resposta para a pergunta dos ímpios no final do sexto selo: porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se? (BEALE, 1999, p. 405). A resposta é: o povo de Deus, porque foi selado por Deus, poderá se manter em pé no dia da ira de Deus.

Os eventos do capítulo 7 não se dão depois dos eventos do capítulo 6, até porque, no sexto selo, a destruição dos ímpios já aconteceu. No capítulo 7, temos a

(16)

descrição dos eventos que acontecem durante a abertura dos selos. Isso é facilmente perceptível porque a ordem é para que “a destruição” (dos selos) seja suspendida até que os servos de Deus sejam marcados.

A figura apocalíptica é de quatro anjos nos pontos cardeais, detendo o avanço dos ventos sobre a terra16. A figura deve ser entendida como uma ação divina que impede o acontecimento dos eventos do sexto selo. É uma outra forma de explicar o que já foi explicado no quinto selo, diante da reivindicação das almas por justiça. Justiça não acontecerá antes que Deus sele todos os seus escolhidos, ou antes que o último mártir sangre por Cristo.

Apesar da menção às tribos de Israel, parece-nos forçado dizer que o texto está se referindo literalmente e exclusivamente a israelitas. Nos dias do Apóstolo João, não existia mais um Israel como nação. Dez tribos haviam se perdido no tempo do cativeiro, e Judá e Benjamim haviam perdido o direito à terra no ano 70, quando da destruição de Jerusalém (HENDRIKSEN, 1987, p. 137), portanto, Israel como nação permanece apenas como um símbolo do povo de Deus, o qual não tem identificação étnica. O Novo Testamento ensina que toda divisão entre judeus e gentios foi derrubada em Cristo (Ef 2.11-14). É interessante que a primeira tribo citada não é Rubem, mas Judá17. É uma referência, portanto, à tribo de onde Jesus descende. Ele é o cabeça das doze tribos, pois é, na verdade, o cabeça da Igreja.

Os 144 mil selados não podem ser literalmente apenas de Israel, pois, nesse caso, somente eles seriam livrados do poder destruidor da quinta trombeta de Apocalipse 9, onde aparentemente seres espirituais perversos são liberados do abismo para atormentar os homens que não têm o selo do Deus vivo sobre a fronte (Ap 9.4-5). Isso significaria que a Igreja seria atormentada por esses demônios, o que claramente o Apocalipse não mostra.

No capítulo 14, os 144 mil voltam a aparecer, e lá é dito que são “os que foram comprados da terra” (Ap 14.3), e isto aponta para a uma realidade maior do que Israel.

A muralha da nova Jerusalém (a noiva do cordeiro) tem 144 côvados (Ap 21.17). Portanto, o número é aplicado em Apocalipse para a totalidade do povo de Deus em ambos os testamentos, composto tanto de judeus como de gentios, não sendo, por isso, um número literal. Trata-se de um número imenso, o qual só Deus conhece, porém o número precisa ser exato justamente para que a tarefa de selá-los possa ser cumprida e se tenha o conhecimento de quando isso for terminado18.

Quem é a grande multidão que aparece em seguida? A primeira informação é que é “incontável”. O contraste em relação aos 144 mil se estabelece com essa expressão. Mas seria uma multidão diferente? Entendemos que não. São apenas dois aspectos da mesma descrição. As visões dos antigos profetas frequentemente seguiam uma espécie de paralelismo progressivo. Ou seja, o profeta tinha duas ou mais visões de elementos ou objetos diferentes, mas que significavam exatamente a mesma coisa. Nessa mesma linha, os 144 mil representam a multidão selada, um número exato que pode ser completado quando o último escolhido é selado, estabelecendo assim

16 A figura dos ventos soprando sobre a terra é um simbolismo do Antigo Testamento, apontando para o

juízo de Deus (Jr 49.36, Ez 5.12, Dn 7.2).

17 Além disso, a tribo de Dã não é citada, e em lugar dela aparece a meia tribo de Manassés. Por outro

lado, a meia tribo de Efraim não é citada. Se fosse uma distribuição literal dos salvos em Israel, isso significaria que nenhum israelita da tribo de Dã seria salvo.

18 Bauckham (1993b, p. 217ss), apoiado por Beale (1999, p. 422), entende que o número se refere à

totalidade dos fiéis, que aqui são descritos como um exército, os quais devem participar da batalha escatológica contra as forças das trevas. Por isso, a estrutura “doze mil da tribo…” assemelha-se a um censo.

(17)

formalmente o “Israel espiritual”. Porém, ao mesmo tempo, é uma multidão incontável de todas as tribos, povos e línguas, ou seja, tanto de Israel quanto dos gentios. Essa multidão está “em pé” diante do trono e do cordeiro, vestida com estolas brancas (στολὰς λευκὰς) semelhantes às que receberam as almas dos mártires no quinto selo. Pois, na verdade, tratam-se do mesmo povo. No quinto selo, aos mártires foi dito que esperassem se completar o número de mártires. Aqui vemos o número completo. E é um grande número.

O SÉTIMO SELO

Certamente, o leitor atento do texto (Ap 1.3) deveria estar se perguntando, à medida em que os selos iam sendo abertos, o que estava reservado para o sétimo e último selo. Principalmente quando no sexto “o fim do mundo” já foi anunciado, e, no intervalo entre o sexto e o sétimo selos, a descrição das duas multidões que compõem o mesmo povo estabeleceu que os fiéis seriam guardados por Deus até o momento de desfrutarem da nova criação. O que poderia haver além do fim?

Por isso, não surpreende quando o sétimo selo é aberto e contém a mais simplificada declaração de todos os selos: houve silêncio no céu cerca de meia hora. Ainda assim, esse silêncio não significa vazio19, antes evoca um conteúdo muito significativo. Desde o Antigo Testamento, silêncio pode ter um sentido que envolve tanto a destruição dos inimigos, quanto o descanso dos salvos (Sl 31.17, 115.17, Is 47.5, Ez 27.32). Perante o Senhor, toda a terra deve se calar (Hc 2.20, Zc 2.13). Por isso, em silêncio, o fiel deve esperar a libertação divina (Sl 62.1,5, Hc 3.16, Lm 3.26). Portanto, a abertura do sétimo selo traz consigo o silêncio da plenitude. A história da salvação se completou. Cristo triunfou sobre a morte, comprou e buscou todos os seus escolhidos entre as nações, selou-os, guardou-os até o fim. Os ímpios foram destruídos juntamente com a terra e o céu atuais, a nova criação foi visualizada, Deus fez seu tabernáculo com os homens. O fim chegou. Silêncio.

Referências

Documentos relacionados

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

a) Aplicação das provas objetivas. b) Divulgação dos gabaritos oficiais do Concurso Público. c) Listas de resultados do Concurso Público. Os recursos interpostos que não se

6.1. Poderão participar do leilão todas as pessoas físicas maiores e capazes e as pessoas jurídicas devidamente constituídas que não se encontram em hipóteses

Acham-se abertas, nos termos do Despacho 387-17-PROPEG de 14-12-2017, publicado em 15-12-2017 e com base Resoluções UNESP 29/2015, alterada pela Resolução UNESP nº 81/2017,

Para se buscar mais subsídios sobre esse tema, em termos de direito constitucional alemão, ver as lições trazidas na doutrina de Konrad Hesse (1998). Para ele, a garantia

Este fogão foi projetado para uso com gás GlP, se necessário a utilização de gás natural, chame o Serviço técnico Autorizado Electrolux mais próximo para a conversão.. Caso

Entretanto, muitas das características abordadas pela automação são aproveitadas nas técnicas que esta relacionada ao conceito de sustentabilidade em uma

Os empregadores se obrigam ao pagamento de um adicional por tempo de serviço prestado pelo empregado ao mesmo empregador, igual a 5% (cinco por cento), por biênio trabalhado,