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Eric Havelock - Prefácio a Platão

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Academic year: 2021

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Nao surpreende,

como dissemos,

que os interpretes

Platao Lcnham relutado

em toma-Io ao pe

da letra,.

verdade, a tentac;:ao de fazer 0 contrario

e

cl'lorme. Nao

o mestre, ele proprio,

urn

grande poeta C.)? .floderia

escritor

C:111 tanta

sel1sibilidade

ter

realntente

indiferente,

mais ainda,

hostil a dbposiC;:20 ritmicae

lingua gem figurada, que constituem

0 segredo do

estilo

noel' .,:' "Jao, ere deve te,~alado

de maneira

ironic a e

ocasionalmente

mal-humor~da.

Sem sombra

de

duvida,

nao pO(;~ ler querido dizer

0

que disse. 0 ataque a poesia

pode ,-:di_~veSeri:-lleiramente

e:x;plicado, reciuzicio as suas

verdadeiras propotc()es, tOlllado inocuo 0 bastal1tepara

ajustar

a

nossa concep(n

do que 0 platol1ismo·s~st~ilta.

As~in",

SF

desenvolve

subconscientemente

0 raciocinlo

como todos

os demais,

renete

0 preconceito

moderno,

que julga necessar~o, de tenpos

em tempos,

salvar Platao

dasconsequencias'doq1.J~

ele podeestardizendo,

a

de ajusta:r stla filosofiaa

. urn mundo

ta~eravel

moderno.

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Tilulo original em ingles: Preface to Plato © Harvard University Press, 1963

Tradu9ao: Enid Abreu Dobrimzsky Capa: Femando Cornacchia

Foto: Rennalo Testa Cop/desque: Jazon da Silva Santos

Rev/saD: M6nica Saddy Martins Sabino Ferreira Affonso

A oportunidadeparacompletaresle lrabalhofoj

indiretamenleproper-cionada ao autor durante 0periodo em que fei professor-visitante no

Ford Humanities Project, administrado pelo Canselho de Ciencias Humanas da Universidadede Princeton.

aalltor tern urna divida degratidaopara com 0 Conselho e seus

funcionarios,a Universidadede Prinoatonetambem a FundayaoForet

Havelock, Eric

Prefacio a Platao! Eric Haveiock; traduyao Enid Abreu Do-branzsky. -- Campinas, SP: Papirus, 1996.

Indices para cab\logo sistematico:

1. Fil6sofos gregos antigos 180

2. Grecia antiga: Filosofia 180

DEDALUS • Acervo • FFLCH

1111111 11111lijlll 1111111111111111111111111 1111111111 111111111Ifl

I

DIF1EITOS RESERVADOS PARA A liNGUA PORTUGUESA:

@ M.R. Cornacchia Livraria e Editora. Ltda - PapjnJ~;

Editor-a-Malriz- F.: (019) 231-:3534e231-3500- C. P. 736·elf' n001-970

(3)

PARTE I

OS PENSADORES FIGURATNOS

1. A POESIA EM PLATAO

2. MIMESIS

3.

A POESIA COMO COMUNICA<;::Ao CONSERVADA

4. A ENCICLOPEDIA HOMERICA

5. POEMA EPICO COMO REGISTRO VERSUS POEMA EPICO

COMO NARRATIVA

6.

A POESIA EM HESIODO

7. AS FONTES ORAlS DA INTELIGENCIA HELENICA

8. A DISPOSI<;::Ao MENTAL HOMERICA

9.

A PSICOLOGIA DA DECLAMA<;::AO POETICA

10. 0CONTEUDO E A CARACTERISTICA DO ENUNCIADO POETICO 105

115

133

153

163

(4)

PARTE I

OS PENSADORES FIGURATNOS

1. A POESIA EM PLATAO

2. MIMESIS

3. A POESIA COMO COMUNICAc;::Ao CONSERVADA

4. A ENCICLOPEDIA HOMERICA

5. POEMA EPICO COMO REGISTRO VERSUS POEMA EPICO

COMO NARRATIVA

6.

A POESIA EM HESfoDO

7. AS FONTES ORAlS DA INTELIGENCIA HELENICA

8. A DISPOSIc;::Ao MENTAL HOMERICA

9. A PSICOLOGIA DA DECLAMAc;::AO POETICA

10. 0CONTEUDO E A CARACTERISTICA DO ENUNCIADO POET][CO

115

133

153

163

(5)

PARTE II

A NECESSIDADE DO PLATONISMO

11. PSIQUE OU A SEPARA<;:AOENTRE AQUELE QUE CONHECE

E AQUILO QUE

E

CONHECIDO

12. 0 RECONHECIMENTO DO CONHECIDO COMO OBJETO

13. A POESIA COMO OPINrAO

14. A ORIGEM DA TEORIA DAS FORMAS

15. A MUSICA SUPREMA

E

A FILOSOFIA

BIBLIOGRAFIA

INDICE DE AUTORES MODERNOS

INDICE GERAL

213

231

249

269

291

325

333

PREFACIO

337

Iodas as civiliza<;:iSesfundam-se numa especie de "livro" cultu-ral, isto e, na capacidade de armazenar informa~~iSes a fim de reutiliza-las. Antes da epoca de Homero, 0 "livron cultural grego depositara-se na mem6riaoraU A associa<;:~l0das descobertas e conc1usiSes da "Linear ;8", por mais fascinante e atual que seja, nao deve obscurecer esse fato fundamental.! J~ntre Homero e Platao, 0 me to do de armazenamento come<;:ou a se alterar quando as informas;:iSes foram postas em alfabeto e, consequentemente, a visao suplantou a audi<;:ao como 0 principal 6rgao destinado a esse objetivo. 9s resultados finais da alfabetiza<;:ao nao se mostraram na Grecia senao quando, no limiar da era helenistica, o pensamentoconceit1Jal alcans;:ou certa fluencia e seu vocabuhirio se tornou mais ou menos padronizado.ylatao, vivendo no centro dessa revolu<;:ao, antecipou-a e tornou-se seu profeta.

_1Jmaprova conCl'eta dos fenomenos intelectuais somente pode se apoiar no uso lingtiistico. Se uma revolu<;:aosemelhante a essa ocorreu na Grecia, deveria ser comprovada par mudan<;:asno vocabulario e na sintaxe do grego escrito. Ate0presente momento, a infonna<;:ao coletada no lexico grego nao nos prestara muita ajuda, uma vez que os diferentes significados das palavras saG apresentados de maneira mais analitica do que hist6rica,

(6)

mais como atomos de significado suspensos no vacuo do que como areas de significa<;:aoencerradas num contexto e pOl' ele definidas. POl' conse-guinte, alimenta-se a admissao inconsciente de que a experiencia grega, de Homero a Arist6teles, forma uma constante cultural passivel de ser representada num sistema de sign os muito diversificado, certamente, mas que consiste apenas em conjuntos de partes intercambiaveis.

_Atarefa que se nos apresenta, pOltanto, seria procurar documental' o desenvolvimento de um vocabul:irio abstrato na Grecia pre-plat6nica, considerado nao como uma adi<;:ao a lingua (,embora se possa tambem levar isso em conta), mas como uma remodela<;:ao dos recursos existentes.,

J?ara que um tal empreendimento seja compensador, deve ser construido sobre alicerces deixados pOI' outrem, e, com efeito, sao multiplas as minhas dividas, pois a sintese aqui apresentada apoiou-se em descobertas isoladas dos estudos classicos, em campos a primeira vista Lao relacionados'.5-2ualquer tentativa de reinterpretar a hist6ria do pensa-mento grego como uma busca de conceitos ainda nao perceptiveis e de uma terrninologia ainda nao inventada defronta-se com um enorme obstaculo nos relatos subsistentes da antigUidade helenistica e latina. ,Fstes admitem que os primeiros fil6sofos da Grecia estavam desde 0inicio envQlvidos com um dominio do abstrato: que, enfim, eram fil6sofos no sentido moderno da pa;avra .. A publica<;:ao do Doxographi Graeci de

Diels, em 1879, ao mesmo tempo que demonstrava a conexao entre esses relatos e as partes metafisicas da hisi:6ria perdida dos fil6sofos fisicos de Teofrasto, nada fez para diminuir sua absoluta autoridade, como se pode verificar nas paginas de uma obra como a Early Greek Philosophy. Afinal, haveria uma autoridade mais s6lida do que essa obra de Teofrasto, disdpulo e sucessor de Arist6teles e um precursor da hist6ria do pensa-mento? As descobertas de Cherniss (1935) estabeleceram a conclusao de que as interpreta<;:6es metafisicas dos pensadores pre-plat6nicos encon-tradas nas pr6prias obras de Arist6teles foram em boa parte conciliadas e adaptadas aos problemas e, na verdade, a terminologia do seu pr6prio sistema. Coube a McDiarmid, em 1953, mostrar que a exposi<;:ao do Pdmeiras Causas por Teofrasto, que formava 0alicerce de toda a tradi<;:ao posterior, parece tel' sido baseada numa compila<;:ao clas pr6prias infor-ma<;:oes de Arist6teles e que nao poderia, portanto, arrogar-se uma autoridade maior do que elas.

pe

um golpe, pode-sf: dizer, uma estrutura complexa, que desfrutara de prestigio nos estudos modernos pelo menos

desde a pf'meira publica<;:ao da magistral hist6ria da filosofia antiga de Zeller, desmoronou.Se a doxografia depende de Teofrasto, se Teofrasto, pOI'sua vez, e um espelho das opinioes hist6ricas de Arist6teles e se estas

situam 0 pensamento primitivo num contexto de problemas que sao

arist6telicos mas nao pre-socraticos, ent~lO a tradi<;:ao nao pode ser hist6rica. psta conclusao ainda n30 e digerivel para muitos estudiosos, mas e dificH entender como pode ser evitada. A familiaridade n~lo consLitui garantia de fidelidade.

..A tarefa seguinte pareo: ser a constru<;:ao de uma explica<;:ao revisada das posi<;:oes metafisicas dos pensadores gregos primitivos. Meu leitor percebera que, a luz dessas descobertas, senti a possibilidade de dar um passo mais decisivo e questionar toda a hip6tese de que 0 pensamento grego primitivo tenha alguma vez se ocupado da metafisica, ou tenha sido capaz de usar um vocabulario adequado a tell objetivo. Torna-se possivel eliminar 0veu de adultera<;:ao que ate hoje se interp6s entre 0historiador moderno e a mentalidade grega primitiva e ve-la com

novos olhos como essencialmente um produto da ingenuidade, cuja

natureza come<;:ou a ser parcialmente visivel aos olhos modernos ja na epoca da primeira edi<;:ao,em 1903, do Fraglnente del' Vorsokratiker, pois

nesta obra, ao organizar os ipsissima verba de um lado e a tradi<;:ao do

outro, em se<;:oes mutuamente excludentes, Diels revelou entre os do is um conflito lingtiistico que se poderia considerar como irreconciliaveL

-.:.'v1as,se a mentalidade grega primitiva nao foi nem metafisica, nem abstrata, 0 que foi ent'io e 0 que estava tentando dizer? Os recursos da epigrafia, dirigidos inicialmente por Carpenter, forneceram a pista seguin-te.Porquanto a epigrafia levou a conclusao de que a cultura grega foi sustentada por uma base inteiramente oral ate cerCI de 700 a.c. e, caso isso tenha sido verdade, os primeiros dos assim chamados fil6sofos viviam e falavam numa epoca em que ainda estavam se ajustando as condi<;:6es de uma possivel alfabetiza<;:ao futma, condi<;:oes que, segundo

minha conclusao, sedam realizadas lentamente, pois dependiam do

dominio nao da :ute de escrever por uma minoria, mas de uma leitura fluente da maioria.

fcqueles poucos que se elegeram como prot6tipos dos futuros fil6sofos fizeram-no em virtude de sua tentativa de racionalizar as fontes de conhecimento. Qual fora, entao, a forma de conhecimento quando

(7)

preservada na memona oral e la armazenada para reutiIiza\;ao? A esta altura, voItei-me para a obra de MilrLan Parry e julguei ter visto 0esbo\;o da resposta, e tambem umaresposta ao problema do motivo de Xen6fa-nes, Heraclito e Parmenides, para citar os primeiros tres fiI6sofos que subsistem, terem falado daquela sua maneira estranha. 0 estilo afOrlstico pr6prio ao discurso oral representava nao apenas certos habitos verbais e versificatorios, mas tambem um matiz ou uma condi\;ao intelectual. Os 'proprios pre-socraticos eram essencialmente pensadores orais, profetas

do concreto presos fortemente, por habitos muito antigos, ao passado e a formas de expressao que constituiam tambem formas de experiencia, mas estavam tentando entrever um vocabulario e uma sintaxe para urn futuro proximo, quando 0 pensamento poderia ser expresso ern catego-rias organizadas numa sintaxe adequada ao enunciado abstrato. Essa foi sua tarefa fundamental e que absorveu a maior parte de suas energias. Ao contrario de inventar sistemas

a

maneil-a fiIosofica posterior, estavam voltados para a tarefa primordial de inventar uma lingll.lgem que tornaria possiveis os sistemas futuros. Eis, em linhas gerais, 0 novo quadro que come<;:ou a surgir. A meu ver, ainda assim eu nao estaria tao pronto a aceitar a responsabilidade de extrair essas implica\;6es da obra de Pany, se nao fosse urn artigo profetico de Nilsson, publicado em 1905, que avan\;ava a hipotese do carMer oral das primeiras manifesta\;6es milesias. ...~ram estes os marcos que indicavam 0caminho desta investiga<;:ao. Aquilo que em meu livro sera expos to em primeiro lugar, isto e,0 ataque platQnico 3.tradi\;ao poet'ca grega, tornou-se perceptivel em ultimo lugar. Entrementes" uma nova sustenta\;ao para um reexame da historia daquilo a que se chama "filosofia" primitiva come\;ou a surgir numa nova dire\;ao, com 0 aparecimento de varios estudos do usa do vocabulario primitivo. Foi0artigo de Burnet, ''The Socratic doctrine of the soul", que abriu novos caminhos, quando demonstrou que uma opiniao normal mente tida como fundamental a qualquer tipo de atividade especulativa foi provavelmente iriventada na segunda meta de do seculo V. A monografia de Stenzel sobre S6crates, publicada em Pauly-Wissowa em 1927, completou essa visao ao prop or a tese geral de que 0SQcratismo foi essencialmente um. experi-mento no. refore;;o da linguagem e uma percep\;ao de que a linguagem tinha um poder quando usada eficientemente para definir e controlar. a a\;ao. Os estudos de Snell e von Fritz chamaram a aten\;ao para 0 fato de que a terminologia que em Platao e Aristoteles busca definir com precisao

as varias opera<;:6es da consciencia em categorias com as quais comumen-te contamos, tinham, na verdade, que passar por um longo periodo de desenvolvimento antes de alcan\;ar tal exatidao.

E

razoavel pressupor que ate 0momento em que a palavra adequada se apresente, nao se pode ter a ideia, e que, para que a palavra se torne adequada, requer-se uma utiliza<;:aocontextual apropriada. Nao faltam indicios de que os estudos estejam agora preparando-se para 21mesma abordagem genetico-historica em outras areas da terminologia e do pensamento, como por ex(~mplo quando buscam compreender as concep\;6es gregas originais de tempo.

pever-se-ia, certamente, reconhecer 0 estimulo geral proporciona-do a esse tipo de investiga\;ao no campo chissico por outras disciplinas, especialmente a antropologia comparativa e a psicologia analltica. Os historiadores do pensamento grego primitivo nao precisam aceirar todas as teorias de Levy-BruW para provar sua divida para com ele. Se 110

racionalismo grego primitivo ainda se pode ver a persistencia do simbo-lismo religioso e do tabu ritual, se os mundos de Homero e de Plano podem ser vistos em tennos de uma oposi\;ao entre uma cultura eLl ignominia e uma cultura da culpabilidade, estas teses gerais nao bastal1l para enfraquecer 0 teor deste livro; pelo contrario, dao-lhe uma cerU sustenta\;ao . .s=ontudo, permanece 0 fato de que 0 ponto crucial eLl questao esta na transi\;ao do oral para 0 escrito e do concreto para () abstrato, e aqui os fen6menos a serem investigados sao definidos l'

gerados por mudan\;as na tecnologia da comunica\;ao preservada, que tambem saG definidas.

o

rascunho do meu manuscrito foi lido pelos professores Christine Mitchell, Adam Parry e A.T. Cole, e suas numerosas corre<;:6ese melhora-mentos, aqui reconhecidos e agradecidos, estao incorporados ao texto. Dificilmente urn empreendimento que ataca urn campo tao vasto deixaria de apresentar alguma falha nas amarrag, mas minha esperan<;:a e que Sltl corre\;ao por outros levara a outro exame dos problemas aqui parcialmen-te expostos e, sem duvida, nao solucionados a contento. /'

/

••

.-•

••

E. A. H. Cambridge, Mass. abril1962

(8)
(9)

1

A POESIA EM PLATAO

Por vezes ocorre, na hist6ria da palavra escrita, que uma obra importante de literatura leve um titulo que nao reflete com fidelidade seu conteudo. Uma parte da obra passou a ser identificada com 0 todo, ou 0 significado de um r6tulo deslocou-se na traduS;ao. Mas se 0 r6tulo apresenta uma associaS;ao corrente e reconhecivel pode vir a exercer uma especie de controle mental sobre agueles que tomam 0livro em suas maos.

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~

Eles criam ctativa que se adapta ao..1ituld, mas e desmentida por oa parte da essencia do que 0 au tar tem a dizer. Prendem-se a um pre-julgamento de suas intens;6es, permitindo, inadvertidamente, que suas mentes moldem 0 conteudo do que Ieem segundo a forma pedida.

Essas observas;6es aplicam-se plenamente aquele tratado de Platao intitulado a Repzlblica. Nao fosse pelo titulo, poderia ser lido antes como aquilo que e do que como um ensaio so' teoria politica ut6pica. De fato, apenas cerca de um ters;o da obra diz respeito proprTmne;-;e a 5-luestaodo estado. 0 texto trata de nianeira detalhada e reiterada de uma quantidade de assuntos que dizem respeito a condiS;ao humana, mas estas quest6es SaG daquelas que nao se encaixam num tratado moderno sobre politica.

(10)

Em nenhuma outra obra isso se torna mais evidente ao leitor do que quando ele chega ao decimo e ultimo livro. Nao e prov3Vel que um autor que possua 0 talento de Platao para escrever tire a fon;:a do que esta tentando dizer ao permitir que seus pensamentos divaguem no fim de seu texto. Todavia, essa parte final da Reptiblica abre com um exame da natureza nao da politica, mas da poesia. Colocando 0 poeta ao lado do pintor, ele argumenta que 0 artista produz uma versao da experiencia que esta duas vezes afastada da realidade; sua obra, na melhor das hipoteses, e frfvola e, na pior, perigosa tanto para a ciencia quanta para a moral; os maiores poetas gregos, de Homero a Euripides, devem ser exdufdos do sistema educacional da Grecia. Esta tese surpreendente e levada adiante com veemencia. A investida como um todo ocupa a primeira metade do livro. Fica imediatamente evidente que um titulo como a Republica nao pode nos preparar para 0 surgimento, nesta obra, de um ataque tao frontal

a

essencia da literatura grega. Se a discussao segue um plano e se a inveO'tida, vinda de onde vem, constitui U1}laparte essencial daquele plano, entao 0 objetivo do tratado como um todo nao pode ser contido dentro dos limites daquilo a que denominamos teoria polftica.

Retornaremos mais adiante

a

estrutura global da obra. Examinemos um pouco mais, por um momento, 0 tom e a consistencia do ataque de platao. Ele inicia caracterizando 0efeito da poesia como "uma destrui<;:ao da inteligencia".2

E

uma especie de enfermidade, para a qual se deve encontrar um antfdote·. Este cleve consistir de Uln conhecimento "da sua verdadeira natureza". Em sum"" a poesia

e

unla especie de veneno intelectual e inimiga da verdade. IO'so,sem sombra de duvida, choca os sentimentos de qualquer leitor moderno, e sua incredulidade nao e atenuada pela perora<;:aocom que, algumas paginas adiante, Platao lan<;:a seu argumento:

"E

um grande combate,(. ..), e grande, e mais do que parece, 0 que consiste em nos tornarmos bons ou maus. De modo que nao devemos deixar-nos arrebatar por honrarias, riquezas, nem poder algum, nem mesmo pela poesia, descurando a justi<;:ae as outras virtu-des.,,3 Se ele assim nos exorta a lutar com todas as for<;:ascontra a poesia, como um sao Paulo grego contra os poderes das trevas, podemos conduir igualmente que ou ele perdeu toda a no<;:aode propor<;:ao, ou seu alvo nao pode ser a poesia no sentido em que a tomamos, mas algo mais fundamental e mais poderoso na experiencia grega.

Ha uma relutancia natural em tomar de maneira literal 0 que ele diz. Os admiradores de Platao, normalmente atentos aos mfnimos deta-Ihes de seu discurso, quando chegam a um contexto como 0 mencionado, come<;:am a olhar ao redor

a

procura de uma porta de emergencia e encontram uma que julgam tel' sido fornecida pelo seu autor. Imediata-mente antes dessa perora<;:ao, ele nao disse que a poesia pode oferecer uma defesa de si pr6pria, se for capaz disso? Ele nao confessou seus poderes cle sedu<;:ao?Ele nao admitiu sua re:utancia em expulsa-la e isso nao significa que, na verdade, esteja se retratando?

E

verdade que ele reconhece isso, mas julgar que sua confissao chegue a ser uma retrata<;:ao e fazer uma interpreta<;:ao profundamente equivocada de sua inten<;:ao.Na verdade, os termos em que ele faz uma concessao

;1

poesia, para defender sua causa se ela 0 desejar, SaGpor si mesrn.os condenaveis. Porquanto ele a trata, na verdade, como uma especie de prostituta, ou como uma Dalila que pode seduzir Sansao, se ele 0 permitir, e priva-lo, assim, de sua for<;:a. Ela pode encantar e persuadir e adular e subjuga-lo, mas estes sao exatamente os poderes que SaG tao desastrosos. Se ouvimos, somente ousamos faze-lo quando opomos ao seu encanto 0 nosso proprio poder.

Devemos repetir sempre a nos mesmos a linha de raciodnio que

seguinl0s antertormente. Devemos nos Inanter alertas: "0 ouvinte deve estar prevenido, receando pelo seu governo interior.,,4

o

espfrito dessa passagem revel a 0 cerne do problema. 0 alvo de Platao parece ser exatamente a experiencia poetica como tal.

E

uma experiencia que caracterizarfamos como estetica. Para ele, trata-se de Lma especie de veneno psfquico. Deve-se sempre ter 0 antfdoto

a

mao. Ele parece querer destruir a poesia como tal, exduf-la como um vefculo de comunica<;:ao. Nao esta apenas atacando a poesia de ma qualidade ou extravagante. Isso se torna ainda rnais claro no desenrolar da argumenta-<;:aoque constroi contra ela. Desse modo, 0 poeta, diz ele, consegue colorir seus enunciados mediante 0 usa de palavras e frases5e embeleza-los pela explora<;:aodos recurs os do verso, do ritmo e da harmonia.6 Estes SaG como cosmeticos aplicados

a

superffcie, que ocultam a pobreza do enunciado subjacente.7 Assim como os desenhistas empregam a ilusao otica para nos enganar,8 os efeitos acusticos empregados pelo poeta confundem nossa ihteligencia.9 Isto e, Platao ataca exatamente a forma e a essencia do discurso poetico, suas imagens, seu ritmo,' sua qualidade como linguagem poetica. Ademais, nao e menos hostil

a

amplitude de

(11)

experiencia que 0 poeta assim nos proporciona. Ele pode, certamente,

1

d'·

10

representar rnilhares de situa\=oes e reproduzir rni hares e sentrmentos.

o

problema esta justamente nessa variedade. Mediante essa repre-senta\=ao, ele pode liberar em n6s um~ reserva correspo_nde1~tede rea\=ao

empatica e evocar uma grande vanedade de emo\=oes. Todas elas

perigosas, nenhuma adrnissivel. Em suma, 0 alvo dePlatao no poeta saG precisamente aquelas qualidades que aplaudimos nele: sua versatilidade, sua universalidade, seu dominio do espectro das emo\=oes humanas, sua eloquencia e sincerldade assim como sua capacldade de dizer co isas que somente ele pode dizer e revelar em n6s mesmos aquilo que somente ele pode revelar. Todavia, para Platao, tudo isso e uma especie de enferrni-dade, e temos de indagar pOI que.

Suas obje\=oes saG esclarecidas pelo contexto dos padroes que ele esta estabelecendo para a educa\=ao. Mas isso absolutamente nao nos ajuda a solucionar 0 que parece no minimo urn paradoxo em seu peI}samento e, t:alvez, se julgado pelos nossos valOIes, urn absurdo.Para ele, a poesia como uma disciplina educativa apresenta urn perigo moral assim como intelectual. Ela confunde os val ores de urn homem e0transforma num ser sem carater, privando-o igualmente de qualquer intui\=ao da verdade. Suas qualidades esteticas saG meras frivolidades e fornecem exemplos indignos de serem irnitados. Assim argumenta 0 fi16sofo. Mas, sem duvida alguma, se avaliassemos 0 possivel papel da poesia na educa\=ao, inverterfamos essas crfticas. A poesia pode ser edificante e ser uma inspira\=ao para 0 ideal; pode ampliar nossos sentimentos morais; alem elisso, e esteticamente fiel, no sentido de que muitas vezes des cortina uma realidade como que secreta, inacessivel a intelectos prosaicos. Ela nao poderia torna-la visivel sem a linguagem e as imagens e 0ritmo, que constituem sua propriedade singular, e quanta mais introduzrrmos essa especie de linguagem no sistema educacional, melhor.

Nao surpreende, como dissemos, que os interpretes de Platao tenham relutado em toma-lo ao pe da letra. Na verdade, a tenta\=ao de fazer o contrario e enorme. Nao foi 0 mestre, ele pr6prio, urn grande poeta, possuindo urn estilo tal que poderia abandonar 0raciodnio abstrato para apelar para todos os recursos da ilnagina\=ao, seja mediante uma repre-senta\=ao vivida, seja mediante urn mito simb6lico? Poderia urn escritor com tanta sensibilidade ter realmente sido indiferente, mais ainda, hostil a disposi\=ao ritmica e a linguagem figurada, que constituem 0 segredo do

estilo poetico? Nao, ele deve ter falado de maneira ironic a e ocasionalmen-te mal-humorada. Sem sombra de. duyida, nao Rode ter guerido dizer

2,

...Quedisse. 0 ataque a poesia pode e deve ser inteiramente explicado,

reduzido as suas verdadeiras propor\=oes, tornado in6cuo 0 bastante para se ajustar

a

nossa concep\=ao do que 0platonismo sustenta.12

Assim se desenvolve subc::mscientemente 0 raciodnio e, como todos os demais, reflete 0 preconceito moderno, que julga necessario, de tempos em tempos, salvar Platao das consequencias do que ele pode estar dizendo, a fim de ajustar sua filosofia a urn mundo toleravel ao gosto moderno. Podemos chamar isso de metodo de redu\=ao - urn tipo de interpreta\=ao que e possivel aplicar igualmente a certos aspectos da sua poHtica, sua psicologia e sua etica - e que consiste em podar suas arvores altas para que possam' ser transplantadas para urn jardim ornamentado que n6s mesmos fizemos.

o

processo da poda foi aplicado muito generosamente aquela parte da Repz:iblica que estamos focalizando. Foram utilizados alguns tipos apropriados de instrumento e empregados em diferentes partes do argumento. No computo geral, conforma-se Platao ao gosto moderno mediante a argumenta\=ao de que 0projeto da Republica e ut6pico e que a exclusao da poesia diz respeito apenas a uma condi\=ao ideal, nao concretizavel num futuro possivel ou em sociedades terrenas.13 Alguem poderia objetar que, ate mesrno neste caso, por que motivo, dentre todos os habitantes, deveria a Musa ser a unica aquinhoada com a exclusao da Utopia? Mas, na verdade, essa especie de evasiva para 0 raciodnio de Platao depende, como dissemos, da afirma\=ao de que toda a Repz:iblica (assim chamada) e sobre politica. Nao e esse 0 r6tulo da garrafa? Sim, certamente; porem devemos admitir que 0 conteudo da garrafa, quando provado neste caso, tern urn gosto acentuado de teoria educacional e nao de politica. As reformas propostas SaG consideradas urgentes no presente: nao SaG ut6picas. A poesia nao e acusada de. uma ofens a politica, mas de uma ofens a intelectual e, consequentemente, a disposi-\=aoque deve ser protegida contra a sua influencia e definida duas vezes

" .. ,,14

como 0 governo rntenor .

Os criticos procuraram urn outro meio de fuga pela suposi\=ao de que as partes mais radicais da polemica de Platao se dirigem contra uma moda passageira na Cfitica literaria que havia sido alimentada pelos

(12)

sofistas. Eles, argumenta-se, haviam procurado usar astuciosamente os poetascomo uma fonte de instrur;ao em todos os assuntos e levado essas pretensoes alem do razoavel/5 Essa explicar;ao nao procede. E verda de que Platao fala dos "defensores" da poesia,16 mas sem identifica-los como profissionais. Eles parecem ser mais porta-vozes da opiniao comum. Ele tambem fala dessas pretensoes como se 0 proprio Homero as estivesse incitando; istoe, como se a opiniao publica partilhasse dessa opiniao

17

exagerada de Homero. Quanto aos sofistas, raras veze~; se observa, como se deveria, que 0 argumento de Platao neste ponto coloca-os nao como seus inimigos, mas como seus aliados no combate educacional que esta travando contra os poetas.18 Isso pode nao estar conforme

a

ideia preconcebida habitual dos criticos quanto a onde situar os sofistas com relar;ao a Platao, mas, pelo menos por enquanto, ele os colocou num contexto que impossibilita a crenr;a de que, ao atacar a poesia, esta se opondo

a

sua visao de poesia.

A critica defensiva dispoe de mais uma outra arma no seu arsenal: argumentar que 0 alvo de Platao, pelo menos em parte do que ele diz, nao deve ser identificado com a poesia como tal, mas circunscrito ao teatro e ate mesmo a certas formas teatrais que seguiam uma moda corrente de realismo muito acentuado.19 0 texto, contudo, simplesmente nao permite urn tal desmembramento, como se Platao num ponto visasse a Homero, Hesiodo e 0 teatro e, em outro, apenas 0 teatro. E verdade que ele tern em mente principalmente a tragedia, simplesmente porque, imaginamos, e contemporanea. Mas 0 que surpreende e sua constante recusa em tra~ar uma distinr;ao formal entre 0 poema epico e a tragedia como generos diferentes, ou entre Ho:nero e Hesiodo de urn lado (pois Hesiodo tambem

e

mencionadoio e os poetas tragicos de outro. A certa altura, ele ate mesmo usa uma lingua gem que sugere ser a "tragedia", isto e, a arte dramatica, urn termo pdo qual ~;edefine toda poesia, aplicando-se igualmente aos "versos epicos ou iambicos". 21Nao importa, como ele parece deixar impHcito, se nos referimos a Homero ou a Esquilo. Ele define 0teorclo alvo de seu ataque como: "a~oes for~adas ou voluntarias, e que, em consequencia de as terem praticado, pensam ser felizes ou infelizes, afligindo-se ou regozijando-se em todas essas circunstancias". ESt2,definir;ao aplica-se tio claramente

a

lliada quanto a qualquer pep de teatro.22 Alias, Plat:'lo ilustra em seguida 0 que quer dizer, citando a descri~ao que faz urn poeta da dor

de

urn pai pela perda de seu filho.

Trata-se claramente de uma referencia a uma passagem citada anterior-mente na

Repziblica,

na qual Platao esta pensando na prostrar;ao de Priamo diante da morte de Heitor.23

Os eruditos nao se sentiriam tentados a limitar ao teatro 0 alvo de Platao nesses contextos, nao fosse 0 fato de ~{Ue 0 filosofo parece realmente dedicar urn tempo extraordinariamente longo it rea~ao emocio-nal da assistencia a uma representar;ao publica. 0 motivo para essa preocupar;ao sera apresentado num capitulo posterior. Na verdade, ela fornece uma das pistas para 0 enigma, como urn todo, daquilo a que Platao esta se referindo. Na nossa experiencia moderna, a unica situa~ao artistic a capaz de provocar uma rea~ao do publico semelhante it que ele descreve seria a representar;ao de uma per;a de teatro. Sentimo-nos, ponanto, tentados a concluir que Platao visa exclusivamente ao palco, esquecendo-nos de qce, na Grecia, a declamar;ao de urn poema epico tambem constituia uma representar;ao e de que 0 rapsod024 aparentemen-te explorava uma empatia com seu publico analoga it de urn ator.

Essas tentativas de diminuir 0 impacto da investida de Platao recorrem

a

sua dispersao por inumeros alvos. Suas inten~oes saG boas, mas interpretam malo espirito geral e 0 carater ca discussao. Esta forma uma unidade; alem disso, como observaremos numa an{llise posterior, e dirigida em primeiro lugar contra 0discurso poetico como tal e, em segundo lugar, contra a propria experiencia poetica, e e conduzida com uma enorme determina~ao. Platao fala eloquentemente, da maneira como alguem que sente estar enfrentando urn oponente pode roso que pode arrebanhar todas as for~as da tradi~ao e da opiniao contemporanea contra si. Ele apela, argumenta, denuncia, lisonjeia. E urn Davi enfrentando urn Golias. Fala como se nao tivesse outra alternativa senao travar a batalha ate 0fim.

Existe urn misterio aqui, urn enigma historico. Nao

e

possivel soluciona-lo fingindo que nao existe, isto e, fingindo que platao nao quer dizer 0que diz. E obvio que a poesia

a

qual esta se referindo nao e aquela que identificamos hoje como tal. Ou, mais propriamente, que a sua poesia e a nossa podem ter muito em comum, mas 0 que deve ter mudado e 0 contexto no qual elas SaG praticadas. De alguma forma, Platao esta falando de uma condi~;'l0 cultural global que nao mais existe. Quais sao as pistas para esse misterio que alterou nossos val ores comuns a tal ponto que a poesi:a e agora considerada como umas das fontes mais inspiradoras e fecundas do cultivo do intelecto e dos sentimentos?

(13)

Antes de procurar uma resposta para esse problema, sera necessa-rio amplia-lo. A polerr.Jca de Platao contra a poesia nao esta limltada a primeira metade do ultimo livro. Na verd3de ele nos lembra, ja em seu prefacio, que a poesia "de carater mlmetico,,25 havia sido recusada. Trata-se de uma referencia a analise da

lexis

ou mecanismos verbais poeticos, apresentada no Livro III da

Republica

e que, por sua vez, seguia urn ataque anterior ao conteudo da poesia (logoi).26 Esse ataque iniciara antes do fim do Livro II,27quando Platao propos urn programa de censura severa e radical dos poetas gregos passados e presentes. Que orientac;;:ao moral, pergunta ele a si pr6prio e a seus leitores, a poesia tradicional pode nos dar? Sua resposta e: muito pouca; isto e, se levarmos a serio as hist6rias dos deuses, her6is e homens comuns. Elas estao cheias de assassinatos e incestos, crueldade e traic;;:oes;de paixoes descontroladas; de fraquezas, covardias e maldades. A repetic;;:aode tais co isas s6 pode levar mentes jovens e influenciaveis a imitac;;:ao.A censura constitui a unica garantia. A posic;;:aode Platao nao e muito diferente, em suma, daqueles que defenderam uma revisao semelhante do Velho Testamento para lei!ores jovens, exceto pelo fato de que, sendo a mltologia grega 0 que era, suas propostas precisavam ser mais drasticas.

Ate aqui, os objetivos do fil6sofo sao compreensfveis, concorde-mos ou nao com eles. Porem ele, entao, volta-se do conteudo das hist6rias narradas pelos poetas para a considerac;;:ao sobre 0 modo como elas saG contadas. a problema da substancia e seguido pelo do estilo, e e aqui que 0 leitor simpatizante comec;;:aa se sentir logrado. Platao propoe uma classificac;;:aoutil, senao simplista, da poesia em tres grupOS:28ou ela narra o que esta oCOlTendo, pela pr6pria boca do poeta, ou dramatiza 0 que esta ocorrendo deixando que os personagens em pessoa falem, ou utiliza ambos os modos. Mais uma vez, e Homero que 0fil6sofo tem em mente;

ele e um expoente do estilo misto, ao passo que a tragedia esta

inteiramente voltada para a dramatizac;;:ao. Examinaremos essa analise mais detalhadamente no pr6ximo capitulo. Por enquanto, e suficiente observar que Platao, obviamente, opoe-se ao estilo dramarico como tal.

E

verda de que, como se verificara, ele sera tolerado; isto e, admitir-se-a a poesia na forma de uma situac;;:aoou discurso dramatizados, contanto que os personagens assim apresentados sejam eticamente superiores. Mas quando ele evoca esse contexto, no infcio do Livro X, ja se esqueceu29 de que pelo menos neste caso mostrara-se tolerante. Durante todo 0 Livro

III, persiste uma secreta suspeita e relutancia com relac;;:aoa empatia dramatic a como tal. Ele parece julgar sempre preferfvel urn estilo pura-mente de~3criLivc)e sugere que, se Homero fosse parafraseado de modo a causal' urn efeito puramente descritivo, aquilo que esta dizendo deixaria de ter importancia.30 Nao podemos, digamos, evitar a sensac;;:aode que ate mesmo nesta discussao, muito menos radical em suas propostas do que a do Livro X, l'latao esta revelando uma hostilidade irredutivel com relac;;:aoa experiencia poetica

per

se e a atividade irnaginativa que constitui uma parte tao consideravel dela. E isso eintrigante.

Uma maneira de solucionar oenigma deve comec;;:arpela aborda-gem da

Republica

como urn to do e coloca-la sob urn ponto de vista prospectivo, a fim de indagar: qual sera 0 papel global que a poesia exerce neste tratado? Ele esta circunscrito as passagens ate agora

exami-nadas, que consideram 0 que 0 poeta diz sob urn ponto de vista

analftico? Nao, nao esUi. A tese formal que deve ser demonstrada e defendida no corpo da

Republica

e apresentada

a

discussao no infcio do Livro II.31 "S6crates" e desafiado a isolar 0 principio da moralidade no plano abstrato e sua possivel existencia na alma humana como urn imperativo moral. Ela deve ser definida e defendida em si mesma; suas recompensas ou castigos devem ser tratados como acidentais e deve se demonstrar que esse tipo puro de moralidade constitui a condic;;:ao human a mais feliz.32 Esse desafio predomina no plano integral da obra33 e, embora formalmente respondido no fim do Livro IX, continua a ser a causa motora do argumento do Livro X.34

Por que 0desafio e tao crucial? Sem duvida alguma, porque assinala uma inovac;;:ao.Urn tal grau de pureza na moralidade jamais havia sido irnaginavel antes. Aquilo de que a Grecia desfrutou ate entao (diz Adiman-to, numa passagem de grande eloquencia e .'inceridadey5 e uma tradic;;:ao de uma meia-moralidade, uma especie de zona difusa, na melhor das hip6teses urn comprornisso e, na pior, uma conspirac;;:aocinica, segundo a qual a gerac;;:aomais jovem e continuarnente doutrinada na visao de que 0 essencial nao e tanto a moralidade quanto 0prestigio social e recompensa material que podem provir de uma reputac;;:aomoral, seja esta merecida ou nao. au entao (e isso nao constitui uma contradic;;:ao) os jovens sao imperceptivelrnente advertidos de que a virtu de, obviamente, e 0 ideal, mas e difkil e rnuitas vezes mal recornpensada. Na maioria das vezes, a falta de principios e rnais vantajosa. as deuses muito frequenternente nao

(14)

recompensam as corruptos? A conduta imoral, sob todos as aspectos, po de ser facilmente expiada par ritos religiosos. 0 resultado final e que a adolescente grego e incessantemente condicionado a uma atitude que, no fundo, e cinica.

E

mais importante manter as aparencias do que exercer a prMica. 0 decoro e a comportamento decente nao sao, obviamente, infringidos, mas a essencia do principia sim.

Trata-se de uma acusa<;ao

a

tradi<;ao e ao sistema educacional gregos. As principais autoridades citadas como responsaveis par esse tipo de moralidade questionavel sao as poetas. Homero e Hesiodo sao men-cionados e citados, dentre outros. Conseqi-ientemente, a Repzlblica estaria se colocando claramente urn problema que nao e tanto filos6fico no sentido restrito do termo quanto social e cultural. Ela questiona a tradi<;ao grega como tal e as bases sabre as quais se construiu. Sao essenciais a essa tradi<;ao a estado e a qualidade da educa<;ao grega. Esse processo, seja qual for, pelo qual a mente e a conduta dos jovens sao formadas, constitui o cerne do problema de Platao. E no cerne desse processo, por outro lado, esta, de algum modo, a presen<;a dos poetas. Eles estao no centro do problema. Surgem ate mesmo aqui, no inicio do tratado, como "0 inimigo" e e esse papel que sao obrigados a cumprir no Livro X.

Uma vez que se veja a Repzlblica como urn ataque

a

estrutura educacionai existente na Grecia, a l6gica de sua organiza<;ao global torna-se clara. Uma vez levada em conta a importancia dos poetas na estrutura educaciona13G, as repetidas criticas

a

poesia ajustam-se ao quadro.

A parte da discussao que trata diretamente da teoria politica ocupa apenas cerca de urn ter<;o dos nove livros37 e, quando intervem, e para fornecer sucessivos pretextos para 0 desenvolvimento de discussoes sobre a teoria educacional.380 arcabou<;o politico pode ser ut6pico; as propostas educa-cionais, nao. Desse modo, no Livro II, tendo sido apresentado 0 problema, urn problema que diz respeito

a

constru<;ao da justi<;a na alma do individuo, utiliza-se 0 recurso de descrever em primeiro lugar uma sociedade politica sob uma ampla perspectiva, que, entao, devera corres-ponder ao individuo, no plano restrito. A evolu<;ao dessa sociedade e seguida ate 0 ponto em que uma "classe de guardiaes" surge como a classe dirigente do estado. Em seguida a discussao subitamente pass a

a

sua educa<;ao e, conseqUentemente, e-nos apresentado urn programa de reforma da educa<;ao elementar e secundaria do sistema grego vigente. Concluida esta parte, a discussao retorna rapidamente para a politica, a fim

de descrever, com muitos detalhes, a composi<;ao do estado em tres classes e suas virtudes. Vem entao a psicologia da alma individual, uma teoria obviamente planejada para conformar-se aos objetivos educacionais de Plallio. Seguem-se depois algumas outras teorias politicas, socia is e econo-micas - a igualdade dos sexos, a inser<;ao da farru1ia na vida comunitaria e 0 papel da guerra limitada - ate que se introduz 0 paradoxa de que 0 unico receptor confiavel e adequado do poder politico e 0 fil6sofo. Isso e novo. Os fil6sofos naturais devem ser, quando muito, urn grupo minorita-rio e seu carater e definido em termos de uma oposi<;ao explicita ao do freqUentador de teatro, ao publico das representa<;oes teatrais e outras coisas semelhantes. Uma vez mais, implicitamente, os poetas surgem como o inimigO.39Entao, ap6s urn quadro da condi<;ao contemporanea ambigua

do fil6sofo nas sociedades existentes, segundo a qual ele e ora urn tolo ora urn criminoso, defrontamo-nos com 0 problema da sua educa<;ao adequa-da e nos e adequa-dado a conhecer a segredo da fonte do verdadeiro conheci-mento, sobre 0 qual se constr6i sua integridade intelectual. Entao, no Livro VII, 0 mais importante da Republica, segue-se urn curriculo pormenorizado no qual ele deve ser treinado para sua tarefa. Ele vai da matematica

a

dialetica e deve ser acessive140 ao grupo etario entre vinte e trinta e cinco anos, mas obtido somente par meio de competi<;ao, a qual, nos sucessivos estagios, elimina os menos talentosos.41 Terminada estaparte, a discussao

que atravessa a Livro VIII retorna

a

teoria politica. A degenera<;ao das sociedades e dos individuos apresenta-se em quatro estagios sucessivos, no Livro IX, antes que Platao retome a sua quesrao original.42 A oposi<;~io

da moral absoluta

a

moralidade corrente foi agora definida; ela constitui a condi<,;:aodo verdadeiro fi16sofo. Sera igualmente a condi<;ao mais feliz para os homens? Ap6s tel' respondido que sim, Platao, no Livro X, volta-se para uma questao ainda em aberto. Ele havia definido 0 novo curriculo da Academia,"3 mas nao explicado a ausencia absoluta, ai, cia poesia.44 A

exclusao torn2'-se agora l6gica e inevitavel, pois sua natureza e inteiramen-te incompativel com a epistemologia que subjaz ao novo programa. Os poetas, portanto, denunciados breve mente no Livro V como os inimigos dos fil6sofos, saG agora, no Livro X, completamente desmoralizados e expulsos da disciplina que deve reinar no estagio filos6fico da instru<;ao.

Nessa perspectiva, a questao educacional da Republica move-se entre dois estagios principais: 0 curriculo primarlo e 0 secundario, chamado

mousike,

e 0 curriculo universitari045 do Livro VII. Para cada urn

(15)

deles, fornece~se urn pretexto polItico, mediante a introdu~ao dos guar-diaes no Livro II e dos reis-fil6sofos no Livro V. No primeiro nivel, 0 currfculo poetico tradicional deve ser mantido mas sucessivamente expur-gada segundo prindpios que nos parecem urn tanto curiosos; no

segun-dId 1 .. ~.46

0,e e eve ser expu so sem malOres cenmoruas.

Essa discussao e grandiosa e esplendida, urn documento monu-mental da hist6ria da cultura europeia. Ela assinala a introdu~aC? do sistema universit:irio no ocidente. Mas apresenta para 0 pensamento moderno varios problemas de natureza hist6rica. Por que, em primeiro lugar, no sistema educacional vigente na Grecia, a poesia e tratada como uma questao absolutamente central? Ela parece, a nos fiarmos em Platao, desfrutar de um monop6lio total. Por que, em segundo lugar, Platao propoe reformas tao intrigantes no campo do estilo poetico? Por que a dramatiza~ao e tao importante e por que ele a considera tao perigosa? E, em terceiro, por que ele sente ser tao vital exc1uir inteiramente a poesia do currfculo universitario, que constitui exatamente 0lugar onde 0gosto e a pritica modernos julgam ser posslvel, nos estudos humanisticos, explorar todas as possibilidades da experiencia poetica? Por que Platao sente-se tao envolvido numa guerra ferrenha com rela~ao

a

experiencia poetica como tal? As respostas a estas perguntas podem nao ser irrelevan-tes para uma hist6ria do pensamento grego.

8.602dl-4. 9. 604b6-d3.

10. 604el-2 ouxouv 'to !-LEVnOAATlV !-Lt!-LT)O'lV.xa.t nOtxlAT)V eXEt, 'to

eqa-vaXCT)'ttxOv. 11. 605d3-4.

12. 0 que se poderia chamar estudos magistrais sobre Platao (Zeller, Nettleship, Wilamowitz, Shorey, entre outros), deparando-se com 0que parece surpreen-dente ou nao palatavel na primeira metade do Livro X, continuou a insistir em que uma porta seja chamada de porta. Nettleship, por exemplo, fugindo

a

tentas;:ao de diminuir 0 alvo de Platao, identifica-o como "literatura imagi-nativa" (pp. 349, 351), citando 0romance contemporaneo (vitoriano) como urn correspondente. Outros, que levam 0alvo igualmente a serio, recorreram todavia

a

inventividade. Assim, Ferguson Untrod., p.2l) propoe que "seja praticamente certo que a crftica estetica da Republica tenha sido herdada de S6crates por Plamo" e sustenta a hip6tese com uma descril;ao improvavel de urn S6crates que poderia ser atrafdo por urn livro "como urn jumento por uma cenoura". Segundo Friedlaender, pm outro lado, 0poeta mimetico do LivroX

deve ser comparado com 0 autar das dialogos do pr6prio Plamo; cf. tambem Lodge, pp.173-174, que, no entanto, tenta als;:aros dialogos ao nfvel metaffsico, ao passo que Friedlaender (se 0interpreto corretam'~nte) os rebab:a. (Nas Leis

811c, contudo, os dialogos sao recomendados como urn tipo de composis;:ao que deveria substituir a poesia.) Tais explicas;:oes tern pelo menos 0 merito de perceber que Plamo esta falando serio. 0 caminho contrario, a5sirn como os estudos que 0seguiram, e examinado abaixo, cip.2, n.37. Nao e de se admirar que a tentas;:ao de fazer uma analise ambfb'Ua da quesmo acabe por ser grande (cf. Atkins, pp.47-50, que manifesta tanto il1clinas;:aoquanta relurancia em tomar as palavras de Plamo "no seu sentido literal").

13. Greene, pp. 55-56 (que, no entanto, recusa-se a falsear 0sentido evidente do Livro X, considerado isoladamente:

"E

obviament.e seu int.ento, nest.a pass a-gem, denegrir a poesia tant.o quant.o possfve!") e Grube, p.203: "Eles sao t.odos banidos do estado ideal. Mas est.e, repito, e 0estado ideal".

14. Acima, nA.

15. Cornford, p. 322: "0 principal objeto do ataque ... e a pretensao comumente manifestada pelos sofistas ... de que Homero em especial e em menor grau os dramaturgos eram os mestres de todo conhecimento tecnico." Cf. ibid., p. 333, n. 2. Ferguson (notas sobre 598d4 e 606el) cita Antfstenes para 0papel de EnawE'tT)C;' O!-LT]Qou.

16. 598c7 e d8, 606el, 607d6 'tOte; nQ00'tci.'ta,te; au'tile;. 2. 595b5 AWj3T)... 'tile; 'tWv ixxoU0V'tWVOtavotae;.

3. 608b4 !-LEyae;y&!J, £<pT)V,

6

aywv

XCA.

4. 608bl nEQ1. 'tile; EV a'tl'tcp nOAt'tElac; odito'tt cf. 605b7

.xa.xi]v

nOAt'tElaV 't.Ot<;xE.xdO'tOU

Tn

\jfuxfi E!-Ln01.£tv.

5.601a4-5. 6.601a8.

7. 601b2 EnEl yU!-LVC08EvcayE 'tWv 'tile; !-Loucrtxfie; XQOCO!-LcX"Ccov'tOo'tWv notT)'tWv, au'ta Ee;'alJ'tWv AEY0!-LEVa,ol!-Lat0'10 E't.reVat ola <patVE'tat.

(16)

17. 599c6 ss. 18. 600c6 ss.

19. Webster, "Gk. Theories", pp. 166-167, que e seguido pOI' Cornford, pp. 324 e' 335, n.l.

20.600d6. 21. 602b8-10.

22. Com 603c4 nQch1:oV'tcx.C;, cpcx.J.L£V, ixv8QcOnouc; J.L1J.L£t1:ex.tt] J.L1J.LTJ1:1XJ1 131cx.iouC;

1'\

Exoucricx.C;RQ~... cf. 606e2 n£ncx.iO£uxEV 01noc; bn01TJTi]e; xx't nQbc; OlOt.xr]crtv 1:£ xx't nex.tOdcx.v 1:OwixvSQconivcov RQcx.'Ylla1:cov. 23. 603e3 ss. refere-se retrospectivamente (£A£y0J.L£V) ao Livro 2, 387d ss. e

particularmente a 388b4 ss.

24. Em 600d6, Platao emprega bcx.\jfcpo£tV para descrever a atividade tanto de Homero quanto de Hesiodo.

25. 595a5; ef. abaixo, n.29.

26. 392c6 Tex J.LEV 01'] Mycov n£Q1 £X£1:CO1:EAoe;'1:0OE A£~£COC;... J.L£1:Cx1:0U1:0

cr

xEn1:£ov.

ciente para proporcionar £n1crT]J.Lll(522a5), e entao acrescenta Platao: J.LaSllJ.Lcx.OEnQbc; 1:01OU1:0V1:1ayov, OlOVou VUV Sl11:£tC;,OUC:lEV

Tjv

£V cx.1nTl.

E

precisamente a falta inedutivel de sse mathema no interior da "musica" que e exposta cabalmente no Livro X. Pon§m, no nivel universitaIio, Platiio e obrigado a examinar 0papel de seus proprios dialogos, principalmente a Repl7blica. Eles continuam a ser uma alternativa valida a "rnusica"; eles sac ou nao uma forma de poiesis?Na verdade, sim (sobre poiesis, cap.2, n.37; FIiedlaender parece tel' considerado esse fato, mas nao a distin~ao implfcita entre 0dialogo em prosa e a poesia; cf. acima, n.12). Platao, com urna imprecisao terminologica tipica, esta aqui pensando napoiesis no sentido geral e esta agora apto a demonstrar que urn membro de sua especie - a saber, 0cun-Iculo poetico tradicional - deve ser expulso da educa~ao superior.

30. 601b2 ss.; cf. 393d8 ss.

31. Cornford, pAl: "A questao com a qual Socrates deve se defrontar e reaberta por Glauco e Adimanto."

32. Cf. abaixo, cap.12, pp. 242 ss. 33. Abaixo, cap.12, notas 13, 20.

34. Mas explicitamente lembrada apenas com rela~ao a segunda metade do Livro X, em 612b2 ss.

35. 362e1-367a4. 27. 377b5 ss.

28. 392d2 ss.

29. 595a1-5, onde aparentemente se afirma 1:0 J.Lll0cx.J.LTlncx.Qcx.o£x£crScx.1cx.1nilc; (isto e 1:ile;lW1T]cr£COC;)ocrll fJ.1fJ.ll1:1.xf]como se Fosse0principio ja defendido no Livre III. Esse estilo de Platao provocou do is problemas de interpreta~ao diferentes: (i) Nem toda poesia mimetica foi banida no Livro III. Como explicar a aparente contradi~ao entre III e X? (Este fato encorajou a dedu~ao de que 0 Livro X constitui urn adendo posterior e que a conexao foi descuidada; d. abaixo, nA6.) (iO Pelo modo como se desenvolve a discussao do Livro X, fica evidente que a mimesis deve ser tratada como equivalente a toda a poesia, e nao apenas a uma patte dela (negado pOI' Collingwood, mas ao pre~o de distorcer 0 texto de Platao, como aponta Rosen, pp. 139-40). Como explicar entao essa segunda evidente contradi~ao dentro do proprio Livro X? A solu~ao comum a ambas as quest,5es jaz no fato de que a visao plat6nica da poesia e governada pOI' seu programa educacional (abaixo, n.36). No nive! da elite nao ha lugar para a poesia, como havia no escolar. POI' conseguinte, a frase aqui empregada em 595a2 ncx.vpbc; aQcx. fJ.WeAOV bQSru; 0xtSOfJ.£V 1:1']v nOA1v refere-se ao programa do Livro VII e particular-mente a 7. 521b13 ss., onde tanto a ginastica quanto a musica eram descartadas como inadequadas para Esse programa, sendo a musica

insufi-36. A ansiedade em adequar a doutrina do Livro X a uma teoria da arte (abaixo, cap.2, n.37) acarreta uma relutancia em admitir no pensamento de P!atao a prioridade dada as finalidades educacionais sobre as esteticas; cf. Verdenius, p. 9: "Platao gosta de disfar~ar seus pontos de vista teoricos com entusiasmo pedagogico"; p. 19: "as deficii':ncias da poesia ... sao exageradas por Platao em favor de seu objetivo pedagogico"; e p. 24: "... urn retorno inevitavel a posi~ao pedagogica".

37. Sem duvida 0Livro I e "politico", no sentido de que 0 desafio de Trasimaco depende principalmente de sua visao de como os governos s~lo formados e de como os estados sac real mente governados, parececendo ignorar 0 problema educacional (embora na verda de exponha ab initio, 331e ss., 0 problema da autoridade dos poetas; cf. Atkins, p. 39). Sua natureza ajudou a estimular nos leitores a visao da Repz7blica como urn ensaio sobre teoria politica. Mas origina!mente 0livIO pode tel' sido escrito como urn di~ilogo "aporetico" separado (d. Cornford, CQ. 1912, p.254, n.3), e eu 0 exclui estatiscamente para expor a homogeneidade do plano nos nove seguintes. A teoria politica e apresentada no Livro II368e-374e, do Livre III !l12b ao Livro IV 434a, Livro V 449a-473b, do L1Vro VIII 543a ao Livro IX 576b. Isso mal chega a 81 paginas Stephanus dentre 239.

(17)

38. Em 374d8 (num contexto polftico), osphylakes sac apresentados; em 374e4-376d, seu "tipo" (physz:") humano correspondente e definido, ate que em 376e2 faz-se a pergunta 'tle; ouv 11 TCa1oda: Como esse tipo deve ser treinado? A resposta termina em 412b2 01. !-lEVor, 'tUTCal'tlle; TCcnodae; 'tE

XCX.l. 'tQOcplle;ou'tal

Cxv

£lEV. Isso encerra a reforma do currfculo escolar

vigente. Em 473c11 (num contexte polftico), 0philosophos e apresentado; em 474b4, 0 problema do seu tipo humano e abordado pela primeira vez e a resposta, embora implique a Teoria das Formas, e retomada no Livro VI 485a4

<3 'tOlVDVi:xQX0!-lEV01'tou'tov 'tou AoyoD (a saber, em 474b4) EAEyO!-lEV,'tr,v

cpUO"lV(1)'tWv TCQMOVoci. xa'ta!-la8ci.v. A resposta a esse problema, incluindo a defini<;:ao da physis e as res salvas exigidas pela defini<;:ao(0

filosofo, como urn tipo, e inlitil 01.1perigoso?) assim como as possibilidades de que jamais seja encontrado sao perseguidas por todo 0 Livro VI ate 502c; de po is do que, em 502clO sac feitas tres perguntas: 'tlva 'tQonov l1~V ~t EX'tlVWV!-la8Tl!-lcX-1:wv'tE xat ETCl'tTlOEDWX-1:WV01 crW'tllQEe;Ev£croV'tal 'tlle; TCoAl'tElae;, )Gtxtxa'ta TColae;l1Alxlae; L\lXcr'tOl Eacr'twv Wc'tO!-lEVOl.Estas quest6es pressup6em as respostas fornecidas pelas tres parabolas, pelo currfculo e pelas restri<;:6es de idade que ocupam 0 restante do Livro VI e todo 0 Livro VII. Desse modo, os do is programas educacionais estao organizados simetricamente na discussao. Em cada caso, 0 pretexto polftico e proporcionado pelo estabelecirnento de urn determinado tipo de ser humano apropriado a uma determinada fun<;:aopolftica. Da-se entao a esse tipo uma defini<;:aopsicologica (que, no caso do fil6sofo, deve ser minuciosa), seguida por urn programa de treinamento.

39. Cf. abaixo, cap.13, notas 26-31.

41. 0 processo de sele<;:ao continua ate mesmo apos a descida

a

empeiria

(53ge5-540a5)' 42. 588b 1-4.

43. Friedlaender, p. 92: "A educa<;:ao dos guardiaes (vide Livro 7) nao po de ser muito distinta da que e dada aos estudantes na Academia"; cf. tambem Grube, p.240.

44. 0Protagoras (347c-348a) antecipa aRepublica ao demonstrar que a tentativa dos adultos em lidar seriamente com os poetas e equivocada; suas necessi-dades intelectuais exigem uma disciplina dialetica. As Leis mantem essa premissa, mas concentram-se no currfcdo escolar ("A arte como urn todo e relegada

a

educa<;:ao dos jovens e ao entretenimento dos adultos" -- Grube, p.207, onde em lugar de'arte" leia-se "poesia"; cf tambem Gould, p.118, que

aponta a possibilidade de que Platao, ao terminar as Leis, tenha "julgado que o Conselh~_ Noturno deveria seguir urn plano de estudos quase identico ao dos Guardlaes na Repziblica'J. Esse fato nao muda nada: a poesia deve ser tolerada e, na verdade, usada pelo legislador no nivel primario e secundario da educa<;:ao, ate mesmo quando expulsa da universidade; Marrou, pA88. 45. Para as qualifica<;:6es que necessariamente limitam 0 usa dessa palavra

quando aplicada

a

Academia, ver Cherniss, pp. 61-70.

46.

?

resultado logico desse arranjo derruba 0 argumento de que "0 ataque a poeSla nesta parte tern 0 ar de urn apendice, ligado apenas superficial-mente _ao ~ue 0 precede~ ..:' e torna desnecessaria a hipotese de que "as re:~fl<;:oe.sa poeSla dramatlca ... haviam se tornado conhecidas e atraido CIlt1cas as quals Platao apressou-se a responder" (Cornford p 321· f

tambem N td h· . 4 4 ' . ,c.

e es lp, pp. 3 0-3 1). Mesmo levando em conta a falta em ambas as meta~es dO_Livro X, de uma revisao interna (segundo Nettle::hip, pp. 341,.355), ISS0 n:o afeta a estrutura global do ttatado. A elimina<;:ao da poesla na educa<;:ao superior nao pode ser defendida antes que essa educa<;:a~ seja definida, e qualquer recompensa real que possa advir da Justl<;:a n~o pode ser sugerida ate que a justi~a tenha primeiramente se estabeleCldo. como autonoma. ]a em 1913,.tFackf 0rth,respon d:len, 0 a ~OInford, argumentou (a) que nao havia "pontos importantes nos quais 0 sistema educaClonal dos 6-7 seja incompativel com as de 2-4", mas (b) que as.duas partes,. no entanto, representavam "duas linhas de pensamen-to radlcalmente, dlferentes". Todavia, ele atribuia a diferen<;:a antes

a

ongem na ~etaflslca do que no desejo de aperfei.;:oar 0 sistema educacio-nal grego vlgente; mas cf. Havelock, "Por que Socrates foi julgado", p. 104.

(18)

2 MIMESIS

Falamos da tendencia subjacente da hostilidade de Platao

a

expe-riencia poetica como tal - urn fenomeno extremamente desconcertante para 0 platonico, que pode se sentir, nesta questao, abandonado pelo mestre. A critica de Platao

a

poesia e

a

condiyao poetica e de fato complexa, e e impossive1 entende-la a menos que estejamos preparados para chegar a urn acordo sobre a mais instave1 das palavras do seu vocabulario filos6fico, a palavra grega mimesis.] Na Repltblica, Platao emprega-a em primeiro lugar como uma classificayao estilistica para definir a obra dramatica em oposiyao

a

descritiva. Porem,

a

medida que e1e avanya, parece amplia-la ate abarcar varios outros fenomenos. Quan-do os compreendemos, algumas das pistas para a natureza da situayao cultural grega comeyam a emergir.

Tal palavra aparece2 quando, no Livro III, ele passa do tipo de

hist6ria narrada pe10 poeta para 0 problema da "tecnica de comunicayao verbal" do poeta. Esta expressao inc6moda pode ser adequada

a

traduyao das nuanyas do vocabulo grego lexis, que, como se ve claramente

a

medida que Platao prossegue, abarca toda a estrutura verbal, ritmica e figurativa de que disp6e 0 poeta. A critica que se segue agora, se a

(19)

observarmos atentamente, divide-se em tres partes. Platao inicia exami-nando 0 caso do poeta per se,3 seu estilo e os efeitos que ele pode obter.

Em meio a essa discussao, e1e faz urn desvio para refletir sobre os problemas ligados

a

psicologia dos "guardiaes",4 isto e, dos seus soldados cidadaos, problemas que considera relacionados, mas que certamente concernem a uma c1asse diferenciada na comunidade, pois nao se pode dizer que os soldados cidadaos sejam, por alguma extensao da imagina-<;;:ao,poetas. Mais adiante,5 ele retorna ao problema da composi<;;:aoe do estilo poeticos, e mais uma vez e 0 poeta, e nao 0 guardiao, que ocupa o campo de visao. Examinemos, em primeiro lugar, 0 que dizem as duas passagens sobre os poetas e sua poesia.

Platao come<;;:aargumentando que, virtualmente,em toda comuni-ca<;;:aoverbal existe uma distiIKao fundamental entre 0 metodo cl~~c.:ritivo-~_9-Sl<l~famatiz_as:~o:Ainda e I-Iol:r?:(C'!9~~.!9t6i!EOde aElbqs.SC:lls poemas .dividem-se entre

is·

falas--que- sio trocadas, como entre os atores, e os

discursos intercalados, feitos pelo pr6prio poeta. As primeiras constituem exemplos de

mimesis,

da "imita<;;:ao"ou "impersonifica<;;:ao"dramatica, os ultimos, exemplos de "simples relato,,6 ou, como poderfamos dizer, narrativa direta na terceira pessoa. 0 poema epico e assim,

in toto,

urn exemplo de modo misto de composi<;;:ao,ao passo que a pe<;;:ateatral constitui apenas urn exemplo de composi<;;:aomimetica. As palavras de Platao tornam 6bvio que ele nao esta interef,sado na distins;:aQ~!1:tre_o~ poem9:._epico e atragedi~~;'_SS:>f!lagllal~st;~9~

f:clmili.'l~iz£l: ...

aSs mas e~ti~o~b"i;icos de comunica<;;:aoverbal. A pe<;;:ateatral, segundo

sua' c1assif~io, est:'i contida~-p;ema-~Pi~o, em virtude de ser

narrativa. Ele da a entender 0 mesmo quando, ao responder

a

suposi<;;:ao de Adimanto de que ele esta preparando a exc1usao do drama do seu estado ideal, objeta: "Talvez; talv~~;cainda mais do que isso. Ainda nao sei ao certo; mas por onde a razao, como uma brisa, nos levar, e por af que devemos ir,,:7uma insinua<;;:aoque antecipa a Cfftica mais fundamental do Livro X e que nos adverte que a distint;;:aoformal entre poema epico e pe<;;:ateatral nao e em si relevante para essa finalidade filos6fica.

Ate aqui, conc1ufmos, 0 termo

mimesis

foi empregado de maneira util e de certo modo precis a para definir urn metodo de composi<;;:ao.Mas af se insinua, durante 0 desenvolvimento dessa parte da discussao, uma afirma<;;:aomuito curiosa: "Mas, quando nos dirige qualquer fala como sendo de outra pessoa, nao poderemos dizer que se esfor<;;:apara deixar

sua linguagem

(lexis),

tanto quanta posslve1, parecida com a da pessoa por ele mesmo anunciada" .- e entao continua PIatao: "Ora, tornar-se seme1hante a alguem na voz e na aparencia e imitar aquele com quem queremos parecer-nos" Ce, por conseguinte, realizar a

mimese).8

Pois bern, a julgar pela aparencia, ha urn

non-sequitur.

0 elo perdido, que se deixou escapar entre essas duasafirma<;;:6es, seria 0 seguinte: "Qualquer poeta que faz com que seu modo de falar se assemelhe ao falante esta se asseme1hando ele pr6prio ao falante.,,9 Ora, i880, quando associado

a

atividade criativa da composi<;;:aopor parte do poeta, e obviamente falso.

o

poeta exerce deliberadamente sua arte em selecionar as palavras circunstancialmente apropriadas a Agamemnon.Ao contrario de "imitar" o carater pessoal de Agamemnon, ele deve manter a autonomia de sua pr6pria coerencia artfstica, pois no momento seguinte a mesma

habiIida-de habiIida-deve ser empregada parap6r as palavras adequadas na boca de

Aquiles. Porem a suposi<;;:aode Platao seria quase verdadeira caso se aplicasse, naa

a

cria<;;:aode urn poema, mas a urn ator ou recitador que 0 repete. Sob certos aspectos, ele precisa realmente "identificar-se" com 0 original que the e fornecido pe10 artista criador. Ele precisa atirar-se ao . papel exatamente porque nao 0 esta criando, mas reproduzindo, e esta reprodu<;;:aoe feita para urn publico cujo interesse e aten<;;:aoe1e precisa prender. Ele pode recusar-se a "imitar" e obter apenas uma recep<;;:ao indiferente.

o

primeiro enigma relativo

a

mimesis

quanta ao uso que dela f2.z Platao ja se apresentou agora. Por que usa-la para descrever tanto uma atividade de composi<;;:aoque constitui urn ato de cria<;;:8oquanto uma atua<;;:aopor parte de urn ator que e urn porta-voz ou urn recitador? Sera isso uma utiliza<;;:aonegIigente e confusa do vocab1:-110,ou Platao estara manifestando fidelidade a uma situa<;;:aocultural que nos e estranha?

Quando no ultimo tert;;:olOde seu argumento, platao retorna

a

questao do poeta, a ambigiiidade entre a situa<;;:aodo artista criador e a do ator ou executante mantem-se.

E

impossfve1 afirmar qual deles 0 fil6sofo tern em mente em qualquer uma dessas passagens. Considerado como urn "orator", nosso poeta plat6nico preferira urn estilo com um minima de

mimesis

e urn maximo de descri<;;:ao.Sua indulgencia em formas extremas de

mimesis,

estendendo-se ate mesmo aos rugidos e guinchos de animais, estara numa propor\=ao direta

a

sua inferioridade como poeta. Entao, Platao acresoenta urn comentario que constitui em

(20)

parte uma analise estilistica e em parte urn juizo filos6fico: "0 modo dramatico-mimetico comporta todas formas de variac;;:oes."llEle e poli-morfo e, poderiamos dizer, exibe as caracteristicas de urn fluxo de experiencia rico e imprevisivel. 0 modo descritivo reduz drasticamente essa tendencia. Deveremos, portanta, admitir 0 desempenho daque1a especie de poeta versatil cujo talento the permite ser qualquer tipo de pessoa e representar tudo e qualquer coisa?12 Decididamente, nao.

:E

61:vio, portanto, que a situac;;:aodo artista criador e a do executante de uma obra de arte ainda se sobrepoem na mente de Platao.

Mas essa perorac;;:aolevanta ainda urn outro problema que mencio-namos no capitulo anterior. Por que sera 0 fil6sofo tao profunda mente hostil

a

amplitude e versatilidade que a dramatizac;;:ao possibilita? Argu-mentou-se que seu alvo e meramente 0 reali~mo extremo e grosseiro de alguns contemporaneos.13 Porem, a objec;;:ao filos6fica diz respeito

a

variedade e amplitude I~mprincfpio, e se aplicara tanto ao drama born quanta ao ruim. POI'que a virtude poetica (aos nossos olhos), que amplia tanto 0 campo do significado do produto quanta a empatia emotivano publico, converte-se em Platao exatamente num vido?

que lhes impoem nao sera estritamente tecnica, mas uma outra, que exige carateI' e juizo etico. Estes,diz ele, sac exatamente produtos de urn treinamento que empregue uma constante "imitac;;:ao",exercitada "desde a infancia".19 Portanto, 0 contexto da discussao desviou-se claramente da questao artistica para a educacional. Porem isso apenas complica ainda mais 0 misterio da ambivalencia da

mimesis.

POl' que deveria Platao, nao satisfeito com empregar a mesma palavra tanto para a criac;;:aoquanto para a declamac;;:aodo poema, aplica-Ia tambem ao ato de aprender realizado pelo aluno') POl' que, em suma, as situac;;:oesdo artista, do ator e do estudante sac confundidas? E isso nem esgota as ambigtiidades da palavra. Pois, quando e1e discorre acaloradamente sobre seu tema do guardiao-estudante e sobre como sua conduta moral depende do tipo carreto de "imitac;;:oes",0 aluno parece se tornar urn homem adult020 que,

pOl' algum motivo, esta incessantemente ocupado em recital' ou declamar poemas que podem envolve-Io em generos inadequados de imitac;;:ao. Seria preferivel,diz Platao, cuidar de exercer uma censura sobre sua pr6pria atuac;;:ao.Em suma, a questao poetica esta misturada nao apenas com a educacional mas tambem esta, portanto com a do entretenimento, se e que e esta a palavra correta para descrever 0 estado de espirito da recitac;;:aoadulta.

Nao admira portanto que os eruditos e os criticas tenham encon-trado dificuldade para concluir exatamente 0 que Platao quer dizer com

mimesis

21 Mas antes de deixarmos 0 Livro III ha ainda uma outra

complicac;;:ao a ser considerada. Quando introduzida, a palavra foi empregada para definir apenas urn

eidos

22 ou genero de composic;;:ao, a

saber, 0 dramatico, ao qual se opunha tanto 0 estilo "simples" da narrac;;:aodireta quanto 0 "misto", que emprega ambos. Este significado mantem-se durante a maior parte da discussao sobre estilo. Porem, antes do fim, Adimanto, sem nenhuma objec;;:aopOl' parte de S6crates, pode falar daquela "imitac;;:aode urn homem de bem, que e pura".23 Sera isso urn lapso ou deveremos inferir que a imitac;;:aoe um ten110 que tambem se aplica aos tipos nao-dramaticos de poesia? E, portanto, a tocla poesia

qua

poesia?

Esta e exatamente a acepc;;:aodad a

a

palavra quando a discussao se desenrola no Livro X.

:E

verdade que a poesia que deve ser banida e, inicialmente, qualificada como "poesia na medida em que e mimetica", mas essa qualificac;;:aoparece depois ser deixada de lado.24 Platao, como Na parte media da sua discussao, Platao subitamente passa dos

poetas e executantes ao exame dos jovens guardiaes do seu Estado e aplica ao seu caso a situac;;:aomimetica. Deverao ser imitadores?

pergun-ta.14 0ra, presume-se que e es nao serao nem poetas,nel11I - - atores, l11as soldados cidadaos e, neste caso, como pode 0 problema da

mimesis,

se se trata de uma questao de estilo e de metodo artistico, de alguma forma dizer respeito a eles? A pista esta nas "profissoes", "atividades", "compor-tamentos" ou "praticas" (todas elas sac traduc;;:oespossiveis de uma unica palavra grega:

epitedeumata),

que sao reconhecidamente fundamentais para a vida desses jovens.15 Quando adultos, deverao se tornar "artifices da liberdade,,16 do Estado. Mas devem igualmente aprender esse offcio e o aprendem pela pratica e pelo exercicio, na verdade, pOl' uma educac;;:ao mediante a qual sac treinados para "imitar" modelos de comportamento estabelecidos.17 Por conseguinte,

mimesis

agora torna-se urn termo apli-cado

a

situac;;:aode urn aprendiz, que absorve e repete lic;;:oese, por isso, "imita" aquilo que the mandam dominar profundamente. A questao torna-se mais clara quando Platao lembra aquele principio social e educacional anterior, que requeria divisao e especializac;;:aode trabalho.18 Os jovens guardiaes apresentam urn problema de treinamento. A tarefa

(21)

ele mesmo diz, tem agora uma Vlsao mais precisa do que a poesia realmente e.25 Ele superou a critica do LivroIII, que lirnitava seu alvo ao

teatro. Agora, nao apenas 0 dramaturgo mas Homero e Heslodo saG

discutidos. A questao tambem nao esta mais circuns,.::rita

a

preserva\;ao do carater moral. 0 perigo e mutilar 0 intelecto. E por que? A resposta, diz ele exigira uma defini\;ao completa e exat:stiva do que a

mimesis

, 26 d d' - 27

significa realmente. Esta resposta depen e e aceltarmos ou nao a doutrina platonica, estabelecida nos livros intermediarios, de que 0 conhecimento absoluto ou verdadeira ciencia, seja qual for0 nome que preferirmos Ihe dar, e 0 das Formas e somente delas, e de que a ciencia aplicada ou tecnica pratica depende de que os artefatos sejam c6pias das Formas. 0 pintor28 e 0 poeta nao conseguem fazer nenhuma das duas

coisas. A poesia nem sequer e nao-funcional; e antifuncional. Ela e totalmente desprovida do conhecimento exato que um artesao, por exemplo, pode empregar em seu ofkio,29 e menos ainda pode udlizar os objetivos e metas bem definidas que guiam 0 educador habilidoso no seu treinamento do intelecto. I,so porque esse adestramento depende da capacidade de calculo e rnensura\;ao; as ilusoes da experiencia senslvel saG corrigidas com discernimento pelo controle exercido pela razao. A poesia,

per contra,

incorre constantemente na ilusao, confusao e irracionalidade.30 E nisso que, em ultima analise, consiste a

mimesis,

um teatro de sombras fantasmag6ricas, como aquelas imagens vistas na escuridao, na parede cia caverna.31

Fizemos um resumo da parte fundamental dessa discussao. Num capitulo posterior, retornaremos a ela com maiores detalhes. Mas fica evidente agora que

mimesis

torn01.;-se a palavra

par excellence

para 0 instrumento lingufstico pr6prio do poeta e sua capacidade especial de utilizar-se dele Cincluindo-se, no ataque, ritmo e figuras) para representar a realidade. Para Platao, a realidade ou e racional, cientffica e 16gica, ou nao f~nada. 0 instrumento poetico, 310contrario de revelar as verdadeiras rela\;oes entre as coisas ou as verdadeiras definis;:oes das virtu des morais, forma uma especie de tela refratora que mascara e distorce a realidade e, 310 mesmo tempo, distrai-nos e nos prega pe\;as recorrendo

a

mais-superficial das nossas perceps;:oes.

Portanto, a

lnimesis

constitui agora 0 ato integral da representa\;ao poetica, e nao mais apenas 0 estilo dramatico. Com que fundamento poderia Platao empregar a mesma palavra primeiro no sentido restrito e

depois no sentido mais amplo? E de que maneira, repetimos, poderemos explicar nesse sentido mais amplo a hostilidade filos6fica essencial

a

experiencia poetica como tal?

Quando ele examina cuidcldosamente 0 fundamento da poesia, busca igualmente deflnir aquela parte da nossa consciencia para a qual ela esta destinada a chamar a aten\;a032 e

a

qual a lingua gem e 0 rttmo poeticos estio dirigidos. Esse e 0 campo do nao-racional, das emos;:oes patol6gicas, dos sentimentos irrefreaveis e instaveis, mediante os quais sentimos mas nunca refletimos. Quando cedeme,s a esses estados, eles podem enfraquecer e destruir aquela faculdade unica, a racional, na qual se funda a esperans;:a de salvas;:ao pessoaI e 1.31mbem de gararrtia cientffi-ca.33A

mimesis

acabou de ser aDlicada 310conteudo do discurso poetico. Porem,

a

medida que ele examina a atras;:ao que esse tipo de discurso exerce sobre nossa consci<§ncia, retrocede

a

descris;:ao cia patologia do publico diante da apresentas;:ao de uma poesia, e a

mimesis

retoma um daqueles significados que tivera no Livro III. Ela e agora 0 nome da identificas;:ao pessoal ativa mediante a qual 0 publico estabelece uma empatia com a representas;:ao.34 Eo nome da nossa submissao

a

sedus;:ao.

Ela nao mais des creve a visao imperfeita do artista, seja ela qual for, mas a identifica\;ao do publico com aquela visao.

o

Livro III havia nos preparado, repetimos, para esse significado

de

minzesis

e, se Plat:io tivesse empregado a palavra somente ou

princi-palmente neste sentido, terfamos menos dificuldade de en tender seu uso. A "imitas;:ao"como uma forma de personificas;:ao constitui uma concep\;ao compreensfvel. Embora possamos argumentar que 0 bom ator possa fazer uma recrias;:ao de seu papel, em geral sua atua\;ao e prontamente vista como um ato de imitas;:ao. Surpreendemo-nos, ou deverfamos faze-Io, diante do emprego adicional da palavra ao envolvimento do publico numa representa\;ao. As descris;:oes de Platao, neste contexto, soam como uma psicologia de massas. Nao tanto como 0 estado de espfrito e atitude com os quais os frequentadores de teatro assistem a uma pes;:a, muito menos ainda como 0 tipo de concentra\;ao de um 311uno 310fazer sua Ji\;ao. Na verdade, encontramos aqui indfcios de um emocionalismo singular, por parte dos gregos, que nao faz parte da nossa experiencia. Isso tudo faz parte do enigma maior ainda por se resolver.

Mas nada e realmente tao diffcil de assimilar, quando os valores e as rea\;oes modernos sao levados em conta, quanto aquela visao de

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